SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 issue2Edith Stein's Contributions to the Philosophical Foundation of Scientific PsychologyAttention and Executive Functions in Children with Developmental Dyslexia author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.7 no.2 Juiz de Fora Dec. 2013

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-1247201300020008 

ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201300020008

 

Investigação dos Domínios Cognitivos de Pacientes com Síndrome de Williams Usando as Escalas Wechsler*

 

Investigation of Cognitive Domains in Williams Syndrome's Patients Using Wechsler's Scales

 

 

Larissa de Souza Salvador; Flávia Neves Almeida; Annelise Júlio-Costa; Maria Raquel Santos Carvalho; Vitor Geraldi Haase

Universidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Síndrome de Williams (SW) é uma doença de etiologia genética, causada por microdeleções na região do cromossomo 7q11.23. Pacientes com SW podem apresentar QI verbal significativamente superior ao executivo, o que explicaria o déficit recorrente nas habilidades visoespaciais e a preservação de aspectos das habilidades verbais. O estudo teve como objetivo analisar o perfil cognitivo de uma série de casos de pacientes com SW, utilizando a Escala Wechsler de Inteligência. A amostra foi composta por dez pacientes. Os resultados apontam para um padrão de desempenho semelhante entre os participantes na escala verbal, porém o QI de execução teve maior correlação com o QI total. Foi observada uma discrepância entre habilidades verbais e não verbais em 40% dos participantes.

Palavras-chave: medidas de inteligência; escala de inteligencia Wechsler para criancas; escala de inteligencia Wechsler para adultos.


ABSTRACT

Williams Syndrome (WS) is a disease of genetic etiology caused by micro-deletions at the 7q11.23 region. WS's patients may present verbal IQ significantly higher than the performance one, which could explain the recurrent deficit in visuospatial abilities and the preservation of some verbal skills. The study aimed at analyzing the cognitive profile of a case series including WS patients, using Wechsler's Intelligence Scale. The sample was composed of ten patients. The results showed a similar pattern of performance among participants in the verbal scale; however, the performance IQ was more associated with total IQ. We observed a discrepancy between verbal and nonverbal abilities in 40% of the participants.

Keywords: intelligence measures; Wechsler intelligence scale for children; Wechsler adult intelligence scale.


 

 

A Síndrome de Williams (SW) está relacionada à microdeleção hemizigótica de aproximadamente 25 genes na região do cromossomo 7q11.23 (Bayés, Magano, Rivera, Flores & Pérez Jurado, 2003), com prevalência estimada de um acometido a cada 7.500 nascidos vivos (Strømme, P., Bjømstad, P. G., & Ramstad, K. 2002) e, portanto, considerada uma doença rara. Esta síndrome apresenta características físicas marcantes, como os lábios volumosos, as bochechas proeminentes, uma estatura menor do que a população em geral e doenças cardiovasculares. A dificuldade intelectual de leve à moderada ou de aprendizagem e uma personalidade hipersociável são também características típicas desses indivíduos (Bellugi, Adolphs, Cassady & Chiles, 1999; Mervis et al., 2000).

Pesquisas sobre correlações anatomofuncionais da SW têm sido realizadas (Martens, Wilson, Chen, Wood & Reutense, 2013; Martens, Wilson, Dudgeon & Reutens, 2009; Reiss et al., 2000; 2004). Estudos recentes demonstraram alterações anatômicas na estrutura cerebral de indivíduos com a SW, as quais podem explicar alguns padrões do funcionamento cognitivo e comportamental da síndrome. Martens et al. (2013) indicaram diminuição da área medial e posterior do corpo caloso em pacientes com SW, quando comparados àqueles com desenvolvimento típico. Este estudo foi desenvolvido por meio de técnicas de ressonância magnética estrutural, que apontaram uma diminuição do corpo caloso em pacientes canhotos, quando comparados aos destros. Isso foi observado também no Grupo Controle, porém com um padrão inverso, sendo que os indivíduos destros apresentaram diminuição em regiões específicas do corpo caloso, quando comparados aos com lateralidade oposta (Martens et al., 2013). Alguns estudos demonstram, ainda, redução volumétrica dos lobos parietal e temporal em indivíduos com a SW (Jernigan, Bellugi, Sowell, Doherty & Hesselink, 1993; Martens et al., 2009; Reiss et al., 2000; 2004), o que pode estar relacionado ao perfil de hipersociabilidade. Alterações no padrão de ativação da amígdala de indivíduos com a SW, quando comparados com os sujeitos do Grupo Controle em tarefas de reconhecimento de expressões faciais, foram descritas por Avery, Thornton-Wells, Anderson e Blackford (2011). Tais resultados podem estar relacionados aos altos níveis de ansiedade e fobias, que também compõem o perfil da SW. Além disso, padrões atípicos de ativação da região anterior do hipocampo foram associados com o pior desempenho em tarefas de memória de longo prazo nos pacientes com SW (Meyer-Lindenberg et al., 2005).

Em geral, relatos da literatura apontam que indivíduos com SW apresentam um perfil cognitivo, no qual a memória verbal de curto prazo e o vocabulário são considerados pontos fortes, quando se igualando ao desempenho de indivíduos com desenvolvimento típico; enquanto que os déficits encontrados estariam relacionados às habilidades visoespaciais e visoconstrutivas (Bellugi, Lichtenberger, Jones, Lai & St. George, 2000). Os déficits nos processamentos visoespacial, visoconstrutivo e numérico são desproporcionalmente graves quando comparados com as habilidades de linguagem (Paterson, Girelli, Butterworth & Karmiloff-Smith, 2006). Tem sido discutido se o processamento numérico é uma habilidade específica e independente da capacidade cognitiva global na SW. Esta discussão é pertinente já que, quando comparados a outras síndromes, como a Síndrome de Down, que também é caracterizada por inteligência abaixo da média, os indivíduos com SW apresentam desempenho inferior em tarefas que avaliam o processamento numérico (Paterson et al., 2006). No entanto, quando avaliada a linguagem em portadores da SW, esta habilidade não se encontra inteiramente preservada (Bellugi et al., 2000). O vocabulário pode ser rico e rebuscado, mas os indivíduos apresentam dificuldades com a pragmática e o uso comunicacional da linguagem (Mervis & John, 2010).

Quanto à inteligência dos indivíduos com a SW, em geral, o quociente de inteligência (QI) está entre 50 a 60 pontos (Elison, Stinton & Howlin, 2010; Searcy et al., 2004), com um perfil discrepante entre as habilidades verbais e não verbais (ou de execução) (Bellugi, Wang & Jernigan, 1994; Howlin, Davies & Udwin, 1998; Jarrold, Baddeley & Hewes, 1998; Searcy et al., 2004; Udwin & Yule, 1991). Esse padrão de diferença entre habilidades verbais e não verbais é denominado "WS cognitive profile" – WSCP, ou seja, perfil cognitivo da SW (Frangiskakis et al., 1996; Mervis, Morris, Bertrand, & Robinson, In press). A caracterização do WSCP é independente dos níveis de QI. Para avaliar esta diferença presente no WSCP entre habilidades verbais e não verbais, alguns estudos utilizaram a British Abilities Scale – BAS-II (Elliott, Smith & McCulloch, 1996) ou o Differential-Abilities Scale – DAS (Elliot, 1990), já que estes instrumentos demonstraram mais sensibilidade do que a Escala de Inteligência Wechsler ao discriminar as diferenças entre habilidades, observada nos padrões de desempenho de indivíduos com SW (Tassabehji et al., 1999). Ressalta-se que, quando avaliado com a Escala de Inteligência Wechsler, indivíduos com SW nem sempre demonstraram uma vantagem do QI verbal sobre o desempenho no QI total (Bellugi, Wang & Jernigan, 1994; Karmiloff-Smith et al., 1997; Udwin, Yule & Martin, 1987).

Dessa forma, não é consensual na literatura a presença de discrepância entre habilidades verbais e de execução. De acordo com Jarrold, Baddeley & Hewes (1998), não há evidências consistentes favoráveis quanto à dissociação entre as habilidades verbais e não verbais na SW. Esses autores avaliaram 16 indivíduos, entre 6 e 28 anos, por meio dos testes de vocabulário receptivo, o British Picture Vocabulary Scale – BPVS (Dunn, Dunn, Whetton & Pintilie, 1982), e a bateria de testes DAS (Elliot, 1990). Por meio da análise dos subtestes verbais e não verbais da escala DAS, observou-se que o desempenho verbal de tais pacientes é significativamente maior do que o não verbal. De acordo com o estudo, a discrepância entre as habilidades verbais e não verbais do grupo foi justificada pela existência de três pacientes na amostra, que apresentaram uma discrepância muito alta, enviesando o resultado final. Por este motivo, as análises foram repetidas sem estes pacientes, observando-se um resultado não significativo entre as habilidades verbais e não verbais dos 13 pacientes restantes. Entretanto, demonstrou-se a presença de diferenças entre as habilidades verbais e não verbais quando comparado o desempenho do BPVS com o subteste de habilidade visoconstrutiva do DAS (Pattern Construction). De uma forma geral, os participantes apresentaram melhor desempenho no BPVS, sendo tal resultado obtido após a exclusão dos três indivíduos com alta discrepância. Os resultados desse estudo indicaram uma magnitude da diferença entre as habilidades verbais e não verbais, aumentando de forma constante e, aparentemente, linear, de acordo com o nível de habilidade verbal.

Considerando a discussão relacionada à existência de um padrão de discrepância entre as habilidades verbais e não verbais na SW, o presente estudo teve como objetivo analisar o perfil de uma série de casos de pacientes com esta síndrome, utilizando a Escala de Inteligência Wechsler em suas versões infantil (WISC-III) e adulta (WAIS-III). Assim, a hipótese subjacente ao estudo é de que os pacientes com a SW apresentarão melhor desempenho na escala verbal do teste, quando comparados à não verbal, levando-se em conta o perfil neuropsicológico desses indivíduos. Para testar a hipótese, foi realizada uma análise de cada subteste, bem como dos índices fornecidos pela escala de inteligência, com o intuito de averiguar se existe algum padrão de discrepância entre habilidades verbais e e não verbais dos pacientes com SW.

 

Métodos

Amostra

A amostra foi composta por dez pacientes do Ambulatório Número, no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seis participantes possuíam diagnóstico genético de SW a partir do exame Multiplex Ligation-dependant Probe Amplification – MLPA, realizado no Laboratório de Genética Humana da UFMG. Três sujeitos receberam diagnóstico genético pelo método FISH (hibridação in situ fluorescente). Um paciente possuía diagnóstico clínico a partir de características faciais e perfis cognitivo e comportamental semelhantes à SW.

Todos os responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a participação dos filhos no estudo. Além disto, cabe destacar que o projeto foi aprovado no Comitê de Ética (COEP/UFMG), intitulado como "Avaliação de estratégia de diagnóstico neuropsicológico e genético-molecular dos transtornos do desenvolvimento cognitivo (retardo mental)", sob parecer ETIC 0091.0.203.000-10.

Os pacientes tinham idades entre 8 e 25 anos, com média igual a 15,9 (dp=5,1) anos, sendo sete do sexo masculino e três do feminino. O QI médio da amostra foi de 58,6 (dp=14,6) pontos. Os dados descritivos encontram-se na Tabela 1.

 

 

Procedimentos e análises

As habilidades verbais e não verbais dos pacientes foram avaliadas por meio da Escala de Inteligência Wechsler para crianças, entre 6 a 15 anos (WISC III) (Figueiredo, 2002), ou por sua versão para adultos, entre 16 a 89 anos (WAIS-II) (Nascimento, 2004). Os participantes foram avaliados em uma sessão prolongada, de aproximadamente duas horas, com um intervalo de 10 a 20 minutos. Devido ao extremo cansaço e agitação apresentados por parte de um dos participantes, o mesmo não realizou o subteste "Procurar Símbolos" do WISC-III. Os procedimentos foram realizados na sala de atendimento do Ambulatório Número, localizada na Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Uma análise descritiva dos dados foi desenvolvida a fim de investigar a diferença entre a pontuação nos subtestes das escalas verbal e de execução (WISC-III e ­WAIS-III).
Além disso, analisou-se uma série de casos isolados. Para isso, os valores utilizados para calcular as discrepâncias entre QI verbal e de execução e entre os índices de organização perceptual e compreensão verbal foram obtidos pelas normas de padronização dos testes WISC-III e WAIS-III (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004). Por fim, as correlações entre os QIs total, verbal e não verbal foram calculadas (correlação de Spearman). Os valores obtidos consideram a idade de cada participante. Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico SPSS, versão 17.0.

Instrumentos

Escala de Inteligência Wechsler

As Escalas de Inteligência Wechsler foram desenvolvidas a partir da concepção que a inteligência é uma entidade agregada e global, ou seja, a capacidade do indivíduo em raciocinar, lidar e operar com propósito, racionalmente e efetivamente com o seu meio ambiente. Por esta razão, os subtestes foram selecionados com o objetivo de investigar muitas capacidades mentais diferentes, mas que, juntas, oferecem uma estimativa da capacidade intelectual geral do paciente.

A escala é constituída por uma parte verbal e uma composta por subtestes de execução, ou seja, não verbal. Portanto, o teste pode fornecer resultados em QI verbal, de execução e total. As versões utilizadas no estudo foram:

•   WISC III: utilizada para avaliar crianças e adolescentes com idades entre 6 e 16 anos. Os subtestes que compõem a escala verbal são informação, semelhanças, aritmética, vocabulário, compreensão e dígitos e a de execução é composta pelos subtestes completar figuras, código, arranjo de figuras, cubos, armar objetos e procurar símbolos (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004).

•   WAIS III: aplicada para analisar indivíduos de 16 a 89 anos. A escala verbal é composta pelos subtestes informação, semelhanças, aritmética, vocabulário, dígitos e sequência de números e letra. A escala de execução é composta pelos subtestes completar figuras, código, arranjo de figuras, cubos, armar objetos e procurar símbolos e raciocínio matricial. Não foram utilizados os subtestes de raciocínio matricial e sequência de números e letras nas análises realizadas. Os índices fatoriais utilizados no estudo foram organização perceptual e compreensão verbal.

 

Resultados

Análises de grupo

Os resultados da Tabela 2 (média e desvio padrão dos escores de indivíduos com SW) demonstram que as menores médias foram obtidas nos subtestes arranjo de figuras, informação e de aritmética, sendo que os dois últimos pertencem à escala verbal. Por outro lado, a maior pontuação foi observada no subteste de vocabulário, da mesma escala. Observando-se o desvio padrão, notou-se que os menores valores referem-se à vocabulário, códigos e compreensão, indicando maior homogeneidade no desempenho dos participantes em tais subtestes. Em contrapartida, os subtestes que apresentaram maior desvio padrão foram completar figuras, armar objetos, da escala de execução, e semelhanças, da escala verbal. Esse resultado evidencia maior dispersão nos resultados da escala de execução.

 

 

Análise da série de casos

Os resultados foram apresentados em escores ponderados de cada participante nos subtestes, transformados conforme a normatização para população brasileira por idade (Tabela 3). Observou-se um padrão de desempenho nos subtestes da escala de inteligência, sendo que todos os pacientes apresentaram maior pontuação ponderada no subteste de vocabulário. Porém, quanto maior o QI total, maior a pontuação ponderada obtida nos subtestes da escala de execução, sendo que o padrão de desempenho na escala verbal se mantém semelhante em todos os casos.

Os resultados apresentados em QI total, de execução e verbal, de acordo com a normatização dos testes WISC III e WAIS III, demonstram uma diferença significativa entre QI verbal e de execução em quatro casos (Tabela 4). O valor referência para avaliar a existência de discrepância significativa entre QI verbal e de execução foi retirado do manual das escalas, conforme os dados normativos. Dentre os quatro casos, dois indivíduos apresentaram QI verbal significativamente maior que o de execução. Nos dois restantes, o QI de execução se mostrou significativamente maior que o verbal. O valor de significância variou para cada situação de acordo com a idade do participante, seguindo os critérios estatísticos de validação das escalas. As diferenças necessárias para a significância estatística baseiam-se nos erros padrão da medida de cada escala de QI, em todas as idades (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004).

Os índices de organização perceptual e compreensão verbal foram analisados, já que representam medidas mais fidedignas das habilidades verbais e de execução, pois excluem alguns subtestes da análise fatorial (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004). Os resultados referentes à diferença entre o índice de organização perceptual e o de compreensão verbal apresentam uma maior incidência de discrepância entre eles (Tabela 5), do que quando comparado à incidência entre o QI verbal e o de execução (Tabela 4).

Análise de correlação

A correlação entre o QI de execução e o total apresentou-se forte (r=0,96; p≤0,001). Por outro lado, aquela entre QI verbal e total é fraca e não teve significância estatística (r=0,348; p=n.s.), como observado na Tabela 6.

 

 

Discussão

No presente estudo foi observada uma discrepância entre QI verbal e de execução (não verbal) em quatro casos dos dez estudados. Diversos estudos demonstraram a existência dessa discrepância entre habilidades verbais e executivas na SW (Bellugi et al., 1994; Howlin, Davies, & Udwin, 1998; Jarrold, Baddeley & Hewes, 1998; Searcy et al., 2004; Udwin & Yule, 1991). A diferença entre as habilidades ocorre devido a um perfil neuropsicológico caracterizado pela preservação das habilidades verbais e por um prejuízo nas habilidades visoespaciais e visoconstrutivas (Bellugi et al., 1999; Mervis et al., 2000).

Uma hipótese para a existência de discrepância entre QI Verbal e QI de Execução em apenas quatro casos na amostra estudada é de que, na escala verbal do teste, existem subtestes, nos quais se espera um desempenho abaixo da média populacional, como o de informação. Este exige uma precisão das representações semânticas e uma crítica social, ambas prejudicadas na SW (Mervis & John, 2010). Além disso, esses indivíduos apresentam déficits na cognição social e teoria da mente (Van der Fluit, Gaffrey & Klein-Tasman, 2012), o que pode estar relacionado ao baixo desempenho no subteste de informação.

Outro fator que pode ter contribuído para o baixo desempenho na escala verbal, diminuindo a discrepância entre as habilidades verbais e não verbais é que o subteste de aritmética compõe a escala verbal do teste. Existem evidências de que o componente visoespacial pode influenciar alguns aspectos do domínio matemático (Geary & Hoard, 2002), o que poderia explicar o baixo desempenho no mesmo (média=2,3; dp=2,16), já que indivíduos com SW apresentam déficits no processamento visoespacial (Mervis et al., 2000) e na cognição numérica (Paterson et al., 2006).

No entanto, quando os índices de compreensão verbal e organização perceptual foram analisados, foi possível verificar uma maior incidência de discrepância entre as habilidades verbais e não verbais na amostra. Tal achado pode estar relacionado à maior sensibilidade dessas medidas em comparação com as dos QIs verbal e de execução, pois os índices de compreensão verbal e de organização perceptual excluem alguns subtestes, como o de aritmética da análise fatorial nas Escalas Wechsler (Figueiredo, 2002; Nascimento, 2004).

Alguns estudos que não encontraram diferenças significativas entre habilidades verbais e não verbais na SW trabalham com a hipótese de que a discrepância entre as habilidades nem sempre é encontrada, devido à utilização de instrumentos menos sensíveis para avaliá-la (Jarrold, Baddeley & Hewes, 1998). Além disso, a presença de déficits específicos em áreas da linguagem diminuiria o efeito da diferença entre as habilidades verbais e não verbais, já que foi demonstrado que as habilidades verbais não são completamente preservadas nesses indivíduos (Temple, 2006).

Analisando o desempenho da amostra em cada subteste das escalas Wechsler, foi possível observar a presença de um padrão relacionado aos índices de QI (Tabela 3). Os pacientes que apresentaram maior índice de QI total obtiveram maiores pontuações nos subtestes da escala de execução. Isso indicou que quanto maior o QI total do paciente, melhor o desempenho na escala de execução do teste, o que contribuiu para diminuir a discrepância entre habilidades verbais e não verbais. Tal achado foi confirmado pela análise de correlação (Sperman), na qual foi encontrada uma forte correlação (r=0,964; p<0,001) entre o QI de execução e o total, ou seja, quanto maior o QI total, maior o de execução na amostra.

Houve também uma correlação fraca (r=0,348; p>n.s.) entre QI verbal e total, corroborando o achado de que o O QI de execução influenciou mais o desempenho total dos pacientes do que o QI verbal na amostra. Tal achado indica que, quanto maior a inteligência do indivíduo com a SW, melhor será o desempenho em tarefas de habilidades executivas. Além disso, indivíduos com inteligência mais baixa apresentaram desempenho inferior nos subtestes da escala verbal. Já os indivíduos com uma inteligência mais alta (Casos 9 e 10) apresentaram melhor desempenho nos subtestes de aritmética e informação, indicando que a inteligência mais baixa rebaixa tanto o QI verbal quanto o executivo. Este resultado sugere que sujeitos com inteligência mais alta poderão também apresentar maior discrepância entre habilidades verbais e não verbais, já com a inteligência mais baixa pode anular o efeito de discrepância ao rebaixar ambas as habilidades avaliadas.

O mesmo padrão de resultados tem sido encontrado em outras síndromes genéticas com o perfil neuropsicológico semelhante à SW, como é o caso da Síndrome de Velocardiofacial, ou deleção do 22q11.2, na qual é demonstrada a existência da discrepância entre habilidades verbais e não verbais apenas em indivíduos que não apresentam retardo mental (Vicari et al., 2012) .

Ressalta-se que os dados apresentados não demonstram um resultado conclusivo, porém indicam que existe uma discrepância entre as habilidades verbais e não verbais em indivíduos com a SW. O perfil neuropsicológico na SW é bastante heterogêneo, o que dificulta a convergência dos resultados entre os estudos. Dessa forma, mais pesquisas devem ser realizadas utilizando tarefas com maior sensibilidade, as quais possam investigar a presença de déficits específicos nesses pacientes.

 

Referências

Avery, S. N., Thornton-Wells, T. A., Anderson, A. W., & Blackford, J. U. (2012). White matter integrity deficits in prefrontal-amygdala pathways in Williams syndrome. Neuroimage, 59, 887-894.         [ Links ]

Bayés, M., Magano, L. F., Rivera, N., Flores, R., & Pérez Jurado, L. (2003). Mutational mechanisms of Williams-Beuren syndrome deletions. The American Journal of Human Genetics, 73, 131-151.         [ Links ]

Bellugi, U., Adolphs, R., Cassady, C., & Chiles, M. (1999). Towards the neural basis for hypersociability in a genetic syndrome. Neuroreport, 10, 1653-1657.         [ Links ]

Bellugi, U., Lichtenberger, L., Jones, W., Lai, Z., & St. George, M. (2000). The neurocognitive profile of Williams syndrome: A complex pattern of strengths and weaknesses. Journal of Cognitive Neuroscience, 12, 7-29.         [ Links ]

Bellugi, U., Wang, P. P., & Jernigan, T. L. (1994). Williams syndrome: An unusual neuropsychological profile. In S., Broman, & J. Graffman, (Eds.), Atypical cognitive deficits in developmental disorders: implications for brain function (pp. 23-56). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum.

Dunn, L. M., Dunn, L. M., Whetton, C., & Pintilie, D. (1982). British Picture Vocabulary Scale. Windsor, UK: NFER±Nelson.         [ Links ]

Elison, S., Stinton, C., & Howlin, P. (2010). Health and social outcomes in adults with Williams syndrome: findings from cross-sectional and longitudinal cohorts. Research in developmental disabilities, 31, 587-599.         [ Links ]

Elliot, C. D. (1990). Differential Ability Scales. New York: The Psychological Corporation.         [ Links ]

Elliott, C. D., Smith, P., & McCulloch, K. (1996). British Ability Scales (BAS II): Full Age Range. Londres: Nfer-Nelson.         [ Links ]

Figueiredo, V. L. M. (2002). WISC III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: manual/ David Wechsler, (3ª Ed). Adaptação e padronização de uma amostra brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Frangiskakis, J. M., Ewart, A. K., Morris, C. A., Mervis, C. B., Bertrand, J., Robinson, B. F., Klein, B. P., Ensing, G. J., Everett, L. A., Green, E. D., Pröschel, C., Gutowski, N. J., Noble, M., Atkinson, D. L., Odelberg, S. J., & Keating, M. T. (1996). LIM-kinase1 hemizygosity Implicated in impaired visuospatial constructive cognition. Cell, 86, 59-69.         [ Links ]

Geary, D. C., & Hoard, M. K. (2002). Learning disabilities in basic mathematics: deficits in memory and cognition. In J. M. Royer, (Ed.), Mathematical cognition (pp. 93-115). Greenwich, CT: Information Age Publishing.

Howlin, P., Davies, M., & Udwin, O. (1998). Cognitive functioning in adults with Williams syndrome. Journal of Child Psychology and psychiatry, 39, 183-189.         [ Links ]

Jarrold, C., Baddeley, A. D., & Hewes, A. K. (1998). Verbal and nonverbal abilities in the Williams syndrome phenotype: Evidence for diverging developmental trajectories. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 39, 511-523.         [ Links ]

Jernigan, T. L., Bellugi, U., Sowell, E., Doherty, S., & Hesselink, J. R. (1993). Cerebral morphologic distinctions between Williams and Down syndromes. Archives of Neurology, 50, 186.         [ Links ]

Karmiloff-Smith, A., Grant, J., Berthoud, I., Davies, M., Howlin, P., & Udwin, O. (1997). Language and Williams syndrome: how intact is "intact"?. Child Development, 68, 246-262.         [ Links ]

Martens, M. A., Wilson, S. J., Dudgeon, P., & Reutens, D. C. (2009). Approachability and the amygdala: insights from Williams syndrome. Neuropsychologia, 47, 2446-2453.         [ Links ]

Martens, M. A., Wilson, S. J., Chen, J., Wood, A. G., & Reutens, D. C. (2013). Handedness and corpus callosal morphology in Williams syndrome. Development and psychopathology, 25, 253-260.         [ Links ]

Mervis, C. B., & John, A. E. (2010, May). Cognitive and behavioral characteristics of children with Williams syndrome: implications for intervention approaches. American Journal of Medical Genetics Part C: Seminars in Medical Genetics, 154, 229-248.         [ Links ]

Mervis, C. B., Robinson, B. F., Bertrand, J., Morris, C. A., Klein-Tasman, B. P., & Armstrong, S. C. (2000). The Williams syndrome cognitive profile. Brain and Cognition, 44, 604-628.         [ Links ]

Mervis, C. B., Morris, C. A., Bertrand, J., & Robinson, B. F. (In press). Neurodevelopmental disorders: contributions to a new framework from the cognitive neurosciences.         [ Links ]

Meyer-Lindenberg, A., Mervis, C. B., Sarpal, D., Koch, P., Steele, S., Kohn, P., Marenco, S., Morris, C. A., Das, S., Kippenhan, S., Mattay, V. S., Weinberger, D. R., & Berman, K. F. (2005). Functional, structural, and metabolic abnormalities of the hippocampal formation in Williams syndrome. Journal of Clinical Investigation, 115, 1888-1895.         [ Links ]

Nascimento, E. (2004). WAIS III: Escala de Inteligência Wechsler para Adultos. Manual/ David Wechsler; Adaptação e Padronização de uma amostra Brasileira. [Tradução Maria Célia de Vilhena Moraes Silva]. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Paterson, S. J., Girelli, L., Butterworth, B., & Karmiloff-Smith, A. (2006). Are numerical impairments syndrome specific? Evidence from Williams syndrome and Down's syndrome. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 47, 190-204.         [ Links ]

Reiss, A. L., Eckert, M. A., Rose, F. E., Karchemskiy, A., Kesler, S., Chang, M., Reynolds, M.F., Kwon, H., & Galaburda, A. (2004). An experiment of nature: brain anatomy parallels cognition and behavior in Williams syndrome. The Journal of Neuroscience, 24, 5009-5015.         [ Links ]

Reiss, A. L., Eliez, S., Schmitt, J. E., Straus, E., Lai, Z., & Jones, W. (2000). Neuroanatomy of Williams syndrome: A high-resolution MRI study. Journal of Cognitive Neuroscience, 12, 65-73.         [ Links ]

Searcy, Y. M., Lincoln, A. J., Rose, F. E., Klima, E. S., Bavar, N., & Korenberg, J. R. (2004). The relationship between age and IQ in adults with Williams syndrome. Journal Information, 109, 231-236.         [ Links ]

Strømme, P., Bjømstad, P. G., & Ramstad, K. (2002). Prevalence estimation of Williams syndrome. Journal of Child Neurology, 17, 269-271.         [ Links ]

Tassabehji, M., Metcalfe, K., Karmiloff-Smith, A., Carette, M. J., Grant, J., Dennis, N., Reardon, W., Splitt, M., Read, A. P., & Donnai, D. (1999). Williams syndrome: use of chromosomal microdeletions as a tool to dissect cognitive and physical phenotypes. The American Journal of Human Genetics, 64, 118-125.         [ Links ]

Temple, C. M. (2006). Developmental and acquired dyslexias. Cortex, 42, 898-910.         [ Links ]

Udwin, O., & Yule, W. (1991). A cognitive and behavioural phenotype in Williams syndrome. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 13, 232-244.         [ Links ]

Udwin, O., Yule, W., & Martin, N. (1987). Cognitive abilities and behavioural characteristics of children with idiopathic infantile hypercalcaemia. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 28, 297-309.         [ Links ]

Van Der Fluit, F., Gaffrey, M. S., & Klein-Tasman, B. P. (2012). Social cognition in Williams syndrome: relations between performance on the social attribution task and cognitive and behavioral characteristics. Frontiers in psychology3, 197.         [ Links ]

Vicari, S., Mantovan, M., Addona, F., Costanzo, F., Verucci, L., & Menghini, D. (2012). Neuropsychological profile of Italian children and adolescents with 22q11. 2 deletion syndrome with and without intellectual disability. Behavior Genetics42, 287-298.         [ Links ]

 

 

 

Endereço para correspondência:
Larissa de Souza Salvador
Universidade Federal de Minas Gerais
Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento
Avenida Antônio Carlos, 6.627
CEP 31270-901 – Belo Horizonte/MG
E-mail: larissassalvador@gmail.com

Recebido em 20/04/2013
Revisto em 22/07/2013
Aceito em 01/08/2013

 

 

* Agradecimentos aos pesquisadores L. S. Salvador, F. N. Almeida, A. Júlio-Costa, os quais, durante a elaboração deste artigo, foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG, APQ-03289-10). V.G. Haase foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 308157/2011-7) e pela FAPEMIG (APQ-02755-SHA, APQ-03289-10) e M. R. S. Carvalho pelo CNPq (307975/2010-0). Toda equipe agradece às Associações Brasileira e Mineira de Síndrome de Williams pela parceria, bem como aos pacientes e a suas famílias pela colaboração e participação na pesquisa.