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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.12 no.1 Juiz de Fora enero./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.24879/201800120010085 

Artigo Original

10.24879/201800120010085

 

Inteligência e desempenho escolar em crianças entre 6 e 11 anos

 

Intelligence and school performance in children between 6 and 11 years

 

 

Denise Oliveira RibeiroI; Patrícia Martins de Freitas II

IGraduação em Psicóloga pela Universidade Federal da Bahia. Mestranda em Psicologia: Cognição e Comportamento pela Universidade Federal de Minas Gerais.

IIDoutora em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente, pela Faculdade de Medicina da UFMG, em 2009. Mestre em Psicologia, área de concentração Psicologia do Desenvolvimento, pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG em 2004 e graduação em Psicologia pela mesma instituição em 2003. Professora associada do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós Graduação em Ensino da Universidade do Sudeste da Bahia. Coordenadora do Núcleo de Investigações Neuropsicológicas ância e Adolescência.

 

 


Resumo

O desempenho escolar faz parte do desenvolvimento de crianças e adolescentes, sendo um importante preditor de sucesso na vida adulta. O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre inteligência e desempenho acadêmico, analisando a influência da idade, sexo e escola. Participaram 196 crianças com idade entre 6 a 11 anos, de escolas públicas e particulares da cidade de Vitória da Conquista, BA. Foram aplicados os Teste de Desempenho Escolar e as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. As análises foram feitas através dos seguintes testes: correlação de Spearman e Kendall. Os resultados mostraram correlações moderadas e significativas entre inteligência e desempenho escolar (rho=0,57; p<0,05), o que demonstra a importância da avaliação da inteligência em casos de dificuldades de aprendizagem.

Palavras-chave: inteligência; desempenho escolar; aprendizagem, desenvolvimento infantil; sexo.


Abstract

The school performance is part of the development of children and adolescents, is an important predictor of success later in life. The aim of this study was to investigate the relationship between intelligence and academic performance, controlling the influence of age, gender and school. They participated in 196 children aged 6 to 11 years from public and private schools in the city of Vitoria da Conquista, Bahia. The Academic Performance Test and Coloured Progressive Matrices of Raven were applied. Analyses were made by the following tests: Spearman and Kendall. The results showed moderate and significant correlations between intelligence and school performance (rho=0.57; p<0.05), that showed the importance of intelligence’s assessment in cases with learning disability.

Keywords: intelligence; school performance; learning, child development; sex.

 

 

O desenvolvimento acadêmico é uma preocupação para os diversos níveis do sistema social. Desde a família, que foca as necessidades das crianças que fazem parte do seu núcleo, até mesmo o sistema político e econômico que precisa implementar ações para garantir o efetivo desenvolvimento escolar (Alves, 2013; Alves, Nogueira, Nogueira & Resende, 2013; Oliveira-Ferreira et al. 2012). Esse interesse é motivado pelos efeitos negativos do baixo rendimento escolar. As falhas no desenvolvimento de habilidades escolares podem gerar lacunas de aprendizagem que comprometem o desenvolvimento global do indivíduo, limitando suas possibilidades de inserção social (Bandeira, Rocha, Souza, Del Prette & Del Prette, 2006). Para lidar com as dificuldades de aprendizagem muitas famílias procuram o suporte profissional, sendo esse um dos principais motivos para buscar o atendimento psicológico na clínica infanto-juvenil (Moreira, Magalhães & Alves, 2014; Silvares, 2006).

Considerando a importância que o desempenho escolar tem para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, conhecer os fatores que contribuem para o melhor rendimento acadêmico tem sido um crescente foco de pesquisa. O objetivo deste estudo foi verificar a relação entre inteligência fluída e desempenho escolar, analisando o desempenho em leitura, escrita e aritmética.

A relação entre inteligência e desempenho acadêmico desperta muito interesse, produzindo inúmeras investigações (Au et al., 2015; Calvin, Fernandes, Smith, Visscher & Deary, 2010; Deary, Strand, Smith & Fernandes, 2007; Valentini & Laros, 2014). O pressuposto de associação positiva entre esses construtos foi estabelecido pela compreensão da inteligência como uma função que representa a capacidade do indivíduo para aprender. Desta forma, a avaliação da inteligência como a quantificação do potencial para a aprendizagem assume um papel importante na compreensão das variáveis que influenciam ou predizem o desenvolvimento escolar. Diversos estudos confirmam essa relação e os resultados nos testes de inteligência têm sido considerados bons preditores de desempenho acadêmico (Floyd, Evans & McGrew, 2003; Primi, Ferrão & Almeida, 2010; Alloway & Gregory, 2013; Gomes, 2010; Lu, Weber, Spinath & Shi, 2011) A inteligência tem sido identificada como uma variável que explica em torno de 50 a 80% do desempenho acadêmico (Au et al., 2015; Calvin et al., 2010; Valentini & Laros, 2014). Se pelo menos 50% da variância do desempenho acadêmico pode ser compreendido pela inteligência, isso significa que essa é uma variável importante para compreensão do desenvolvimento escolar e seus possíveis atrasos. Nesse estudo, essa hipótese foi testada, considerando a relação da inteligência com o desempenho acadêmico e habilidades escolares específicas, leitura, escrita e aritmética.

A influência da inteligência sobre o desempenho escolar parecer ser um tema esgotado, porém, pode-se encontrar na literatura resultados que não confirmam essa relação ou encontram coeficientes de correlação mais baixos, sugerindo menor poder de explicação da variável inteligência em relação ao desempenho escolar. Portanto, identificamos uma polaridade de evidências (Alloway & Alloway, 2010; Siquara, 2014). Tais divergências demonstram a necessidade de estudos que confirmem ou não essa relação e sua magnitude. Atualmente, diversos estudos demonstram resultados de alta variância comum entre memória de trabalho e medidas de inteligência a partir do fator g, o que tem direcionado as pesquisas sobre o desempenho acadêmico para investigações sobre a influência da memória de trabalho sobre o desempenho de habilidades escolares (Siquara, 2014; Piccolo & Salles, 2013).

Dentre as evidências que confirmam a relação da inteligência com o desempenho acadêmico temos o estudo de Gomes e Golino (2012) que demonstrou que as habilidades cognitivas gerais e específicas tem uma predição de 30 a 60% do desempenho acadêmico geral. Outros estudos investigaram a relação entre inteligência e desempenho acadêmico em aritmética (Lu et al., 2011; Primi, Santos & Vendramini, 2002; Stock, Desoete & Roeyers, 2009). Os resultados específicos à matemática também foram encontrados por Stock et al., (2009) verificando que raciocínio sequencial (ou habilidade de seriação) e classificação são preditores importantes das habilidades aritméticas nos anos iniciais do Ensino Fundamental I. Concluída a etapa de escolarização, inteligência e memória de trabalho explicam 36% da variância nos escores em matemática (Lu et al., 2011).

Lemos, Almeida, Guisande e Primi (2008) demonstram resultados que apontam para uma correlação moderada e estatisticamente significativa entre os testes de inteligência e as medidas de desempenho escolar. No entanto, os coeficientes obtidos nesse estudo revelam que a correlação entre inteligência e desempenho escolar diminuem à medida que avançam os níveis escolares, o que aponta para um efeito mais significativo da série escolar sobre o desempenho acadêmico se comparada à idade na diferenciação cognitiva dos alunos (Almeida, Lemos, Guisande & Primi, 2008). Esse resultado não foi confirmado nos estudos de Deary et al. (2007) que demonstram correlação de 0,81 entre desempenho acadêmico e medidas de inteligência em um estudo prospectivo de cinco anos. Os resultados encontrados por Deary et al., (2007) mostraram que as crianças que tiveram bons escores para inteligência aos 11 anos eram jovens com bons resultados no desempenho acadêmico aos 16 anos. A variância explicada variou de 58,6% em matemática e 48% em inglês para 18,1% em arte e desenho. Meninas não mostraram nenhuma vantagem em g, mas tiveram um desempenho significativamente melhor sobre todos as disciplinas, com exceção de Física.

Também existem estudos que demonstram correlações fracas e não significativas entre inteligência e desempenho acadêmico. No estudo de Maia e Fonseca (2002), crianças e adolescente foram avaliados em leitura e inteligência com objetivo de verificar a correlação entre essas variáveis. Entretanto, o resultado não encontrou correlação entre essas variáveis. Segundo as autoras, a medida de QI mostrou-se pouco eficiente para prever sucesso ou fracasso na aquisição de leitura. Em Siquara (2014) os resultados demonstraram a memória de trabalho como bom preditor do desempenho em leitura, escrita e matemática. Por outro lado, o QI não apresentou correlações significativas com o desempenho acadêmico. Alloway e Alloway (2010) defendem que no início da escolarização a memória de trabalho consegue ser um preditor mais forte do desempenho escolar do que as medidas de QI.

A inteligência pode variar considerando as diferenças de sexo e níveis escolares (Nisbett et al. 2012). Segundo Nisbett, et al. (2012) foi encontrado melhores desempenhos para os meninos em tarefas que envolviam habilidades visuoespaciais enquanto que as meninas apresentaram melhores desempenhos em tarefas de habilidades verbais como fluência e memória verbal. Outro estudo mostrou resultados comparando a inteligência de meninos e meninas com melhor desempenho para os meninos nas três medidas do WISC-R (Liu & Lynn, 2015). Objetivando investigar a relação entre níveis escolares e inteligência, Roth et al. (2015), em um estudo de meta-análise, evidenciaram que a inteligência é um forte preditor do avanço nas séries escolares, sendo que o tipo de teste de inteligência utilizado não interfere significantemente nas correlações com os níveis acadêmicos.

Deve-se considerar também a influência do tipo de escola em que a criança está inserida como uma variável que influencia o desempenho em testes de inteligência (Sbicigo, Piccolo, Fonseca & Salles, 2014; Piffer & Lynn, 2014). Em seu estudo, Shayer et al. (2015), ao compararem crianças de escolas públicas e particulares, evidenciaram que os estudantes de escola pública obtiveram resultados inferiores em comparação com os alunos de escola particular, tanto em testes de inteligência quanto em baterias de funções executivas. Os estudos sobre as diferenças de desempenho podem ser úteis para implementar mudanças de ensino que favoreçam o desenvolvimento cognitivo dos alunos, apontando para a importância de se considerar essas diferenças na normatização de testes e baterias de avaliação da inteligência.

Esse estudo propõe analisar a hipótese de convergência entre as variáveis inteligência e desempenho acadêmico analisadas conforme a idade, o sexo e o tipo de escola, com o objetivo de testar a hipótese de correlação entre inteligência e o desempenho acadêmico de crianças entre 6 a 11 anos, utilizando estatística descritiva e inferencial. Outra hipótese do estudo é a inteligência como preditora do desempenho escolar.

 

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 196 crianças com idades entre 6 e 11 anos, de ambos os sexos, estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas do Município de Vitória da Conquista, BA. Sendo 55,6% do sexo masculino, a idade média dos participantes foi de (M = 8,73 anos; DP = 1,75 anos). As crianças que possuíam diagnóstico de algum transtorno do desenvolvimento informado pelos pais foram excluídas, sendo um total de três crianças. A escolaridade foi distribuída em 14,4% do primeiro, 23,4% do segundo, 21,9% do terceiro, 17,9% do quarto e 19,9% do quinto ano do Ensino fundamental. Sendo 77,2% estudantes de escolas públicas e 22,8% de escolas particulares.

 

Instrumentos

Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, Duarte, & Duarte, 1999): é um instrumento desenvolvido para avaliar a inteligência fluída através de raciocínio lógico, utilizando o paradigma de associação. O instrumento é composto por três séries de 12 itens: A, Ab e B, sendo que os estímulos são apresentados em ordem de dificuldade crescente. Através dos resultados do Raven é possível identificar o nível intelectual de crianças a partir de 4 anos e 9 meses até 12 anos.

Teste de Desempenho Escolar (TDE): é um instrumento psicométrico que avalia o desempenho escolar em três áreas específicas: escrita, aritmética e leitura. Esse instrumento permite investigar capacidades fundamentais de escolares de 1ª a 6ª séries do Ensino Fundamental. É usado para indicar de maneira abrangente quais áreas da aprendizagem escolar estão preservadas ou prejudicadas no examinando (Stein, 1994). O subteste de escrita é composto por um ditado de 34 palavras, que obedece a uma ordem crescente de dificuldade, e pela escrita do próprio nome (Giacomoni, Athayde, Zanon & Stein, 2015). O subteste de aritmética consiste na solução oral de problemas matemáticos e cálculo de operações que devem ser respondidos por escrito, variando em grau de complexidade. O subteste de leitura é apresentando sob a forma de lista de 70 palavras isoladas do contexto que devem ser reconhecidas pelo examinando.

 

Procedimentos

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Multidisciplinar em Saúde da UFBA, parecer número 207.981, respeitando os critérios da resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Após aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Multidisciplinar em Saúde da UFBA, foram realizadas reuniões com as escolas participantes para esclarecer os propósitos da pesquisa. As reuniões nas escolas tinham como objetivo apresentar o projeto para os pais e os que manifestassem interesse, recebiam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi realizada de forma individual em uma sala reservada para a pesquisa na própria escola da criança, durando aproximadamente 60 minutos. Para a realização das análises foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22. Foi utilizado o nível de significância de (p < 0,05). Para melhor compreensão do perfil de desempenho da amostra foi realizada a comparação entre sexo no desempenho escolar e no teste de inteligência, utilizado o teste não-paramétrico Mann-Whitney. Para o cálculo das correlações, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman para verificar possíveis relação entre os escores de inteligência fluida e o desempenho escolar.

 

RESULTADOS

Na Tabela 1 encontra-se o resultado da correlação entre inteligência e desempenho escolar. Observa-se que o coeficiente de correlação obtido foi moderado e significativo para a correlação entre escores do Raven e escore total do TDE (rho = ,57; p < ,00) e também com os subtestes de leitura (rho = ,59; p < ,00), com o subteste de escrita (rho = ,62; p < ,00) e com o subteste de aritimetica (rho = ,63; p <,00).

 

 

Para testar a correlação entre inteligência e desempenho escolar comparando sexo masculino e feminino utilizou-se a correlação de Spearman. Como observado na Tabela 2, encontrou-se uma correlação estatisticamente moderada e significativa para o sexo masculino (rho = ,54; p < ,01) enquanto que para o sexo feminino a correlação foi forte e significativa (rho  = ,71; p < ,01).

 

 

Verificou-se a existência de diferença entre os desempenhos quando comparados por sexo no subteste de leitura e escrita do TDE através da análise descritiva dos resultados obtidos. Como descrito na Tabela 3, embora a média do grupo masculino seja maior para o teste de inteligência (M = 22,32), o grupo feminino obteve médias melhores tanto no cálculo do TDE Total (M = 75,37) quando nos subtestes do mesmo, como escrita (M = 16,50), aritmética (M = 10,03) e leitura (48,89). Para tais comparações foram realizados teste de hipótese para verificar o nível de significância das diferenças entre os sexos e todas mostraram nível de significância maior que 0,05.

 

 

Os resultados da Tabela 4 demonstram os valores da correlação entre inteligência e rendimento escolar por grupos de idade (6-7, 8-9, 10-11). Os coeficientes de correlação encontrados foram moderados e significativos para os três grupos etários investigados.

 

 

Para avaliar a concordância entre os dois tipos de escolas e os resultados da correlação entre o Raven e do TDE foi utilizado à medida de associação entre duas variáveis (Kendall’s). Como observado na Tabela 5, verificou-se que há concordância significativa entre a correlação do Raven e do TDE em ambos os tipos de escolas.

 

 

A análise regressão linear múltipla, utilizando o método stepwise, com n amostral total (n = 196), utilizando o resultados obtidos no teste de inteligência como variável preditora e o desempenho escolar (TDE total) como variável critério, encontrou-se os seguinte resultado: a inteligência fluída demonstrou poder de predição para o desempenho escolar [R = 0,63, adj R² = 0,40; B=3,83 (p < 0,00)].

 

DISCUSSÃO

O estudo do perfil cognitivo de crianças na fase escolar contribui para identificar alterações importantes do desenvolvimento e possíveis dificuldades de aprendizagem. Evidenciar a relação da inteligência com o desempenho escolar favorece os procedimentos de avaliação e nossa compreensão sobre as variáveis que influenciam o desenvolvimento escolar. De acordo com Siqueira & Gurgel-Giannetti (2011) em torno de 15% a 20% das crianças no início da escolarização apresentam dificuldade em aprender. O alto percentual de crianças com problemas na escolarização é o que torna relevante os estudos para compreender as variáveis que estão relacionadas com o melhor desempenho. Os resultados encontrados no presente estudo confirmam a relação entre inteligência e desempenho acadêmico, sugerindo que a inteligência fluída deve ser considerada quando o desfecho sobre o sucesso no desenvolvimento escolar estiver em questão. Os resultados da análise de regressão confirmaram a hipótese de predição, demonstrando que a inteligência explica uma variância de 40% do desempenho escolar. Esse resultado mostra a importância de considerar os aspectos cognitivos ao tratarmos do desempenho escolar. A avaliação da inteligência tem sido pouco utilizada nos contextos educacionais, porém os resultados podem ser úteis para entender possíveis casos de dificuldade de aprendizagem.

De acordo com outros estudos, os escores em testes de inteligência parecem explicar uma parte importante do desempenho em habilidades escolares (Au et al., 2015; Calvin et al., 2010; Deary et al., 2007; Valentini & Laros, 2014), mesmo quando removidos os efeitos de outras variáveis cognitivas, tais como velocidade do processamento e memória de trabalho (Rohde & Thompson, 2007).

Os resultados obtidos através da correlação demonstram que a inteligência tem relação com o desempenho acadêmico. Assim, foi possível comprovar a hipótese da pesquisa, na medida em que se encontrou correlações moderadas e significativas. Considerando as possíveis interferências das variáveis idade, sexo e tipo de escola sobre a relação entre inteligência e o desempenho escolar, verificou-se, mesmo controlando as possíveis diferenças entre tais variáveis, a correlação entre inteligência e desempenho escolar permaneceram variando ente moderadas e fortes. Por outro lado, estudos que buscam encontrar a correlação de outras funções com desempenho escolar têm mostrado coeficientes menores, como por exemplo Fonseca, Lima, Ims, Coelho e Ciasca (2015) que investigaram as correlações entre tarefas de funções executivas e desempenho escolar, encontrando coeficientes menores que 0,40. Esses resultados são importantes para verificarmos que a inteligência se confirma como um forte preditor do desempenho escolar.

A comparação entre o sexo mostrou diferenças sendo encontrada uma correlação positiva forte para o sexo feminino e moderada para o masculino. Foi verificado uma relação convergente entre a medida de inteligência e o desempenho acadêmico para ambos os sexos. Em relação ao sexo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o desempenho dos meninos e das meninas nos subtestes de leitura e escrita do TDE. Assim, os dados não mostraram diferenças de sexo para o desempenho acadêmico, nem mesmo na comparação das correlações entre a inteligência e o desempenho acadêmico de crianças entre 6 e 11 anos.

Um resultado semelhante foi verificado por Marturano, Toller & Elias (2005) que avaliou o desempenho escolar em crianças com baixo nível socioeconômico e queixa de desempenho escolar, não encontrando diferenças de sexo. Contrário ao que foi verificado na pesquisa de Flores-Mendoza, Mansur-Alves, Lelé e Bandeira (2007), no qual as meninas obtiveram melhores resultados do que os meninos no TDE e nos subtestes de escrita e leitura. Já os meninos, saíram-se melhor apenas no subteste de aritmética. Outros estudos que afirmam ter encontrado correlações moderadas, positivas entre os resultados nos testes de inteligência e as classificações escolares. A pesquisa feita por Mackintosh (2011) reconhece que existe uma correlação de 0,4 e 0,7 entre os escores de QI e graus de desempenho escolar, assim como o estudo de Rinderman e Neubauer (2004) que utilizou dois testes de inteligência e notas de quatro exames escolares (linguagem, ciências, matemática, física e ciências humanas), encontrando uma correlação de 0,53.

Para Gomes e Golino (2012) existem evidências que confirmam a interdependência da inteligência com o desempenho acadêmico. Os autores apontam a importância de considerar o efeito dos processos educacionais sobre a inteligência, sendo a escolarização um dos mecanismos para o desenvolvimento intelectual. Desta forma, a relação evidenciada nesse estudo, indica a importância das práticas pedagógicas que reconheçam as bases do processo de ensino aprendizagem fundamentadas em funções cognitivas.

A compreensão dos diversos fatores que influenciam o desempenho acadêmico deve continuar sendo pesquisada, pois outros fatores podem interagir com a variável inteligência, aumentando assim, o seu poder de explicação sobre o desempenho acadêmico. Os resultados sobre memória de trabalho e inteligência podem ser também um caminho para compreender melhor como tais variáveis contribuem para explicar o desempenho escolar (Colom, Flores-Mendoza & Rebollo, 2003).

A inteligência é uma medida que está relacionada com o desempenho de habilidades escolares, evidenciando sua importância para o processo de aprendizagem escolar. Conclui-se que a inteligência pode ser utilizada como um preditor do desempenho escolar em crianças com idade entre 6 e 11 anos. Apesar dos resultados serem uma importante contribuição para os modelos teóricos da avaliação cognitiva, para a psicometria e para a prática profissional associada ao desempenho escolar é importante considerarmos as limitações do estudo que estão relacionados ao viés de amostra, sendo a mesma definida pela conveniência, não atendendo aos rigores de aleatorização. Outra limitação que precisa ser considerada é em relação do TDE, que como instrumento de avaliação do desempenho escolar, possui algumas fragilidades como o viés cultural nas palavras que fazem parte dos subtestes de leitura e escrita, o efeito teto detectado pelo estudo de Lúcio e Pinheiro (2014) e a necessidade de normas por região, sendo os resultados de normatização encontrados em Minas Gerais diferentes dos que compõe o manual do instrumento (Oliveira-Ferreira, et al. 2012; Lúcio, Pinheiro & Nascimento, 2009).

As contribuições práticas apontam para o uso da avaliação da inteligência como uma medida que auxilia na identificação de possíveis situações de baixo rendimento acadêmico, sendo possível minimizar tais efeitos a partir de programas de estimulação. Outras variáveis devem ser investigadas para compor um modelo mais esclarecedor sobre desempenho acadêmico, como variáveis individuais, autoconceito, auto eficácia, habilidades sociais e ambientais como família e escola, sendo necessários estudos para avançarmos na explicação das variáveis mediadoras e moderadoras.

 

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Endereço para correspondência:

Patrícia Martins de Freitas

Instituto Multidisciplinar em Saúde Universidade Federal da Bahia

Hormindo Barros, 58 Bairro Candeias

CEP: 45029-094 – Vitória da Conquista/BA

E-mail: pmfrei@gmail.com

Recebido em 02/02/2017

Aceito em 18/04/2017

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