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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.5 no.2 Juiz de Fora Dec. 2011

 

RESENHA

 

A História da Psicologia Moderna e seu Ensino no Brasil

 

História da Psicologia Moderna.
Goodwin, C. J.
São Paulo: Cultrix, 2010, 4ª ed., 576p.

 

 

Luciana Xavier Senra

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora

 

A trajetória da Psicologia no Brasil está prestes a completar cinquenta anos. Esse pequeno percurso ainda é insuficiente para compor uma consistente historiografia nacional da Psicologia, assim como para transmitir, sem controvérsias, a história da Psicologia disciplina e ciência, sobretudo da Psicologia Moderna, nos currículos das graduações em todo o país.

De acordo com Goodwin (2010) e Koyré (1991), o curso de história, seja de qual for a disciplina, é constituído por ideias preconcebidas negativas e profundamente arraigadas em relação ao estudo da história. No que se refere à história da Psicologia, tais considerações também se fazem presente. Ironicamente ou não, o principal historiador, E. G. Boring, carrega no próprio nome (Boring) uma conotação de que a história é chata e monótona. Por esta razão, nesse fato, já se identifica a primeira controvérsia e o desafio para o estudo e o ensino da história da Psicologia em âmbitos internacional e nacional (Goodwin, 2010).

Com a nova edição de "História da Psicologia Moderna", de C. James Goodwin, o problema destacado acima é mais uma vez salientado pelo autor (conforme a segunda edição, de 2005) no seu prenúncio de uma história da Psicologia que parta dessa preocupação, além da delimitação de um período, do contexto com suas características e seus personagens com suas contribuições intelectuais e profissionais, que componham a história que se pretenda descrever e analisar.

A quarta edição do livro de Goodwin não traz apenas dados cronológicos quinquenais de 1800 à 2000, conforme a segunda. É composta por fatos e personagens históricos importantes para a Psicologia, que contextualizam os grandes acontecimentos mundiais anualmente, nesse mesmo período, e expõe o objetivo que o autor se propõe: promover uma visão equilibrada da História da Psicologia e, de certa maneira, da História em geral e de como estudá-la.

De acordo com Goodwin (2010, p. 33), a referida visão equilibrada da história "reconhece as complexas interrelações entre as pessoas e o ambiente em que atuam" e, por isso, permite conceber que personagens importantes para a história foram produtos do mundo em que viveram e também responsáveis pelas decisões constituintes e transformadoras do contexto histórico no qual estavam inseridos.

A historiografia proposta no livro objetiva ainda, além de informar a respeito da história da Psicologia, ajudar a perceber o comportamento profissional dos historiadores através da exposição de dados interessantes a eles e os problemas com os quais se deparam ao realizarem seus trabalhos, tais como: a utilização de fontes secundárias, análises interna e externa, presentismo e historicismo, dentre outros. Todos esses problemas estão visivelmente presentes na historiografia da Psicologia e amplamente salientes nos livros didáticos e até alguns artigos utilizados nas graduações (Schultz & Schultz, 2002; Alberti, 1999; Figueiredo, 2003).

Em referência aos últimos 150 anos de acontecimentos referentes à Psicologia, Goodwin evidencia a ênfase que dá à história recente e moderna da Psicologia e a menor dedicação às raízes filosóficas, embora não as desconsidere. O autor justifica a delimitação desse período com base na experiência que possui como professor, pois, segundo ele, "o tratamento extensivo do pensamento filosófico dos gregos a Descartes impede que avancemos muito no século XX (...)" (Goodwin, 2010, p.3). Afirma ainda o autor que essa estratégia possibilita aos alunos de Psicologia estabelecer relações entre a história e as demais "especialidades" da Psicologia. Isto é, o curso de história deve proporcionar o aprendizado de ideias e pesquisas dos precursores da Psicologia, sobretudo daqueles que se empenharam no período em destaque.

A quarta edição do livro traz ferramentas pedagógicas eletrônicas (www.wiley.com/college/goodwin) para professores e estudantes de história da Psicologia. Para alunos, um guia online constituído por revisão orientada de conceitos e diversas amostras de testes com respostas. Para professores, é disponibilizado um manual do instrutor com um banco de testes. O complemento eletrônico dessa edição, pode-se inferir, contribui para uma melhor divulgação e enriquecimento da temática da história da Psicologia, que costuma ser pouco atraente para os estudantes, e acarretar má compreensão histórica das referidas ideias e pesquisas precursoras na Psicologia, e a viabilização de equívocos como o presentismo, ou seja, a análise dos fatos passados com concepções, instrumentos e métodos atuais.

Em relação à composição dos capítulos, todos apresentam uma visão geral e objetivos pertinentes ao que será discutido. Ao serem finalizados, apresenta-se o resumo da abordagem, questões para (estudo de) revisão e sugestões de leitura complementar com pequenas explicitações do que cada uma delas aborda. Essa didática também foi usada na segunda edição. Entretanto, a atual edição difere quanto às citações centrais de fontes primárias, em sua maioria, pertinentes às temáticas por terem sido incorporadas ao texto principal do capítulo, não mais ilustrando a seção especial intitulada trecho de fonte original. Além disso, ela se difere também em referência às datas e fatos significativamente importantes para a Psicologia, bem como outras datas, as quais Goodwin denominou datas-chave relativas a outros fatos exteriores ao terreno da Psicologia e importantes para a compreensão contextual.

As citadas caixas de datas-chave da quarta edição, acrescidas de mais dados contextuais e por fatores externos, permite identificar uma análise/postura mais externalista de Goodwin, embora ele mencione que tenta promover uma inter-relação entre história velha e nova, externalista e internalista, presentista e historicista, considerando que o livro-texto, para ele, destina-se aos cursos de História e de Psicologia. Entretanto, ressalta que essa inter-relação pretende evitar uma explicação presentista, cuidado que é verificado ao longo dos capítulos da quarta edição.

As alterações da quarta edição não tornaram o livro de Goodwin mais denso ou extenso, ao contrário, tornaram-no mais rico quanto à maior utilização de fontes primárias e à atualização dos dados de pesquisas mais recentes e relativas aos fatos, eventos e personagens da História da Psicologia. O autor alcança as metas delimitadas no texto introdutório e é, simultaneamente, historicista e personalístico, ao explicitar conceitos, contextos e eventos importantes para a historiografia. Essa abordagem o aproxima, por exemplo, de Boring (1963), que defende uma história com base em fatos, e não em grandes nomes, e evidenciando que Goodwin utiliza-se de categorias tanto da história velha, quanto da nova, sem problemáticas e análises que, na grande maioria das vezes, explicitem os equívocos do presentismo.

Contudo, talvez pela tentativa de proporcionar uma continuidade da referida inter-relação ao longo do livro, em alguns capítulos (primeiro, terceiro e sexto, por exemplo), Goodwin tende a ser um pouco controverso, conforme podemos citar em relação ao primeiro, pois lança mão do uso de fontes secundárias que se remetem à Boring, remetendo ao que ele mesmo classifica como um conjunto de fatores de certa maneira questionável, por já ser uma interpretação dos textos de Boring e não de suas considerações num dado momento a respeito de alguma temática da história da Psicologia (referência à distorção na ênfase na Psicologia experimental básica em detrimento da Psicologia aplicada).

O capítulo de conclusão da 4ª edição do livro de Goodwin traz a ênfase de que a história da Psicologia deve ser entendida a partir da compreensão do presente sem desconsiderar o passado, para que, enquanto disciplina, ela se torne unificada. Entretanto, o autor ressalta que a apresentação atual da história da Psicologia é incompleta e impede essa unificação, devido ao seu crescimento exponencial nos últimos quarenta anos, sobretudo com subespecialidades que abarcam a neurociência, a genética e o uso intenso de tecnologias. Peculiaridades já demonstradas na segunda edição.

A leitura de "História da Psicologia Moderna" permite constatar que o desafio de promover uma história desprovida de tantas controvérsias comuns à historiografia da Psicologia e da ciência (por exemplo, historicismo versus presentismo) permanece em aberto, mesmo quando são adotadas medidas com intuito de se viabilizar a mencionada unificação da Psicologia pela disciplina de História da Psicologia.

Nesse sentido, portanto, se verificarmos o constante cuidado do autor em abordar categorias da velha e da nova história da Psicologia, inter-relacionandoas e justificando cada uso para a produção de um livro-texto que atenda, simultaneamente, estudantes de Psicologia e de história da Psicologia, veremos que Goodwin consegue propor uma historiografia geral sem tantos problemas (presentismo), principalmente se o correlacionarmos com textos de autores tão importantes para a História da Psicologia, como Boring (1963) e Danziger (1994). Essa é, talvez, a principal distinção entre o livro-texto de Goodwin e os demais utilizados na grade curricular dos cursos de história da Psicologia e Psicologia no Brasil.

 

Referências

Alberti, S. (1999). História da Psicologia no Brasil - Origens Nacionais. In Clio-psychè: história da Psicologia no Brasil. Acesso em 09 set 2011, em http://www.cliopsyche.uerj.br/livros/clio1/historiadapsicologia.htm#_ftn2.         [ Links ]

Boring, E. (1963). Eponym as Placebo. In R. Watson & D. Campbell (eds.), History, Psychology and Science: Selected Papers. New York: John Wiley.         [ Links ]

Danziger, K. (1994). Does the History of Psychology Have a Future? Theory and Psychology, 4(4), 467-484.         [ Links ]

Figueiredo, L. C. M. (2003). Matrizes do Pensamento Psicológico (10ª ed.). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Goodwin, C. J. (2005). História da Psicologia Moderna (2ª ed.). São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Goodwin, C. J. (2010). História da Psicologia Moderna (4ª ed.). São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Koyré, A. (1991). Perspectivas da história das ciências. In A. Koyré, Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense.         [ Links ]

Schultz, D. P., & Schultz, S. E. (2002). História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix.         [ Links ]