SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número2Similaridade Ortográfica e Reconhecimento de Letras na Tarefa de Reicher-WheelerHeterogeneidade Cognitiva nas Dificuldades de Aprendizagem da Matemática: Uma Revisão Bibliográfica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.6 no.2 Juiz de Fora dez. 2012

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200006 

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200006

ARTIGOS

 

A Produção Científica sobre a Formação de Psicólogos no Brasil*

 

Scientific Production about Undergraduate Training in Psychology in Brazil

 

 

Joyce Pereira da Costa; Ana Ludmila Freire Costa; Fellipe Coelho Lima; Pablo de Sousa Seixas; Vanessa Costa Pessanha; Oswaldo Hajime Yamamoto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar publicações sobre a formação graduada de psicólogos no Brasil. Foram coletados artigos, livros, capítulos de livros, dissertações e teses, publicados até 2011, em bases de dados on-line, resultando em 176 documentos. Foram analisados aspectos relativos aos seguintes tópicos: ano de publicação, autoria, distribuição geográfica, delineamento do estudo, área da psicologia e tema da formação graduada. Os resultados principais sugerem que: a produção sobre a temática encontra-se dispersa e possui caráter opinativo; grande parcela das publicações focaliza áreas tradicionais da Psicologia e aborda o tema por uma ótica internalista. Ressalta-se a necessidade de maior articulação entre os pesquisadores do campo e maior produção de estudos sobre o tema, além da consideração dos determinantes macropolíticos para melhor compreensão do processo formativo.

Palavras-chave: Graduação em psicologia; trabalhos acadêmico-científicos; análise documental.


ABSTRACT

This paper aims to analyze studies on psychology undergraduate training in Brazil. 176 documents (articles, books, book chapters, theses and dissertations) published until 2011 were collected. The following topics were analyzed: Year of publication, authorship, geographic distribution, study design, areas in psychology and the undergraduate training. The main results indicate that publications on this subject are dispersed and mostly composed of opinionative essays, and that a large part of the publications focus on traditional areas of psychology, and adopt an internalist perspective on the analysis. It is concluded that we need an increase in cooperation among researchers of this field as well as more empirical studies related to the subject, and that considering macropolitical determinants is important for a better understanding of the undergraduate training process.

Keywords: Psychology undergraduate training; scientific publication; documentary analysis.


 

 

As primeiras discussões sobre a formação de psicólogos no Brasil surgiram antes mesmo de sua institucionalização1, atreladas, sobretudo, aos debates em torno do exercício profissional. Em parte, eram atribuídas à formação os problemas vistos na atuação dos psicólogos (e.g., Azzi, 1964/1965) e tentava-se definir que elementos seriam imprescindíveis à melhoria da preparação profissional (e.g., Angelini & Dória, 1964/1965).

Essas avaliações ocorreram em paralelo com o processo de regulamentação, tanto da profissão quanto da formação nesse campo. Assim, em 1962, o Conselho Federal de Educação emitiu o Parecer nº 403, que dispôs acerca do currículo mínimo para os cursos de Psicologia, discriminando as matérias necessárias para o bacharelado, licenciatura e formação de psicólogos. Também fixou a duração de quatro anos para os níveis de bacharelado e licenciatura, e de cinco anos para a formação de psicólogo, sendo exigido, neste último, treinamento prático em estágios supervisionados. Além do documento citado, a Lei nº 4.119/62, que regulamenta a profissão de psicólogo no país, dedica um capítulo sobre as condições de funcionamento dos cursos da área, exigindo a organização de serviços de Psicologia a serem ofertados à sociedade.

Cinquenta anos se passaram desde então e, dadas as mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas no país durante esse período, a preparação de profissionais em Psicologia não passou incólume. No tocante à configuração institucional e à distribuição regional dos cursos da área, verificou-se crescimento exponencial no seu quantitativo, sobretudo em instituições privadas, refletindo as políticas de expansão do ensino superior adotadas pelo governo brasileiro ao longo desse período (Lisboa & Barbosa, 2009; Yamamoto, 2004).

Como verificado por Yamamoto, Souza, Silva e Zanelli (2010) em investigação sobre os psicólogos brasileiros, tal expansão refletiu na evolução do quantitativo de profissionais formados ao longo dos últimos anos, que são, em sua maioria, provenientes de instituições da rede privada de ensino (71,1%). Com base em dados do Cadastro das Instituições de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), extraídos em 2011, o Brasil conta com 460 cursos de graduação na área, estando a maior parte deles localizada na egião Sudeste (46,3%). Além disso, há predominância das instituições de caráter universitário (61,1%) e ampla prevalência da rede privada de ensino (83,3%) (Ministério da Educação do Brasil, 2011).

Na esteira dessas mudanças, após quase sete anos de debates entre as entidades da categoria, em 2004 uma nova regulamentação para a graduação em Psicologia emergiu com a Resolução nº 8/20042. Tal resolução instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) no lugar dos currículos mínimos e trouxe como principais inovações: a) a conformação do currículo em um núcleo comum voltado para a capacitação básica dos alunos, e em ênfases curriculares, relacionadas ao aprofundamento em algum domínio da Psicologia, com a exigência mínima de oferta de duas opções para escolha do discente; b) o foco no desenvolvimento de competências agregadas aos conhecimentos; e c) a ampliação da presença do estágio na formação, tanto no núcleo comum quanto nas ênfases (Bernardes, 2004). Esta mudança teve como principal propósito tornar os cursos mais flexíveis e adaptáveis às transformações sociais (ou, mais precisamente, às exigências do mercado), em resposta às demandas impostas por organismos internacionais na reorganização da qualificação dos trabalhadores (Catani, Oliveira & Dourado, 2001; Cruces, 2006; Witter & Ferreira, 2005).

Para Witter e Ferreira (2005), parte das decisões tomadas a respeito da formação de psicólogos, até então, seriam destituídas de devido embasamento científico. Se isso de fato ainda acontece, não seria por falta de investigações a respeito, tendo em vista que a temática vem sendo estudada ao longo do desenvolvimento da profissão. Essa produção possui escopos diversos, seja por recorte espacial, diversidade de bases teórico-metodológicas ou área pesquisada (Lisboa & Barbosa, 2009).

Embora a formação de psicólogo no Brasil conte com produção considerável a seu respeito, são escassas as análises acerca dela. Uma pesquisa com esse propósito foi realizada por Pardo, Mangieri e Nucci (1998) e focalizou a análise de 56 artigos que versavam sobre a profissão e formação de psicólogos no país, publicados em cinco periódicos nacionais até 1996. Como resultados, verificou-se que os aspectos mais abordados pelos documentos foram relativos à administração dos cursos e aos conteúdos da formação, sugerindo que os autores pesquisados por Pardo et al. (1998) atribuíam, à época da investigação, maior importância às decisões e ações voltadas para o funcionamento dos cursos.

Outra investigação com o mesmo caráter foi empreendida por Witter e Ferreira (2005) e deteve-se na análise de 48 dissertações e teses publicadas entre 1990 e 2002. Para esses autores, o quantitativo de produções coletadas foi aquém do esperado, tendo em vista que, de acordo com eles, o período abarcado pela pesquisa foi marcado por farta discussão sobre a temática. Esse dado os levou a especular que as discussões sobre a formação poderiam partir mais de opiniões que de dados empíricos. Contudo, reconheceram a necessidade de se investigar outros tipos de produções para melhor assegurar essa hipótese.

Diante das últimas transformações e constatações relacionadas à formação em Psicologia no país, e reconhecendo a importância de investigações que se detenham na análise da produção relativa a essa temática, foi proposto o presente estudo. Trata-se de uma pesquisa documental, com caráter descritivo-exploratório, que objetivou investigar a produção acadêmico-científica que versa sobre a formação graduada de psicólogos no Brasil. Especificamente, buscou-se realizar a caracterização do material considerando o seu formato, autoria e conteúdo temático.

 

Método

No período compreendido entre o segundo semestre de 2010 e o primeiro de 2012 foi realizada uma busca pelas produções que tratam da formação de psicólogos no Brasil. Esse levantamento efetivou-se em bases de dados on-line, reconhecidas pela comunidade acadêmico-científica da área3, por meio dos seguintes descritores, combinados entre si conforme as exigências de pesquisa de cada base de dados: formação, currículo, curso, graduação, psicólogo e psicologia. A escolha por tais palavras tomou por base a recorrência em textos reconhecidos sobre o tema (e. g., Duran, 1994; Gomide, 1988; Witter & Ferreira, 2005). A seleção do material orientou-se pelos títulos, resumos e trabalho integral, quando disponível, respeitando os seguintes critérios: a) discutir a formação do psicólogo no Brasil de forma prioritária; b) focalizar a formação graduada e c) apresentar formato de artigo, livro e capítulo de livro, dissertação ou tese. Os trabalhos relacionados à formação em licenciatura não foram considerados, dadas a peculiaridade do tema e as exigências de uma discussão específica.

Fontes complementares foram utilizadas visando à obtenção de informações sobre a existência de outras produções relacionadas ao tema (bibliografias citadas em estudos reconhecidos sobre a formação de psicólogo), bem como de dados sobre os autores dos trabalhos (currículo Lattes dos autores com mais de uma publicação sobre a temática). Posteriormente, as informações sobre os documentos foram coligidas e organizadas em banco eletrônico e submetidas à análise de estatística descritiva. A estratégia metodológica resultou em 176 publicações, sendo 90 artigos, 53 livros, capítulos de livros e coletâneas, e 33 dissertações e teses, cuja análise foi dividida nos seguintes blocos: distribuição temporal; autoria e distribuição geográfica; e conteúdo do material.

 

Resultados e Discussão

Distribuição Temporal

A apresentação da distribuição das publicações no campo de formação em Psicologia ao longo do tempo objetivou fornecer elementos para que se entendesse como ocorreu a relação entre a produção de conhecimento e eventuais períodos históricos relativos ao tema.

Considerando a Figura 1, percebe-se que a partir de 1990 - e mais intensamente na segunda metade deste decênio - há um crescimento exponencial do número de publicações, que se acentua no final da década, criando um ritmo considerável no início do século XXI. Esse incremento corresponde tanto a movimentos externos quanto internos à Psicologia, estando, dentre outros fatores, relacionado a um intenso processo de disponibilização de materiais na internet, fomentado pelo Movimento de Acesso Aberto à Informação, bem como ao desenvolvimento da pós-graduação, norteada pelas políticas científicas de incentivo à publicação.

No âmbito interno à Psicologia brasileira, um resgate de sua história permite levantar outros determinantes. Com a distribuição temporal dos documentos por tipo de estudo (Figura 2), observa-se que os trabalhos teóricos e os relatos de pesquisa apresentaram uma intensa aceleração após o decênio de 1990; destaque para os primeiros, dentre os quais 88% foram produzidos após a metade da referida década.

 

 

De fato, foi apenas a partir deste momento, com as críticas feitas à formação difundidas, que essa preocupação com o campo se traduziu no aumento e diversificação da produção sobre o assunto. Antes disso, embora o período compreendido entre as décadas de 1960 e 1970 tenha sido marcado por debates em torno da questão do currículo mínimo, tais discussões não se materializaram em publicações na mesma proporção em que ocorreram, havendo maior objetivação apenas anos depois.

Para Bernardes (2004), o período de 1990 a 2004 foi caracterizado pela maior mobilização das entidades científicas e profissionais e dos cursos de Psicologia, bem como pela reestruturação curricular dos cursos de Psicologia, em decorrência da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Tal mudança suscitou intensos e diversificados debates pela categoria sobre a formação "adequada", recolocando e ampliando a discussão desse tema no Brasil.

Autoria e Distribuição Geográfica dos Autores

A análise de autoria tomou por base apenas os primeiros autores dos trabalhos, uma vez que estes seriam os principais responsáveis pela publicação (Garcia, Martrucelli, Rossilho & Denardin, 2010). Para os artigos, livros, capítulos de livros e coletâneas encontrados (total de 143 documentos), há 106 autores distintos. Destes, apenas 24 (22,6%) têm mais de um trabalho divulgado sobre formação de psicólogo no Brasil. A mesma situação ocorre com as dissertações e teses, ou seja, somente um orientador, dos 29 listados, apresentou orientação no tema mais de uma vez. Assim, a produção acerca da temática é pontual para 82 autores, sendo realizada uma vez durante sua carreira acadêmico-científica, da mesma forma que as orientações de dissertações ou teses.

Quanto aos pesquisadores que se destacam pela produção no assunto (n=24), 11 (45%) apontam, em seus currículos Lattes, a formação do psicólogo como um tema de investigação; 6 (25%) têm linhas de investigação nesse quesito; e 9 (37,5%), algum projeto de pesquisa. Ainda constatou-se que a produção desses autores dentro do conjunto aqui analisado totaliza 61 documentos, o que equivale a aproximadamente 35% dos trabalhos. Tais escritos representam, na trajetória acadêmico-científica desses autores, 6% de sua produção total de livros e capítulos de livros, havendo variação de 0,8 a 30% no que se refere aos artigos científicos.

Esses dados constroem um cenário no qual a produção está condicionada a publicações esporádicas e a autores que não adotam o tema "formação de psicólogos" como objeto de pesquisa frequente em suas carreiras acadêmicas. Tal produção nem mesmo é central para os que dissertam sobre o assunto mais de uma vez e, entre estes pesquisadores, menos da metade estrutura suas investigações de modo sistemático em torno do assunto. Essa observação, somada à constatação da dispersão na autoria dos trabalhos, sinaliza que a formação do psicólogo no Brasil tem sido uma questão tangencial nas investigações científicas.

Outro dado que chama a atenção sobre a autoria é que mais da metade do material (56,6%) foi produzido individualmente4. Essa constatação pode sinalizar a existência de pouca interlocução entre os pesquisadores para a produção de um trabalho científico, indo na contramão do desejado atualmente para a construção do conhecimento na ciência (Maia & Caregnato, 2008).

Dentre os trabalhos sobre os quais foi possível identificar a origem geográfica dos autores (n=163), verificou-se que grande parte é proveniente do Sudeste (66%), seguido pela região Sul (14%), Nordeste (14%), Centro-Oeste (5%) e Norte (1%). Esse quadro não necessariamente reflete tendências particulares da produção sobre a formação do psicólogo, mas sim a conformação geral da publicação em Psicologia e da ciência brasileira como um todo, marcada pela desigualdade de recursos, de oportunidades educacionais e de formação acadêmica entre as regiões (Cavalcante, 2011; Costa, Amorim & Costa, 2010; Yamamoto, Sousa & Yamamoto, 1999).

Conteúdo Abordado nas Publicações

Para discutir o conteúdo presente nos documentos coligidos para esta pesquisa, foram elencadas três categorias para classificação do material: delineamento dos estudos, área da Psicologia a qual os trabalhos se referem e temáticas abordadas.

A partir da análise do delineamento dos estudos, observa-se que a maioria dos materiais reunidos configura-se como textos de natureza teórica (39 documentos, 27%) em comparação com textos resultantes de pesquisa (21%) e os relatos de experiência (4%)5.

Sobre a classificação dos documentos quanto à vinculação com as áreas da Psicologia, os dados constroem um cenário interessante. Verificou-se que mais da metade (n=76) aborda a formação do psicólogo a partir de uma perspectiva que não se detém em área específica alguma, demonstrando que os pesquisadores se interessam pela discussão da formação de um modo geral. Este dado não é surpreendente, visto que há a expectativa de que, no nível da graduação, o estudante de Psicologia tenha formação ampla e generalista, sem especializações precoces. Apesar disso, a outra parcela dos documentos identificados nesta pesquisa (n=58) objetiva analisar a relação entre a atuação profissional e a formação graduada, considerando contextos específicos de trabalho do psicólogo6.

Adaptando-se à classificação de área de atuação da Psicologia utilizada pela Associação Brasileira de Psicologia (antiga Sociedade Brasileira de Psicologia) - clínica, escolar/educacional, organizacional/do trabalho, social, saúde, hospitalar, trânsito, jurídica, esporte, neuropsicologia, ambiental -, constata-se que apenas cinco figuraram nos trabalhos sobre a formação do psicólogo no Brasil, conforme a Tabela 1.

 

 

Percebe-se que grande parte das áreas identificadas são consideradas tradicionais pela Psicologia, o que reafirma a persistência de se pensar a graduação para atender aos três grandes campos de atuação psicológica: clínica/saúde, educação e trabalho. Essas subáreas representam os processos em torno dos quais a formação graduada pode se organizar, uma vez que as orientações indicadas nas DCNs sugerem essa estruturação (especificamente no Art. 12º, parágrafo 1º).

A última classificação empreendida sobre o conteúdo dos documentos refere-se aos temas abordados7, o que pode ser verificado na Tabela 2.

 

 

Para melhor compreensão, as seis categorias temáticas expostas na Tabela 2 podem ser sistematizadas em três conjuntos de aspectos. O primeiro, de maior ocorrência nesta pesquisa, refere-se às características dos currículos e das disciplinas (categorias "Características curriculares" e "Conteúdos teóricos e técnicos"). Os documentos assim classificados abordam temas como organização curricular, conteúdos que são/devem ser abordados na graduação, aspectos como formação científica e ética na graduação, além de questões filosóficas, epistemológicas e políticas que subsidiam os projetos pedagógicos dos cursos. Esse conjunto de publicações (62,3% dos casos passíveis de classificação) parte de uma perspectiva interna, isto é, discute a formação em Psicologia como um fenômeno autocentrado na própria Psicologia e descolado da perspectiva da formação acadêmico-profissional no ensino superior.

Outro conjunto de documentos aborda o tema da formação graduada em Psicologia a partir de uma perspectiva técnica (categorias "Atores" e "Institucional"). As publicações assim classificadas (16,7%) discutem características demográficas, habilidades, expectativas e avaliação de discentes, docentes, supervisores de estágio e coordenadores, além de relatos históricos e diagnósticos sobre o funcionamento de um curso de Psicologia específico ou a comparação entre vários deles. Somado à categoria anterior, esse montante totaliza quase 80% das publicações coletadas. Considera-se, com isso, que a maioria dos estudos sobre formação do psicólogo no Brasil trata de questões técnicas e pontuais da Psicologia, sem contextualizar o fenômeno quanto às determinações macropolíticas definidas para o Ensino Superior no país. É reafirmada, portanto, a tendência da comunidade psicológica em discutir sua formação graduada a partir de uma ótica internalista.

As reflexões que consideram fatores macropolíticos ocorreram em apenas 20,6% dos documentos aqui apresentados e discutem a formação do psicólogo a partir dos marcos lógico-legais (categorias "Legislação" e "Políticas de educação"). Considera-se que temas como "Diretrizes Curriculares Nacionais", "Lei de Diretrizes" e "Bases da Educação e o impacto da política neoliberal no setor da educação" são centrais para se compreender a formação de qualquer profissional (Frigotto, 2011). É verdade que aspectos peculiares à área da Psicologia interferem diretamente nas características da capacitação desses profissionais, mas são as políticas nacionais do ensino superior que impactam mais significativamente na conformação deste fenômeno. Contudo, verifica-se que apenas uma parcela minoritária dos trabalhos coligidos apresenta esta preocupação ao abordar o assunto.

A formação do Psicólogo em Tela

O resgate dos principais resultados obtidos permitem ilações acerca de como é a produção sobre a formação do psicólogo no Brasil, constando-se que: a) uma parcela importante da produção focaliza suas discussões em áreas tradicionais da Psicologia, chegando a 79,3% do total conforme Tabela 1; b) a produção encontra-se dispersa e tem caráter opinativo, de acordo com a análise de delineamento dos trabalhos, distribuição dos documentos por autor e tipo de autoria do trabalho; e c) os trabalhos partem, em grande medida, de uma ótica internalista para abordar o tema.

Corrobora para o primeiro ponto a presença de três subáreas consagradas entre as cinco especificadas (clínica, escolar/educacional, organizacional e do trabalho) nos casos em que houve focalização em algum campo de atuação. Por um lado, esses documentos indicam que há preocupação a respeito da capacitação profissional em cada área, o que é salutar para qualquer âmbito. Por outro, podem refletir a persistente intenção em preparar o psicólogo com base nessas áreas. Em ambos os casos, é fato que são necessárias pesquisas adicionais para a comprovação das afirmações. Entretanto, considerando-se a diversidade de públicos e demandas que surgem para o psicólogo, cabe questionar: será que as áreas consagradas são suficientes para se pensar a preparação desse profissional?

No que diz respeito ao segundo ponto, a predominância de materiais produzidos individualmente, com caráter teórico/ensaio, bem como de autores com um único trabalho escrito sobre o assunto, reforçam a ideia de que o tema "formação do psicólogo" apresenta um campo de pesquisa disperso, em que as publicações de maior visibilidade são majoritariamente opinativas. Soma-se a isso o fato de que poucos são os pesquisadores com linhas de pesquisa sistematizadas relativas à temática. Essas constatações atestam a afirmação de Witter e Ferreira (2005) de que as decisões tomadas a respeito da formação de psicólogos não contariam com o devido fundamento científico. Todavia, é preciso destacar que espaços de reflexão sobre o tema continuam sendo criados na tentativa de estimular o debate, a exemplo da produção de um periódico voltado prioritariamente para o ensino de Psicologia e a formação do psicólogo, o Psicologia Ensino & Formação, pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia.

No âmbito da investigação aqui apresentada, não se trata de desconsiderar a relevância de estudos de caráter teórico, mas de ressaltar a importância da busca por confirmar ou conhecer, de forma sistematizada, os aspectos que de fato impactam a preparação graduada ofertada. Nesse sentido, os dados empíricos contribuem, consideravelmente, para a melhor visualização da realidade estudada e, consequentemente, melhor planejamento sobre os rumos a serem delineados para a formação na área.

Por sua vez, a observação de que as discussões sobre a formação em Psicologia partem de uma perspectiva internalista sustenta-se mediante a classificação de temas abordados pelos estudos. Em sua maioria, os trabalhos se detêm em características curriculares, conteúdos teóricos e técnicos e aspectos relativos ao funcionamento dos cursos. Esses dados aproximam-se dos achados de Pardo et al. (1998), reafirmando que o tratamento da formação graduada em Psicologia centra-se em questões pontuais, deixando à margem análises que contemplam as políticas de educação superior. Essa conformação é preocupante, uma vez que implica em exames limitados desse processo formativo. Uma análise histórica do desenvolvimento da formação em Psicologia no país revela quão foram influentes as determinações macropolíticas para o fenômeno estudado. Nas últimas décadas, esse quadro não tem sido diferente, com impactos que vão da expansão dos cursos aos modelos de ensino adotados nas instituições de ensino superior, como nos mostra Ferreira Neto (2010), Lisboa e Barbosa (2009) e Yamamoto (2004).

 

Considerações Finais

Diante do exposto, defende-se a necessidade de maior interlocução entre os pesquisadores do campo e que mais estudos empíricos sobre a formação do psicólogo sejam empreendidos e publicados. Igualmente, sugerem-se estudos que discutam o perfil de formação em Psicologia (generalista x especialista) e a pertinência de tais modelos, e que não prescindam da articulação entre o processo formativo e as políticas de ensino superior. Este conjunto de aspectos contribuirá substancialmente para a elaboração de reflexões cada vez mais aprofundadas e consistentes, capazes de embasar, a contento, as escolhas e definições relativas à preparação profissional na área.

A estratégia metodológica adotada nesta pesquisa atendeu satisfatoriamente aos objetivos propostos. Todavia, a escolha da internet para a busca das publicações almejadas gerou implicações para o estudo, uma vez que nem todos os materiais encontrados possuíam o resumo ou o trabalho completo disponíveis, limitando, assim, algumas análises. Nesse sentido, sugere-se, para investigações futuras, a realização de pesquisas que se detenham a outros aspectos do material ora não considerados, como as citações utilizadas, por exemplo, e que contemplem também outros tipos de publicações, como resumos em anais de eventos científicos.

 

Referências

Angelini, A., & Dória, C. S. (1964/1965). Contribuição para a formação básica do psicólogo. Boletim de Psicologia, 16-17, 41-45.         [ Links ]

Azzi, E. (1964/1965). A situação atual da profissão de psicólogo no Brasil. Boletim de Psicologia, 16-17, 47-61.         [ Links ]

Barbosa, M. D. L. (2007). Estudo sobre a reestruturação curricular do curso de Psicologia da Universidade de Brasília: o processo e seus produtos. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Distrito Federal.         [ Links ]

Bastos, A. V. B. (1988). Áreas de atuação: em questão o nosso modelo profissional. In  A. V. B. Bastos & P. I. C. Gomide, Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro?, (pp. 163-193). São Paulo: Edicon.         [ Links ]

Bernardes, J. S. (2004). O debate atual sobre a formação em psicologia no Brasil – permanências, rupturas e cooptações nas políticas educacionais. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Catani, A. M., Oliveira, J. F., & Dourado, L. F. (2001). Política educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular nos cursos de graduação no Brasil. Educação e Sociedade, 22, 67-83.         [ Links ]

Cavalcante, L. R. (2011). Desigualdades regionais em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no Brasil: uma análise de sua evolução recente. Rio de Janeiro: IPEA.         [ Links ]

Costa, A. L. F., Amorim, K. M. O., & Costa, J. P. (2010). Profissão de psicólogo no Brasil: análise da produção científica em artigos. In O. H. Yamamoto & A. L. F. Costa (Orgs.), Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil, (pp. 31-58). Natal: EDUFRN.         [ Links ]

Cruces, A. V. V. (2006). Egressos de cursos de Psicologia: preferências, especializações, oportunidades de trabalho e atuação na área educacional. Tese de doutorado apresentada no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Duran, A. (1994). Alguns dilemas na formação do psicólogo: buscando sugestões para superá-los. In Conselho Federal de Psicologia (Org.), Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a profissão, (pp. 273-310). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Ferreira Neto, J. L. (2010). Uma genealogia da formação do psicólogo brasileiro. Memorandum, 18, 130-142.         [ Links ]

Frigotto, G. (2011). Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira década do século XXI. Revista Brasileira de Educação, 16, 235-274.         [ Links ]

Garcia, C. C., Martrucelli, C. R. N., Rossilho, M. M. F., & Denardin O. V. P. (2010). Autoria em artigos científicos: os novos desafios. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, 25, 559-567.         [ Links ] 

Gomide, P. I. C. (1988). A formação acadêmica: onde residem suas deficiências? In Conselho Federal de Psicologia (Org.), Quem é o psicólogo brasileiro?, (pp. 69-85). São Paulo: Edicon.         [ Links ]

Jacó-Vilela, A. M. (1999). Formação do psicólogo: um pouco de história. Interações: Estudos e Pesquisa em Psicologia, 4, 79-91.         [ Links ]

Lei 4.119, de 27 de agosto de 1962. (1962, 27 de agosto). Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Acesso em 18 de Outubro de 2012, em http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/lei_1962_4119.pdf        [ Links ]

Lisboa, F. S., & Barbosa, A. J. G. (2009). Formação em Psicologia no Brasil: um perfil dos cursos de graduação. Psicologia: Ciência e Profissão, 29, 718-737.         [ Links ]

Maia, M. F. S., & Caregnato, S. E. (2008). Co-autoria como indicador de redes de colaboração científica. Perspectivas em Ciência da Informação, 13, 18-31.         [ Links ]

Ministério da Educação do Brasil. (2011). Cadastro das Instituições de Ensino Superior do Ministério da Educação. Acesso em 23 de maio de 2011, em http://emec.mec.gov.br/.         [ Links ]

Pardo, M. B. L., Mangieri, R. H. C., & Nucci, M. S. A. (1998). Construção de um modelo para análise da formação profissional do psicólogo.Psicologia: Ciência e Profissão, 3, 14-21.         [ Links ]

Parecer nº 403. (1962, 19 de dezembro). Parecer do Conselho Federal de Educação sobre currículo mínimo dos cursos de Psicologia. Acesso em 18 de Outubro de 2012, em http://www.abepsi.org.br/portal/wp-content/uploads/2011/07/1962-parecern403de19621.pdf        [ Links ]

Pereira, F. M., & Pereira Neto, A. (2003). O psicólogo no Brasil: notas sobre seu processo de profissionalização. Psicologia em Estudo, 8, 19-27.         [ Links ]

Resolução nº 8. (2004, 7 de maio). Institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Acesso em 10 de junho de 2012, em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991&Itemid=866        [ Links ]

Witter, G. P., & Ferreira, A. A. (2005). Formação do psicólogo hoje. In Conselho Federal de Psicologia (Org.), Psicólogo brasileiro: construção de novos espaços, (pp. 15-39). Campinas: Alínea.         [ Links ]

Yamamoto, O. H. (2004). Reforma del Estado, ajuste neoliberal y políticas educacionales: la formación en Psicología en Brasil. Interamerican Journal of Pshychology, 38, 191-199.         [ Links ]

Yamamoto, O. H., Souza, J. A. J., Silva, N., & Zanelli, J. C. (2010). A formação básica, pós-graduada e complementar no Brasil. In  A. V. B. Bastos & S. M. G. Gondim (Orgs.), O trabalho do psicólogo no Brasil, (pp. 45-65). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Yamamoto, O. H., Souza, C. C., & Yamamoto, M. E. (1999). A produção científica na psicologia: uma análise dos periódicos brasileiros de 1990-1997. Psicologia, Reflexão e Crítica, 12, 549-565.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Joyce Pereira da Costa
Rua Dr. Manoel Augusto Bezerra de Araújo, 496, Ponta Negra
CEP 59090-430 – Natal/RN
E-mail: joycepcosta@gmail.com

Recebido em 03/09/2012
Revisto em 13/10/2012
Aceito em 29/10/2012

 

 

* Apoio financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
1 É importante ressaltar que a institucionalização da formação de psicólogo é fruto de um processo longo e gradual, que tem início no final do século XIX (Barbosa, 2007; Jacó-Vilela, 1999; Pereira & Pereira Neto, 2003).
2 A última reformulação das DCNs para os cursos de Psicologia ocorreu em 2011. A nova resolução estabeleceu às instituições a obrigatoriedade em ofertar a formação em licenciatura aos alunos da área, outrora dispensada, embora tal formação seja opcional aos discentes. A imposição suscitou debates sobre sua pertinência e seu funcionamento, sendo alvo de preocupação e discussões específicas das entidades e instituições envolvidas com o ensino em Psicologia. A nova resolução encontra-se disponível em http://www.abepsi.org.br/portal/wp-content/uploads/2011/07/RESOLUCAO-2011.pdf.
3 Sendo eles: a) Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-PSI), que reúne fontes de informações qualificadas e disponíveis gratuitamente, tais como a Scientific Eletronic Library Online (SciELO), a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e o Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPsic); b) Banco de Dados Bibliográficos da Universidade de São Paulo (DEDALUS); c) Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia; e d) Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
4 Não foram contabilizadas as dissertações e teses por serem trabalhos que seguem um único padrão de autoria.
5 Ainda compõem o grupo 9 trabalhos de cunho histórico (11%) e 59 escritos (41,3%) que não foram passíveis de classificação, uma vez que os resumos estavam incompletos.
6 Entende-se que para nomear uma área de atuação, deve-se ir além da mera definição do local de trabalho e conjugar uma série de atributos, como atividades desenvolvidas, público atendido e, principalmente, o objetivo da ação profissional (Bastos, 1988).
7 As classificações quanto aos temas dos documentos tomaram como base o trabalho desenvolvido por Pardo et al. (1998).