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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.8 no.2 Juiz de Fora dez. 2014

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-1247201400020001 

EDITORIAL
DOI: 10.5327/Z1982-1247201400020001

 

Diversidade teórica e metodológica

 

 

Neste segundo número do oitavo ano de existência e publicação sem interrupções da revista Psicologia em Pesquisa, dá-se continuidade à sua política editorial de oferecer espaço para a publicação de pesquisas representativas das mais diversas áreas de produção e aplicação do conhecimento que constituem o campo da psicologia, atendo-se exclusivamente aos critérios de qualidade acadêmica e científica do material submetido para publicação e mantendo-se receptiva, em princípio, a todas as propostas metodológicas e a todas as orientações teóricas, desde que satisfaçam esses critérios. Como resultado, essa diversidade teórica e metodológica se expressa claramente na seleção de trabalhos que compõem a presente edição, a qual inclui tanto pesquisas empíricas, empregando diferentes metodologias quantitativas e qualitativas, quanto estudos teóricos de feitio histórico e/ou epistemológico. A essa diversidade teórica e metodológica se acrescenta a diversidade regional, com trabalhos oriundos de pesquisadores e instituições localizadas em diversos estados e regiões, do sul ao norte do país. Essa diversidade reflete também a crescente aceitação e reconhecimento da revista como veículo para a disseminação do conhecimento psicológico pela comunidade da área, traduzida num volume cada vez maior e mais diversificado de submissões, de tal maneira que a simples aplicação dos critérios de qualidade já mencionados na avaliação das propostas tenha podido resultar na amostragem significativa de trabalhos que apresentamos na atual edição.

Assim, Longato e Barrera trazem um estudo sobre as teorias implícitas entretidas pelos professores de Ensino Fundamental sobre a natureza e o desenvolvimento da inteligência, revelando que, de modo geral, estes tendem a concordar com o caráter flexível e multidimensional da inteligência. Contudo, concluem os autores, a análise comparativa das atitudes dos professores atuando nas redes de ensino público e privado evidenciou que estes últimos apresentam uma tendência mais significativa a discordar de uma caracterização da inteligência como capacidade fixa do aluno, cuja origem pode ser atribuída à sua constituição genética.

Na sequência, Mota e Freitas apresentam sua pesquisa sobre a relação entre a consciência morfológica e as habilidades de escrita em adolescentes. Baseada nos resultados dos instrumentos aplicados, sua análise discute comparativamente as contribuições da morfologia derivacional e flexional para a escrita, concluindo com uma discussão teórica do papel desempenhado pelos morfemas na aquisição dessas habilidades. Já Medeiros, Nascimento, Mariano, Sales e Medeiros — todos pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Piauí — analisam, por sua vez, a validade fatorial e a consistência interna da Escala de Felicidade de Lima, concluindo que o referido instrumento apresenta evidências de adequação psicométrica suficientes para recomendar a sua utilização.

Passando para o campo da psicologia organizacional, temos o trabalho de Alves, Neiva e Torres da Paz, dedicado à investigação dos fatores capazes de prever o bem-estar no trabalho no âmbito das organizações. Em pesquisa realizada com os funcionários de uma organização pública, através de escalas de configuração de poder organizacional, de suporte organizacional percebido e de bem-estar pessoal nas organizações, os autores procuram identificar quais seriam os fatores preditores de bem-estar no trabalho. Como resultado, as análises apontaram que fatores tais como configuração missionária, suporte social e material e possibilidade de ascensão funcional podem desempenhar esse papel.

Já Passos, Ribeiro e Barbosa apresentam uma análise exploratória de dois modelos de identificação de talentos — o Modelo dos Três Anéis e o Modelo das Portas Giratórias —, aplicando três diferentes instrumentos a uma amostra de alunos do Ensino Fundamental, a saber, o Teste Torrance de Pensamento Criativo, a Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos do Ensino Fundamental e a Bateria de Provas de Raciocínio. O estudo revelou correlações positivas entre fatores como motivação e raciocínio e também entre criatividade e motivação intrínseca, mas com restrições que sugerem independência entre essas variáveis. Em suas análises e conclusões, os autores discutem ainda as limitações e implicações do estudo realizado.

Camargo, Contarello, Wachelke, Morais e Piccolo trazem um estudo sobre o papel das diferenças culturais na determinação das representações sociais do envelhecimento. O procedimento utilizado é um estudo comparativo entre essas representações nos contextos distintos fornecidos pelas culturas nacionais de Brasil e Itália, realizado através de questionários compostos de questões tanto fechadas quanto abertas e controlando variáveis como sexo e faixa etária, além da nacionalidade e contexto cultural. O estudo identificou duas representações básicas do envelhecimento — como momento de experiência e sabedoria, por um lado, e como momento de declínio, por outro —, cuja incidência entre os sujeitos se encontra associada com as variáveis analisadas.

Prosseguindo, um estudo sobre o impacto do adoecimento por câncer de um dos cônjuges sobre a dinâmica das relações conjugais foi realizado por Picheti, Castro e Falcke, utilizando-se a Teoria Sistêmica como fundamentação teórica. O estudo empregou a metodologia qualitativa de estudos de casos múltiplos, entrevistando quatro casais de meia-idade a respeito do tema em foco, tanto conjunta quanto separadamente. A análise dos resultados evidenciou, segundo os pesquisadores, as transformações nos papéis conjugais associadas ao adoecimento e, sobretudo, as dificuldades dos sujeitos para expressarem verbalmente as mudanças em sua situação conjugal, relacionadas principalmente à sexualidade e à possibilidade da morte.

O próximo artigo desta edição de Psicologia em Pesquisa é dedicado à visão que os estudantes de psicologia possuem sobre o modo como sua formação acadêmica os prepara para a atuação na área da psicologia social comunitária. Nesse trabalho, Azevêdo e Pardo aplicaram um questionário estruturado, composto de perguntas abertas e fechadas, a uma amostra de estudantes do último ano do curso de psicologia. De modo geral, os estudantes manifestaram satisfação com os aspectos teóricos e metodológicos de sua formação em sala de aula, mas apontaram também a necessidade de uma maior oferta de formação prática e aplicada, sob a forma de estágios e oportunidades de pesquisa, como forma de incrementar a preparação para a atuação profissional. Os autores concluem que o ensino de psicologia nessa área precisa ainda fomentar as relações entre ensino, prática e pesquisa, de modo a preparar profissionais mais capazes de responder às demandas sociais nesse campo.

Os quatro artigos que completam esta edição são estudos teóricos que exploram e examinam aspectos filosóficos e históricos das doutrinas psicológicas. No primeiro deles, Verissimo analisa um dos eixos teóricos em torno do qual se desenvolve a tradição fenomenológica, a saber, as relações entre as dimensões da experiência que se caracterizam pela dinâmica entre presença e ausência, visibilidade e invisibilidade ou, na versão proposta pelo autor, percepção e impercepção. A seguir, procura vincular esse desenvolvimento interno da fenomenologia ao seu diálogo com as disciplinas psicológicas, tais como a psicologia fenomenológica, a psicologia da forma, a psicanálise e, mais contemporaneamente, as ciências cognitivas e as neurociências.

Ainda dentro das relações entre psicologia e fenomenologia, Peres apresenta um trabalho sobre o desenvolvimento do projeto de uma psicologia fenomenológica na obra de Edmund Husserl. Ele argumenta que, embora o programa husserliano de uma fenomenologia transcendental, de fato, constitua-se no foco das preocupações do filósofo no período de sua teorização, que se estende a partir de meados da década de 1920, a ideia de uma psicologia fenomenológica não é deixada de lado; ao contrário, sua reflexão estabeleceria os parâmetros dentro dos quais tal psicologia poderia sustentar uma reivindicação de legitimidade filosófica. A partir daí, o artigo se propõe a apresentar quais problemas, no âmbito do pensamento filosófico de Husserl, levaram-no a considerar as questões relativas à proposta de uma psicologia fenomenológica.

No artigo seguinte, Mazzoni e Castañon fazem uma análise crítica do construtivismo radical de Glasersfeld. Os autores argumentam que, apesar de sua proposta supostamente revolucionária para a psicologia, essa versão do construtivismo se constrói a partir da conjugação paradoxal de posições filosóficas tradicionais, a saber, o solipsismo e o realismo. Como resultado, essa posição aparece como uma proposta autocontraditória, quer recorrendo à ontologia para argumentar contra a necessidade de uma ontologia, quer apelando para pesquisas empíricas com o fim de recusar a possibilidade do conhecimento objetivo ou, ainda, valendo-se da linguagem para afirmar aquilo que, segundo seu próprio argumento, a linguagem seria incapaz de comunicar.

Por fim, Magalhães desenvolve um estudo comparativo entre as concepções de Vygotsky e Moscovici sobre o processo de constituição do sujeito. A hipótese que o autor pretende demonstrar é a de que ambos sustentam, seja explícita ou implicitamente, uma visão sociocognitiva sobre essa questão. Para tanto, analisa, primeiramente, em separado, a concepção de psicologia em cada um dos autores, enfocando a visão de sujeito que delas emerge. A seguir, procura mostrar que os elementos sociocognitivos de ambas as teorias constitui o fundamento sobre o qual se constrói a concepção de sujeito em cada uma delas.

Encerrando esta edição, temos ainda a resenha redigida por Bruna de Almeida sobre o livro de Luciano García, Florencia Macchioli e Ana María Talak intitulado Psicología, niño y família en Argentina: perspectivas históricas y cruces disciplinares, publicado em Buenos Aires, pela Editora Biblos em 2014.

Richard Theisen Simanke
Saulo de Freitas Araujo