EDITORIAL

Drogas e Direitos Humanos

É com muita satisfação que apresento o número especial da Revista Psicologia em Pesquisa com o tema Drogas e Direitos Humanos. Ao mesmo tempo em que escrevo como editor deste número, assumo o grande desafico de ser o novo editor-chefe da revista, cargo anteriormente ocupado pelos professores Richard Simanke e Saulo Araújo. Será um desafico duplo, pois, em primeiro lugar, assumo um posto ocupado por grandes pesquisadores e teóricos de Psicologia, que organizaram e fizeram um ótimo trabalho em nossa revista. Em segundo lugar, devemos manter a qualidade e a periodicidade em tempos de dificuldade financeira pela qual estamos passando. Mas, dentro do nosso compromisso, faremos o possível para manter o legado de tão eminentes colegas.

Minha chegada na revista com este número especial não poderia ser mais oportuna, pois tenho uma trajetória relacionada ao tema proposto e algumas publicações na área. Sabemos da relevância e da necessidade da produção de conhecimento na área de álcool, tabaco e outras drogas. Esse tema tem grande impacto social e de saúde em todo o mundo, e muitas vezes se reflte em ações de intervenção e de políticas públicas sem base em evidências científicas e sem a preocupação com a dimensão ética e dos direitos humanos.

Para além da importância das evidências e do avanço do conhecimento sobre drogas, acrescentase o grande desafico de assumir que não há produção científica sem impacto ético ou social quando estamos pesquisando seres humanos. Por isso, nossa intenção é deixar claro que defendemos uma ação acadêmica que se comprometa ou se declare abertamente para quem e para que serve nosso conhecimento na área de drogas. Em tempos em que a estratégia de "guerra às drogas" é cada vez mais questionada, ação que dominou o cenário nacional e internacional e já produziu milhares de mortes e impactos sociais e de saúde em todo o mundo — especialmente entre populações específicas, como os mais pobres, negros e moradores de comunidades ou países considerados periféricos na cadeia de acumulação do capital —, o tema de direitos humanos se torna central em nossa área.

Portanto, o presente número especial é uma provocação aos pesquisadores da área para que apresentem pesquisas relacionadas ao tema dos direitos humanos. A publicação consiste em mais uma dentre várias ações ocorridas no ano de 2015, quando organizamos, com os professores da Universidade Federal de São João del Rey (UFSJ) Marcelo Dalla Vecchia, Fernando Santana e Cassia Beatriz, o V Congresso Internacional Sobre Drogas (V CID), com o mesmo tema e foco de discussão. Essa parceria nos rendeu vários frutos e, principalmente, maior aproximação interinstitucional e bons encontros e reflexões acerca desse e de outros temas relacionados. Aproveito para agradecer a todos os envolvidos da UFSJ, bem como do Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (CREPEIA) da UFJF e às agências de financiamento CAPES, FAPEMIG e CNPq, que tornaram possíveis as outras ações dessa iniciativa conjunta.

Os artigos publicados neste número apresentam uma riqueza de perspectivas, com diferentes abordagens metodológicas e teóricas, visão transdisciplinar e autores de diversos países.

O artigo Violencia institucional y reproducción de estigmas en usuarios de cocaínas fumables de Montevideo, dos pesquisadores uruguaios Emmanuel Martínez e Marcelo Rossal, objetivou estudar o discurso dos direitos dos usuários de drogas e as consequências do estigma direcionado a esse grupo. O artigo Violados e indignos: usuários de crack no Rio de Janeiro e Nova Iorque, da antropóloga Daniele Vallim, traz um estudo etnográfico sobre pessoas que usam substâncias em cenários de rua nas cidades do Rio de Janeiro e Nova Iorque, analisando o impacto de tal contexto na significação e nos modos de vida dessa população. Já o artigo Especificidades do tratamento de mulheres usuárias de crack: interface com Direitos Humanos, de Jéssica Limberger, Jaluza Aimèe Schneider e Ilana Andretta, discute o recorte de gênero no tratamento de mulheres usuárias de crack e sua repercussão nos aspectos de direitos humanos dessas pessoas. O artigo Los retos de la reducción de daños como política pública sobre drogas en Brasil, de Maristela Moraes, Marisela Montenegro, Benedito Medrado e Oriol Romaní, é uma pesquisa documental sobre como a estratégia de Redução de Danos é implementada na política sobre drogas no Brasil, analisando suas tensões e os avanços na área. O artigo Estereotipia social en los profesionales de salud pública de Uruguay acerca del uso de benzodiacepinas, de Andrea Bielli, Pilar Bacci, Gabriela Bruno, Nancy Calisto e Santiago Navarro, apresenta um estudo sobre as controvérsias do uso de benzodiazepínicos em clínicas de saúde do Uruguai. O artigo Social distance toward people with substance dependence: a survey among health professionals, de Pollyanna Santos da Silveira, Rhaisa Gontijo Soares, Henrique Pinto Gomide, Leonardo Fernandes Martins, Gabriela Correia Lubambo Ferreira, Ana Luísa Marlière Casela e Telmo Mota Ronzani, apresenta uma pesquisa correlacional sobre o desejo de distância social de professionais de saúde em relação a usuários de drogas e discute o impacto dessa relação na qualidade da intervenção direcionada a essa população. O artigo Redução de danos na visão dos profissionais que atuam no CAPS AD II do Distrito Federal, de Glacy Daiane B. Calassa, Maria Aparecida Penso e Lêda Gonçalves, investiga como os profissionais dos CAPS Álcool e Drogas do Distrito Federal percebem a abordagem da Redução de Danos e as implicações dessa percepção sobre a intervenção aos usuários na perspectiva dos direitos humanos. O artigo Consumo de Álcool e Drogas e o Trabalho do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família, de Ana Izabel Oliveira Lima, Magda Dimenstein e João Paulo Macedo, analisa os desafios das práticas dos psicólogos do NASF em relação aos usuários de drogas e faz uma crítica da formação do psicólogo no Brasil. A pesquisa Estratégias utilizadas no tratamento de famílias com usuários de substâncias, de Eroy Aparecida da Silva, Thago Pavin Rodrigues, Denise De Micheli e André Luiz Monezi Andrade, investiga as estratégias cognitivo-comportamentais de usuários de drogas e familiares para lidar com situações de risco durante o tratamento. Por último, o artigo Projeto Terapêutico Singular no atendimento de mulheres em um Caps Ad III, de Scheila Silva Rasch, Angela Nobre de Andrade, Luziane Zacché Avellar e Pedro Machado Ribeiro Neto, analisa os prontuários de um CAPS AD para averiguar a influência do Plano Singular Terapêutico no cuidado aos usuários de drogas e as implicações de tal abordagem no cuidado dessas pessoas.

Os artigos apresentados trazem uma importante contribuição para o avanço no conhecimento e na discussão sobre drogas. Esperamos que os leitores de diversas áreas e interesses se beneficiem deste número, que traga como resultado principal o avanço das políticas e práticas nos serviços na direção dos direitos humanos das pessoas que consomem substâncias psicoativas.

Telmo Mota Ronzani

Editor-chefe da Revista Psicologia em Pesquisa