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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.10 no.1 Juiz de Fora jun. 2016

http://dx.doi.org/10.24879/201600100010044 

ARTIGO ORIGINAL

DOI: 10.24879/201600100010044

 

 

Ajustamento Conjugal: a função das características individuais, do casal e do contexto

 

Marital Adjustment: the role of the characteristics of individuals, couple and context

 

 

Juliana Szpoganicz RosadoI; Paola Vargas BarbosaI; Adriana WagnerI

I Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Endereço para Correspondência

 

 


Resumo

A qualidade dos relacionamentos conjugais é circunscrita por diversos fatores. Este trabalho investigou como a idade, o nível de escolaridade, a orientação sexual, o status conjugal, o tempo de duração da relação, a presença ou não de filhos, a percepção da conjugalidade dos pais, o salário, a satisfação com o trabalho e a satisfação com a condição econômica se associavam ao ajustamento conjugal de 1350 participantes, de ambos os sexos, de diferentes regiões do país. Análises de variância (ANOVA) revelaram que a qualidade conjugal se associa a aspectos individuais, da dinâmica conjugal e vida laboral dos participantes. Indivíduos jovens, homossexuais, sem filhos, com percepção positiva da conjugalidade dos pais e que estavam satisfeitos com a condição financeira e de trabalho indicaram maiores níveis de ajustamento conjugal.

Palavras-chave: Qualidade conjugal; Ajustamento Conjugal; Família; Trabalho;


Abstract

The quality of marital relationships is circumscribed by several factors. This study investigated how age, duration of relationship, salary, presence of children, perception of marital parents, sexual orientation, marital status, level of education, satisfaction with the economic status and satisfaction with the work were associated with the marital adjustment of 1350 participants, of both sexes, from different regions of the country. Analysis of variance (ANOVA) revealed that marital quality is associated with individual aspects, marital dynamic and working life. Young people, homosexuals, individuals without children, subjects with a positive perception of marital parents and people who were satisfied with financial condition and working indicated largest marital adjustment levels.

Keywords: Marital quality; Marital Adjustment; Family; Work;

 

 

Estudar a conjugalidade é, necessariamente, um exercício de reflexão sobre diversos aspectos que compõem uma relação complexa. Tal complexidade foi descrita por Anton (2000) como sendo compreendida por: dois sistemas individuais, dois sistemas familiares (e seus aspectos transgeracionais) e o contexto em que os cônjuges convivem. Nessa perspectiva, há uma multiplicidade de fatores que se interseccionam e reverberam no crescimento, desenvolvimento e amadurecimento da relação conjugal.

Atualmente, as uniões conjugais tradicionais de homem, mulher e filhos, coexistem com as famílias compostas por casais sem filhos (Silva & Frizzo, 2014; Rowe & Medeiros, 2011), casamentos informais, casais em coabitação, casais de gays e lésbicas (Lomando, Wagner, & Gonçalves, 2011), entre tantas outras uniões que tem perfilado as novas formas de se vivenciar as relações amorosas. Ainda que o panorama componha-se de inúmeras maneiras de se relacionar e estar casado, esse fenômeno não implica diretamente na permanência ou na satisfação da conjugalidade. Frente a essa realidade faz-se relevante refletir sobre qual o nível de satisfação dos sujeitos nos diferentes arranjos conjugais. O que circunscreve a qualidade das relações hoje?

A qualidade dos relacionamentos amorosos vem sendo investigada há décadas, e é definida, tanto pela literatura nacional quanto internacional, como sendo complexa e multifacetada (Fincham & Bradburry, 1987; Locke & Williamson, 1958; Mosmann, Wagner, & Féres-Carneiro, 2006; Rosado & Wagner, 2015; Umberson & Williams, 2005; Wagner & Falcke, 2001). As diversas pesquisas que investigam a felicidade conjugal utilizam termos como satisfação, ajustamento e qualidade para tratarem dessa temática. Percebe-se que, muitas vezes, os termos são utilizados como sinônimos nos estudos e esse equívoco ocasiona o uso de instrumentos e explicações sobre os fenômenos sem adequá-los a uma compreensão e especificidade de cada construto envolvido (Fincham & Bradburry, 1987; Scorsolini-Comin & Santos, 2011). Considerando esse fato, o presente trabalho optou por utilizar o conceito de ajustamento conjugal, como proposto por Spanier (1976), conjuntamente com o instrumento desenvolvido por ele: o DAS (Dyadic Adjustment Scale). Dessa maneira, o ajustamento conjugal dos participantes será definido por quatro dimensões que dizem respeito: ao nível de concordância dos cônjuges sobre diversos temas do cotidiano familiar, a percepção sobre a discórdia e possibilidade de divórcio, o compromisso e felicidade com a relação conjugal, o compartilhamento de interesses e perspectivas, ausência ou presença de afetos e a relação sexual (Spanier, 1976).

 

 

Variáveis que se associam a qualidade das relações conjugais

A literatura científica aponta fatores que são considerados importantes na avaliação da satisfação dos sujeitos em relação amorosa. Como exemplo cita-se o tempo de relacionamento conjugal (Heckler & Mosmann, 2016; Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt, & Sharlin, 2004; Van Steenbergen, Kluwer, & Karney, 2011), a história da família de origem (Amato & Booth, 2001; Anton, 2000; Falcke & Wagner, 2005, Scorsolini-Comin, 2012; Quissini & Colho, 2014), o nível socioeconômico dos cônjuges (Allendorf & Ghimire, 2013; Fortunato, 2009; Heller & Watson, 2005), dentre outros elementos.

Dessa maneira, compreende-se que a qualidade dos relacionamentos é permeada pela interação de diversos fatores, tanto pessoais quanto contextuais dos cônjuges, e a investigação deles faz-se fundamental para discutir e contribuir acerca da temática da felicidade em viver a dois (Bradbury, Fincham, & Beach, 2000; Neto & Féres-Carneiro, 2010; Rosado & Wagner, 2015;).

Considerando essa realidade, o presente trabalho procurou investigar como a “idade”, a “orientação sexual”, o “nível de escolaridade”, o “status conjugal”, o “tempo de duração da relação”, a “presença ou não de filhos”, a percepção da conjugalidade dos pais”, o “salário”, a “satisfação com o trabalho” e a “satisfação com a condição econômica” se associam à qualidade das relações conjugais que homens e mulheres reportam atualmente.

 

 

Método

A pesquisa teve um caráter quantitativo e a coleta de dados ocorreu por conveniência, via internet, através de um questionário online. O convite para participação foi enviado para diversos contatos, entre eles, e-mails de professores e alunos de 33 programas de pós-graduação de diferentes universidades do Brasil. O método ‘bola de neve’ foi utilizado a fim de abranger todas as regiões do país.

O questionário permaneceu ativo por dois meses, entre abril e maio de 2013, sob o domínio do googledocs1, atualmente offline – ou seja, nao pode mais ser acessado pelo público. Os participantes foram informados, eletronicamente, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE) sobre os objetivos da pesquisa, procedimentos do estudo e sobre a garantia de confidencialidade de suas informaçoes. O TCLE foi disponibilizado como uma etapa inicial para acessar o instrumento online, assim, caso o participante não concordasse com o termo, não era possível responder a pesquisa. A pesquisa foi aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Para participarem dessa investigação, os sujeitos deveriam preencher os seguintes critérios: a) Ser maior de 21 anos; b) Estar em uma relação considerada estável e c) Viver em coabitação com o parceiro, no mínimo, há seis meses.

O instrumento utilizado foi composto por uma Ficha de Dados Sociodemográficos, a Escala de Ajustamento Conjugal (EAD) e o Questionário da Conjugalidade dos pais (QCP).

A Ficha de Dados Sociodemográficos apresentou questões que abordaram a caracterização pessoal, econômica e conjugal dos participantes. A Escala de Ajustamento Conjugal (EAD), instrumento criado por Spanier (1976) e validado em estudo brasileiro por Hernandez (2008), tem a finalidade de medir o ajustamento conjugal dos sujeitos em seus relacionamentos. O instrumento compõe-se de 32 itens respondidos em uma escala likert de 5, 6 e 7 pontos, que buscam representar o nível de ajustamento conjugal através de quatro dimensões: satisfação diádica (α = 0,86), consenso diádico (α = 0,86), coesão diádica (α = 0,76) e expressão de afeto (α = 0,62). Na validação de Hernandez (2008) o α = 0,93, neste estudo, o EAD apresentou α = 0,91. O escore total da escala pode variar de 0 a 151. Segundo critérios do autor da escala, os indivíduos que obtiverem 101 pontos ou menos devem ser classificados como desajustados ou em sofrimento no relacionamento conjugal. Os que alcançarem 102 pontos ou mais, são classificados como ajustados. O Questionário da Conjugalidade dos Pais (QCP), desenvolvido por Féres-Carneiro, Ziviani, e Magalhães (2007), tem a finalidade de medir a percepção dos filhos sobre a conjugalidade dos seus pais. O instrumento original apresentou α = 0,95 e possui 60 itens fechados, com variações diferentes de respostas. A escala é dividida em três subescalas, e neste trabalho, foram utilizados apenas os 26 itens referentes a dimensão ‘Meus Pais’ para a análise dos dados. Na presente amostra essa subescala teve α = 0,96.

Com o objetivo de conhecer como as variáveis individuais, do casal e de contexto se associavam à qualidade das relações conjugais, foram realizadas analises variância (ANOVA). Foram consideradas variáveis individuais a “idade”, a “orientação sexual”, “nível de escolaridade” e a “percepção sobre a conjugalidade dos pais”. As variáveis de casal foram “status conjugal”, “tempo duração da relação” e presença ou não de filhos”. Finalmente, as variáveis contextuais refereriram-se a “salário”, “satisfação com o trabalho” e “satisfação com a condição econômica”.

 

 

Resultados

 

Caracterização da amostra

Os sujeitos desta pesquisa foram os participantes que preencheram os critérios de inclusão e que responderam o questionário de maneira completa. Foram participantes do estudo 1.350 sujeitos, sendo 63,9% mulheres (n=863) e 36,1% homens (n=487). Os participantes da amostra foram distribuídos geograficamente conforme Figura 1.

 

 

Para melhor compreensão dos dados, optou-se por elaborar duas tabelas com as características descritivas da amostra. Na Tabela 1, observa-se, de forma geral, que a população da amostra teve uma média de 40,05 anos (d.p=10,57). No que tange à orientação sexual, 94,4% dos indivíduos consideravam-se heterossexuais, 4,2% homossexuais e 1,5% bissexuais. Ademais, 69,1% da amostra reportou estar casada legalmente e 59,8% tinham filhos. O tempo médio de relacionamento conjugal foi de 14,85 anos (d.p = 10,39) e o tempo médio de coabitação com o cônjuge foi de 12,4 anos (d.p = 10,44). Em relação à percepção da conjugalidade dos pais, 48,7% dos participantes informou ter uma avaliação positiva do casamento dos seus progenitores.

 

 

Conforme os dados apresentados na Tabela 2 observa-se que os indivíduos da amostra se caracterizaram por serem maioritariamente pós-graduados (85%), seguido por aqueles com ensino superior completo (9,3%), ensino superior incompleto (4,5%) e ensino médio completo (1,3%). Em relação à situação financeira, 45,5% dos participantes ganhavam acima de 10 salários mínimos. No geral, 64,8% da amostra indicou estar satisfeita com sua condição econômica e 70% reportaram estar bastante e totalmente satisfeitos com o seu trabalho.

 

 

No que se refere à avaliação da qualidade conjugal os sujeitos apresentaram uma média de 114,34 (d.p = 16,96) de qualidade conjugal, indicando bom ajustamento na relação amorosa (>102). Assim, a maioria da amostra (81%) foi considerada com um bom nível de qualidade em seus relacionamentos, enquanto os que reportaram desajustamento foram 19%. Não houve diferença significativa entre a qualidade conjugal informada por homens e mulheres (p = 0,865).

A fim de verificar como as características individuais, do casal e do contexto, se expressavam no ajustamento conjugal dos sujeitos foram realizadas Análises de Variância (ANOVA) com as variáveis de: “idade”, a “orientação sexual”, o “nível de escolaridade”, o “status conjugal”, o “tempo de duração da relação”, a “presença ou não de filhos”, a “percepção da conjugalidade dos pais”, o “salário”, a “satisfação com o trabalho” e a “satisfação com a condição econômica”.

Em relação à variável “idade”, a amostra compreendeu sujeitos desde os 21 até os 77 anos. Foram criados quatro grupos de diferentes idades para melhor análise da amostra, como pode ser observado na Tabela 3.

 

 

Conforme Tabela 3, todos os grupos de idade reportaram, em média, boa qualidade conjugal (>102) no seu relacionamento amoroso. Observou-se uma diferença marginalmente significativa [F(3,1339) = 2,567, p = 0,053] entre os grupos de idade, independente do sexo. Após teste post hoc Tukey, revelou-se que o grupo de 21-30 anos apresentou uma média maior de qualidade conjugal do que todos os demais grupos (p<0,05). Sendo assim, os homens e mulheres mais novos indicaram possuir maior qualidade conjugal do que o restante da amostra.

Em relação à “orientação sexual” dos participantes, apareceram diferenças significativas entre os grupos [F(2,1340) = 4,416, p=0,012) em relação à média de qualidade conjugal. Independente do sexo, o grupo homossexual (M=120,5 d.p=13,12) reportou maior média de qualidade conjugal (p=0,016) do que o grupo de heterossexuais (M=114,11 d.p=17,14) e também do que o grupo bissexual (M=108,9 d.p=9,86, p=0,023).

Em relação a variável “presença ou não de filhos”, no momento da coleta de dados, 56,1% das mulheres eram maes e 66,3% dos homens eram pais. Encontrou-se diferença significativa [F(1,1343) = 34,971, p<0,001) em relaçao a quem tem filhos e quem nao tem, independente do sexo. Segundo Tabela 4, os sujeitos da amostra que nao tinham filhos apresentaram maior qualidade conjugal (M=117,77, d.p=14,17) em comparaçao aos demais participantes (M=112,03, d.p=18,27).

 

 

No que tange à “percepção da relação conjugal dos progenitores”, a amostra em geral se apresentou dividida, sendo que 51,3% reportou uma percepção negativa, enquanto 48,7% apontou uma percepção positiva. Essa diferença entre as médias dos grupos de percepção negativa (M=111,72, d.p=18,09) e positiva (M=117,11, d.p=15,2) foi significativa [F(1,1346) = 34,914, p<0,001]. Essa tendência se manteve em relação aos sexos, 53,65% das mulheres e 47,27% dos homens tiveram percepção negativa da conjugalidade dos seus pais, sem diferenças significativas entre os sexos.

No que tange à “satisfação com o trabalho”, 0,48% da amostra reportou estar nada ou pouco satisfeito, 24,6% razoavelmente satisfeito, 70% informou estar entre bastante e totalmente satisfeito. A Tabela 5 expressa os dados relativos as associaçoes entre a qualidade conjugal e a satisfaçao com o trabalho.

 

 

Encontrou-se diferença significativa [F(4,1340) = 12,459, p<0,001) em relação a todos os níveis de satisfação com o trabalho, independente do sexo dos participantes. Após realização do teste post huc Tukey observou-se que todos os grupos diferenciaram-se entre si (p<0,05). Os participantes que indicaram estarem nada satisfeitos reportaram um prejuízo na satisfação conjugal (M<102). Os outros níveis de satisfação (pouco, razoavelmente, bastante e totalmente) pontuaram uma boa qualidade na relação amorosa (M>102).

Embora a maioria da amostra (64,8%) tenha se mostrado satisfeita com a “condição econômica” que tinha, encontrou-se diferença significativa de qualidade conjugal [F(1,1344) = 26,978, p<0,001) em relaçao a quem está satisfeito e quem nao está, independente do sexo dos participantes. Observa-se na Tabela 6, que os indivíduos que reportaram satisfaçao com sua condiçao econômica reportaram maior qualidade conjugal (M=116,22, d.p=15,69) em comparaçao aos participantes que consideravam-se insatisfeitos (M=110,87, d.p=18,59).

 

 

Em relação ao “tempo de relacionamento conjugal”, “status conjugal”, “nível de escolaridade” e “salário pessoal mensal” não foram observadas diferenças significativas inter e intragrupos (p>0,05).

 

 

Discussão

Os resultados da amostra geral revelaram que a maioria dos sujeitos vivencia uma experiência de conjugalidade satisfatória, o que é corroborado pela literatura científica nacional e internacional da área. De fato, frente a tantas possibilidades e formas de viver a conjugalidade, porque os sujeitos permaneceriam em um relacionamento que não traz satisfação? Atualmente, as pessoas não encontram tantos impedimentos morais, legais e de aceitação social, como em décadas passadas, para separarem-se de seus parceiros e investirem em outro relacionamento. Nesse sentido, compreende-se que só está em um relacionamento conjugal quem realmente deseja e sente-se satisfeito com tal condição (Falcke, Diehl, & Wagner, 2002).

Na investigação dos elementos que foram importantes para maiores ou menores níveis de ajustamento conjugal dos participantes desta pesquisa, podemos observar que aspectos ciclo vital do casal (presença de filhos) assim como variáveis relativas à individualidade de cada sujeito (idade, orientação sexual, percepção da relação de conjugalidade dos progenitores) e de contexto (satisfação com o trabalho e condição econômica) foram elementos intervenientes na qualidade conjugal vivenciada pelos sujeitos.

Ainda que esta análise não nos permita definir um perfil associado a melhores ou piores níveis de qualidade conjugal, tendo em vista a multiplicidade de fatores que compõem o ajustamento conjugal, explorar a contribuição de tais variáveis ajuda a entender quais os fatores importantes a serem considerados no estudo deste fenômeno.

A partir dos resultados encontrados, é possível apontar três conjuntos de dados que auxiliam na compreensão da qualidade dos relacionamentos atuais: a família de origem, o momento do ciclo vital dos indivíduos e do casal e aspectos do contexto de cada sujeito envolvido.

Conforme a literatura aponta, a família de origem transmite, ao longo do ciclo vital, padrões de comportamentos, valores e modelos aos seus membros. No que se refere a construção da conjugalidade, sabe-se que a família de origem exerce influencia na escolha e na maneira de viver a conjugalidade ao longo das gerações. Dessa maneira, espera-se que os sujeitos reproduzam o modelo conjugal que perceberam na relação dos seus progenitores. Os participantes que reportam uma percepção negativa do relacionamento dos pais descrevem uma menor qualidade conjugal em seus relacionamentos atuais quando comparados com os participantes que descrevem uma percepção positiva do relacionamento parental. Entretanto, é importante atentar que estes, apesar de reportarem níveis significativamente mais baixos de qualidade conjugal, ainda não reportam valores considerados pelo instrumento como de desajustamento. Esse dado faz refletir sobre o papel de ressignificação das vivencias familiares e a possibilidade dos sujeitos de reescreverem a sua histórica conjugal a partir de suas experiências atuais e novos modelos de conjugalidade

Nesse sentido, o momento do ciclo vital vivenciado pelos participantes parece ser relevante para a sua percepção da qualidade da relação. Participantes mais jovens (entre 20 e 30 anos) e sem filhos reportaram os maiores níveis de satisfação conjugal, enquanto os participantes entre 30 e 50 anos reportam níveis mais baixos, mesmo que ainda satisfatórios. É interessante pensar que, diferente da afirmação do senso comum que a felicidade dos casamentos tende a desaparecer com o passar da vida, na amostra dessa pesquisa o tempo de conjugalidade e o status conjugal não foram significativamente relevantes para a percepção de sua qualidade conjugal. Assim, pode-se concluir que a satisfação está atrelada ao menor número de exigências do ciclo vital vivenciadas por jovens casais, já que casais com um pouco mais de idade, e especialmente com as responsabilidades da parentalidade somadas as da conjugalidade, reportam menos satisfação na relação amorosa. Nessa perspectiva, os indivíduos que não tem filhos, possuem mais tempo para dedicar-se e investir em planos, metas próprias e na relação com o parceiro. Com mais tempo para a dimensão conjugal, há maior investimento e, por consequência, a qualidade conjugal tende a ser maior.

Finalmente, algumas características de contexto como a satisfação com o trabalho e com a condição econômica parecem também interferir na percepção dos participantes sobre sua qualidade conjugal. Num momento histórico onde a realização profissional assume papel importante na afirmação da individualidade, especialmente nesta amostra com alto nível de escolaridade, percebe-se que a satisfação dos indivíduos com suas conquistas e realizações profissionais e individuais tem influência em seus relacionamentos. É importante apontar que numa amostra com condição financeira elevada (equivalente ao nível socioeconômico médio da população brasileira), o salário não se mostra significativo para a qualidade conjugal. Pesquisas sobre a temática de carreira parecem corroborar esse fato (Aknin, Norton, & Dunn, 2014; Oliveira, 2014). Quando a condição financeira deixa de ser uma preocupação de sobrevivência, aspectos individuais de satisfação com o trabalho (como autonomia, percepção de metas, reconhecimento) passam a ter maior relevância para a permanência dos indivíduos no trabalho. Isso nos leva a concluir que a percepção subjetiva dos participantes sobre seu trabalho – e podemos supor, sua percepção subjetiva sobre sua vida e suas conquistas – seja mais relevante para o construto da percepção da qualidade conjugal do que o salário em si.

O fato de indivíduos homossexuais reportarem índices mais elevados de qualidade conjugal que da amostra heterossexual, corrobora a complexidade deste construto, tendo em vista a influência de aspectos sociais e subjetivos que perpassam as relações homoafetivas. Ainda é comum que sujeitos com tal orientação enfrentem discriminação social, sendo este um dos fatores constituintes de uma relação amorosa mais coesa e de apoio mútuo entre os membros do casal. Nestes casos, esta característica tende a expressar-se por uma conjugalidade de maior cumplicidade, reverberando em melhores níveis de satisfação.

Tendo em vista que, o nível de escolaridade dos sujeitos e a renda são superiores à da média da população brasileira (IBGE, 2012), os resultados não expressam a realidade da conjugalidade da população em geral. Nessa perspectiva, entende-se que são necessário outros trabalhos que investiguem as diferenças em outros contextos. O casamento é um produto de dois sistemas individuais complexos e torna-se importante o exame de outras variáveis que possam ser propulsoras ou inibidoras da qualidade conjugal, além de pesquisas que abarquem instrumentos, metodologias e tratamentos de dados de maneira variada. Abranger a complexidade inerente a relação conjugal ainda é um desafio para os pesquisadores da temática. Entretanto, é uma necessidade urgente, visto a importância que o relacionamento conjugal supõem na vida dos sujeitos em geral, sendo considerado, inclusive, um fator de proteção.

 

 

Referências

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Recebido em 18/04/2016

Aceito em 19/10/2016

Endereço para correspondência:

Juliana Szpoganicz Rosado

E-mail: julianasrosado@gmail.com.

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