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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.8 no.1 Juiz de Fora jun. 2014

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-1247201400010003 

DOI: 10.5327/Z1982-1247201400010003

ARTIGO

 

Uma Resenha de Três Autores do Brasil Colonial a Partir da Ótica Agostiniana da Temporalidade

 

A Review of Three Authors of Colonial Brazil from the Perspective of the Augustinian Temporality

 

 

Marina MassimiI; Sérgio Peres de PaulaII

IDepartamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto), Brasil
IIFaculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (Franca), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do artigo é evidenciar traços da concepção agostiniana de temporalidade presentes em obras de autores da cultura brasileira colonial. O estudo, desenvolvido na perspectiva da história dos saberes psicológicos, propõe uma resenha à luz do tema agostiniano da temporalidade dos textos dos autores escolhidos para análise: Antônio Vieira, Alexandre de Gusmão e Nuno Marques Pereira. Neles, a análise evidencia a presença das quatro dimensões agostinianas da temporalidade: a diferença entre tempo e eternidade; o tempo psicológico; o tempo moral e o tempo histórico. Evidencia também a relação entre a noção de temporalidade e o dinamismo pessoal. Fica clara, portanto, a presença de aspectos do pensamento de Agostinho na concepção da temporalidade dos referidos autores.

Palavras-chave: Temporalidade; Agostinho; saberes psicológicos na cultura brasileira.


ABSTRACT

This paper aims to investigate aspects of the temporality conception of Augustine of Hippo in the works of authors in the colonial Brazilian culture. The study, conducted from the perspective of history of psychological knowledge, proposes a review, in the light of the Augustinian theme, concerning the temporality of the authors of the texts chosen for analysis: Antônio Vieira, Alexandre de Gusmão and Nuno Marques Pereira. In these, the analysis shows the presence of four dimensions of Augustinian temporality: the difference between time and eternity; psychological time; moral time and historical time. It also shows the relationship between the notion of temporality and personal dynamism. Therefore, it showed aspects of Augustine's thought in the conception of the temporality of these authors.

Keywords: Temporality; Augustine; psychological knowledge in the Brazilian culture.


 

 

O objetivo deste artigo é propor uma resenha, à luz do tema agostiniano da temporalidade, de textos de autores da cultura brasileira do período colonial na perspectiva da história dos saberes psicológicos. Os autores são: Antônio Vieira SI, Alexandre de Gusmão SI e Nuno Marques Pereira. Todos, de alguma forma, pertencem à tradição jesuítica; ou por sua direta inserção na Companhia de Jesus (Vieira e Gusmão); ou por ter sido aluno de escola jesuíta (Marques Pereira). Evidentemente, a escolha desta perspectiva de análise (focada na contribuição de Agostinho de Hipona) não implica negar que nos referidos textos haja a presença contemporânea de outras concepções de temporalidade difundidas no ambiente intelectual do Brasil colonial. Pretendemos apenas assinalar um dos fios que compõem a tessitura complexa e multivariada das fontes escolhidas e, especificamente, da concepção da temporalidade, especialmente no que diz respeito à sua dimensão subjetiva. Nem pensamos que deva se restringir tão somente a esses autores o alcance e a penetração do pensamento agostiniano no meio brasileiro. A escolha das fontes feita aqui depende de dois fatores: o primeiro é que nelas a temporalidade aparece como dimensão estruturante da pessoa humana; o segundo é a presença de numerosas referências a Agostinho de Hipona.

 

As Fontes e Seus Autores

Do extenso sermonário de Antônio Vieira1, analisaremos o conceito de temporalidade presente em alguns de seus sermões, levando em conta: a particularidade do gênero; a diferença com relação às outras duas fontes narrativas escolhidas; e as circunstâncias litúrgicas em que os sermões foram proferidos (Vieira, 1679-1748/2010).

Alexandre de Gusmão2 é autor, dentre outros, da novela alegórica "História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito" (1682), grande metáfora da existência humana protagonizada por dois irmãos: Predestinado e Precito. Os lugares de destino do percurso dos dois peregrinos podem ser Jerusalém ou Babilônia: os dois protagonistas empreendem uma longa caminhada direcionada a alcançar a cidade onde pretendem estabelecer sua morada definitiva, cujo percurso é composto de ambientes geográficos de vários tipos: colinas, vales, centros urbanos etc. A novela é organizada em seis partes, as quais correspondem a seis lugares imaginários (cidades), encarnando uma espécie de topologia ideal desenhada pela imaginação e pela memória, conforme a longa tradição da arte da memória e o método inaciano da composição do lugar. A "peregrinação" adquire claro significado simbólico ao representar o percurso de cada existência humana marcado por uma temporalidade linear, ou seja, tendo origem e destino (Massimi, 2012). A novela é destinada à leitura e à escuta por parte de quem, não possuindo a instrução para ler, ouviria a narrativa pela boca de leitores mais cultos. O texto quer proporcionar ao destinatário "um roteiro de vida ou morte sempiterna, para que conforme a ele governe seus passos" (Massimi, 2012, p. 59), de modo a encontrar nele um espelho onde possa "ver" sua própria condição e, se necessário, posicionar-se para uma mudança de rumo. Nesse sentido, a novela, no gênero de texto escrito, desempenha função análoga à dos sermões: pretende deleitar, mover, ensinar.

Quase cem anos depois, a proposta de Gusmão é retomada por Nuno Marques Pereira3 no "Compêndio narrativo do Peregrino da América" (1728). O compêndio é constituído por dois volumes; a primeira edição do primeiro volume remonta ao ano de 1728 (Lisboa), tendo sucessivas reedições ao longo do século (1731, 1752, 1760 e 1765). O segundo volume, escrito em 1733, foi impresso somente em 1939, quando ambos os tomos foram editados. As relações entre o compêndio e a novela de Gusmão são explicitadas pelo próprio Nuno, seja quando descreve as virtudes do "Muito Reverendo Padre Alexandre de Gusmão", seja quando reconhece a influência de Gusmão na sua narrativa nos "apontamentos ao leitor":

Uso das presentes humanidades, e moralidades, e histórias tão repetidas para melhor te persuadir deleitando-te o gosto, e entretendo-te a vontade; quis seguir alguns autores da melhor nota nesta minha escrita, que também usaram deste modo de escrever em diálogos, e interlocutores (Gusmão, 1728/1939, vol. II. p.4).

Dentre vários, destaca "o Padre Alexandre de Gusmão, no seu livro Peregrino Predestinado", que, como "outros escritores" "debaixo destas mesmas metáforas insinuaram mui sólida doutrina espiritual" (1728/1939, vol. II, p. 4). Embora a novela seja alegórica, apresenta elementos significativos do cenário do Brasil colonial do século XVIII: construída como uma narrativa em primeira pessoa, tem por cenário espaço-temporal o percurso do protagonista, o Peregrino, da Bahia para Minas Gerais, no início do século XVIII. O encontro com um Ancião (o Tempo) — que se torna interlocutor e companheiro de caminho — oferece ao Peregrino a possibilidade de travar um diálogo em que relata os costumes da colônia e discute fatos presenciados ao longo do percurso, utilizando-se dos recursos retóricos de metáforas e exemplos. O compêndio traz instruções de como se deve viver para manter o corpo e a alma "saudáveis e salváveis", sugerindo regras para um bem viver.

Para realizar o nosso percurso de análise será necessário, em primeiro lugar, apresentar de modo sucinto a visão da temporalidade em Agostinho, de modo a poder mais facilmente reconhecer os traços desta, presentes nas obras dos três autores brasileiros.

 

O Tempo no Pensamento de Agostinho

Ao analisar a concepção de temporalidade em Agostinho, sobretudo nos sermões, Paula (2011) evidencia a diferença entre tempo e eternidade tematizada pelo filósofo e alerta acerca da existência de quatro significados do tempo presentes nas suas obras. São elas: o tempo psicológico; o tempo físico; o tempo moral e o tempo histórico. Neste trabalho, nos ocuparemos das dimensões do tempo relacionadas à subjetividade, a saber: o tempo psicológico, o tempo moral e o tempo histórico, bem como a relação entre o tempo e a eternidade.

 

Tempo e Eternidade

Em "Confissões", Agostinho diferencia o tempo da eternidade, por corresponderem a diferentes condições do ser (Agostinho, 400/1988b). O tempo tem duração e é composto por movimentos passageiros, por "instantes fugitivos"4 (400/1988b, p. 280); na eternidade, pelo contrário, "nada passa"5 (400/1988b, p. 276), ela é "um perpetuo hoje" (400/1988, p. 276).

Segundo Paula (2011), tal temática perpassa não somente os tratados (por exemplo, "A cidade de Deus", 413/1990), como também a pregação de Agostinho. No sermão 16a, por exemplo, pregado em Cartago, no ano 411, Agostinho evidencia a diferença entre o tempo, o qual compara a uma breve viagem, e a eternidade, lugar sem tempo: "O tempo de nossa viagem pelo mundo é breve, porém nossa pátria carece de tempo. Entre o tempo e a eternidade existe uma grande diferença. Aqui se conquista a piedade; lá se descansa"6 (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 7, p. 257). Em outro sermão (n. 260c), pregado num domingo de Oitava da Páscoa, em Hipona, após 410, Agostinho diferencia o tempo e a eternidade ao comentar sobre a simbologia do número oito. Compara a ordem circular do tempo à permanência imutável da eternidade e afirma que o número oito simboliza o mundo futuro "onde nada cresce ou decresce quanto ao volume do tempo, mas permanece perenemente em felicidade imutável", ao passo que "o espaço temporal do presente século transcorre no círculo repetido de sete dias"7 (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 24, p. 268). A incomensurabilidade entre o tempo e a eternidade é preenchida pela esperança.

 

Tempo Psicológico

No livro 11º das confissões, Agostinho afirma que na mente existem três tempos: o "presente das coisas passadas", o "presente das presentes" e o "presente das futuras", que se evidenciam no dinamismo subjetivo como "lembrança presente das coisas passadas" (a memória), "visão presente das coisas presentes" (a atenção) e "esperança presente das coisas futuras" (a expectação) (400/1988b, p. 284)8. Por isso é que se pode afirmar que o tempo consiste não no movimento dos astros ou dos corpos, mas sim em "certa distensão da alma"9 (400/1988b, p. 288): futuro, passado e presente existem "na alma", moldados por atos psíquicos: o passado existe como "memória" e o futuro é atualizado "no presente" como "projeto" ou expectativa. De qualquer forma, os três tempos são o "presente": o passado é um "re-presente" (novamente presente); o presente é o instante fluido, que passa, e o futuro é um pré-presente. O fato de o tempo ser uma "distensão da alma" é comprovado por Agostinho por uma "experiência" retirada dos domínios, musical e retórico, a ele bem familiares: a percepção dos movimentos, do "longo" e do "breve" dos sons e do silêncio na música ou na oratória dá-se pela atividade psíquica. E conclui: "em ti, ó meu espírito, meço os tempos" (400/1988b, p. 292)10. As potências psíquicas envolvidas, portanto, são a expectação, a atenção e a memória, sendo que o dinamismo todo é sintetizado por Agostinho desta forma: "aquilo que o espírito espera passa através do domínio da atenção para o domínio da memória" (400/1988b, p. 293). O exemplo da recitação de um hino decorado esclarece:

Antes de principiar, a minha expectação estende-se todo ele. Porém, logo que o começar, a minha memória dilata-se, colhendo tudo o que passa de expectação para o pretérito. A vida deste meu ato divide-se em memória, por causa do que já recitei, e em expectação, por causa do que hei de recitar. A minha atenção está presente e por ela passa o que era futuro para se tornar pretérito. Quanto mais um hino se aproxima do fim, tanto mais a minha memória se alonga e a expectação se abrevia, até que esta fica totalmente consumida, quando a ação, já toda acabada, passar inteiramente para o domínio da memória (400/1988b, p. 294)11.

Desta visão da temporalidade psíquica, Agostinho deriva a concepção do dinamismo pessoal em sua totalidade: "minha vida é distensão". O homem tem a possibilidade de viver a distensão em seu movimento contínuo, como também de dispersar-se no tempo: a atenção tem por seu oposto a distração. A direção dos movimentos de distensão (atenção) e dispersão (distração) é determinada pelos objetos de afeição para os quais a vontade se volta. Tais objetos, segundo Agostinho, configuram-se por volta de dois "amores", a concupiscência e a caritas: isso nos remete à terceira dimensão do tempo, que será abordada no item a seguir: o tempo moral. Agostinho descreve o movimento próprio de sua experiência como: "desprender-se dos dias em que dominou em mim a concupiscência"; "esquecer das coisas passadas"; "preocupar-se sem distração alguma não com as coisas futuras e transitórias, mas com aquelas que existem no presente" (400/1988b, p. 294)12. Deste modo, pretende "alcançar a unidade do meu ser" (400/1988b, p. 294).

A medição do tempo na "psique" tem como pano de fundo o tempo físico, cujo devir se fundamenta na "mutabilidade" das coisas e é mensurável pelo movimento dos astros, tendo seu início com a criação do mundo.

 

Tempo Moral

Já o tempo moral, ou seja, a maneira com que o homem constrói o tempo presente pelas suas ações, é o tempo presente no qual a ação é orientada para a realização do bem ou do mal. O tempo moral pode se tornar causa de vida ou de "morte" e "pecado" (ou seja, daquela condição de falta à qual o homem está submetido do início ao fim da vida). Disso decorre uma visão peculiar da existência humana: o caráter contingente e relativo da vida, o fato da morte como absoluta e necessária; o fato de que a vida é sempre "muriente" (mortal) e a morte sempre "vivente" e inerente ao dinamismo da vida. Com efeito, a vida é "muriente" pela sucessão de suas fases, sendo que cada uma implica o fim da anterior; e a morte é "vivente" pelo fato de a existência humana ser "morte em vida", e a duração da existência ser "vida em morte" (Paula, 2011, p. 94). O ser humano é orientado para a morte, ao passo de que Deus é imortal, sendo este revelado em Cristo, cuja mediação liberta da morte o homem. Disso decorre que a ordem do tempo moral demanda que no presente a vontade se oriente para o amor de Cristo (caritas). A desintegração e a desordem do tempo moral, pelo contrário, deriva de uma "inversão da ordem": amar o "temporal" em detrimento do "eterno" (concupiscência). Ocorre, assim, uma espécie de "temporalização" de "si mesmo", sendo que a libertação do tempo moral acontece no movimento que se estende da "multiplicidade" do tempo ao "eterno", podendo ser alcançada pelo "amor" ao Uno e Eterno Deus (Paula, 2011). Paula (2011) evidencia que no sermão 157, proferido em Cartago, em data ignorada, Agostinho alerta acerca da fugacidade do que buscamos possuir:

Que coisa há que não se torna fumaça antes de ser alcançada, se nem sequer uma hora do dia de hora podemos reter? A hora terceira lança fora a segunda, assim como a segunda o fez com a primeira. Ainda que a hora presente pareça que está presente, não é certo, pois todas as suas partes e todos os seus momentos são fugazes (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 23, p. 483-484)13.

E ainda o sermão 38, pregado em local e data ignorados, alerta acerca do bem que se ama neste mundo: "Quando começar a desvanecer-se o que foi criado, onde se encontrará o amante do tempo que perdeu a eternidade?" (386-426/1988a, vol. 7, p. 556)14.

Em "A Cidade de Deus" (Agostinho, 413/1990), a escolha entre dois amores ("o amor próprio, levado ao desprezo de Deus"; e "o amor de Deus, levado ao desprezo de si próprio", p. 169)15 é o que funda dois tipos diferentes de "sociedades de homens", a que "misticamente damos o nome de cidades" (Agostinho, 413/1990, p. 173): a cidade "terrena e a cidade "celestial"16. Em "cada homem", segundo Agostinho, existem "em luta"17 (p. 178) esses dois amores e a possibilidade dramática de escolher entre eles; e de substituir o primeiro amor pelo segundo e vice-versa. Daqui decorre a importância também do instante, como o lugar em que se trava esta luta.

Nos sermões, segundo Paula (2011), a referência ao momento presente constitui por Agostinho sempre um apelo à práxis cristã. O conhecimento dos preceitos não é suficiente para moldar uma vida cristã: é preciso vivenciá-los, colocá-los em prática no presente. O "agora" é o único tempo que o cristão tem para agir. Paula (2011) comenta que a imagem do rio que corre é comum nos sermões de Agostinho, utilizada como metáfora do tempo fluído e irreversível. No sermão 109, sobre os sinais dos tempos, Agostinho refere-se à fluidez do tempo: "E ainda que estas desgraças não se façam presentes, o tempo corre! ("tempus ambulat")" (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 10, p. 778)18.

No correr do tempo, a ação que cabe ao homem brota do colocar-se na posição certa: a de peregrinos. Paula coloca que no sermão 124, proferido em lugar ignorado, antes de 410, Agostinho usa a palavra "salus/salutis" para referir-se à condição da permanência, da eternidade em contraposição à brevidade do tempo da existência humana: o homem consciente vive sua condição humana como a de um peregrino: "Aprendamos, portanto, irmãos, a conhecer e amar essa Saúde, que não é deste mundo. Ou seja, a Saúde Eterna, e vivamos neste mundo como peregrinos". Tal condição implica que "vivamos bem neste curto espaço, para que no fim possamos ir onde nunca passamos" (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 23, p. 60-61)19. No Sermão 11, proferido por volta de 411/412, em lugar ignorado, Agostinho aborda o tempo presente como o tempo em que urge a ação, a "semeadura das boas obras": "no tempo presente semeamos com suor a semente das boas obras, porém, só iremos recolher seus frutos com alegria no tempo futuro" (386-426/1988a, vol. 7, p. 191)20. Trata-se do "tempo da laboriosidade, do esforço; a recompensa vem depois" (386-426/1988a, vol. 7, p. 192)21. Portanto, ao tempo presente Agostinho associa a imagem do "caminho". No sermão 31/4, pregado antes do ano 405, em lugar ignorado, Agostinho diz: "desde que nascemos, estamos em marcha. Quem permanece quieto? Quem não se vê obrigado a colocar-se em marcha desde que entrou nesta vida? Uma criança nasce e, ao crescer, está em marcha". (386-426/1988a, vol. 7, p. 463)22.

Esta caminhada pelo tempo presente implica sempre, para Agostinho, esforço, luta, trabalho, fadiga. A luta consiste no fato de o tempo presente ser o tempo dos desejos desordenados; luta esta que Agostinho descreve no Sermão 151, em Cartago, por volta de 418-419: "a vida do justo, enquanto existe neste corpo, é uma batalha" (386-426/1988a, vol. 23, p. 377-378)23. No sermão 128, proferido entre 412 e 416, em lugar ignorado, insiste: "O agora é tempo de lutar!" (386-426/1988a, vol. 23, p. 133)24.

 

Tempo Histórico

O tempo histórico, por Agostinho, define as modalidades da condição humana tais como vividas e protagonizadas pelos homens das diferentes gerações. O significado da história é sagrado e humano ao mesmo tempo. A história é interpretada por Agostinho como um drama, tendo "começo" (criação), "meio" (redenção) e fim (juízo final). Esta ordem do tempo, marcada pela tensão escatológica, é captada pela fé.

Agostinho frequentemente refere-se ao seu próprio tempo histórico como um "tempo de murmurações". As murmurações são daqueles que criticam os "tempos cristãos" como sendo os responsáveis pela queda do Império Romano. Essas referências encontram-se, sobretudo, nos sermões pronunciados por volta do ano 410, após o saque de Roma pelas tropas de Alarico. No sermão 25, pronunciado em Hipona, entre os anos 410–412, Agostinho critica aqueles que atribuem aos tempos passados uma condição irreal de felicidade, e cultivam o saudosismo acerca de um passado que nunca existiu: "os dias são amargos. Acaso não vivemos dias infelizes desde que fomos expulsos do paraíso? Nossos antepassados se lamentam de seus tempos e o mesmo os seus antecessores. Nenhum homem gosta dos tempos em que vive". E traz um exemplo: "a cada ano, ordinariamente, quando sentimos o frio, costumamos dizer: 'Nunca fez tanto frio! Nunca o calor foi tão grande', sendo que se faz o mesmo de sempre" (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 7, p. 396)25.

Ainda contra a nostalgia de um passado ideal e irreal como justificativa para as murmurações acerca do tempo presente, no sermão 346C, proferido também por volta de 410, em lugar ignorado, Agostinho questiona: "pensas que os tempos passados foram bons porque não são os teus. Por isso são bons!" (386-426/1988a, vol. 26, pp. 131-132)26. Numa alusão ao saque de Roma, e contestando aqueles que murmuravam dos males do tempo presente, Agostinho relaciona o tempo à vida moral e afirma o homem como "construtor" do tempo: o tempo é aquilo que os homens são e fazem dele. Não cabe imputar ao tempo uma responsabilidade que é própria daqueles que o constroem.

No sermão 80, proferido em local ignorado, por volta do ano 410, após o saque de Roma, Agostinho afirma: "Oxalá não abundassem os maus e assim não abundariam os males! 'Maus tempos! Tempos estafantes!' Assim dizem os homens. Vivamos bem e os tempos serão bons. Os tempos somos nós! Quais somos, assim são os tempos". (Agostinho, 386-426/1988a, vol. 10, p. 451)27. No sermão do dia 14 de setembro de 405, festa de São Cipriano, em Cartago, reitera o mesmo conceito: "Costumais dizer: 'Os tempos são difíceis! Os tempos são duros! Os tempos abundam em miséria!' Vivei bem e mudareis os tempos com vossa boa vida. Mudareis os tempos e não tereis do que murmurar." (386-426/1988a, vol. 25, p. 526)28.

O tempo não é só uma entidade que existe por si; é também uma construção da ação humana no mundo, e é cada homem o seu responsável.

 

Temporalidade e Dinamismo da Pessoa nos Sermões de Antônio Vieira

Nos sermões de Vieira, evidenciamos dimensões do tempo análogas às que foram assinaladas em Agostinho: a diferença entre tempo e eternidade; o tempo psicológico; o tempo moral e o tempo histórico.

 

Tempo e Eternidade

A diferenciação entre tempo e eternidade encontra-se no sermão pregado por Vieira na ocasião da festa de Nossa Senhora do Ó (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 4, pp. 207-236), quando se afirma que "o eterno e o temporal são tão opostos como a eternidade e o tempo" (p. 207).

Análoga distinção aparece no sermão pregado na quarta-feira de Cinzas de 1673: Vieira define a morte como "o instante" que separa o tempo da eternidade, distinguindo o instante da morte e os instantes da vida:

Os instantes da vida [...] unem a parte do tempo passado com a parte do futuro. O instante da morte é um instante que se desata do tempo que foi, e não se ata com o tempo que há de ser, porque já não há de haver tempo (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 1, pp. 619-620).

Assim como o fez Agostinho, Vieira relaciona o tempo ao afeto, à vontade e aos seus objetos, e no Sermão do Mandato de 1643 estabelece a relação entre o amor temporal e o amor perfeito (a agostiniana caritas). Se o tempo é "remédio" para o amor humano29, pelo fato de que "tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba" (1679-1748/1993, vol. 2, p. 293); no caso do "amor perfeito, e que só merece o nome de amor", que "vive imortal sobre a esfera da mudança", "não chegam lá as jurisdições do tempo". Neste passo, Vieira se refere explicitamente a Agostinho em seu comentário ao livro bíblico dos Provérbios:

Quis-nos declarar Salomão — diz Agostinho — que o amor que é verdadeiro tem obrigação de ser eterno, porque, se em algum tempo deixou de ser, nunca foi amor. [...] Deixou de ser? Pois nunca foi. Deixastes de amar? Pois nunca amastes. [...] É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidade (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 2, p. 293).

Assim, para Vieira, assim como já dissera Agostinho, "isento da jurisdição do tempo é o verdadeiro amor", que somente pode ser divino. Com efeito, continua Vieira, "o tempo começou com a criação do mundo, porque antes do mundo não havia tempo" (1679-1748/1993, p. 296).

 

O Tempo Psicológico

Esta dimensão do tempo de inspiração agostiniana encontra-se no quinto discurso das Cinco Pedras da Funda de Davi (1676), que Vieira preparara para ser pregado em Roma (1679-1748/1993, vol V, pp. 695-718), cujo tema remete-se à precedente distinção entre tempo e eternidade e busca responder à questão: "por que razão o gosto da bem-aventurança do céu faz da eternidade tempo?" (1679-1748/1993, p. 695). O afeto da esperança, segundo Vieira, é capaz de realizar esta que, de outro modo, seria impossível operação: "a esperança é um afeto que do tempo faz eternidade" (1679-1748/1993, p. 679). Ao comentar que quem serve a Deus pela esperança do prêmio "serve e espera juntamente", afirma que "a mesma duração, que no servir é tempo, no esperar é eternidade". (1679-1748/1993, p. 697). Assim, por exemplo, "os patriarcas e profetas esperavam, os outros homens não esperavam: a vida dos que não esperavam era tempo, a vida dos que esperavam era eternidade" (1679-1748/1993). É possível, portanto, que o afeto da esperança possa transformar "um tormento, que do tempo faz eternidade, com um gosto, que da eternidade faz tempo" (1679-1748/1993, p. 697).

 

O Tempo Moral

No sermão da Primeira Dominga de Advento (1679-1748/1993, vol. 1, pp. 177-226), Vieira assemelha o tempo ao nada devido à sua fugacidade: "Que coisa mais veloz, mais fugitiva, e mais instável que o tempo?" (1679-1748/1993, p. 189) e evidencia essa característica pelo uso retórico da repetição do verbo: "Passam as horas, passam os dias, passam os anos, passam os séculos" (p. 189). A fugacidade do tempo está relacionada à das coisas temporais:

E como o tempo não tem, nem pode ter, consistência alguma, e todas as coisas desde seu princípio nasceram juntamente com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e revolução insuperável passar, e ir passando sempre (Vieira, 1679-1748/1993, p. 190).

Ao evidenciar esta "perpétua instabilidade", Vieira cita uma afirmação de Agostinho sobre o fato de não podermos nos considerar senhores nem da casa de nossa propriedade:

Esta casa de que vos jactais ser senhor, por que é vossa? Porque a herdei de meu pai; e vosso pai de quem a houve? De meu avô; e de quem a houve vosso avô? De meu bisavô; e vosso bisavô de quem? De meu trisavô. Já não tendes palavras com que prosseguir de quem mais foi, e a quem mais passou essa casa, que chamais vossa. Pois assim como ela passou, e, vossos antepassados passaram por ela, assim ela e vós também haveis de passar. Por este modo sem firmeza, nem estabilidade alguma, estão sempre passando neste mundo, as casas, as quintas, as herdades, os morgados. [...] Não há pedra, nem telha, nem planta, nem raiz, nem palmo de terra na Terra, que não esteja sempre passando, porque tudo passa (Vieira, 1679-1748/1993, p. 193).

E considerando o fato de que "deste tudo que está sempre passando, é o homem não só a parte principal, mas verdadeiramente o tudo do mesmo tudo", é preciso que ele aprenda a não viver no engano de viver "como se não passáramos" (Vieira, 1679-1748/1993, p. 194). Com efeito, comparando a vida a uma nau, pode-se se afirmar que "todos navegamos com o mesmo vento, que é o tempo" e "ainda que o não pareça, insensivelmente vamos passando sempre, e avizinhando-se cada um ao seu fim" (1679-1748/1993). Vieira evoca Ambrosio, Heráclito, Sócrates, o bíblico Jó, Filo Hebreu, Paulo de Tarso e, mais uma vez, Agostinho, o qual assinala que Adão não conseguira responder à pergunta de Deus ("onde estás?"), pois "se dissera estou aqui (como sutilmente argúi Santo Agostinho) entre a primeira sílaba e a segunda já o estou não seria estou, nem o aqui seria o mesmo lugar; porque como tudo está passando, tudo se teria mudado". Cita Eusébio de Cesaréia, Sêneca e "os sábios da Grécia", os quais afirmam "que todo homem que chega a ser velho, morre seis vezes", por ser um contínuo morrer passar pelas idades da vida (1679-1748/1993, pp. 195-196).

Diante desta condição, "desenganar-se" significa ter a clara consciência de que, depois da vida que passa, "segue-se a conta", "sendo a conta que se há de dar, de tudo o que se passou na vida". E, paradoxalmente, "passando tudo para a vida, nada passa para a conta" (Vieira, 1679-1748/1993, p. 196). "Porque os passos passam, as pegadas ficam; os passos pertencem à vida que passou, as pegadas à conta, que não passa". Com efeito, "nós deixamos as pegadas detrás das costas, e Deus tem-nas sempre diante dos olhos, com que as nota e observa: as pegadas para nós apagam-se, como formadas em pó, para Deus não se apagam, como gravadas em diamante" (1679-1748/1993, p. 196). Assim, "a consideração dos pecados na nossa memória logo se perde, e na ciência divina sempre está presente" (1679-1748/1993, p. 199). Mais uma vez, Vieira evoca uma Homilia de Agostinho (n. 42), na qual afirma que "havendo de ficar cá tudo aquilo por que pecaste, o que só hás de levar contigo é o pecado (Homilias 42). Toda a matéria dos pecados cá há de ficar, porque passou com a vida, e só o pecado há de ir conosco, porque não passou para a conta" (1679-1748/1993, p. 223). Esta constatação abre caminho à consciência de que "ainda temos tempo e vida", e que este tempo deve ser usado para o "desengano" ainda "neste mundo": aqueles que fizerem isto serão "prudentes", ao passo de que os outros serão "insensatos" (1679-1748/1993, p. 225).

Nesse sentido, o tempo do desengano, o tempo moral, deve efetivamente ser considerado como "o nosso tempo": é o que Vieira prega em outro sermão da quarta-feira de cinzas de 1673 (1679-1748/1993, vol. 1, p. 601-635). Aqui esclarece:

O tempo meu é o tempo antes da morte; o tempo não meu é o tempo depois da morte. E guardar, ou esperar a morte para o tempo depois da morte, que não é tempo meu, é ignorância, é loucura, é estultícia (Vieira, 1679-1748/1993, p. 627).

Nesse tempo "nosso", é possível ainda resgatar o tempo perdido, como prega o Oitavo Sermão do Rosário (1679-1748/1993, vol. 4, pp. 527-552). Podemos "vender" o tempo que é nosso pelo pecado e resgatá-lo pela vida boa:

Quando gastamos o tempo em boas obras compramos o mesmo tempo, e tornamos a fazer nosso o que tínhamos vendido. E deste modo os dias que foram maus se convertem em bons, e os que pertenciam ao mundo e ao inferno pertencem ao céu (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 4, p.548).

Desse modo, cada um está diante da escolha que irá determinar sua condição definitiva, conforme prega Vieira no Sermão da Terceira Dominga de Advento: "nas ações se hão de segurar as predestinações". Com efeito, o homem não é um ser determinado: "cada um de nós espiritualmente é o que há-de-ser; o que há-de-ser cada um, ninguém o sabe". Nisso consiste "a maior miséria, a maior perplexidade, a maior aflição do espírito que há na vida humana", pois um homem pode ser "ou eternamente ditoso, ou eternamente infeliz", "e não saber qual destas duas há-de ser: não saber um homem se é precito, ou se é predestinado" (Vieira, 1993, vol. 1, p. 293). Todavia, pela ação o homem pode determinar-se a si mesmo: "fazei boas obras e estai moralmente seguros que sois predestinados". O mesmo tema é retomado por Vieira no Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma de 1644: "o amor desta vida e deste mundo é uma morte, que só tem precitos, e não tem predestinados: é uma morte, pela qual sempre se vai ao inferno, e nunca ao paraíso" (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 1, p. 714).

 

O Tempo Histórico

Nos sermões, as referências de Vieira ao seu tempo histórico são inúmeras. Basta aqui citar a contida no Terceiro Discurso, As pedras da funda de Davi (Vieira, 1679-1748/1993, vol. 5, pp. 647-668):

Os pecados em outro tempo eram cometidos, e envergonhavam-se de ser vistos; hoje é corte e parte de fidalguia o ser mau publicamente. Saem os vícios à praça, e até se metem pelos lugares sagrados, com a cara tão descoberta, como se na rua foram gala, e no templo sacrifício. Ó tempos, ó costumes! Contra este monstro batizado irão atiradas hoje, com toda a força que eu puder, as minhas razões e as suas afrontas (Vieira, 1679-1748/1993, p. 647).

Com efeito, é um dos objetivos da prática da pregação lograr a reforma dos costumes individuais e coletivos, sendo ela recurso significativo de intervenção e mudança do tempo histórico (Massimi, 2012).

 

A Temporalidade e o Dinamismo da Pessoa na Novela História do Predestinado Peregrino e de seu Irmão Precito (1682) de Alexandre de Gusmão SI

A irreversibilidade do tempo (e a importância do bom emprego dele) e o tema da escolha humana como determinante da pessoa tornar-se predestinado, ou tornar-se precito, constituem o núcleo central da novela do jesuíta Alexandre de Gusmão, que é uma grande metáfora do tema agostiniano dos dois amores e das duas cidades. O emprego do tempo em ações orientadas para o bem é o que torna a pessoa um "predestinado", ao passo que o desperdício do tempo que é nosso, em ações inspiradas pelos afetos desordenados, torna a pessoa um "precito". Eis aqui delineadas as figuras dos dois irmãos protagonistas da novela de Gusmão.

A educação da vontade assume função decisiva para que a pessoa seja predisposta ao bem. Enquanto aborda a prática da leitura, Gusmão cita Agostinho ao afirmar que tal prática não pode ser um passatempo (pois assim seria "tempo perdido"), e sim alimentação do espírito, "porque como diz Santo Agostinho, a lição espiritual nos ensina a aborrecer o terreno e a amar o celestial" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 88).

Gusmão contrapõe o "caminho dos mandamentos de Deus" ao "caminho da liberdade de consciência" e retoma uma citação de Agostinho para afirmar que uma vontade depravada pelas afeições desordenadas dirige o percurso humano para um triste desfecho: "aonde, ó miseráveis Precitos, vos leva o ímpeto de vossa depravada Vontade? Não é esse o caminho de Jerusalém senão o de Babilônia" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 107). Agostinho é também citado ao afirmar que "só a Obediência sabe o caminho de Jerusalém, só a Inobediência sabe o de Babilônia" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 113).

A necessidade de resgatar o tempo "nosso", não só pela mudança da conduta presente, como também pela purificação do passado, é sustentada por mais uma referência a Agostinho, proposta como "uma receita de um grande médico por nome Agostinho Bispo": "não basta a emenda da vida onde não há penitência do passado" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 134).

O fato de a morte ser o marco entre o tempo nosso e o tempo de Deus é colocado por Gusmão por meio de uma citação de Agostinho: "Penitentia in sano, sana, in infirmo, infirmas, in morte, morta, quer dizer a penitência no enfermo é enferma, na morte morta" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 142). A importância do resgate do tempo pela ação implica, segundo Gusmão, ressalvas acerca da penitência e do arrependimento de última hora: segundo ele, não teriam eficácia. Novamente neste ponto, o autor apoia-se em Agostinho e sua visão do tempo moral:

Se na mocidade não podes com o rigor, como poderás na velhice? Se no discurso de tantos anos de vida não fizeste digna penitência, como a poderás fazer dignamente em espaço de uma só hora da morte? Se no tempo da saúde não podes com o trabalho, como hás de poder no tempo da enfermidade? Por isso disse bem Santo Agostinho, que na penitência no são é sã, no enfermo enferma e na morte morta (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 150).

Nos capítulos finais da novela, Gusmão enfatiza o tema do valor do tempo como caminho rumo à salvação ou à perdição, sinalizadas pelas duas cidades de Jerusalém e Babilônia, e exorta os leitores a se lembrarem de que "sois Peregrinos e não tendes aí cidade permanente". O jesuíta contrapõe a visão da eternidade de que o protagonista Predestinado agora goza à vivência da condição de desterro marcada pela fugacidade do tempo: "porque a vossa pátria é esta de que gozo e não essa em que viveis, e não é bem que tenhas o desterro por pátria, nem a peregrinação por descanso". O autor reitera aos seus leitores que, "se conhecestes quão doce pátria vos espera" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 195), seria possível o desengano com relação aos valores de seu tempo presente: "quão breve, quão sujos, quão falsos todos os deleites, honras e riquezas desta vida!". Desse modo, os leitores teriam a possibilidade de realizar um verdadeiro juízo ("tomar o peso às coisas"), que nasce da comparação entre o temporal e o eterno. Pois o engano consiste no fato de que os "precitos [...] pesam as coisas eternas pelas temporais, devendo pesar as temporais pelas eternas. Querem pesar as coisas eternas, que não alcançam, com as temporais, que gozam, e nunca chegam a conhecer seu valor". Pelo contrário, "deviam pesar as temporais com as eternas e logo alcançarão quão loucas, quão leves e de nenhum valor são todas" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 196).

A importância do tempo presente, do "agora", é reafirmada por Gusmão ao finalizar a novela recomendando aos leitores que se lembrem que, como "todos somos nesta vida Peregrinos e algum dia há de chegar o fim de nossa peregrinação", este desfecho ser a "salvação ou a condenação eterna" decorrerá de como cada um agir no tempo presente: "se tu queres saber qual desses dois fins te espera, examina os passos de teu caminho". Tudo dependerá se a ação no presente for determinada pela vontade orientada pela razão ou pela vontade orientada pelos afetos desordenados: "se segues os passos de Predestinado, bem pode esperar o de salvação, se segue os passos de Precito, bem podes temer o da condenação" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 197). Com efeito, questiona Gusmão, "isto que em parábola te represento não é o que na verdade passa entre nós?" [...] "Não é certo que todos nesta vida, e enquanto nela vivemos, somos como Peregrinos ou como desterrados, e que a nossa pátria é o Céu e a Terra desterro? Não é de Fé que todos nós, que somos peregrinos, uns são Precitos, outros Predestinados?" (Gusmão, 1682, como citado em Massimi, 2012, p. 198).

A função da novela é, portanto, exortar os leitores ao desengano, de modo a bem empregar o tempo da vida. Em suma, na obra de Gusmão, a tematização do tempo moral é prevalente, e neste horizonte se coloca também a reflexão sobre a diferença entre tempo e eternidade.

 

Nuno Marques Pereira: O Tempo Bem Empregado na Novela Compêndio Narrativo do Peregrino de América

A exigência de que o tempo seja bem empregado, tendo em vista a possibilidade de a pessoa viver uma "boa vida" na perspectiva da eternidade, constitui-se também no enredo da outra novela objeto desta pesquisa, de autoria de Nuno Marques Pereira. O tempo bem empregado é justamente o interlocutor do percurso que o protagonista, o Peregrino de América, realiza pelo Brasil, em busca, como ele mesmo diz, não de ouro e riquezas materiais, e sim da salvação, ou seja, da realização do destino eterno de sua caminhada terrena.

 

Tempo e Eternidade

O tempo é sempre comparado à eternidade, sendo estas duas dimensões qualitativamente diferentes e incomensuráveis: o tempo é finito, tendo duração, ao passo que a eternidade não tem nem princípio nem fim.

Em um dos capítulos finais do primeiro volume da novela, a personagem "tempo bem empregado" revela-se a si mesma:

De mim têm falado vários autores sagrados e humanos; e que existo no mundo, desde o primeiro século em que Deus me fez e toda esta máquina do Universo. E sabei que também hei de ter fim e que será a minha duração tão somente até se acabar o mundo (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 400).

No fim do tempo, "não haveria mais tempo", pois "dali por diante não haverá mais que eternidade, a qual durará enquanto Deus for Deus, que será para sempre sem fim" (1728/1939). Portanto, empregar bem o tempo significa que, em sua duração, deve-se cuidar da eternidade:

Esta eternidade é necessário cuidarem nela os homens, pois por falta desta consideração estão já muitos precipitados no inferno penando para sempre. E por contraposição, todos aqueles que na eternidade cuidaram e cuidam, estão e estarão gozando da Bem aventurança para sempre sem fim (Pereira, 1728/1939, p. 401).

Desse modo, a qualidade da vida, o "bem viver" depende deste cuidado, ao passo que o descuido gera a dispersão, a desordem, a perda. Na novela de Nuno, volta também a ênfase ao fato de que cuidar, ou descuidar, leva a dois destinos diferentes, que dependem do posicionamento da vontade humana diante do bem: "a experiência ocularmente nos está mostrando que toda a criatura racional, depois que morre, com uma das duas eternidades se vai encontrar. Ou com a da Glória, cuja grandeza é inexplicável, pelo incomparável bem de que gozam os que a ela vão: ou com a do Inferno", onde "nunca se acaba de morrer, por serem as penas eternas na duração". Desse modo, o recado do texto consiste no "aviso que da eternidade nunca vos descuideis (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 401).

Neste ponto, Nuno cita Agostinho ao argumentar que a presença de Deus é o "Sumo Bem que se pode desejar", "pela razão de ser o céu nossa Pátria". E coloca que "S. Agostinho diz que toda a privação da Pátria é penosa e violenta, e sendo nossa Pátria o céu, onde juntos se cifram todos os bens, quem haverá que deseje buscar outra vez o mundo, onde tudo são penas, dores, aflições, trabalhos e desterro?" (Pereira, 1728/1939, vol. 2, p. 275).

 

Tempo Psicológico

Nuno retoma o argumento agostiniano de que a escolha da vontade acerca do objeto do amor direciona o afeto amoroso para posses temporais (e, neste caso, trata-se da concupiscência) ou para as posses eternas (e, neste caso, trata-se da caritas) e cita, para ilustrar esta questão, exemplos usados por Agostinho: "Santo Agostinho diz que mais atormenta o temor de perderem a fazenda que possuem, do que foi o gosto que tiveram em adquiri-la" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 220).

 

Tempo Moral

Por isso, o fato de que a ação que acontece no tempo tenha como horizonte a eternidade é decisiva. A metáfora da peregrinação é utilizada justamente com este objetivo. Na parte inicial da novela, no primeiro volume, Nuno coloca que "é este mundo estrada de Peregrinos, e não lugar nem habitação de moradores; porque a verdadeira Pátria é o Céu". Desta tematização da condição humana decorre, do ponto de vista moral, o fato de que "neste mundo não ha mais que uma virtude da qual se compõem as outras: e é o ter-se por Peregrino nesta vida, e por Cidadão da Glória" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 21). Portanto, convém na vida temporal "comprar, com trabalhos de uma breve vida na terra, os gostos eternos na Glória, onde deve sempre ter o seu pensamento e o coração" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 21). Nuno define assim as características da experiência modelar, alvo da persuasão de seus leitores: mais uma vez apoiando-se em Agostinho, afirma a importância da consciência de si mesmo como ser caminhante ("tendo-se neste mundo por Peregrino e desterrado") e dos afetos serem voltados para o destino final ("fugindo de empregar o seu coração na terra; porque, como aconselha Santo Agostinho, onde estão fixos e permanentes os nossos corações, ali estão os nossos gostos") (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 21). Esta característica da condição humana é assinalada também pela observação da experiência de vida: "se bem repararmos que cousa é a vida de um homem neste mundo", vemos que ele vive sempre "apetecendo glórias até possuí-las, e na mesma posse temendo perdê-las" (Pereira, vol. 1, p. 22). Nuno retoma aqui o tema agostiniano da fugacidade e da instabilidade que caracteriza a vida humana: "não há no homem firmeza, nem estabilidade, que por muito tempo dure; por andar sempre em uma perpétua mudança" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 21).

Tal concepção da ontologia do homem remete imediatamente à questão ética: "tenho-vos falado espiritualmente: agora vos quero advertir moralmente o como se deve observar o Peregrino político e cristão" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 22). A insistência deste aviso se funda no papel decisivo do tempo que é "agora", pois no fim da vida não adianta mais buscar emenda do tempo que já se gastou: "Santo Agostinho diz que a penitência na enfermidade é enferma, e na hora da morte é morta" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 191). Neste sentido, a "repetida lembrança" de que a condição humana mortal e submetida ao desgaste do tempo é essencial, e mais uma vez inspirada na pregação de Agostinho:

É também muito necessário que vos não esqueçais de que haveis de morrer [....]. E diz Santo Agostinho que esta lembrança há de ser de todos os dias, para que estejam os homens aparelhados para quando Deus os chamar a dar contas de suas vidas (Homilia 13. interrog. 5.) (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 402).

Enquanto isso, o esquecimento da morte é obra diabólica.

A conexão entre tempo e saúde (entendida como saúde da alma e do corpo), que vimos presente em Agostinho, aparece também na novela de Nuno: "também vos advirto que se não tomares os meus conselhos e avisos, perdereis três cousas: tempo, saúde e salvação. Tempo, porque não achareis mais; saúde, porque enfermareis no pecado; salvação, porque vos deixareis ir ao inferno", sendo esta a sorte daqueles que "desperdiçarem o tempo" dado por Deus "para o empregarem no seu santo serviço e bem de sua salvação" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 413).

No segundo volume da novela, Nuno aborda novamente a questão do tempo bem empregado para a emenda da conduta e da necessidade da lembrança constante da morte "para vivermos uma vida reformada, e termos uma morte preciosa", sendo ela "um poderoso meio para sarar todos nossos males espirituais, e para pôr a alma em perfeita saúde" (Pereira, 1728/1939, vol. 2, p. 237).

O tempo serve para a correção; se não o fizermos, nos restará a lamentação: "Oh quem tivera um dia de todos aqueles que tão desaventuradamente perdi, ou uma hora do tempo, que tão mal empreguei, ao menos se me fora concedido um quarto" (Pereira, 1728/1939, vol. 2, p. 251).

 

Tempo Histórico

A tematização agostiniana do tempo histórico pela expressão "nossos tempos", ou "tempos presentes", comparece no compêndio com análogo significado. Citaremos alguns exemplos: ao se referir à condição precária do clero brasileiro, assim discute o texto: "está hoje o mundo (e principalmente este Estado do Brasil) em tais termos, que mais parecem alguns Sacerdotes mercadores negociantes que Ministros de Deus e Curas de almas. E se não, vede o que está sucedendo nos tempos presentes" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 365). Cita-se o interesse dos sacerdotes nas rendas das igrejas, mais do que na vida espiritual de seus fiéis:

A primeira cousa que procura é saber o quanto rende cada ano e o que tem de benesses, se são ricos os fregueses e se dão boas ofertas. Sendo que só deviam procurar, se havia bons paramentos na igreja, e se eram devotos e zelosos os fregueses de obrar bem no culto Divino (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 365).

Como Agostinho, Nuno também se refere às murmurações e aos murmuradores: "São tais os murmuradores que até das obras de Deus murmuram: queixam-se dos tempos, da falta das novidades, da pouca saúde e de serem pobres". E coloca: "Pôde haver maior atrevimento, que chegar um homem a murmurar daquilo que Deus fez?" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 262).

Em outra parte do texto, ao abordar a mentalidade "mundana" de sua época, o autor escreve que a condição do "homem mundano", "estamos experimentando nos tempos presentes, por se lhe não ver mais que pompas, galas, folhas, flores e nenhum fruto: e por fim, brevemente se vem a murchar com os anos da velhice ou com o golpe da morte" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 213).

Ao lembrar-se do que Bernardo de Claraval observa acerca dos tempos em que vivera, quando "a moeda corrente entre os homens não era mais que o amor desordenado dos bens temporais", Nuno estabelece uma comparação com os "tempos presentes": "tempos tão perversos, e cheios de tantos vícios, como estamos vendo e experimentando!" (Pereira, 1728/1939, vol. 1, p. 35). Ainda refere-se às catástrofes dos tempos presentes: "em noswsos tempos, varias têm sido as ruínas que têm acontecido nos Reinos das índias, especialmente no Chile. Em Roma, e outras muitas partes, tem havido muitos terremotos, e incêndios de fogo"; avisa que o mesmo poderá acontecer no Brasil: "Isto mesmo pode suceder a esta terra pelos seus enormes pecados, por causa do pouco temor de Deus, e de seus justos juízos" (Pereira, 1728/1939, vol. 2, p. 130).

 

Conclusão

Estes primeiros resultados abrem caminhos para ulteriores e mais sistemáticas investigações sobre o tema a serem conduzidas no âmbito das fontes escolhidas. O percurso que fizemos evidenciou como as concepções de temporalidade encontradas nos sermões de Antônio Vieira e nas novelas de Alexandre de Gusmão e de Nuno Marques Pereira são similares e apresentam traços que parecem próximos da visão agostiniana, sobretudo no que diz respeito à ênfase para a dimensão subjetiva do tempo. O fato de os três autores terem algum tipo de relação com o pensamento jesuítico pode, em parte, constituir-se numa explicação deste fato, já que, unidamente ao referencial filosófico aristotélico tomista, a doutrina de Agostinho, nas suas dimensões filosófica, retórica e teológica, é amplamente difundida, estudada e transmitida pelos pensadores da Companhia de Jesus (Carvalho, 2007). Por outro lado, Agostinho é também um dos autores mais significativos da tradição ocidental, e seu pensamento é discutido, interpretado e transmitido ao longo das diversas épocas da história (Przywara, 2007).

Cabe também frisar que, em um horizonte mais amplo, a ênfase na temporalidade como elemento marcante da condição humana não é exclusiva de Agostinho, pois tem sua matriz no pensamento judaico-cristão (Berdiaev, 1931/2008). Evidentemente, a indagação acerca das modalidades em que estas temáticas se enraizaram no solo intelectual brasileiro não se limita apenas aos aspectos abordados na presente pesquisa. De modo geral, o fato de a temporalidade e a concepção da existência humana como peregrinação serem tópicas recorrentes da visão antropológica difundida no universo cultural brasileiro, no período colonial, assim como na atualidade — sendo este um tema constante da literatura, da arte e da música — (vale lembrar os motivos de tantas composições da música popular brasileira), é um dado cuja análise demanda investigações amplas e continuadas em diversos domínios culturais.

 

Referências

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Endereços para correspondência:
Marina Massimi
Rua Américo Brasiliense – 1.340/111
CEP 14015-050 – Ribeirão Preto/SP
E-mail: mmassimi3@yahoo.com
Sérgio Peres de Paula
Rua São José, 743 – Centro
CEP 14010-160 – Ribeirao Preto/SP
E-mail: sergioppaula@uol.com.br

Recebido em 01/07/2013
Revisto em 16/10/2013
Aceito em 01/11/2013

 

 

1      Antônio Vieira nasce em Portugal em 1608, vindo para o Brasil com seis anos de idade, em 1615. Entra para a Companhia de Jesus em 1623, ordenando-se padre em 1635. Em 1640, Vieira deixa a Bahia a caminho de Lisboa e lá serve a D. João IV, incumbindo-se de assuntos políticos. Em 1652, Vieira retorna ao Brasil, aos Estados do Pará e do Maranhão, até 1661, com exceção do período de 1654-1655, quando volta a Portugal para exigir da Coroa medidas para o governo dos índios. Em 1661, devido à expulsão dos jesuítas pelos colonos, Vieira retorna a Portugal. Com a ascensão de Afonso VI, o pregador perde seus favores junto ao trono e, em 1662, é enviado para o Porto, passando pelo julgamento da Inquisição; é condenado em 1667 e absolvido em 1668. No período de 1669 a 1675, Vieira permanece em Roma, buscando obter a anulação da sentença junto ao Tribunal do Santo Ofício. Em 1675, retorna a Portugal, distante das ocupações públicas. Em 1681, volta à Bahia, permanecendo no Brasil até sua morte, em 1697. A partir de 1679, sob ordem do Geral dos jesuítas, João Paulo Oliva, Vieira é incumbido de escrever seus sermões, organizando-os em 15 volumes, sendo os três últimos póstumos.
2      Padre Alexandre de Gusmão nasceu em Lisboa, em 1629, e faleceu na Bahia, em 1724. Chegou ao Brasil com dez anos de idade, entrou para a Companhia no Colégio da Bahia em 1646 e, nessa instituição religiosa, ocupou vários cargos importantes. Fundou nas proximidades de Salvador, à margem do rio Paraguaçú, perto do centro urbano de Cachoeira, um Seminário chamado de Belém, instituído como escola provincial no ano de 1686, primeiro internato estabelecido no Brasil, onde, ao longo de 73 anos, receberam a primeira educação e ensino cerca de 1.500 estudantes. Gusmão foi autor de numerosas obras que tiveram ampla difusão no Brasil da época; dentre elas: Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia (Lisboa, Deslandes, 1685); Escola de Belém, Jesus nascido no Presépio (Évora, Oficina da Academia, 1678); Menino Christão (Lisboa, Deslandes, 1695); Maria Rosa de Nazaret nas montanhas de Hebron, a Virgem nossa Senhora na Companhia de Jesus (Lisboa, Deslandes, 1715); Eleição entre o bem e o mal eterno (Lisboa, Oficina da Música, 1720); O corvo e a pomba da Arca de Noé no sentido alegórico e moral (Lisboa, Bernardo da Costa, 1734).
3      Nuno Marques Pereira nasceu na Bahia em 1652 e faleceu em Lisboa entre 1728 e 1733; possivelmente estudou no colégio jesuíta na Bahia e, depois, em Coimbra.
4     "Et ipsa una hora fugitivis particulis agitur: quidquid eius avolavit, praeteritum est, quidquid ei restat, futurum". Livro XI, parágrafo 15. 20. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm
5     "Non autem praeterire quidquam in aeterno, sed totum esse praesens; nullum vero tempus totum esse praesens". Livro XI, parágrafo 11.13. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm
6     "Peregrinationis enim nostrae tempus brevissimum est, et patria nostra sine tempore est. Inter aeternitatem enim et tempus multum distat. Hic conquiritur pietas, illic requiescitur." Sermo 16/a Sermo habitus in Basilica maiorum die dominica XIV kal. Iul. De responsorio psalmi XXXVIII: "exaudi orationem meam et precem meam, domine". et de muliere in adulterio deprehensa. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
7     "Octonario itaque numero praefigurantur quae ad futurum saeculum pertinent, ubi nullo volumine temporum seu deficit seu proficit aliquid, sed stabili beatitudine iugiter perseverat. Et quoniam istius saeculi tempora septenario numero dierum per circuitum repetito dilabuntur, recte ille tamquam octavus dicitur dies, quo post labores temporales cum pervenerint sancti, nulla vicissitudine lucis et noctis actionem requiemve distinguunt; sed eis erit perpetuo vigilans quies, et actio non segniter sed infatigabiliter otiosa". Sermo 260/C De Dominico Die Octavarum Sanctae Paschae. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
8     "20. 26. Quod autem nunc liquet et claret, nec futura sunt nec praeterita, nec proprie dicitur: tempora sunt tria, praeteritum, praesens et futurum, sed fortasse proprie diceretur: tempora sunt tria, praesens de praeteritis, praesens de praesentibus, praesens de futuris. Sunt enim haec in anima tria quaedam et alibi ea non video, praesens de praeteritis memoria, praesens de praesentibus contuitus, praesens de futuris exspectatio. Si haec permittimur dicere, tria tempora video fateorque, tria sunt. Dicatur etiam: "Tempora sunt tria, praeteritum, praesens et futurum", sicut abutitur consuetudo; dicatur. Ecce non curo nec resisto nec reprehendo, dum tamen intellegatur quod dicitur, neque id, quod futurum est, esse iam, neque id, quod praeteritum est. Pauca sunt enim, quae proprie loquimur, plura non proprie, sed agnoscitur quid velimus". Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm.
9     Video igitur tempus quamdam esse distentionem. Livro XI, par. 23. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm
10 "27. 36. In te, anime meus, tempora metior. Noli mihi obstrepere, quod est: noli tibi obstrepere turbis affectionum tuarum. In te, inquam, tempora metior. Affectionem, quam res praetereuntes in te faciunt et, cum illae praeterierint, manet, ipsam metior praesentem, non ea quae praeterierunt, ut fieret; ipsam metior, cum tempora metior. Ergo aut ipsa sunt tempora, aut non tempora metior. Quid cum metimur silentia et dicimus illud silentium tantum tenuisse temporis, quantum illa vox tenuit, nonne cogitationem tendimus ad mensuram vocis, quasi sonaret, ut aliquid de intervallis silentiorum in spatio temporis renuntiare possimus? Nam et voce atque ore cessante peragimus cogitando carmina et versus et quemque sermonem motionumque dimensiones quaslibet et de spatiis temporum, quantum illud ad illud sit, renuntiamus non aliter, ac si ea sonando diceremus. Voluerit aliquis edere longiusculam vocem et constituerit praemeditando, quam longa futura sit, egit utique iste spatium temporis in silentio memoriaeque commendans coepit edere illam vocem, quae sonat, donec ad propositum terminum perducatur: immo sonuit et sonabit; nam quod eius iam peractum est, utique sonuit, quod autem restat, sonabit atque ita peragitur, dum praesens intentio futurum in praeteritum traicit deminutione futuri crescente praeterito, donec consumptione futuri sit totum praeteritum." Livro XI, par. 27. 36. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm
11 "28. 37. Sed quomodo minuitur aut consumitur futurum, quod nondum est, aut quomodo crescit praeteritum, quod iam non est, nisi quia in animo, qui illud agit, tria sunt? Nam et exspectat et attendit et meminit, ut id quod exspectat per id quod attendit transeat in id quod meminerit. Quis igitur negat futura nondum esse? Sed tamen iam est in animo exspectatio futurorum. Et quis negat praeterita iam non esse? Sed tamen adhuc est in animo memoria praeteritorum. Et quis negat praesens tempus carere spatio, quia in puncto praeterit? Sed tamen perdurat attentio, per quam pergat abesse quod aderit. Non igitur longum tempus futurum, quod non est, sed longum futurum longa exspectatio futuri est, neque longum praeteritum tempus, quod non est, sed longum praeteritum longa memoria praeteriti est. 28. 38. Dicturus sum canticum, quod novi: antequam incipiam, in totum exspectatio mea tenditur, cum autem coepero, quantum ex illa in praeteritum decerpsero, tenditur et memoria mea, atque distenditur vita huius actionis meae in memoriam propter quod dixi et in exspectationem propter quod dicturus sum; praesens tamen adest attentio mea, per quam traicitur quod erat futurum, ut fiat praeteritum. Quod quanto magis agitur et agitur, tanto breviata exspectatione prolongatur memoria, donec tota exspectatio consumatur, cum tota illa actio finita transierit in memoriam". Livro XI, par. 28, 37-38. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index2.htm
12 "29. 39. Sed quoniam melior est misericordia tua super vitas ecce distentio est vita mea, et me suscepit dextera tua in Domino meo, mediatore Filio hominis inter te unum et nos multos , in multis per multa, ut per eum apprehendam, in quo et apprehensus sum, et a veteribus diebus colligar sequens unum, praeterita oblitus, non in ea quae futura et transitura sunt, sed in ea quae ante sunt non distentus, sed extentus, non secundum distentionem, sed secundum intentionem sequor ad palmam supernae vocationis, ubi audiam vocem laudis et contempler delectationem tuam , nec venientem nec praetereuntem. Nunc vero anni mei in gemitibus , et tu solacium meum, Domine, Pater meus aeternus es; at ego in tempora dissilui, quorum ordinem nescio, et tumultuosis varietatibus dilaniantur cogitationes meae, intima viscera animae meae, donec in te confluam purgatus et liquidus igne amoris tui". Confissões, Livro XI, par. 29.39. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
13 "Quid non fugit pene antequam capitur, cum ex ipso hodierno die nulla possit vel hora retineri? Ita enim secunda excluditur a tertia, sicut prima exclusa est a secunda. Ipsius horae unius, quae praesens videtur, nihil est praesens: omnes enim partes eius, et omnia momenta fugitiva sunt". Sermo 157. De Verbis Apostoli (Rom 8, 24. 25): "Spe Salvi Facti Sumus; Spes Autem Quae Videtur, Non Est Spes". Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
14 "Cum coeperit perire quod factum est, ubi erit amator temporis, qui perdidit aeternitatem?" Sermo 38. De Verbis Ecclesiastici Ii, 1-5: "Fili, Accedens Ad Servitutem Dei" Etc. Et De Verbis Psalmi 38,7: "Quamquam In Imagine Ambulat Homo". De Continentia et Sustinentia. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
15 "Fecerunt itaque civitates duas amores duo, terrenam scilicet amor sui usque ad contemptum Dei, caelestem vero amor Dei usque ad contemptum sui. Denique illa in se ipsa, haec in Domino gloriatur." De Civitate Dei Livro XIV, cap. XXVIII. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/cdd/index2.htm
16 "ad hominum civitatem"; ad civitatem Dei". Idem, Livro XV, cap. I. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/cdd/index2.htm
17 "item pugnant inter se mali et boni: boni vero et boni, si perfecti sunt, inter se pugnare non possunt. Proficientes autem nondumque perfecti ita possunt, ut bonus quisque ex ea parte pugnet contra alterum, qua etiam contra semetipsum; et in uno quippe homine caro concupiscit adversus spiritum et spiritus adversus carnem". Livro XV, cap. VI. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/cdd/index2.htm
18 "Nos ergo fragiliores et infirmiores sumus: quia et casus omnes qui non cessant in rebus humanis, fragilitate utique nostra quotidie formidamus; et si ipsi casus non accedant, tempus ambulat: vitat homo ictum, numquid vitat exitum? vitat quae extrinsecus eveniunt, numquid quod intus nascitur pellitur? Denique nunc lumbricos gignunt interiora, nunc morbus quilibet subito occupat: postremo quantumvis homini parcatur, novissime senectus cum venerit, non est quo differatur". Sermo 109 De Verbis Evangelii Lc12,56-59: "Faciem Coeli Et Terrae Nostis Probare" Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
19 "Salutem itaque in hoc mundo peregrinam, hoc est, sempiternam, fratres, agnoscamus et diligamus, et in hoc mundo tamquam peregrini vivamus. Transire nos cogitemus, et minus peccabimus". Sermo 124  De Verbis Evangelii Ioannis (5, 2- 4): "Est Autem Ierosolymis Probatica Piscina", Etc. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
20 "Ideo hoc dixi, ut seminationis nostrae mercedem, non isto tempore quo seminavimus speremus. Hic enim bonorum operum messem cum labore serimus, sed in futuro fructus illius cum gaudio colligemus". Sermo 11. De Sancto Elia et de patientia Iob. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
21 "Tunc enim laboratura erat, expectatura agri fructus, collectura. Quando autem non pluebat, victus eius de facili veniebat. Signum hoc quod Deus illi ad paucos dies praestiterat, signum erat futurae vitae, ubi merces nostra deficere nescit. Farina nostra Deus erit. Quomodo illa per illos dies non defecerunt, sic ille non deficiet in aeternum. Talem mercedem speremus, quando bona facimus, ne forte aliquis vestrum tentetur tali cogitatione, et dicat: "Pascam aliquem servum Dei esurientem, ut lagena mea non deficiat, aut in cupa mea semper vinum inveniam". Noli hoc hic quaerere. Semina securus, messis tua serius veniet, tardius veniet, sed cum venerit, finem non habebit". Sermo 11. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
22 "Ex quo nascimur, imus. Quis enim stat? Quis non ex quo vitam intravit, cogitur ambulare? Infans natus est, crescendo ambulat. Mors finis est. In fine iam veniendum est, sed cum exsultatione. Quis enim non hic plorat in via ista mala, quando ipse infans inde incipit? Utique infans, quando nascitur, de angustiis uteri in huius mundi latitudinem funditur, de tenebris procedit ad lucem. Et tamen de tenebris veniens ad lucem, plorare potest, ridere non potest. Est enim vita ista, ut quando gaudetur hic, time ne fallat. Quando hic ploratur, roga ut evadas. Et transit tribulatio, et venit tribulatio. Et rident homines, et plorant homines. Et quod rident homines, plorandum est".. Sermo 34. "Qui seminant in lacrymis..." Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
23 "vitam iusti in isto corpore adhuc bellum esse". Sermo 151. ..." Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
24 "Lucta est enim in isto corpore". Sermo 128. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
25 "Maligni dies sunt. Numquid istic, ex quo de Paradiso proiecti sumus, malignos dies agimus? Et maiores nostri planxerunt dies suos, et avi eorum planxerunt dies suos. Nullis hominibus dies placuerunt quos vivendo egerunt. Sed posteris placent dies maiorum: et illis iterum illi dies placebant, quos ipsi non sentiebant, et ideo placebant. Quod enim praesens est, acrem habet sensum. Non dico, propius admovetur, sed cor tangit quotidie. Omni anno plerumque dicimus quando frigus sentimus: "Numquam fecit tale frigus. Numquam fecit tales aestus". Semper "facit" ipse qui facit. Sermo 15. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
26 "Quae enim putas tempora bona fuisse praeterita, quia iam non tua sunt". Sermo 346/C. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
27 "Bene vivamus, et bona sunt tempora. Nos sumus tempora: quales sumus, talia sunt tempora" Sermo 80. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm .
28 "Et dicitis: Molesta tempora, gravia tempora, misera tempora sunt. Vivite bene, et mutatis tempora vivendo bene: tempora mutatis, et non habetis unde murmureti". Sermo 311. Acesso em 13 de Outubro de 2013, em http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm
29    Neste ponto, é interessante observar que se, para Vieira, o tempo pode curar, pelo contrário, segundo Agostinho, o tempo nunca pode curar, sendo único remédio eficaz a relação com a eternidade.