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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.7 no.1 Juiz de Fora jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-1247201300010003 

ARTIGOS

DOI: 10.5327/Z1982-1247201300010003

 

Avaliação das funções executivas na infância: revisão dos conceitos e instrumentos

 

Assessment of executive functions in childhood: review of concepts and tools

 

 

Priscila Magalhães BarrosI; Izabel HazinI

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As funções executivas (FE) são funções mentais complexas, responsáveis pela autoregulação. Apesar do crescente interesse científico no estudo dessas funções, ainda existem indefinições acerca do construto. Este artigo objetiva agregar evidências de pesquisas no campo da avaliação neuropsicológica infantil. Trata-se de revisão sistemática de publicações indexadas nas bases de dados PsycINFO e PubMed, nos últimos cinco anos (2008–2013). Foram identificados 25 artigos. Os resultados indicam aumento da produção científica sobre o tema nos três últimos anos. Os principais instrumentos de avaliação das FE identificados foram o BRIEF, as escalas Wechsler e tarefas baseadas nos paradigmas Go/No-Go e Stroop. Observou-se relativo consenso acerca da natureza multidimensional das FE. Contudo, permanecem divergências teóricas e metodológicas quanto à natureza e à quantidade desses componentes.

Palavras-chave: Funções executivas; avaliação neuropsicológica; revisão sistemática.


ABSTRACT

The executive functions (EF) are complex mental functions, responsible for autoregulation. Despite growing scientific interest in the study of these functions, there are still uncertainties about the construct. This article aims to add evidence of research in the field of neuropsychological assessment of children. This is a systematic review of publications indexed in the databases PsycINFO and PubMed in the last five years (2008–2013). Twenty-five articles were identified. The results indicate an increase of scientific literature on the topic in the last three years. The main identified tools for evaluating EF were BRIEF, Wechsler scales and tasks based on Go/No-Go and Stroop paradigms. A relative consensus about the multidimensional nature of the EF was observed. However, theoretical and methodological differences remain as to the nature and amount of these components.

Keywords: Executive functions; neuropsychological assessment; systematic review.


 

 

Com o avanço da Neuropsicologia Clínica, os estudos acerca das funções neurocognitivas vêm aumentando de forma considerável nos últimos anos. Dentre os processos cognitivos mais pesquisados e debatidos na literatura científica atual, estão as funções executivas (FE) (Hamdan & Pereira, 2002; Mello, Miranda & Muszkat, 2005; Pires, 2010). As FE são consideradas funções mentais complexas ou superiores e são responsáveis pela capacidade de autoregulação ou autogerenciamento. No que concerne à avaliação neuropsicológica, as FE relacionam-se a uma ampla variedade de componentes, como atenção seletiva, controle inibitório (seletividade de estímulos), planejamento, organização, flexibilidade cognitiva e memória operacional.

Dado o reconhecimento da importância das FE para uma vida bem sucedida e adaptada, a investigação em torno deste tema tem-se tornado central no âmbito da avaliação neuropsicológica, sobretudo em contexto clínico (Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos & Abreu, 2010). Desse modo, a avaliação neuropsicológica infantil torna-se essencial para o acompanhamento do desenvolvimento cognitivo da criança, auxiliando na identificação precoce de alterações cognitivas e/ou comportamentais decorrentes de lesões cerebrais, patologias ou distúrbios do desenvolvimento.

No intuito de contribuir para a compreensão atual do construto das FE, este artigo objetiva agregar evidências de pesquisas no campo da avaliação neuropsicológica infantil, ofertando subsídios que venham guiar a prática clínica, identificando o perfil das publicações recentes e indicando novos rumos para futuras investigações.

 

Funções Executivas

As FE são responsáveis pela capacidade de autoregulação ou autogerenciamento, e seu desenvolvimento representa um importante marco adaptativo na espécie humana (Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo & Cosenza, 2008). Segundo Dias, Menezes e Seabra (2010), essas habilidades são especialmente relevantes diante de situações novas ou demandas ambientais que exijam ajustamento, adaptação ou flexibilidade, como, por exemplo, a situação de aprendizagem escolar.

Anatomicamente, as FE possuem um sistema neural distribuído, em que o córtex pré-frontal (CPF) — porção terciária do lobo frontal — desempenha um fundamental papel, mediando diferentes aspectos envolvidos no funcionamento executivo. Cabe salientar que, apesar do papel privilegiado do CPF na mediação das FE, é mais apropriado afirmar que tais funções são resultado da atividade de diferentes circuitos neurais, sendo, no entanto, necessária a participação do cérebro na sua totalidade para um eficaz funcionamento das mesmas (Pires, 2010).

O CPF apresenta níveis de especialização funcional, o que significa que cada um de seus sistemas neurais está envolvido com aspectos cognitivos e comportamentais específicos. Seriam cinco os circuitos frontais subcorticais paralelos, e três destes estariam envolvidos no desempenho das FE: o circuito dorsolateral, lateral orbitofrontal e o cíngulo anterior (Fuentes et al., 2008).

O CPF é a última porção cerebral a atingir o ápice maturacional, considerando-se tanto a evolução da espécie (filogênese) quanto o curso desenvolvimental individual (ontogênese) (Goldberg, 2002; Luria, 1981). Esse desenvolvimento tardio aponta para a complexidade das atividades funcionais desempenhadas pelo lobo frontal, apenas minimamente desenvolvidas em animais primatas e, portanto, característica predominantemente humana (Coolidge & Wynn, 2001).

 Em virtude do desenvolvimento significativo dessas funções apenas em humanos, o lobo frontal é considerado o "órgão da civilização" (Goldberg, 2002). Luria (1981) acrescenta que, além de ser a estrutura cerebral de formação mais recente, a porção frontal do cérebro também é considerada a estrutura "menos organizada" do córtex cerebral. Isso significa que é a porção menos diferenciada, cujas zonas individuais são mais capazes de substituições recíprocas.

 

Conceitos e Modelos Teóricos

Luria (1981) considera as FE como funções psíquicas superiores que exercem um importante papel na regulação da vigília e no controle das formas mais complexas de atividade humana dirigida a metas. Já para Lezak, Howieson e Loring (2004), as FE são conceitualizadas como capacidades que permitem alguém manter um comportamento de autoregulação com êxito, de maneira independente e intencional.

Por essa característica reguladora, frequentemente, os autores definem essas funções pela analogia do "diretor executivo" ou "maestro" do funcionamento da atividade mental humana. Essas definições consideram que a interconectividade única do CPF permite a coordenação e a integração de todas as outras estruturas cerebrais, o que assemelha o funcionamento das FE ao trabalho de um regente de orquestra. As estruturas coordenadas continuariam existindo na ausência do regente, porém atuariam de modo descoordenado e menos eficiente (o que ocorre nos casos de lesão ou disfunção) (Goldberg, 2002).

Duas décadas mais tarde, Lezak et al. (2004) propõem um modelo explicativo para as FE baseado em quatro componentes: volição, planejamento, comportamento premeditado e desempenho efetivo. Volição (ou vontade) refere-se à capacidade de envolver-se em um comportamento intencional e requer a capacidade de formular um objetivo. O planejamento envolve a identificação e a organização dos passos necessários para este fim.  Tal processo envolve a capacidade de iniciar e manter comportamentos, inclusive alterando seu curso (flexibilidade cognitiva) ou interrompendo seu sequenciamento (controle inibitório). O comportamento premeditado, por sua vez, seria a tradução de um plano de atividade, ou melhor, um conjunto de sequências comportamentais complexas. O desempenho efetivo seria a constante avaliação de todas as operações citadas, de modo a garantir um sistema de automonitoramento.

Outros modelos teóricos decompõem as FE em dois grandes grupos: as funções executivas "frias" e "quentes". O primeiro grupo é caracterizado pelo envolvimento de componentes lógicos e abstratos relacionados à região pré-frontal dorsolateral (planejamento e resolução de problemas, memória operacional, atenção, flexibilidade cognitiva, abstração e julgamento). Já as funções executivas quentes estão estruturalmente ligadas aos circuitos orbitofrontais e possuem relações com os aspectos emocionais, motivacionais e interpretativos dos quadros de alterações abruptas da personalidade, como dificuldades de inibir comportamentos impróprios e impulsivos e considerar consequências de longo prazo (Malloy-Diniz et al., 2010).

 

Desenvolvimento das Funções Executivas

No intercurso de seu desenvolvimento, as crianças tornam-se capazes de controlar suas ações e pensamentos e direcioná-los a um objetivo. Esse grau de maturação cerebral inicia-se nos primeiros anos de vida, razão pela qual esse período é particularmente importante para a compreensão do desenvolvimento das FE (Espy, Sheffield, Wiebe, Clark & Moehr, 2011; Huizinga, Dolan & Van Der Molen, 2006).

Como explicitado anteriormente, o CPF é a região cerebral mais intimamente relacionada às FE. A mielinização das conexões pré-frontais desenvolve-se de forma gradual durante a infância e a adolescência. Esse processo é um marco desenvolvimental, pois a mielinização permite uma transmissão mais rápida e eficaz dos impulsos nervosos, resultando na melhoria do processamento de informação e, consequentemente, ampliando a integração entre processos cognitivos (Pinto, 2008).

As diferentes habilidades executivas e suas respectivas trajetórias de desenvolvimento têm início na infância, continuam na adolescência, chegando até a idade adulta. Esse processo maturacional é descrito por uma parábola, comumente representada por uma curva de desenvolvimento no formato de U invertido (∩), também observada em outros processos cognitivos básicos, como velocidade de processamento e memória de curto prazo (Natale, 2007; Tonietto, Wagner, Trentini, Sperb & Parente, 2011).

As FE desenvolvem-se intensamente entre os seis e oito anos, atingindo seu ápice de maturação neurológica por volta dos 20 anos de idade (Fuentes et al., 2008; Papazian, Alfonso & Luzondo 2006). Esse prolongado processo de amadurecimento permite que a interação da criança com o seu meio molde as redes neuronais que sustentam o funcionamento executivo.

O comportamento típico de crianças nos primeiros anos de vida é caracterizado por traços de impulsividade, pensamento concreto (lócus de controle externo) e facilmente guiado por estímulos (Tonietto et al., 2011). Progressivamente, as crianças tornam-se capazes de avaliar múltiplos aspectos de um problema, detectar possíveis erros na execução dessas ações e corrigi-los, mantendo um planejamento inicial dirigido ao futuro e adiando gratificações. Essas etapas desenvolvimentais podem ser compreendidas e previstas por meio da analise da maturação de seus componentes.

Por exemplo, os processos cognitivos inibitórios desenvolvem-se rapidamente entre um e seis anos de idade. Já o pensamento flexível é mais bem observado por volta dos quatro anos, ocorrendo um posterior desenvolvimento dessa habilidade entre os seis e os dez anos de idade (Natale, 2007). Ainda segundo Natale (2007), entre quatro e cinco anos, as crianças apresentam uma relativa melhora no desempenho de tarefas de planejamento e flexibilidade cognitiva, como na tarefa da Torre de Hanói e em tarefas de fluência verbal semântica.

 

Avaliação Neuropsicológica do Funcionamento Executivo

No contexto da avaliação neuropsicológica pediátrica de FE, a maioria dos instrumentos são adaptações ou aplicações de medidas inicialmente desenvolvidas para adultos (Natale, Teodoro, Barreto & Haase, 2008). Quando instrumentos construídos para adultos são aplicados em crianças em idade escolar, os resultados devem considerar a diferença qualitativa de habilidades linguísticas, motoras e atencionais entre ambos, necessárias para alcançar o sucesso em tais tarefas. O "fracasso" das crianças nesses tipos de tarefa, historicamente, tem sido visto como evidência da inexistência de FE nos primeiros anos de vida (Hughes & Graham, 2002).

Na verdade, a falta de medidas adequadas em termos desenvolvimentais tem dificultado a avaliação clínica das FE em crianças até recentemente. Por essa razão, a última década foi marcada pelo desenvolvimento de testes destinados a avaliar o funcionamento executivo em populações pediátricas (Pires, 2010). Atualmente, a compreensão da complexidade das FE e seus subdomínios admite uma avaliação integrativa de múltiplos instrumentos ou tarefas que podem estar agrupados em uma bateria fixa ou em tarefas flexíveis e adaptadas.

Dentre as mais conhecidas ferramentas específicas para avaliação de componentes executivos, podem ser citados o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas, o Teste Stroop, o Teste Hayling, o Teste das Trilhas, os Testes das Torres (Torre de Londres, Torre de Hanói e Torre de Toronto) e o Teste de Fluência Verbal e seus variantes. Afora esses instrumentos, a avaliação pode dispor de tarefas do paradigma Go/No-Go e execução de tarefas cotidianas (paradigma ecológico) (Lezak et al., 2004; Malloy-Diniz et al., 2010).

 

Método

Este estudo é uma revisão sistemática da literatura, sem metanálise, planejada para responder à seguinte pergunta de pesquisa: qual o perfil das pesquisas experimentais atuais que avaliam o funcionamento executivo na infância? O levantamento bibliográfico abrangeu publicações indexadas nas bases de dados eletrônicas PsycINFO e PubMed e utilizou os seguintes descritores: "função executiva" ("executive function"), "funções executivas" ("executive functions") e "funcionamento executivo" ("executive functioning"). Como estratégia de refinamento da busca, optou-se por incluir apenas estudos empíricos de avaliações neuropsicológicas na infância (nascimento até 12 anos) realizados nos últimos cinco anos (2008–2013).

Os artigos identificados pela estratégia de busca inicial foram avaliados conforme os seguintes critérios de inclusão: (1) idade dos sujeitos da pesquisa, (2) clareza do desenho de pesquisa e dos instrumentos de mensuração utilizados e (3) disponibilizados na íntegra. Foram identificados 30 artigos científicos, sendo 26 indexados na base de dados eletrônica PsycINFO. Após a supressão das duplicatas e dos artigos que não obedeciam aos critérios de inclusão supracitados, permaneceram 25 publicações.

 

Resultados e Discussão

Caracterização dos Estudos

Todos os estudos empíricos identificados são internacionais e escritos na língua inglesa. O recente aumento no número de investigações empíricas acerca do funcionamento executivo é notável se considerarmos o total de pesquisas publicadas no período de 2008–2010 (sete publicações) comparado com o período de 2011–2013 (18 publicações), como pode ser observado na Figura 1.

 

 

No que se refere à composição das amostras, 60% das pesquisas não avaliam grupos clínicos, como tradicionalmente esperado na área de avaliação neuropsicológica. Dentre essas, a maioria (60%) tem como interesse de pesquisa a avaliação de crianças pré-escolares (dois a cinco anos), como pode ser observado na Tabela 1. Levando-se em consideração a constatada escassez de pesquisas em neuropsicologia infantil que avaliam a faixa etária pré-escolar (dois a cinco anos), as pesquisas identificadas agregam evidências desenvolvimentais para compreensão do desenvolvimento típico das FE.

Das pesquisas comparando grupos clínicos e crianças sem distúrbios do desenvolvimento, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) aparece com maior interesse por parte dos investigadores, seguido pelo espectro autista. De fato, déficits ou "disfunções executivas" têm comprovado nível de comorbidade com transtornos invasivos ou globais do desenvolvimento, como os compreendidos no espectro autista (Happé, Booth, Charlton & Hughes, 2006), nos transtornos comportamentais desadaptativos, como o TDAH (Vital & Hazin, 2008), nos transtornos de aprendizagem, como as dislexias (Gooch, Snowling & Hulme, 2011), nos quadros neurológicos, como a epilepsia (Luton, Burns & DeFilippis, 2010), e também naqueles caracterizados por alterações cromossômicas, como a Síndrome de Down (Lott & Dierssen, 2010).

(In)Definição de Conceitos e Modelos Teóricos

Dentre as variadas perspectivas citadas e inúmeras outras existentes na literatura especializada, os modelos atuais de explicação do funcionamento executivo dividem-se em teorias de construto único e teorias multidimensionais. O primeiro grupo propõe a existência de um controle executivo que coordena outras funções cognitivas. Já as teorias multidimensionais orientam-se pela concepção de FE enquanto um conjunto de processos cognitivos e metacognitivos que podem ser analisados como operações distintas e processos independentes, embora coparticipantes de um construto mais amplo (Stuss & Alexander, 2000; Stuss & Benson, 1984).

As perspectivas que defendem a multidimensionalidade do construto das FE relacionam-nas a uma ampla variedade de funções cognitivas que implicam: atenção, concentração, seletividade de estímulos, capacidade de abstração, planejamento, flexibilidade de controle mental, autocontrole, memória operacional, fluência verbal, organização e planejamento (Hamdan & Pereira, 2002). Todas as publicações identificadas adotaram pressupostos teóricos multidimensionais, sejam eles implícitos ou explícitos, e traduzidos em uma diversidade de componentes executivos avaliados, como pode ser observado na Figura 2.

 

 

Dentre os componentes mais analisados pelos estudos mencionados estão o Controle Inibitório (também nomeado de Inibição), a Memória Operacional e a Atenção. Esta última foi avaliada pelos pesquisadores sob três de seus componentes: atenção alternada, muitas vezes considerada como sinônimo de alternância (shifting), atenção seletiva e atenção concentrada. Um dos parâmetros tradicionalmente associados à atenção é a seleção de partes dos estímulos disponíveis para o processamento enquanto outros se mantêm "suspensos". A habilidade de selecionar somente as informações relevantes para execução de uma tarefa, ignorando outros elementos irrelevantes, é imprescindível ao funcionamento adaptativo e orientado a um propósito; por essa razão, a seletividade da atenção está intimamente relacionada ao controle inibitório, e, junto à flexibilidade cognitiva, é considerada componente-chave das FE.

 

Instrumentos de Avaliação: Especificidades e Variações de Protocolos

Esse modelo triplo de avaliação do funcionamento executivo (Controle Inibitório, Atenção Seletiva e Memória Operacional) corrobora evidências da neuroimagem, da neurofisiologia e da neuropsicologia, as quais sugerem a existência de diferentes processos cognitivos envolvidos nas FE e relacionados a diferentes regiões corticais e subcorticais do cérebro (Joanette et al., 2008; Tonietto et al., 2011).

Esses achados apontam para a inexistência de uma função executiva unitária e refletem diretamente no modelo de avalição neuropsicológica adotada pelo pesquisador. Essa perspectiva teórica admite que as FE envolvem uma ampla gama de funções cognitivas impossíveis de serem avaliadas por uma única prova neuropsicológica. Por isso, adota protocolos de avaliação amplos e flexíveis, pois consideram que vários componentes executivos estariam implicados em atividades rotineiras e poderiam ser observados separadamente em situações experimentais (Hamdan & Pereira, 2002).

Os estudos empíricos sujeitos desta pesquisa utilizaram uma ampla variedade de baterias formais e tarefas flexíveis desenhadas para avaliar componentes específicos das FE, como as tarefas do paradigma Go/No-Go e Stroop. A diversidade de instrumentos utilizados pode ser atribuída aos múltiplos componentes das FE investigados nas pesquisas; também é reflexo da falta de concordância metodológica desta temática e das diferentes correntes teóricas existentes no estudo das FE.

Observa-se a preferência da maioria dos estudos revisados (56%) em avaliar o funcionamento executivo infantil por meio da união entre dados advindos de baterias formais de avaliação e tarefas construídas para avaliação de componentes específicos. Todos os instrumentos formais de mensuração das FE utilizados nos artigos identificados estão elencados na Tabela 2. Além desses instrumentos, outras 28 tarefas de avaliação de subcomponentes das FE foram criadas especialmente para os objetivos de algumas das pesquisas identificadas, principalmente na avaliação de pré-escolares (Tabela 3).

Dentre as baterias mais utilizadas, destacam-se as escalas Wechsler ]WISC/WAIS/WIAT e WPPSI] (52%), as tarefas do paradigma Stroop e Go/No-Go (36 e 16%, respectivamente) e o Behavior Rating Inventory of Executive Functions (BRIEF) (28%). O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST), considerado o padrão-ouro para a avaliação das FE, não foi utilizado por nenhuma das pesquisas em questão.

 

Considerações Finais

É indiscutível a relevância teórica da construção de um consenso a respeito da definição das FE. A dicotomia função executiva versus funções executivas reflete-se em distintas medidas de avaliação neuropsicológica, o que impossibilita a análise comparativa entre estudos e enfraquece os achados científicos na direção de dados normativos para o desenvolvimento típico dessas funções.

A pequena quantidade de artigos identificados e a inexistência de estudos brasileiros publicados nas bases de dados pesquisadas podem estar relacionadas à multiplicidade de componentes adjacentes à própria natureza do construto e à carência de tarefas construídas para avaliar as FE na primeira e segunda infância. Essa limitação é parcialmente compreendida ao se considerar que os testes de avaliação padrão das FE são concebidos para serem complexos, já que devem avaliar a adaptação ao conteúdo novo e flexibilidade cognitiva na resolução de problemas. Muitos instrumentos de avaliação das FE são adaptações de avaliações com adultos e, portanto, pouco sensíveis para uso com crianças.

Outra explicação, especialmente relevante em pesquisas clínicas, está relacionada ao aparecimento tardio de consequências de lesões frontais na infância (o chamado "efeito Kennard"), o que torna a adolescência e o início da vida adulta períodos preferenciais de investigação. Tomados em conjunto, esses fatores limitam a produção na área da Neuropsicologia Infantil, principalmente no contexto brasileiro de reconhecida escassez de instrumentos validados e adaptados.

Os artigos identificados apontam para um relativo consenso teórico acerca da natureza multidimensional das FE. Tais publicações ancoram-se em achados de diferentes medidas neuropsicológicas, as quais sustentam a afirmação de um construto executivo multidimensional. A multiplicidade de instrumentos de investigação das FE encontrados nesses artigos sugere que a avaliação neuropsicológica destas seja uma combinação de diferentes medidas complementares.

Outro grande desafio da Neurociência atual consiste em identificar as FE mais básicas, a partir das quais poderiam ser construídas as funções cognitivas mais complexas. Esse modelo preconiza a existência de FE elementares (mais diretamente relacionadas ao comportamento, à capacidade de representação na memória de trabalho e à capacidade de inibição de respostas prepotentes) e FE complexas e multidimensionais, como a metacognição e a consciência autoreflexiva.

 

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Endereço para correspondência:
Izabel Augusta Hazin Pires Loreto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
CCHLA - Pós-Graduação em Psicologia
Campus Universitário, Lagoa Nova
CEP 59078-970 – Natal/RN
E-mail: lapen_ufrn@yahoo.com.br / izabel.hazin@gmail.com

Recebido em 15/03/2013
Revisto em 10/04/13
Aceito em 12/04/13