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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.6 no.2 Juiz de Fora dic. 2012

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200010 

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-12472012000200010

ARTIGOS

 

Autoeficácia para Escolha Profissional: Teoria, Pesquisas e Avaliação

 

Professional Choice Self-Efficacy: Theory, Research and Evaluation

 

 

Rodolfo A. M. Ambiel; Ana Paula Porto Noronha

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar o construto autoeficácia para escolha profissional, a partir da apresentação da Teoria Social Cognitiva (TSC) e de sua aplicação ao contexto das decisões de carreira. Além disso, também aborda o percurso de sua aplicação ao campo do desenvolvimento de carreira no contexto mais amplo da Teoria Social Cognitiva do Desenvolvimento de Carreira (TSCDC). Em seguida, o conceito de autoeficácia para escolha profissional é explorado, sendo apresentadas várias pesquisas realizadas no contexto estrangeiro. Conclui-se que o construto, embora carente de mais divulgação no Brasil, tem obtido espaço no meio científico nacional e pode se constituir como uma importante ferramenta de compreensão, planejamento e avaliação do processo de escolha profissional.

Palavras-chave: Orientação vocacional; Teoria Social Cognitiva; desenvolvimento de carreira; avaliação psicológica.


ABSTRACT

This paper aims to present the concept of professional choice self-efficacy by discussing Social Cognitive Theory (SCT) and its application to the context of career decisions. It also addresses the course of its application in the field of career development in the broader context of Social Cognitive Career Theory (SCCT). The concept of professional choice self-efficacy is also explored, including several international studies. It is concluded that the construct, although lacking dissemination in Brazil, has had some space in national scientific discussions, and can become an important tool to understand, plan and evaluate the process of career choice.

Keywords: Vocational guidance; Social Cognitive Theory; career development; psychological assessment.


 

 

A Teoria Social Cognitiva de Desenvolvimento de Carreira (TSCDC), proposta por Lent, Brown e Hackett (1994) é derivada da Teoria Social Cognitiva (TSC) de Bandura (1986) e enfatiza as capacidades agênticas pessoais em relação às contingências ambientais, complexas e modificáveis, que influenciam as escolhas e os desempenhos acadêmico e laboral ao longo da carreira. A teoria TSC propõe que o exercício de controle da pessoa sobre o seu próprio comportamento e o ambiente pode ser explicado por meio de diversos conceitos que a compõem.

Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir a autoeficácia para a escolha profissional, um dos conceitos componentes da TSCDC, e justifica-se pelo fato de que, embora haja literatura sobre o assunto em língua portuguesa (Silva, Paixão & Albuquerque, 2009; Lent, Paixão, Silva & Leitão, 2010), o tema ainda é incipiente no Brasil.

Assim, visando contextualizar o leitor, inicialmente serão apresentados os principais conceitos da TSC, com destaque para a autoeficácia, e suas aplicações ao contexto do desenvolvimento de carreira. Por fim, serão abordados estudos que tratam especificamente da aplicação do construto no contexto citado.

 

Teoria Social Cognitiva

A Teoria Social Cognitiva, proposta por Albert Bandura em 1986, parte do pressuposto de que as pessoas são intencionais, capazes de autorregular suas próprias ações e agenciar-se no processo de aprendizagem de novos comportamentos, buscando, conscientemente, experiências que possam favorecer a consecução de seus objetivos (Bandura, 1986).

O comportamento humano, de acordo com a TSC, é compreendido como uma expressão da interação constante que ocorre entre a pessoa e o meio em que está inserida, numa relação denominada reciprocidade triádica. Ela se refere às trocas contínuas entre fatores pessoais internos, tais como cognições, afetos e condições biológicas; fatores pessoais ostensivos, que são os comportamentos manifestos; e fatores ambientais (Bandura, 1986). Contudo, como indicam Pajares e Olaz (2008), a maneira como a pessoa interpreta determinados estímulos modifica o seu próprio comportamento, que, por sua vez, altera o ambiente ao redor, e o ambiente mudado despertará novas cognições e afetos na pessoa. Assim, a TSC privilegia os processos internos e, principalmente, as relações recíprocas entre cognições, comportamento e ambiente.

Bandura (2005) afirma que, ao longo de quatro décadas de pesquisa, a TSC foi construída e evoluiu, teórica e empiricamente. No início de suas postulações na década de 1950, o autor afirmou a importância do conceito de modelação social para a compreensão da teoria, já que, em sua concepção, a aprendizagem por observação poderia ser tão eficaz quanto a mediada por reforço ou punição, como observavam os comportamentalistas. Na sua visão, a modelação social teria um componente de processamento cognitivo que poderia torná-la ainda mais eficaz, pois favoreceria a aprendizagem de um comportamento, mediada pela reflexão e não apenas como resposta a um determinado estímulo. Isso permitiria à pessoa formular um conceito concomitante ao comportamento aprendido, possibilitando a sua aplicação em outras situações ou a antecipação de determinados resultados de suas ações com base nas próprias experiências ou nas de outros. Com isso, a modelação social apresenta-se como a expressão do pressuposto básico da TSC, ou seja, de que as aprendizagens acontecem socialmente, uma vez que a pessoa influencia seu meio e é influenciada por ele.

Outra noção importante na construção da TSC é a autorregulação. Em relação ao tema, Bandura (2005) discorre sobre a possibilidade que as pessoas têm de agir sobre seus meios, que podem ser mais ou menos modificáveis. Nesse sentido, o autor sustenta que o exercício de agência pessoal, ou seja, a capacidade que uma pessoa tem de gerir e controlar seus próprios comportamentos, será viável em razão de algumas características do ambiente. Isto posto, os imprevistos da vida cotidiana muitas vezes podem determinar ações humanas, embora não haja como prever seu impacto causal num determinado ambiente. Ele afirma ainda que na TSC os imprevistos não são incorporados, mas, considerando a capacidade agêntica da pessoa, é possível antecipar a reação a eles.

Na perspectiva histórica da construção de sua teoria, Bandura (2005) destaca também o conceito de autoeficácia, proclamado como o principal construto da TSC (Azzi & Polydoro, 2006; Bandura, 1997; Lent, Brown & Hackett, 1994; Nunes, 2008; Olaz, 2003; Pajares & Olaz, 2008; Teixeira, 2008). É importante ressaltar que ela é constituída ainda por outros conceitos, tais como as expectativas de resultado e as metas. Contudo, o foco deste trabalho é a autoeficácia.

 

Autoeficácia

O construto foi proposto por Bandura (1977) a partir de estudos clínicos nos quais ele buscava verificar a funcionalidade dos tratamentos de pessoas com fobias severas, baseados na modelação social e na autorregulação, ou seja, os indivíduos eram expostos, acompanhados por um terapeuta, aos estímulos geradores de fobia e encorajados a agir sobre o ambiente a partir de suas próprias capacidades e de acordo com um modelo.

Ao receber novamente os clientes, meses depois para sessões de follow up, o pesquisador percebeu que os efeitos daquela intervenção foram além da extinção do medo, que chegava a debilitá-los socialmente, uma vez que havia também alterado suas crenças de capacidade de enfrentamento e promovido nas pessoas a percepção de possibilidade de exercitar o controle sobre suas ações em outras situações da vida. A partir das observações, Bandura começou a formular sua hipótese de que é possível agenciar seu próprio comportamento, baseando-se principalmente em suas crenças de capacidade e expectativas de resultado futuro, isto é, crenças de que, a partir de suas ações, alguns resultados esperados poderão acontecer (Pajares, 2003).

O conceito de autoeficácia foi apresentado em um artigo que propunha uma teoria completa sobre a possibilidade de modificação do comportamento por meio de intervenções nas percepções sobre as próprias capacidades das pessoas e os meios pelos quais as mudanças podem ocorrer (Bandura, 1977). Naquele momento, o autor se referia ao construto como "expectativas de eficácia" e o definiu como a convicção de alguém para executar com sucesso o comportamento requerido para produzir resultados. Em diferentes trabalhos (Bandura, 1982, 1984, 1986, 1995, 1997) outras conceituações foram propostas, sendo que a definição mais atual (1997) é a de que autoeficácia percebida refere-se às crenças de alguém em sua capacidade de organizar e executar cursos de ação requeridos para produzir certas realizações. Adicionalmente, foi destacado o caráter específico dessas crenças, não sendo possível uma avaliação em termos gerais do construto, embora possa haver covariância significativa entre crenças de autoeficácia em habilidades com características semelhantes.

As crenças de autoeficácia constituem-se no principal fator de influência no comportamento humano, uma vez que guiarão a escolha das atividades a serem desempenhadas e das estratégias para se atingir os objetivos traçados, além de determinarem o quanto de esforço será aplicado, o tempo de perseverança e a qualidade da resiliência frente aos obstáculos e dificuldades, o quanto de estresse e depressão será experimentado e, por fim, a própria qualidade do desempenho. Entretanto, as crenças não são os únicos fatores que influenciam esse processo, uma vez que o desempenho de certa atividade também está subscrita à capacidade real da pessoa, de incentivos e oportunidades para exercê-la. Assim, um indivíduo com fortes crenças de autoeficácia para escrever poesias, por exemplo, pode não chegar a compor um texto por não ter habilidades reais de escrita, por não ter sido incentivada a escrever ou por nunca ter tido oportunidade para isso. Nesse caso, deveria ser investigado o processo pelo qual foi desenvolvida essa crença (Bandura, 1977).

Nesse sentido, Bandura (1977, 1997) aponta que existem quatro fontes específicas que estariam na base da formação das crenças de acordo com a tradução de Nunes (2007): experiência de êxito, aprendizagem vicária, persuasão verbal e indicadores fisiológicos, de acordo com a tradução de Nunes (2007). Segundo Bandura (1997), as fontes se constituem como elementos informativos envolvidos no desenvolvimento inicial e posterior manutenção, incremento ou decréscimo das crenças, à medida que sucessos ou fracassos informem a pessoa sobre sua capacidade. Assim, o senso de eficácia proveniente das fontes seria fruto de um processamento cognitivo complexo, que abarca processos de atenção, memória, integração de informações e habilidades metacognitivas. A respeito disso, pode-se exemplificar o processo da forma como segue.

Em situações cotidianas, alguns eventos que ocorrem com as pessoas são percebidos e outros não (processos de atenção); os eventos notados podem passar por processos de retenção de informação (memória) e ser integrados ou modificar outras informações já existentes (integração de informações). Todo esse processo é mediado por estratégias metacognitivas, tais como a reflexão, que permitem a autoavaliação com relação à nova experiência inserida no sistema de crenças, bem como a avaliação dessa nova percepção quando colocada à prova na realidade, face aos dados reais de sucesso ou fracasso (Bandura, 1997).

Uma vez apresentados os principais conceitos e pressupostos da TSC, a seguir serão abordadas as ideias relativas à TSCDC, com foco na autoeficácia.

 

Aplicação da Autoeficácia no Contexto do Desenvolvimento de Carreira

A respeito da adoção da TSC como âncora de suas propostas de compreensão do desenvolvimento de carreira, Lent et al. (1994) enfatizam que ela tem sido testada em diversos âmbitos, uma vez que suas pressuposições são passíveis de aplicação em contextos específicos. Os autores indicam que o fato da teoria priorizar a capacidade humana de modular os próprios comportamentos não minimiza a importância de fatores afetivos, de desenvolvimento, biológicos e de outras influências no processo de construção de carreira. Ao contrário, os autores integram essas variáveis ao modelo, com o intuito de encontrar os meios pelos quais elas influenciam o comportamento profissional. Além disso, Lent et al. (1994) destacam que três dos principais construtos da TSC — autoeficácia, expectativas de resultado e objetivos ou metas — assumem importância na TSCDC no que tange a mediação entre comportamentos, características pessoais e ambiente.

Lent et al. (1994) formularam teoricamente uma estrutura para compreender três etapas intrinsecamente ligadas do desenvolvimento de carreira: formação e elaboração de interesses profissionais; escolhas acadêmicas e profissionais; e desempenho e persistência em atividades educacionais e profissionais. Os autores afirmam que o modelo da TSCDC é um avanço da proposta de Hackett e Betz (1981), na qual primeiramente a autoeficácia foi aplicada ao contexto das escolhas profissionais, ao agregar outros construtos e concepções da TSC (Lent et al., 1994).

Nessa direção, na literatura internacional podem ser encontradas publicações relatando pesquisas com diversas medidas de autoeficácia no contexto das escolhas profissionais. Cupani e Pérez (2006), por exemplo, utilizaram em sua pesquisa o Inventário de autoeficácia para inteligências múltiplas, que avalia a percepção de capacidade das pessoas para realizar tarefas que demandem as oito inteligências propostas por Gardner: linguística, lógico-matemática, espacial, musical, interpessoal, cinestésico-corporal, intrapessoal e naturalista.

Outro exemplo é o estudo de Nunes e Noronha (2008), no qual foi desenvolvida a Escala de autoeficácia para atividades ocupacionais (EAAOc), sendo as atividades avaliadas relativas aos seis tipos de interesses de Holland - realista, investigativo, artístico, social, empreendedor e convencional. Em síntese, a escala avalia quão bem a pessoa se julga capaz de realizar atividades profissionais do tipo realista, como trabalhar em ambientes abertos, ou artístico, como tocar um instrumento musical.

As duas citações acima dizem respeito a avaliações da percepção de capacidade para realizar ações relacionadas a certas habilidades cognitivas ou atividades profissionais, variáveis estreitamente ligadas à escolha profissional. Contudo, nenhum desses instrumentos visa avaliar o construto no domínio específico da escolha profissional. Nos próximos parágrafos, tal contextualização teórica será feita juntamente com a apresentação de algumas investigações. Deve-se esclarecer que não se tem a intenção de esgotar o assunto, apenas destacar algumas pesquisas que versam especificamente sobre a avaliação da autoeficácia para a escolha profissional.

Como já descrito anteriormente, Lent et al. (1994) afirmam que as escolhas acadêmicas e/ou profissionais são fruto do processo de formação dos interesses de carreira e podem ser submetidas às influências contextuais e ambientais diversos, que abarcam características pessoais, familiares, culturais, socioeconômicas e políticas. Entretanto, antes da formulação da TSCDC, outros pesquisadores já haviam iniciado estudos nessa direção, especialmente no que toca a autoeficácia.

A esse respeito, Hackett e Betz (1981) introduziram a investigação do construto ao estudar o desenvolvimento de carreira de mulheres e, mais tarde, Taylor e Betz (1983) apresentaram uma escala de avaliação, a Career Decision-Making Self-Efficacy Scale (CDMSES). É importante esclarecer que, para fins de padronização da linguagem, o termo em inglês career decision-making self-efficacy é compreendido, no presente artigo, como autoeficácia para escolha profissional. Com relação à conceituação, o construto é entendido como as crenças pessoais a respeito das próprias capacidades para planejar e se engajar em tarefas relativas à escolha profissional.

Na construção do instrumento, Taylor e Betz (1983) basearam-se no modelo de maturidade de carreira de Crites (1961) e construíram os itens tendo em vista as cinco competências para escolha profissional propostas pelo autor: correta autoavaliação, coleta de informações ocupacionais, seleção de objetivos, planejamento do futuro e solução de problemas, utilizando escala tipo likert de 11 pontos. Desde então, pesquisadores e psicólogos têm assumido que essa é uma forma adequada para avaliar o senso de competência para o engajamento em tarefas de decisão de carreira. Diversos estudos têm sido realizados com versões da CDMSES em vários países do mundo com o objetivo de estudar sua estrutura fatorial, as relações com outras variáveis, capacidade preditiva, padrões de crenças de diferentes grupos e precisão.

Contudo, deve-se fazer uma ressalva no sentido de alertar o leitor de que esse não é o único instrumento para avaliação do construto, embora tenha servido como base teórica para a construção de outras escalas para a verificação da escolha profissional em diferentes países.

Foram encontrados estudos com a CDMSES, em sua forma original e adaptada, nos Estados Unidos, China, África do Sul, Austrália, Portugal, França e Turquia, entre outros, bem como instrumentos inspirados nela na Espanha e México, sendo que uma quantidade considerável de trabalhos preocupou-se em avaliar a estrutura fatorial das medidas. Destacam-se os achados de Lozano (2006), na Espanha, e Ramírez e Canto (2007), no México, que encontraram a estrutura teoricamente sugerida de cinco fatores com base nas competências de Crites (1961). Contudo, os estudos de Taylor e Betz (1983), Peterson e delMas (1998), Watson, Brand, Stead e Ellis (2001), Creed, Patton e Watson (2002), Hampton (2006), Chaney, Hammond, Betz e Multon (2007), Silva et al. (2009) e Gaudron (2011) relatam diferentes estruturas fatoriais, variando entre dois e quatro agrupamentos de itens com intersecções entre as diversas competências, mas sempre concordantes quanto à possibilidade de avaliação do construto por meio de um único fator, abarcando todas as competências sugeridas.

Ao verificar resultados obtidos a partir da relação do construto com outras variáveis, foram observadas correlações negativas com indecisão, neuroticismo, perfeccionismo desadaptativo e quantidade de mudanças de cursos; e positivas, com atitudes de decisão de carreira, desempenho escolar, autoeficácia geral, extroversão e realização (Taylor & Betz, 1983; Luzzo, 1993; Hampton, 2006; Page, Bruch & Haase, 2008). Lease e Dahlbeck (2009) encontraram dados que indicam que a percepção de estilo parental autoritário e engajamento dos pais foi preditiva de autoeficácia para a escolha profissional das mulheres.

Da mesma forma como os resultados relacionados à estrutura fatorial, os estudos que buscaram comparar grupos em relação ao nível de autoeficácia também não são conclusivos. O de Luzzo (1993), por exemplo, não encontrou diferenças entre homens e mulheres, enquanto Stacy (2003) relatou maiores escores das mulheres em todos os fatores da CDMSES. No mesmo artigo, Stacy (2003) verificou maiores escores a favor de estudantes da área de humanas em relação aos de exatas, mas Hampton (2006) e Isik (2010) não encontraram relações entre autoeficácia e variáveis educacionais.

Contudo, trabalhos que adotaram metodologias experimentais ou quase experimentais são coerentes ao afirmar que é possível verificar diferenças significativas em relação à autoeficácia para a escolha profissional após intervenções focadas e teoricamente orientadas, tanto em relação ao pré-teste dos mesmos grupos quanto a grupos controle (Reese & Miller, 2006; Wang, Zhang & Shao, 2010).

Por fim, ao se analisar índices de precisão dos instrumentos, são encontrados dados bastante consistentes, apontando que, quando considerado o escore geral, os coeficientes alfa de Cronbach variaram entre 0,90 e 0,97. Analisando os escores por sub-escala, ficaram entre 0,53 e 0,91. Alguns artigos também relataram estimativas de precisão pelo método de teste-reteste, com resultados entre 0,81 e 0,83 (Taylor & Betz, 1983; Luzzo, 1993; Peterson & delMas, 1998; Watson et al., 2001; Hampton, 2006; Ramírez & Canto, 2007; Chaney et al., 2007; Silva et al., 2009; Lozano, 2006; Gaudron, 2011).

 

Considerações Finais

Com este artigo, buscou-se apresentar o conceito e as possibilidades de avaliação da autoeficácia para escolha profissional por meio de uma descrição da teoria na qual o construto se insere, indicando suas possibilidades e limitações na utilização no campo da orientação profissional, bem como um histórico de aproximadamente 30 anos de pesquisas sobre o assunto, publicadas no exterior. Adicionalmente, procurou-se aprofundar as discussões sobre autoeficácia para a escolha da carreira, uma vez que o construto, embora goze de reconhecimento prático e científico no cenário mundial, ainda tem pouca inserção no Brasil. Portanto, pode-se citar como limitação deste artigo a não apresentação de informações originais, ressaltando que sua contribuição se dá por organizar um conhecimento científico disponível na literatura, principalmente estrangeira, visando o fomento de pesquisas com esse enfoque no Brasil.

Verifica-se que os estudos relatados versaram predominantemente sobre aspectos psicométricos da CDMSES, o instrumento mais utilizado no mundo para a avaliação da autoeficácia para escolha profissional ou, em tradução literal, para tomada de decisão de carreira. Dentre esses itens, merecem destaque os vários artigos preocupados com sua estrutura fatorial e precisão, sendo esses dois pontos interligados e críticos sobre o assunto.

A partir de tais estudos, o que se percebe é que não há consenso empírico sobre os fatores avaliados pela CDMSES, ou por instrumentos construídos com base nela, o que faz com que, muitas vezes, pesquisadores lancem mão de estruturas constituídas por itens que teoricamente compõem os fatores (Page et al., 2008; Reese & Miller, 2006; Stacy, 2003; Watson et al., 2001). Isso reflete nos estudos de precisão, quando se observam coeficientes de consistência interna invariavelmente acima de 0,90 se considerados todos os itens em um fator único, sendo que, ao se considerar os fatores ou subescalas, verificaram-se coeficientes com maiores variabilidades, chegando até a casa de 0,50. Esses resultados ajudam a reforçar a ideia de que a avaliação do construto parece ser adequada quando se considera uma dimensão geral de autoeficácia para escolha profissional.

Vale destacar mais detidamente, por conta de sua aplicabilidade prática, dois estudos que utilizaram a avaliação deste construto como medida de avaliação de processos de orientação de carreira. Nos trabalhos de Reese e Miller (2006) e Wang et al. (2010), os autores avaliaram grupos antes e após intervenções teoricamente subsidiadas com vistas a desenvolver nos participantes competências relativas ao autoconhecimento, obtenção de informações, resolução de problemas, seleção de objetivos e planejamento de futuro, com resultados indicando que avaliações dessa natureza, considerando a autoeficácia, podem ser bastante úteis no planejamento de intervenções bem como na avaliação de seus resultados.

Contudo, não se pode deixar de considerar que a falta de consistência empírica em relação à estrutura fatorial do instrumento que serve como principal referência para a avaliação do construto seja uma lacuna importante a ser discutida. Desde 1981, a autoeficácia para escolha profissional tem sido avaliada com base nas competências propostas por Crites (1961) e, à medida que tais competências não são consensuais em estudos em diferentes culturas, uma pergunta importante que poderia ser feita é se de fato a proposta de Crites é a mais adequada para esse fim.

No Brasil, apenas recentemente notou-se interesse no estudo da autoeficácia para escolha profissional. Ambiel e Noronha (2011a; 2011b) e Ambiel, Noronha e Santos (2011) realizaram estudos com a Escala de Autoeficácia para escolha profissional (EAE-EP – Ambiel & Noronha, no prelo) a partir de dados coletados junto a estudantes de ensino médio e com foco na análise da qualidade psicométrica do instrumento, integralmente construído no país com base na literatura estrangeira sobre o construto, não se tratando de uma tradução e adaptação da CDMSES. Nesses estudos, percebeu-se que também na realidade brasileira as cinco competências não foram encontradas nos fatores da EAE-EP e, nessa direção, pode-se considerar que uma contribuição do instrumento seja a verificação de que diferentes meios de busca de informação, tais como a pesquisa em sites ou reportagens e as relações interpessoais, podem explicar de forma mais ampliada o construto.

Assim, pode-se considerar que uma das principais utilidades da avaliação da autoeficácia para escolha profissional seja o planejamento de focos de intervenção, bem como a avaliação da própria intervenção. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais baseiem suas práticas interventivas em teorias passíveis de avaliações de sua eficácia, na Psicologia brasileira de forma geral, e, especificamente, na orientação profissional.

A autoeficácia para escolha profissional parece ser um construto capaz de auxiliar nesse sentido, uma vez que há um considerável arcabouço teórico construído a partir de estudos empíricos a seu respeito, como pode ser observado ao longo desse texto. Entretanto, para esse fim, é necessário que pesquisadores e práticos da área da orientação profissional e da avaliação psicológica tenham familiaridade com a teoria e embutam esforços no sentido de publicar estudos que favoreçam a compreensão da abrangência e das limitações da avaliação da autoeficácia para escolha profissional no contexto brasileiro.

 

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Endereço para correspondência:
Rodolfo A. M. Ambiel
Universidade São Francisco
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
CEP 13251-900 – Itatiba/SP
E-mail: rodolfo.ambiel@usf.edu.br

Recebido em 09/01/2012
Revisto em 20/08/2012
Aceito em 24/09/2012