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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.11 no.2 Juiz de Fora dez. 2017

http://dx.doi.org/10.24879/2017001100200436 

EDITORIAL

10.24879/2017001100200436

 

 

Metodologias Participativas em Saúde Comunitária

 

Editores Convidados:

Jáder Leite

Fernando Santana de Paiva

Editor-Chefe:

Telmo Mota Ronzani

 

 

Ao discutir a crise do modelo científico clássico que nomeia de paradigma dominante, Boaventura de Souza Santos (2009) destaca a emergência de um modo de produção de conhecimento científico vinculado às transformações sociais, políticas e culturais de uma época, assinalando que esse saber deva ser capaz de atender as demandas postas pelo conjunto da sociedade. É o que nomeia de “um conhecimento prudente para uma vida decente” (p. 60).

Nesses termos, faz-se necessário avançar nas formas de compreensão dos processos sociais, dos dilemas vividos pelos grupos humanos em seus mais variados contextos. Na busca histórica de atender essas demandas, o conhecimento científico se especializou, promoveu campos particulares de atuação, criando áreas de expertise, mas não sem se vincular a redes de poder econômico e atender a interesses políticos.

Certamente, um campo que tem vivido intensos desafios, mas também se configura dotado de reais possibilidades de imprimir outras maneiras de se pesquisar e intervir, é justamente o campo das metodologias participativas, seja pela busca de superação dos modos verticais e rígidos de produção de conhecimento, seja pela tentativa de intervenção junto aos grupos humanos.

A incorporação de estratégias de natureza participativa na construção de conhecimento emerge, em grande medida, na busca de superar a suposta neutralidade científica e de descentralizar o pesquisador do imaginado lugar de gerador por excelência desse saber. Assim, a convocação de atores sociais para a produção e reflexão conjunta em torno do saber gerado pelo encontro pesquisador-participante passou a ser de fundamental importância para algumas áreas e campos de conhecimento, como tem sido o caso da Saúde Comunitária.

Embora a Saúde Comunitária, como assinalam Sarriera, Saforcada e Inzunza (2015), seja dotada de uma variedade de significados, uma vez que se refere tanto a contextos de trabalho, quanto a um posicionamento dos modos de atuação profissional no âmbito da saúde, talvez um ponto em comum seja a consideração do protagonismo das comunidades na elaboração de estratégias de enfrentamento de seus dilemas, dos processos de saúde e doença por elas vividos, bem como do reconhecimento de suas potencialidades para a conquista de um bem-estar. Obviamente que esse movimento a ser construído implica em inúmeros desafios, dentre eles o reconhecimento da saúde como um bem coletivo e um importante direito a ser garantido, pois como destaca López (2015):

Na esfera ideológica, impõe-se a percepção da saúde como um elemento da responsabilidade individual por excelência, em que a capacidade de acessar recursos para cuidados altamente sofisticados e tecnicamente avançados, em um ambiente de mercado competitivo, faz a diferença entre os que podem e não podem (p. 08).

É na contramao desse processo de mercantilizaçao das formas de cuidado, que a Saúde Comunitária pode se converter numa possibilidade de resgatar e produzir em variados contextos o protagonismo de pessoas e coletivos na busca pelo bem-estar e, ao utilizar-se de estratégias participativas, esse apelo pode ganhar ainda mais potencia.

Foi com vistas a ressaltar a importância do esforço de participação, seja na elaboração de conhecimento científico, seja nas possibilidades de intervenção dos profissionais de saúde, que o presente número apresenta o Dossiê Metodologias Participativas em Saúde Comunitária, onde apresenta algumas pesquisas e relatos de experiência que articulam em seu conjunto, estratégias metodológicas participativas desenvolvidas junto a variados temas e atores sociais.

Tal esforço é um empreendimento do Grupo de Trabalho Saúde Comunitária, vinculado à Associação Nacional de Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), criado no ano de 2009 e que vem desenvolvendo uma série de pesquisas e reflexões, boa parte em estreito diálogo com a Psicologia Comunitária, que apontam a necessidade do fortalecimento de metodologias participativas como agenda de trabalho.

O primeiro artigo deste número temático, intitulado “Saúde Comunitária e Psicologia Comunitária: suas contribuições às metodologias participativas” visa apresentar possíveis relações entre estes campos, sinalizando alternativas metodológicas comprometidas com a participação e a libertação de grupos sociais. O manuscrito discute, portanto, as potencialidades da caminhada comunitária, da visita domiciliar e do círculo de cultura como práticas coerentes com tais princípios, favorecendo processos de saúde e autonomia.

O relato de experiência “Saúde Comunitária e Metodologias Participativas na formação e atuação com a temática do uso de drogas” apresenta-nos e faz conhecer um trabalho de formação realizado junto a profissionais de saúde, educação e assistência social relativo ao tema do uso de drogas. Para tanto, o autor tomou o paradigma da Saúde Comunitária como perspectiva de discussão, bem como desenvolveu sua ação por meio de metodologias participativas junto aos  profissionais.

O artigo “A metodologia da abordagem social de rua na perspectiva de usuários adolescentes” avalia a intervenção realizada pelo Serviço Ação rua em uma cidade localizada na região sul do Brasil. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, que aborda como a intervenção é compreendida como um microssistema relevante, baseando-se no oferecimento de apoio social em todas as suas modalidades. Ademais, o apoio emocional informal destacou-se pelo vínculo e proximidade dos usuários com os trabalhadores. Tais achados são apresentados como maneira de orientar as ações e políticas realizadas nesta área.

A seguir, temos o relato de uma pesquisa realizada com profissionais do Consultório na Rua e usuários, que é intitulada como “Consultório na Rua: percepção de profissionais e de usuários sobre redução de danos”. Tal manuscrito apresenta resultados que apontam para as contribuições do trabalho desenvolvido a partir da perspectiva da redução de danos, com vistas a qualificar futuras ações e políticas na área de  drogas.

Posteriormente, apresentamos o artigo “Uma pesquisa-intervenção sobre prevenção às IST/HIV com mulheres lésbicas e bissexuais”, onde os autores discutem e apresentam a abordagem de pesquisa/intervenção para a compreensão e sensibilização de profissionais de saúde para o cuidado de mulheres lésbicas e bissexuais.

O artigo que dá seqüência a este número temático “Diálogos sobre sexualidade na escola: uma intervenção possível” objetivou implementar oficinas sobre sexualidade em escolas na cidade Porto Alegre, fundamentadas na metodologia participativa. Participaram 349 jovens que puderam discutir sobre uma variedade de questões como: gênero, sexualidade, gravidez, orientação sexual, prazer dentre outras temáticas. O artigo conclui apontando a necessidade de mais experiências desta natureza no âmbito educativo, perspectivando a conformação de espaços dialógicos e participativos.

“Práticas comunitárias participativas e rearranjos de trabalho: acolhimento coletivo do idoso” dá nome ao manuscrito que apresenta uma experiencia realizada no âmbito da atençao primária a saúde (APS) em Porto Alegre. A partir do acolhimento como tecnologia leve de trabalho, as autoras descrevem pormenorizadamente os caminhos trilhados para a construçao de uma experiencia de intervençao com um grupo de idosos, que foi permeada por histórias, conversas e afetos. Potencialidades e dificuldades observadas ao longo do trabalho sao discutidas com o intuito de aprimoramento da intervençao.

Em seguida, deparamo-nos com o manuscrito “Promoção da Saúde em moradia estudantil: desafios para o fortalecimento da coletividade”. Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa intervenção que integra um projeto de extensão universitária com o objetivo de desenvolver ações de promoção da saúde. O relato se foca na busca por conhecer mais acuradamente a realidade e demandas dos jovens moradores, seguida de ações que visaram o fortalecimento da coletividade entre o grupo.

“Entre o urbano e o rural: afetaçoes nos encontros de uma pesquisa em saúde” dá título ao trabalho que narra densa e poeticamente o encontro, muitas vezes inusitado, entre pesquisadora, profissionais da saúde e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em um contexto rural de Minas Gerais. O relato em tela contribui para refletirmos sobre os estranhamentos costumeiros que vivenciam as/os pesquisadores implicados com a realidade social dos sujeitos da investigaçao estao inscritos. Em especial, explora a ruralidade como espaço de significados e memórias, no qual grande parte dos profissionais e pesquisadores é uma espécie de estrangeiro, visto como “de fora”. Tal aspecto pode lançar pistas para o desenvolvimento de um trabalho com maior potencial participativo e  colaborativo.

O artigo “Práticas integrativas e complementares grupais e o diálogo com a educação popular” objetivou analisar a inserção de práticas integrativas e complementares grupais (PIC`s) como estratégia de cuidado e atenção integral à saúde na APS na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Atuando com trabalhadoras e trabalhadores do SUS, o manuscrito estabelece um diálogo entre os PIC`s e a educação popular, que foi considerada como uma perspectiva participativa e criativa. Trata-se de uma contribuição para refletirmos sobre as práticas desenvolvidas no âmbito da saúde comunitária, em uma direção realmente dialogada e  emancipatória.

O dossiê finaliza com a Resenha elaborada por Kissila Teixeira Mendes da obra “Implicações Psicossociais da Pobreza: Diversidades e Resistências, organizada por Veronica Morais Ximenes, Barbara Barbosa Nepomuceno, Elívia Camurça Cidade e James Ferreira Moura Junior, autores vinculados ao Núcleo de Psicologia comunitária da Universidade Federal do Ceará. O livro apresenta uma multiplicidade de reflexões e investigações teóricas e empíricas sobre o fenômeno da pobreza em suas possibilidades de articulação com o campo da Psicologia.

 

REFERÊNCIAS

López, J. (2015). Prólogo. In J. C. Sarriera, E. T. Saforcada, & J. A. Inzunza (Orgs.), Perspectiva psicossocial na saúde comunitária: a comunidade como protagonista (pp. 7-10). Porto Alegre:  Sulina.         [ Links ]

Santos, B. S. (2006). Um discurso sobre a ciência. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Sarriera, J. C., Saforcada, E. T., &Inzunza, J. A. (2015). Introdução. In

J. C. Sarriera, E. T. Saforcada, & J. A. Inzunza (Orgs.), Perspectiva psicossocial na saúde comunitária: a comunidade como protagonista (pp. 11-18). Porto Alegre: Sulina.

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