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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.10 no.1 Juiz de Fora June 2016

http://dx.doi.org/10.24879/201600100010052 

RESENHA

DOI: 10.24879/201600100010052

 

 

Pesquisa Teórica em Psicologia: Aspectos Filosóficos e Metodológicos

 

Pesquisa Teórica em Psicologia: Aspectos Filosóficos e Metodológicos

 

 

Carolina Laurenti II; Carlos Eduardo LopesII; Saulo de Freitas AraujoII; Monalisa Maria Lauro I

I Universidade Salgado de Oliveira
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora

II São Paulo: Hogrefe CETEPP, 2016, 167p.

 

Embora seja possível notar mudanças significativas na formação do psicólogo brasileiro, especialmente a partir da década de 80, por meio da articulação do conhecimento psicológico com a realidade social do no nosso país, e da ampliação das áreas de atuação profissional e pesquisas empíricas de caráter quantitativo e qualitativo (Pereira & Pereira Neto, 2003; Yamamoto & Costa, 2010), ainda persiste o risco de essa formação restringir-se às especificidades técnicas de um determinado campo de atuação ou pesquisa, ao observarmos a carência de discussões sérias e constantes relativas aos fundamentos teórico-conceituais, aos pressupostos filosóficos e ao percurso histórico da psicologia (Araujo, 2012, 2013; Laurenti, 2012; Lopes, 2011).Nesse cenário, Laurenti (2012) também observa que a pesquisa teórica em psicologia – compreendida como uma investigação sistemática de teorias e conceitos psicológicos – não tem recebido a devida atenção.

É exatamente por considerarem que essas lacunas continuam presentes na formaçao do psicólogo contemporâneo que Carolina Laurenti, Carlos Eduardo Lopes e Saulo de Freitas Araujo organizaram o livro Pesquisa Teórica em Psicologia: Aspectos Filosóficos e Metodológicos. Sem ter a pretensao de esgotar todas as modalidades de investigaçao teórica em psicologia, o livro reúne discussoes filosóficas e orientaçoes metodológicas fundamentais para o discernimento das etapas lógicas da pesquisa teórica e de seus procedimentos, especialmente em relaçao a pesquisa conceitual e a investigaçao histórica de teorias psicológicas.

No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Lopes oferece ao leitor uma imprescindível reflexão sobre as relações entre pesquisa teórica e pesquisa empírica, a partir de considerações sobre a relação entre ciência e filosofia. Após evidenciar a fragilidade da asserção tradicional de que, desde seu surgimento, a ciência moderna é um empreendimento completamentemente separado da filosofia, o autor indica como algumas mudanças ocorridas no interior da ciência e da filosofia ocasionaram uma cisão entre elas, especialmente a partir do século XX. Como reflexo desse processo, ele identifica as diferentes relações entre pesquisa teórica e pesquisa empírica na psicologia contemporânea, destacando o predomínio de relações de subordinação da pesquisa teórica à teoria psicológica investigada. Em outras palavras, observa uma fragilização da análise teórica, quando é aceita apenas para elucidar fundamentos concordantes com os resultados da pesquisa empírica, ou quando sua acuidade lógico-conceitual é reduzida a determinantes éticos, políticos ou sociais. Diante desse cenário desfavorável à autonomia à legitimidade da pesquisa teórica, o autor conclui que uma relação conflituosa entre pesquisa teórica e pesquisa empírica apresenta-se como uma alternativa mais promissora para a psicologia. Nessa relação, elas se complementariam e se corrigiriam mutuamente, na medida em que a pesquisa teórica permite analisar e contextualizar historicamente os pressupostos teóricos subjacentes à pesquisa empírica, apontando lacunas, contradições, afinidades e influências entre teorias, etc., e a pesquisa empírica pode lançar desafios e promover eventualmente revisões teóricas.

Partindo do princípio de que a pesquisa teórica é uma modalidade de pesquisa legítima, no segundo capítulo, Carolina Laurenti e Carlos Eduardo Lopes discutem as diretrizes metodológicas e os compromissos filosóficos de um determinado tipo de pesquisa teórica, a saber, a pesquisa conceitual. Segundo os autores, a pesquisa conceitual analisa teorias psicológicas no intuito de esclarecer o significado de seus conceitos fundamentais; a relação entre conceitos centrais e correlatos; os fundamentos filosóficos que lhe são subjacentes; o contexto histórico – intelectual e/ou cultural – de seu desenvolvimento. Embora a investigação teórica possa ser orientada por diferentes noções de interpretação, os autores alinham-se à concepção de que interpretar envolve uma inter-relação entre autor, texto e leitor, em que se admite a autonomia do texto, a contribuição do intérprete e critérios – e.g., natureza das fontes, evidência textual, etc. – para o confronto e avaliação de uma pluralidade de interpretações. Em coerência com essa concepção, na última seção do capítulo, é apresentada uma proposta de procedimento de interpretação conceitual de texto (PICT). De forma bastante didática, são explicitadas e ilustradas as quatro etapas desse procedimento: (a) levantamento dos conceitos principais; (b) caracterização das teses do autor e das teses alternativas apresentadas por ele; (c) elaboração de esquemas para a identificação da estrutura argumentativa; (d) síntese interpretativa, isto é, articulação dos pontos analisados.

No terceiro capítulo, a análise conceitual continua sendo o objeto de discussão, mas, agora, José Antônio Damásio Abib destaca sua contribuição para uma compreensão mais adequada das teorias psicológicas, ao apontar algumas fontes de confusão conceitual na psicologia. Adotando o exemplo de Wundt, ele mostra como a compreensão de sua teoria é enormemente prejudicada por interpretações que atribuem – erroneamente – a tradição psicológica de Titchener e os princípios filosóficos subjacentes a ela à tradição psicológica de Wundt. Outra fonte de confusão conceitual consiste em aceitar uma versão de tradição psicológica em termos de outras versões dessa mesma tradição, identificando, por exemplo, o comportamentalismo radical de Skinner com o comportamentalismo estímulo-resposta de Watson. Em suma, o autor deixa claro que, embora possa encontrar dificuldades em se estabelecer como uma ciência unívoca e coesa, a psicologia não precisa ser um campo confuso e árido, se a análise conceitual exercer o seu papel.

Nos dois capítulos seguintes, Saulo de Freitas Araujo argumenta que a investigação histórica guiada por questões filosóficas contribui significativamente para a pesquisa teórica em psicologia. Para sustentar a tese de que a compreensão histórica da psicologia necessita de um programa de investigação histórico-filosófico, ele mostra algumas limitações metodológicas das novas abordagens historiográficas, especialmente sua inconsistência lógico-filosófica–evidenciada nas análises sociológicas do projeto psicológico de Wundt –, e apresenta alguns debates sobre a possibilidade de integração entre história e filosofia. Junto a essa discussão, o autor oferece exemplos de histórias filosóficas da psicologia, demonstrando seu papel lúcido e profícuo na compreensão de como a relação entre psicologia e filosofia tem-se se desenvolvido historicamente. No capítulo que se segue, Saulo de Freitas Araujo apresenta minuciosamente as diretrizes metodológicas para a elaboração de projetos de pesquisa nessa área, destacando as habilidades de pesquisa necessárias à escolha do tema, à formulação do problema de pesquisa, aos procedimentos de levantamento, seleção, localização e análise de fontes.

No capítulo final, Robson Nascimento da Cruz discute a inserção da pesquisa biográfica na historiografia da psicologia, destacando seu papel na elucidação de teorias psicológicas. Portanto, longe de restringir o uso de fontes biográficas à formação e ao ensino da história da psicologia, o autor busca aproximá-la da pesquisa teórica na psicologia. Adotando o exemplo de Skinner, ele demonstra como a análise do conceito de condicionamento operante pode ser aprimorada por informações biográficas relativas ao conteúdo de sua tese de doutorado e ao contexto de sua formação.

Seguramente, o livro tem o mérito de oferecer subsídios para um conhecimento mais preciso e adequado da pesquisa teórica em psicologia, que é continuamente negligenciada nos principais livros adotados no ensino de metodologia de pesquisa em psicologia. Nesse sentido, os autores cumprem o propósito de dar maior visibilidade à área, evidenciando as especificidades e potencialidades desse tipo de investigação, sem que isso signifique desprivilegiar a pesquisa empírica. Em diferentes níveis de profundidade, cada capítulo atrela a pesquisa teórica a discussões pertinentes para a formação e atuação do psicólogo, ratificando a necessidade de equilibrar as produções teóricas e empíricas na área. Além disso, o cuidado em articular questões metodológicas e filosóficas da pesquisa teórica faz desse livro uma referência imprescindível para a formação de pesquisadores em psicologia, seja em nível de graduação ou de pós-graduação.

 

Referências

Araujo, S. F. (2012). História e filosofia da psicologia: perspectivas contemporâneas.Juiz de Fora: Ed. UFJF.         [ Links ]

Araujo, S. F. (2013). Ecos do passado: estudos de história e filosofia da psicologia. Juiz de Fora: Ed. UFJF.         [ Links ]

Laurenti, C. (2012).Trabalho conceitual em psicologia: pesquisa ou “perfumaria”? Psicologia em Estudo, 17(2), 179-181.

Laurenti, C.,Lopes, C. E., & Araujo, S. F. (Eds.). (2016). Pesquisa teórica em psicologia: aspectos filosóficos e metodológicos. São Paulo: Hogrefe CETEPP.         [ Links ]

Lopes, C. E. (2011). Uma arqueologia do pensamento de Wilhelm Wundt: por que a pesquisa científica ainda não chegou ao século XIX? Psicologia em Pesquisa, 5, 91-94.         [ Links ]

Pereira, F. M., &Pereira Neto, A. (2003). O psicólogo no Brasil: notas sobre seu processo de profissionalização. Psicologia em Estudo, 8(2), 19-27.         [ Links ]

Yamamoto, O. H., & Costa, A.L.F. (Eds.). (2010). Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil. Natal: Ed. UFRN.         [ Links ]

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