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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.8 no.2 Juiz de Fora dez. 2014

http://dx.doi.org/10.5327/Z1982-1247201400020004 

ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201400020004

 

Escala de Felicidade de Lima: validade fatorial e consistência interna

 

Happiness Scale from Lima: factorial validity and internal consistency

 

 

Emerson Diógenes de MedeirosI; Anderson Mesquita do NascimentoI; Tailson Evangelista MarianoI; Hemerson Fillipy Silva SalesI; Paloma Cavalcante Bezerra de MedeirosI

IUniversidade Federal do Piauí (Parnaíba), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo averiguar a validade fatorial e a consistência interna da Escala de Felicidade de Lima. Para isso, contou-se com uma amostra de 200 universitários com idade média de 20,5 anos (desvio padrão – DP=3,84, variando de 16 a 41 anos) e, em sua maioria, do sexo feminino (52,8%). Uma análise fatorial confirmatória, adotando-se o método de estimação (maximum likelihood – ML), foi utilizada a fim de corroborar a estrutura tetrafatorial; esta apresentou índices de ajuste aceitáveis (qui-quadrado/graus de liberdade=1,76; Goodness-of-Fit Index=0,84; Adjusted Goodness-of-Fit Index=0,81; Comparative Fit Index=0,89; Root-Mean-Square Error of Approximation (IC90%)=0,06; Expected Cross Validation Index=3,18 e Consistent Akaike Information Criterion=891,71) e coeficientes de consistência interna (α de Cronbach) satisfatórios em seus 4 fatores (amplitude de 0,65 a 0,90). Conclui-se que esse instrumento reúne evidências psicométricas adequadas, recomendando-se o seu uso em novos estudos.

Palavras-chave: escalas; felicidade; validade estatística; precisão do teste.


ABSTRACT

The study aimed to investigate the factorial validity and internal consistency of Happiness Scale from Lima. The sample was formed by 200 university students with an average age of 20.5 years (standard deviation – SD=3.84, ranging from 16 to 41 years old), mostly female (52.8%). A confirmatory factor analysis, adopting the method of estimation (maximum likelihood – ML), was used in order to corroborate the four-factor structure, which showed acceptable fit indices (chi-square/degrees of freedom=1.76; Goodness-of-Fit Index=0.84; Adjusted Goodness-of-Fit Index=0.81; Comparative Fit Index=0.89, Root-Mean-Square Error of Approximation (90%CI)=0.06; Expected Cross Validation Index=3.18 and Consistent Akaike Information Criterion=891.71) and satisfactory internal consistency coefficients (Cronbach's α) in its 4 factors (range from 0.65 to 0.90). It was concluded that this instrument meets adequate psychometric evidence, being its use recommended in further studies.

Keywords: scales; happiness; statistical validity; test reliability.


 

 

O estudo sistemático da felicidade vem ganhando notoriedade, em todo o mundo, sobretudo nas últimas duas décadas. Entretanto, sua natureza incipiente torna difícil obter uma conceituação consensual entre os pesquisadores que se debruçam sobre seu estudo. As pesquisas relacionadas à felicidade vêm contribuindo para uma nova forma de olhar o ser humano, principalmente com o advento da psicologia positiva (Snyder & Lopez, 2009).

Tal área da psicologia preocupa-se em alavancar os conhecimentos acerca dos estados afetivos positivos, potencialidades e virtudes humanas, em detrimento do paradigma utilizado até o presente momento pela psicologia e psiquiatria, o qual busca conhecer apenas as limitações causadas pelos estados afetivos patológicos e que alargam ainda mais o abismo construído entre o patológico e o normal (Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007).

Essa perspectiva teórica propõe que a felicidade é a predominância de experiências emocionais ou afetivas positivas sobre as negativas. As pesquisas sobre a felicidade e emoções positivas tiveram início por volta da década de 1950, devido ao interesse das Nações Unidas na mensuração dos níveis de vida da população mundial em diferentes países, sendo a felicidade semanticamente equivalente a condições e qualidade de vida (Pereira, 1997).

Cientificamente, a psicologia positiva surgiu nos Estados Unidos no final da década de 1990, dedicando-se ao estudo dos sentimentos, emoções, instituições e comportamentos positivos que visam à felicidade humana, tendo como pioneiro Martin Seligman (2000). Com a colaboração de outros autores, esse autor iniciou a investigação quantitativa, propondo a promoção de uma mudança de foco — dos aspectos negativos ou patológicos, da psicologia atual, para outro que vislumbrasse as potencialidades humanas (Scorsolini-Comin & Santos, 2010).

Diener, Emmons, Larsen e Griffin (1985) afirmam que a felicidade é um termo coloquial para bem-estar subjetivo, caracterizado como a forma que cada indivíduo julga sua vida, de acordo com as suas expectativas adaptadas às constantes mudanças, ou seja, é entendida como o quanto a pessoa está satisfeita com, ou gosta, da vida que leva.

Ainda de acordo com tais autores, a ênfase deve ser dada à forma que o indivíduo se apresenta no presente, mesmo que possa sofrer influências de eventos do passado ou de perspectivas futuras, destacando a importância dos afetos. Este último pode ser classificado em positivo e negativo, mas estes não estão em direções opostas, apresentando apenas uma modesta correlação negativa, sendo, portanto, independentes (Diener, 1984; Reeve, 2006). A existência das dimensões positiva e negativa do afeto vem sendo corroborada em pesquisas com culturas distintas (Albuquerque  & Tróccoli, 2004).

Em publicações acerca da felicidade, esse conceito é considerado sinônimo de bem-estar subjetivo, devido à dificuldade de estudá-lo diretamente, sendo mais prático mensurar o bem-estar das pessoas que se consideram felizes (Ferraz et al., 2007). Entretanto, Alarcón (2006) considera que o bem-estar subjetivo expressa o momento homeostático psicológico em que a pessoa se encontra, refletindo estabilidade e equilíbrio psicofísico, necessários para que a felicidade ocorra, contudo, este não pode representar a felicidade como um todo.

Verifica-se que a literatura aponta diferenças importantes no que diz respeito aos muitos fatores envolvidos no conceito de bem-estar subjetivo, satisfação ou felicidade, principalmente quando se levam em conta características biográficas, sociais e psicológicas dos sujeitos (Corbi & Menezes-Filho, 2006). Existem levantamentos com o intuito de determinar parâmetros básicos e replicação de pesquisas das diversas variáveis para amostras diferentes (Albuquerque, Noriega, Martins, & Neves, 2008; Corbi & Menezes-Filho, 2006; Rodrigues & Silva, 2010).

No que diz respeito à faixa etária, alguns estudos reportam que não há variações significativas do nível de felicidade (Inglehart, 1990; Watson, 2000). Em contraponto, em pesquisa transcultural com mais de 20 nações (dentre as quais: Alemanha, Brasil, Chile, Irlanda do Norte, Noruega, Lituânia, Suécia, Alemanha etc.), Lucas e Goh (2000) relatam que, em 90% dos países participantes de sua pesquisa, há um decréscimo dos sentimentos prazerosos com o avanço da idade.

Já Otta e Fiquer (2004) demonstram que os idosos julgam-se mais felizes com a vida, evidenciando que os afetos são mais bem regulados com o passar do tempo, da mesma forma que os valores humanos (Gouveia et al., 2010), contribuindo, assim, para uma positiva sensação de bem-estar.

Quanto ao gênero dos participantes das pesquisas, alguns estudiosos consideram que as mulheres tendem a experimentar mais sentimentos desprazerosos que os homens, na maioria das culturas, tendendo estes últimos a serem um pouco mais felizes (Diener, Suh, Lucas & Smith, 1999; Lucas & Goh, 2000). Em seu estudo, Scalco, Araújo e Bastos (2011) encontraram resultados que indicam maior prevalência de felicidade associada à juventude entre os homens e à religiosidade entre as mulheres, ressaltando também a importância de a condição de estar separada ou viúva relacionar-se a menores índices de felicidade entre as mulheres.

Especificamente, quando foram buscados correlatos de satisfação, bem-estar subjetivo e felicidade com as condições econômico-financeiras, foram encontradas evidências de que o crescimento material e o sucesso econômico são desejos de muitas pessoas em diferentes partes do mundo, o que suscitou correlações positivas entre ganho financeiro e bem-estar subjetivo, em sua maioria em países pobres (Diener & Oishi, 2000). Nesse sentido, as pessoas tendem a ser mais felizes na medida em que conseguem as coisas que desejam, em um modelo que valoriza as necessidades objetivas (Díaz, Guevara, & Lizana, 2008).

Para Diener (1984), o avanço do estudo da felicidade e de seus determinantes pouco pode ser associado a variáveis demográficas. Logo, a investigação sobre como as variáveis psicológicas estão implicadas nesse fenômeno cresceu (Freire & Tavares, 2011). Dentre essas características, autoestima, avaliação afetiva do valor ou importância que a pessoa faz de si mesma mostraram-se mais fortemente relacionadas a pessoas felizes, podendo estar associadas tanto a fatores negativos quanto a características positivas (Mruk, 2006). Outra variável interna que encontrou relação significativa com o bem-estar foi a capacidade de regulação emocional, conceito bastante utilizado na psicologia clínica, presente em um grande conjunto de perturbações psicológicas (Coutinho, Ribeiro, Ferreirinha & Dias, 2010; John & Gross, 2007).

No Brasil, a produção bibliográfica tem se intensificado nos últimos anos (Dela Coleta, Lopes, & Dela Coleta, 2012); sua amplitude abrange conceitos fundamentais (Costa & Pereira, 2007; Giacomoni, 2004) e revisões (Ferraz et al., 2007; Passareli & Silva, 2007). Contudo, Ferraz et al. (2007) ressaltam que as validações e adaptações de instrumentos que mensurem as variáveis em estudo ainda são escassas. Em revisão acerca de medidas de felicidade no Brasil, Scorsolini-Comin e Santos (2010) encontraram apenas seis artigos em periódicos nacionais, até a data de publicação de seu manuscrito, que tratassem de instrumentos psicológicos de mensuração em psicologia positiva, sendo que apenas a Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES), desenvolvida por Albuquerque e Tróccoli (2004), foi criada em âmbito nacional.

Tal fato contrasta com o cenário internacional, em que o avanço no estudo da felicidade fez com que surgissem distintas medidas de felicidade, incluindo a Escala de Felicidade de Lima (Alarcón, 2006). Alguns dos instrumentos de mensuração da felicidade mais utilizados são o Oxford Happiness Inventory (OHI) (Argyle, Martin, & Crossland, 1989); a Subjective Happiness Scale (SHS) (Lyubomirsky & Lepper, 1999); e o Positive and Negative Affect Schedule-expanded Form (PANAS-X) (Watson & Clark, 1991), que conta com uma versão expandida, o PANAS (Watson, Clark, & Tellegen, 1988).

Em pesquisa realizada no sul do Brasil (Scalco et al., 2011), que teve por objetivo avaliar os níveis de autopercepção de felicidade e fatores associados em uma amostra de participantes adultos, um único item foi utilizado para medir o índice de felicidade. Os autores desse estudo reconheceram a importância de utilizar medidas de múltiplos itens quando citaram as vantagens desse tipo de medida (uma maior capacidade de captar os diversos componentes do construto felicidade, além de reduzir erros de mensuração). No entanto, tal método foi justificado pela escassez, na literatura brasileira, de instrumentos de múltiplos itens que tivessem sido adaptados para o contexto local.

 Nesse sentido, parece justificável a adaptação, para contexto brasileiro, de um instrumento de medida de felicidade, desenvolvido em Lima, no Peru, que tem se mostrado promissor quando se consideram seus aspectos psicométricos, a saber, a Escala de Felicidade de Lima (EFL). Um instrumento desse tipo é dificilmente encontrado na literatura, especialmente no Brasil. Portanto, este trabalho teve como principal objetivo adaptar e reunir evidências psicométricas de sua validade fatorial e consistência interna.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo, voluntariamente, 200 estudantes universitários de diversos cursos de uma instituição pública de ensino de Parnaíba (PI). Trata-se de amostra não probabilística (por conveniência). Desses estudantes, a maioria era do sexo feminino (52,8%), solteiros (87,5%) e, em relação à idade, os participantes apresentaram idade média de 20,5 anos (desvio padrão – DP=3,84; amplitude de 16 a 41 anos).

Instrumentos

Os participantes responderam a um livreto composto de duas partes. A primeira continha perguntas de cunho sociodemográfico, que visavam à caracterização da amostra. A segunda parte ficou por conta da EFL (Alarcón, 2006). Essa medida foi originalmente elaborada em língua espanhola, sendo composta por 27 itens respondidos numa escala do tipo Likert de 5 pontos, tendo como âncoras os pontos extremos 1="Discordo Totalmente" e 5="Concordo Totalmente". Seguindo-se orientações de seu autor, em função de suas semânticas, 10 itens (02, 07, 14, 17, 18, 19, 20, 22, 23 e 26) tiveram a escala de resposta invertida para realização das análises.

A versão aplicada neste estudo foi traduzida para o português utilizando-se a técnica apresentada por Cha, Kim e Erlen (2007), ou seja, utilizaram-se dois tradutores bilíngues que, pela técnica do back translation, realizaram a tradução para o português seguida da retradução para o espanhol; todos os itens apresentaram-se coerentes nas duas línguas, chegando-se à versão aqui utilizada. A validade semântica foi realizada por dez estudantes universitários do primeiro ano de psicologia de uma instituição pública de Parnaíba, como recomenda a literatura (Pasquali, 2003). Nessa fase, verificou-se que o item 11 foi interpretado na condição de desfavorável à felicidade; logo, sua escala de resposta foi invertida também.

Procedimento

O instrumento foi aplicado aos estudantes em contextos coletivos de sala de aula e espaços públicos, no entanto, respondido individualmente, com instruções por escrito, além de orientação de aplicadores previamente treinados, quando necessário. Os participantes também foram informados quanto ao caráter confidencial de suas respostas, que seriam tratadas no conjunto. Ainda foi informado que todos os procedimentos éticos, para pesquisas com seres humanos, seriam cuidadosamente respeitados, de modo que, ao preencherem e devolverem o instrumento, os participantes estariam concordando em fazer parte do estudo. O tempo médio de aplicação foi de aproximadamente 20 minutos.

Análise de Dados

Para executar as análises estatísticas, foram utilizados os softwares PASW e AMOS (versões 18). Com o PASW, foram calculadas estatísticas descritivas (médias e desvios padrão), poder discriminativo dos itens e consistência interna (α de Cronbach). Com o AMOS, foi realizada a análise fatorial confirmatória (AFC), procurando testar a estrutura teorizada originalmente. Para esta análise, os seguintes indicadores de ajuste foram levados em consideração (Browne & Cudeck, 1993; Hu & Bentler, 1999; Pilati & Laros, 2007; Tabachnick & Fidell, 2006):

(1) qui-quadrado (χ²): testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; quanto maior esse valor, pior o ajustamento. Este, por ser sensível ao tamanho da amostra (amostras grandes, isto é, n>200, podem favorecer o descarte de um modelo adequado), deve ser interpretado com alguma reserva, valendo-se de sua razão em relação aos graus de liberdade (χ²/gl). Esse valor precisará ser entre 2 e 3, preferencialmente, admitindo-se até 5 (Byrne, 1989). Contudo, a prática sugere que poderá padecer de viés quando a amostra for superior a 1.000 participantes. Em todo caso, essa estatística pode ser útil para comparar modelos rivais, tomando-se em conta a mesma amostra;

(2) Goodness-of-Fit Index (GFI): esse indicador, como sua versão ponderada (Adjusted Goodness-of-Fit Index - AGFI), funciona como a estatística R² na análise de regressão, representando o quanto da matriz de variância-covariância dos dados pode ser explicada pelo modelo teórico testado. Seus valores oscilam entre 0 (ajuste nulo) e 1 (ajuste perfeito), admitindo-se como aceitáveis aqueles próximos ou superiores a 0,90. No entanto, alguns teóricos são menos restritivos, considerando aceitáveis valores do GFI acima de 0,80, apesar de marginalmente (Rhee, Uleman, & Lee, 1996);

(3) Comparative Fit Index (CFI): compreende um indicador comparativo, adicional, de ajuste do modelo. Seus valores variam de 0 (ajuste nulo) a 1 (ajuste perfeito), sendo admitidos os que são próximos ou superiores a 0,90 como indicativo de ajuste aceitável;

(4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA): este tem em conta intervalo de confiança de 90% (IC90%), referindo-se aos residuais entre o modelo teórico estimado e os dados empíricos obtidos. Valores altos são indicativos de um modelo não ajustado, recomendando-se valores próximos ou inferiores a 0,05; 0,08 é um valor comumente aceito, admitindo-se até 0,10 como referência de um modelo aceitável.

Com o fim de comparar os modelos alternativos, foram considerados os seguintes indicadores: ?χ², Consistent Akaike information Criterion (CAIC) e Expected Cross Validation Index (ECVI). Diferença estatisticamente significante do ?χ², penalizando o modelo com maior χ², e valores menores de CAIC e ECVI sugerem um modelo mais adequado.

 

Resultados

A princípio, foi testado, através de grupos de critérios internos, se os itens conseguiam discriminar sujeitos com pontuações próximas (Pasquali, 2003). Para tanto, foram estabelecidos dois grupos, considerando-se as pontuações totais dos participantes abaixo e acima da mediana, chamando-os, respectivamente, de grupo inferior e superior. Deste modo, realizou-se um teste t de Student, tendo como variáveis testadas todos os itens da EFL, oportunidade em que todos apresentaram poder discriminativo satisfatório (t≥1,92; p<0,05), com exceção do item 25, sendo, portanto, eliminado do conjunto original.

Posteriormente, com o intuito de cumprir o objetivo principal deste estudo, realizaram-se AFCs para testar se a estrutura apresentada originalmente, ou seja, com quatro fatores, encontra bom ajuste quando utilizados dados coletados no Brasil. Nesse caso, partiu-se da matriz de covariâncias como entrada, adotando-se o método de estimação maximum likelihood (ML). A AFC mostrou que todas as saturações (carga fatorial – λ) foram estatisticamente diferentes de zero (λ≠0; z>1,96; p<0,05), apresentando valor médio de 0,64 e variando de 0,45 (item 09) a 0,78 (item 20). Os resultados mostraram que o modelo tetrafatorial apresentou os seguintes indicadores de ajuste: χ²/gl=1,85; GFI=0,83; AGFI=0,80; CFI=0,88; RMSEA (IC90%)=0,06 (0,05–0,07); ECVI=3,31 e CAIC=909,26. Entretanto, observando-se os índices de modificação (IM), constatou-se a pertinência de efetuar duas modificações, correlacionando erros de medida dentro da mesma dimensão teórica (e18 e e21; e20 e e22). Dessa forma, os índices de ajuste tiveram uma leve melhora: χ²/gl=1,76; GFI=0,84; AGFI=0,81; CFI=0,89; RMSEA (IC90%)=0,06 (0,05–0,07); ECVI=3,18 e CAIC=891,71. A estrutura fatorial é mostrada na Figura 1.

Como é possível observar na figura, o modelo original (quatro fatores) conseguiu índices de ajuste aceitáveis. Portanto, parece plausível pensar que os 26 itens da EFL podem ser representados por 4 fatores, corroborando a estrutura proposta por Alarcón (2006). No entanto, devido à confusão conceitual referente à felicidade, é possível que pesquisadores defendam um único fator para representar felicidade (Alarcón, 2006; Diener et al., 1985, 1999). Nesse sentido, para dirimir eventuais dúvidas em relação à possibilidade de unidimensionalidade da escala, optou-se por realizar uma AFC agrupando-se todos os itens em um único fator, obtendo-se os seguintes índices de ajuste: χ²/gl=2,52; GFI=0,75; AGFI=0,70; CFI=0,78; RMSEA (IC90%)=0,08 (0,08–0,09); ECVI=4,31 e CAIC=1.082,93. Esses resultados mostram que o modelo originalmente proposto para a EFL apresentou-se mais bem ajustado, tanto pelos valores do GFI e do AGFI quanto ao se compararem os valores do ECVI e do CAIC, substancialmente maiores no modelo unifatorial. Vencida essa etapa, também se buscou conhecer a pontuação média dos fatores e seus respectivos índices de consistência interna (α  de Cronbach). Tais resultados são apresentados na Tabela 1.

 

 

Verifica-se que todos os fatores teorizados por Alarcón (2006) apresentam consistência interna satisfatória, com α superior a 0,70, com exceção do fator "realização pessoal" (α=0,65). A consistência interna média foi de 0,77 e, considerando todos os itens saturando num único fator, encontrou-se um α=0,92. Por meio de uma análise de variância multivariada (MANOVA) para medidas interdependentes, foram identificadas diferenças significantes entre os 4 fatores: λ de Wilks=0,26; F (3,179)=107,06; p<0,001. Especificamente, a dimensão mais endossada pelos estudantes foi "sentido positivo da vida" (média – m=4,34), enquanto que a com menor adesão foi a de "realização pessoal" (m=3,34); o teste post hoc de Bonferroni indicou que todas as pontuações diferem entre si.

 

Discussão

Este estudo teve como principal objetivo adaptar e conhecer evidências de validade e precisão da EFL. Acredita-se que esse propósito foi alcançado ao final deste estudo, que reúne provas complementares e robustas, partindo de análises confirmatórias acerca da estrutura fatorial e consistência interna da escala. Essa escala revelou-se tetrafatorial, com dimensões de homogeneidade acentuada, refletida nos altos índices de consistência interna encontrados, mesmo quando comparada a um modelo unifatorial.

Trata-se de um estudo que dá conta de uma medida simples, do tipo papel e lápis autoaplicável, a qual apresenta itens que, isoladamente ou em conjunto, cumprem o que recomenda a literatura ao se tratar de qualidade métrica (Pasquali, 2003), possibilitando sua utilização em futuras pesquisas. Nenhum estudo utilizando-se desse instrumento foi encontrado no Brasil, tampouco tratando de suas qualidades psicométricas, o que, de certa forma, amplia a relevância desta pesquisa, a qual oferece, ao público em geral, que trabalha o tema felicidade, um instrumento de medida com parâmetros psicométricos aceitáveis.

Apesar do comentado até o momento, não se pode esquecer que, como qualquer outro estudo, existem potenciais limitações que restringem a generalização desses achados para outros grupos amostrais. A mais importante delas é o viés dos participantes (somente estudantes universitários), constituindo-se uma amostra muito específica e por conveniência (não probabilística), mas que, em número, pode ser considerada satisfatória (Watkins, 1989). No entanto, assevera-se que não se pretendeu generalizar tais resultados, mas somente identificar se o instrumento apresentava indícios de validade e precisão. 

As dimensões encontradas parecem explicar satisfatoriamente o construto felicidade, apesar de os índices de ajuste não serem espetaculares, levando-se em consideração a literatura fundamentada na teoria clássica dos testes (Pasquali, 1999, 2003), inclusive apresentando índices de consistência interna muito próximos ou superiores ao recomendado, ou seja, 0,70 (Nunnally, 1991; Pasquali, 2003).

Os parâmetros psicométricos da EFL adaptada são muito semelhantes aos apresentados pela versão original de Alarcón (2006). O instrumento, validado para o contexto piauiense, ficou composto por 26 itens no total, dividido em 4 fatores, a saber:

(1) Sentido Positivo da Vida, em que seus 11 itens representam profunda depressão, fracasso, intranquilidade, pessimismo e vazio existencial. A felicidade é aqui representada por estar livre de estados depressivos profundos e pela presença de sentimentos positivos acerca de si próprio e de sua vida;

(2) Satisfação com a Vida, formada por seis itens que representam a satisfação que o indivíduo alcançou acerca de sua vida, aliada à crença de que ele está onde deveria estar, próximo de alcançar os ideais de sua vida;

(3) Realização Pessoal,  que possui cinco itens os quais buscam verificar a felicidade plena e não apenas estados de felicidade, indicando  autossuficiência, tranquilidade emocional e serenidade, com base na premissa de que o indivíduo possui metas consideradas valiosas para a sua vida; e

(4) Alegria de Viver, o qual possui quatro itens refletindo o quanto é maravilhoso viver, sendo que as experiências positivas e sentir-se geralmente bem ganham importância (Alarcón, 2006).

Em suma, pode-se dizer que a EFL apresenta-se como uma importante via para mensuração da felicidade e investigação de como as variáveis internas e externas do indivíduo explicam ou são afetadas pela felicidade, considerada não como uma contraposição ao conhecimento gerado pelos autores que utilizam bem-estar subjetivo e felicidade como sinônimos, mas como um avanço para um modelo que leve em conta um número maior de aspectos a serem investigados acerca desse construto, considerando-se, assim, sua complexidade (Alarcón, 2006).

Ao falar de estudos futuros, não há dúvida de que será necessário seguir testando a EFL, considerando-se pessoas de outros estratos da população geral e características demográficas. Por exemplo, é de grande valia testar o instrumento com grupos de critérios externos (Pasquali, 1999), verificando se os itens separadamente e em conjunto conseguem diferenciar pessoas que se consideram felizes das que são diagnosticadas com depressão. Verificar a invariância fatorial (Byrne, 2001, 2004; Jöreskog & Sörbom, 1989), levando-se esses grupos em consideração ou outras variáveis, a exemplo de homens e mulheres, jovens e adultos, poderia ser de grande valia. 

Como enfatizado por Scorsolini-Comin e Santos (2010), é reduzido o número de escalas validadas para o contexto brasileiro que buscam avaliar os recursos e potencialidades que o ser humano dispõe para viver, pautados nos conceitos da nova psicologia positiva (Park & Peterson, 2007; Paschoal, Torres & Porto, 2010; Seligman, 2004), ramo crescente da psicologia que se concentra nas experiências positivas (como emoções positivas, felicidade, esperança e alegria), características positivas individuais (como caráter, forças e virtudes) e instituições positivas. Nesse sentido, a EFL pode ser utilizada para tal propósito.

 

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Endereço para correspondência:
Emerson Diógenes de Medeiros Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Piauí Avenida São Sebastião, 2.819
CEP: 64202-020 – Parnaíba/PI
E-mail: emersondiogenes@gmail.com

Recebido em 11/03/2013
Revisto em 08/10/2013
Aceito em 30/11/2013