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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.12 no.2 Juiz de Fora mayo./agosto 2018

http://dx.doi.org/10.24879/2018001200200458 

Artigo Original

10.24879/2018001200200458

 

Prevenção e promoção da saúde: revisão integrativa de pesquisas sobre drogas

 

Prevention and health promotion: an integrative review of drugs research

 

Claudia Daiana Borges I; Luciana Oliveira de JesusI; Daniela Ribeiro SchneiderI;

 

I Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

 

 


Resumo

Os modelos de saúde que orientam o entendimento do processo saúde e doença sustentam as diferentes noções de prevenção e promoção da saúde. O objetivo deste artigo foi investigar o panorama da produção científica por meio de uma revisão integrativa sobre prevenção e promoção da saúde em estudos sobre drogas no Brasil. Foram utilizados os descritores “prevenção”, “promoção” e “drogas” na Biblioteca Virtual em Saúde – Brasil. Oito artigos corresponderam aos critérios de inclusão para este estudo e foram analisados na íntegra. Os estudos foram predominantemente quantitativos e tiveram como participantes adolescentes. Os conceitos de prevenção e promoção não foram discutidos explicitamente em nenhum artigo, requerendo a análise destes a partir dos resultados apresentados e da perspectiva teórico-metodológica norteadora dos estudos.

Palavras-chave: promoção da saúde; prevenção; drogas.


Abstract

Health care models that guide the understanding of health and disease process support different notions of prevention and health promotion. The aim of this paper was to investigate the landscape of scientific production through an integrative review of prevention and health promotion in studies of drugs in Brazil. The descriptors “prevention”, “promotion” and “drug” were used in the Virtual Health Library – Brazil. Eight articles matched the inclusion criteria for this study and were examined in details. The studies were predominantly quantitative and had as participants adolescents. The concepts of prevention and promotion were not explicitly discussed in any article, requiring the analysis of these from the results presented and the theoretical and methodological perspective guiding the studies.

Keywords: health promotion; prevention; drugs.

 

 

No campo da saúde coletiva é possível compreender aproximações entre os conceitos de promoção de saúde e prevenção de doenças/riscos, como também abordagens nas quais esses conceitos se diferenciam, por apresentarem perspectivas epistemológicas divergentes. Neste cenário, a prevenção de doenças e a promoção da saúde ora são entendidas de forma análoga, ora antagônicas e, em outros momentos, como complementares.

A base do discurso preventivo é a do conhecimento epidemiológico moderno e se refere a intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças e agravos específicos (Czeresnia, 2009). Já a perspectiva da promoção de saúde prende-se a uma teia de interações complexas, constituída pela cultura, por normas e pelo ambiente socioeconômico, cada um deles se associando com o significado histórico mais amplo do que se convencionou denominar estilo de vida (Gelbcke & Padilha, 2004).

Em consonância com a abordagem acima, na perspectiva de Westphal (2009) a prevenção de doenças e a promoção da saúde diferenciam-se conceitualmente. A prevenção está vinculada a uma visão biologicista, ela identifica riscos, atua sobre eles, mas não considera a gênese desses riscos, sua natureza, mecanismos de atuação e meios de prevenir sua existência. Em sua maioria, não considera a dimensão histórico-social do processo saúde/doença e suas práticas não privilegiam políticas públicas saudáveis e intersetoriais voltadas para os determinantes sociais, econômicos, políticos educacionais, ambientais e culturais deste processo. Já a promoção da saúde está vinculada a uma visão holística e socioambiental com práticas emancipatórias, estando assim voltadas para os determinantes sociais.

As dificuldades inerentes à definição conceitual sobre promoção de saúde são decorrentes da própria dificuldade de se definir saúde, pelas diferentes dimensões que perpassam o conceito: social, psicológica, econômica, espiritual, além da mais tradicional, a biomédica (Traverso-Yépez, 2007). A definição de saúde divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1948 propõe que saúde não é somente ausência de doença, mas sim o completo bem-estar físico, mental e social, nesta perspectiva, é estabelecido o conceito de saúde biopsicossocial. Porém, esta noção que, deveria ser uma concepção ampliada de saúde, é controversa, já que mantém uma visão fragmentada do sujeito (Scliar, 2007).

Desse modo, a promoção da saúde está definida como o processo pelo qual os sujeitos e a coletividade compartilham seus conhecimentos com o intuito de juntos encontrarem condições mais satisfatórias de vida e saúde, bem como buscar garantias de direitos e de cidadania. A promoção da saúde visa trabalhar com o desenvolvimento, com a participação e a interação dos indivíduos no seu meio social, econômico e cultural, mantendo relações com instâncias de diferentes níveis.

Em outra abordagem, a promoção é apresentada estabelecendo relação com a prevenção, entretanto, enquanto que a promoção está diretamente relacionada à saúde, a prevenção visa evitar doenças. A prevenção busca prever, antecipar a emergência e o aparecimento de acontecimentos que não são desejáveis, os desvios possíveis do considerado normal, entre populações consideradas estatisticamente em situações de risco (Caponi, 2009). É a partir do conceito de saúde integral que a promoção da saúde compreende a prevenção de doenças.

De acordo com o modelo proposto por Leavell e Clark, pode ser feita uma diferenciação entre promoção da saúde e prevenção de doenças considerando os objetivos da promoção e cada nível de prevenção. Nesse modelo, a promoção de saúde é uma ação de prevenção primária. Esta corresponde a medidas gerais, educativas, que têm como objetivo melhorar a resistência e o bem-estar geral dos indivíduos para que superem as agressões dos agentes patogênicos, e cabe aos indivíduos cuidar do ambiente para que não haja o desenvolvimento do agente etiológico (Westphal, 2009).

As prevenções secundária e terciária, segundo a história natural das doenças de Leavell e Clark, buscam a redução dos fatores de risco relacionados aos agentes patogênicos e ao ambiente por meio de medidas educativas e fiscalização para a adoção ou reforço de comportamentos adequados à saúde e para o enfrentamento da doença. A prevenção secundária direciona-se para dois tipos de população, os sujeitos sadios em risco potencial, para identificar antecipadamente doentes sem sintomas; e aos sujeitos doentes ou acidentados diagnosticados, para que se curem e mantenham-se funcionalmente sadios (Westphal, 2009). Já a prevenção terciária tem como foco os sujeitos com sequelas de doenças ou acidentes, tem como objetivo a recuperação ou o equilíbrio funcional e atua através de atividades físicas, fisioterápicas e de saúde mental. Na perspectiva da história natural da doença, as prevenções primária, secundária e terciária têm como objetivo evitar doenças ou o seu agravamento (Westphal, 2009).

Em relação às práticas de prevenção e promoção, Czeresnia (2009) salienta que no contexto de implementação das ações de saúde há tensões entre duas concepções de vida. Uma delas se refere à experiência subjetiva, a outra está relacionada ao objeto das ciências da vida, do estudo dos mecanismos físico-químicos, que embasam as intervenções da medicina e da saúde pública. Quando se tenta pensar em uma unidade do sujeito, o máximo que se consegue é uma concepção de integração biopsicossocial, de modo que permanece a manifestação fragmentada, por conceitos que não dialogam com facilidade entre si.

No campo das pesquisas e intervenções sobre problemas relacionados ao uso de drogas, os conceitos de prevenção e promoção estão presentes e são considerados fundamentais para compreender a temática. O Ministério da Saúde vem definindo estratégias de promoção, prevenção e assistência aos usuários de álcool e outras drogas, com ênfase na reabilitação e reinserção social dos mesmos (Brasil, 2011).

Prevenção e promoção em relação ao tema das drogas

O uso abusivo de álcool e outras drogas constitui-se um fenômeno complexo, pois engloba uma série de fatores e atinge direta ou indiretamente diferentes setores da sociedade. A violência de uma maneira geral e os acidentes de trânsito, por exemplo, são fatores relacionados e muitas das vezes agravados pelo uso abusivo de drogas (Rosa &Tavares, 2008).

Os cuidados em saúde para as pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas requerem uma abordagem ampliada, sendo significativa a mediação de condições sociais, do contexto de uso e a participação de uma rede de apoio familiar e comunitária. Assim, o consumo abusivo de substâncias psicoativas pode trazer relevantes danos sociais e à saúde, e para compreender tal situação é preciso atentar para as múltiplas formas de uso das mais diferentes substâncias e a relação que o sujeito estabelece com a droga.

Para tanto, outras áreas além da saúde, como educação, assistência social, o judiciário e a geração de trabalho e renda estabelecem relações cada vez mais estreitas para a construção de ações intersetoriais que possam lidar de forma mais efetiva com as questões sobre o uso de drogas. Essa proposta de atuação se dá através de projetos de prevenção ao uso abusivo de drogas, de inclusão social após tratamento de dependência química ou espaços comunitários para discussão sobre o tema.

Becoña (2002) salienta que, na atualidade, a droga é o principal problema de saúde pública dos países desenvolvidos, gerando custos de ordem econômica, pessoal, familiar e social. Uma das formas mais efetivas para resolver o problema do fenômeno das drogas é através da prevenção do uso de substâncias. Buchele, Coelho e Lindner (2009) contribuem afirmando que a saúde pública, a partir dos pressupostos da promoção da saúde, pode implementar estratégias de prevenção que propiciem a participação social e a autonomia dos sujeitos.

A prevenção ao uso de drogas busca grupos específicos (crianças, adolescentes, comunidades, escolas), incentivando-os a buscarem seu desenvolvimento integral, através de vivências pessoais da vida humana. No caso específico do uso das drogas, a finalidade dessas ações é atuar sobre fatores que predispõem ao seu uso ou abuso, criando uma proposta de participação na dinâmica social de forma ativa e preventiva. Neste sentido, a prevenção fica reservada a medidas adotadas antes do surgimento ou agravamento da situação, visando afastar ou diminuir a probabilidade de ocorrência de danos nos indivíduos ou na coletividade (Buchele, Coelho e Lindner, 2009).

Para compreender a interface entre as noções de promoção e prevenção no campo de estudos sobre drogas, este artigo tem como objetivo realizar um levantamento de produções científicas, por meio de uma revisão integrativa, acerca da relação entre prevenção, promoção e uso de drogas, no contexto de produções científicas nacionais.

 

MÉTODO

O presente estudo se configura como uma revisão integrativa de literatura científica nacional. Esta proposta combina dados da literatura teórica e empírica, além de incorporar um vasto leque de propósitos: definição de conceitos, revisão de teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um tópico particular (Souza, Silva & Carvalho, 2010). Esse tipo de revisão permite a construção de análise ampla de dados sobre temas de interesse do pesquisador, contribuindo para discussões sobre métodos e resultados de pesquisa, como também reflexões sobre a realização de futuras pesquisas.

Na presente pesquisa foram usados os descritores “prevenção, “promoção” e “drogas”, na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-Brasil), sendo possível acessar um conjunto de bases de dados relevantes para os estudos no campo da saúde, como: LILACS, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane, SciELO. A primeira consulta na BVS ocorreu no mês de maio de 2015, e foram localizadas, a partir dos descritores apresentados acima, cerca de 2.900 referências no total. Utilizaram-se os seguintes critérios para filtrar as referências: a) o tipo de documento selecionado foi artigo; b) o idioma selecionado dos artigos foi o português, com o objetivo de verificar quais as produções veiculadas no país; c) foram selecionadas as publicações dos últimos cinco anos (2010, 2011, 2012, 2013 e 2014); e d) foram selecionados artigos disponíveis e completos para consulta, tendo em vista que na etapa seguinte os artigos seriam lidos na íntegra.

Após essa primeira triagem foram encontrados 34 artigos. O resumo desse total de artigos foi lido separadamente pelas autoras do artigo, e um segundo refinamento foi realizado. Foram excluídos os artigos que se repetiam em bases de dados distintas e os artigos que não condiziam com o tema do artigo e com os objetivos propostos por este estudo. Ao final, para análise completa e leitura analítica permaneceram oito artigos, os quais foi feita a leitura na íntegra e organizados tabelas, com os seguintes dados: nome do artigo, ano de publicação, periódico de publicação, objetivo, delineamento da pesquisa, participantes e principais resultados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 apresenta informações sobre os artigos quanto a periódico de publicação, ano de publicação, objetivo principal do estudo, delineamento da pesquisa e participantes envolvidos. Dos estudos encontrados, destaca-se a prevalência de publicações no âmbito da Enfermagem e da Medicina, sendo cinco publicações destas áreas, dois estudos eram da Psicologia e outros dois interdisciplinares, envolvendo, além das já citadas, Odontologia e Saúde Pública. As referidas áreas de publicação são campos de produção de saber e de atuação profissional nos serviços de cuidado às pessoas com uso problemático de drogas, e são condizentes com as diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), as quais reconhecem a importância de propostas interdisciplinares e atuação em rede para o cuidado e atenção dos usuários (Brasil, 2011). A diversidade de conhecimentos produzidos pode contribuir para ampliar o diálogo entre as áreas que compõem o campo da saúde mental, especificamente o campo álcool e outras drogas.

 

 

Em relação ao ano de publicação, o ano de 2010 não teve nenhum estudo publicado, 2012 e 2014 tiveram uma publicação em cada ano, em 2012 houve duas publicações, e o ano com maior número de estudos publicados foi 2013, com quatro publicações. Nota-se que nos anos de 2010 e 2011 foram realizadas importantes publicações do Ministério da Saúde que regem as políticas de cuidado e atenção em álcool e drogas, como a Portaria nº 3.088 (Brasil, 2011), que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Outro importante marco foi a implantação do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, instituído pelo Decreto nº 7.179 (2010a). No mesmo ano foi publicado o VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras (Brasil, 2010b), população que foi recorrente nos estudos aqui analisados.

Por conta de a maioria dos estudos encontrados apresentar enfoque em pesquisas quantitativas, foram encontrados entre os objetivos dos estudos a investigação de fatores de risco/proteção e estudos de prevalência (Backes et al. 2013; Lopes & Rezende, 2014; Malta et al., 2011), ou associação com outros agravos, como ansiedade (Lopes & Rezende, 2013). A revisão teórica sobre as políticas de saúde e a pesquisa documental sobre relação da violência e legislação de saúde mental (respectivamente, Andrade, 2011 e Valadares & Souza, 2013) apontam o olhar para as políticas públicas vigentes e como tais aspectos se relacionam com o campo de práticas e vivências ligadas ao tema das drogas. Já o estudo sobre o impacto das imagens associadas à prevenção do tabaco mostra direcionamento para a avaliação das estratégias de prevenção com os jovens no nosso país.

Outro destaque relacionado aos artigos diz respeito ao fato que as pesquisas que envolviam sujeitos participantes se dirigiam ao público adolescente, em idade escolar. A maioria das pesquisas encontradas ocorreu em escolas, de ensino médio e fundamental, o que acarreta pensar a associação entre prevenção de drogas e adolescência. Esse parece que tem sido o público dos estudos sobre prevenção dos riscos do uso de drogas na perspectiva de evitar danos no futuro, como também avaliar como tem sido o padrão de uso de drogas e os fatores de risco e de proteção associados.

Foram selecionadas informações referentes aos principais resultados de cada estudo, abordando um panorama amplo de discussões sobre o tema, desde dados sobre padrões de uso, associação entre drogas e outros agravos, como também avaliação do impacto de campanhas de prevenção sobre um tipo de droga. Os estudos se destacam por terem como participantes adolescentes escolares, o que demonstra o quanto as pesquisas que envolvem a temática de álcool e outras drogas são centradas nesse público.

Dois estudos constituíram-se como revisão de literatura e um, como análise documental. No estudo de Valadares e Souza (2013) o objetivo foi descrever e analisar o processo de inserção do tema da violência nos marcos legais da política pública brasileira de saúde mental e, no que se refere mais especificamente ao campo de álcool e outras drogas, os autores sinalizaram que o problema do uso prejudicial surge como demanda social emergente que requer soluções no campo da saúde mental. A atenção a esta demanda revela uma complexa rede de violências e interesses que exigem respostas intersetoriais. Deste modo, a questão do uso prejudicial de álcool e outras drogas configura-se como importante elemento constituinte da discussão da violência e das políticas de Saúde Mental brasileira. Já Andrade (2011), por sua vez, propôs uma reflexão acerca das políticas de drogas no Brasil, desde os momentos iniciais marcados pelo enfrentamento do HIV/AIDS entre usuários de drogas injetáveis, e apontou a necessidade do aperfeiçoamento das políticas públicas em álcool e drogas, estas devem estar pautadas nos princípios da Redução de Danos (RD) e da Reforma Psiquiátrica. Faz-se necessária a vivência de graduandos da área de saúde no campo onde os fenômenos acontecem. O autor cita ainda a importância do acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos nesta área e a necessidade de suporte social para usuários, principalmente com projetos de geração de renda para os mesmos.

Foram destacados dois campos de análise a partir dos resultados dos artigos: a associação entre estudos de prevenção ao uso de drogas e adolescência; e quais perspectivas de prevenção e promoção foram adotadas pelos pesquisadores.

Pesquisa sobre prevenção ao uso de drogas e associação com adolescentes

Conforme identificado neste estudo, é recorrente a produção de estudos em prevenção ao uso de drogas envolvendo adolescentes, e isto também já foi levantado em outros estudos (Passos & Lima, 2013; Pavani, Silva & Moraes, 2009).

O estudo de Backes et al. (2013) buscou identificar os fatores de risco associados ao uso de drogas e seus achados indicam que o uso de tabaco é o principal fator de risco ligado ao consumo de drogas ilícitas em alunos de escola pública de uma comunidade periférica no Sul do Brasil, sendo que os adolescentes que já tenham relação com o fumo apresentam 37 vezes mais chances de terem feito uso de drogas ilícitas ou virem a utilizá-las. O estudo também identificou diferença em relação ao sexo e as motivações para o uso de drogas, enquanto que os meninos faziam uso para facilitar a interação social, as meninas utilizavam como forma de compensação para os problemas de ordem afetiva e emocional. Este dado difere de outro estudo realizado por Benites (2012), também no Sul do Brasil, onde verificou-se que a principal motivação das adolescentes meninas que faziam uso de bebidas alcoólicas era sentirem-se integradas ao grupo de amigos.

No estudo de Lopes e Rezende (2014) buscou-se investigar as características sociodemográficas e a prevalência do consumo de substâncias psicoativas em adolescentes do ensino médio. Os resultados também indicaram diferenças entre meninos e meninas, especialmente na prevalência do consumo de substâncias na vida, identificou-se que as meninas fazem mais uso de ansiolíticos que os meninos e estes fazem mais uso de álcool que as meninas. Verificou-se também que o álcool e o cigarro são as substâncias de maior consumo entre os adolescentes e que o consumo de anfetaminas, energético e ansiolíticos tem aumentado nessa população. Quanto ao consumo de substâncias psicoativas e ao tipo de escola, os participantes da escola particular, neste estudo, obtiveram diferenças significativas no consumo pesado de bebidas alcoólicas, cigarros e anfetaminas.

Em outro estudo, de Lopes e Rezende (2013), que teve como objetivo analisar a relação entre ansiedade e consumo de substâncias psicoativas em adolescentes, apurou-se que esta relação é mais proeminente com o uso do álcool, esta também foi a substância psicoativa mais consumida entre os participantes. A ansiedade dos adolescentes foi identificada como de nível moderado, sendo mais frequente entre as meninas do que entre os meninos.

Reinaldo, Goecking e Silveira (2013) avaliaram a efetividade das peças publicitárias veiculadas em maços de cigarro no país para a prevenção do consumo de tabaco na adolescência e identificaram que o principal fator de risco para o uso do tabaco entre adolescentes é o uso deste por familiares. A publicidade também foi identificada como elemento que influencia o uso, principalmente quando os anúncios associam o fumo a estereótipos positivos. Já as propagandas antifumo presentes nos maços de cigarro no Brasil parecem não ter o efeito de fazer com que o fumante deixe de fumar ou que uma pessoa não inicie esse hábito, mas sim fazem com que o fumante evite olhar para as imagens presentes nos maços por considerá-las aversivas.

A família como fator de proteção ao uso de álcool e outras drogas foi trazida no estudo de Malta et al. (2011), onde verificou-se o efeito protetivo da presença e supervisão dos pais na prevenção de comportamentos considerados prejudiciais aos jovens. Contudo, em função da temporalidade, por se tratar de estudo transversal, não foi possível afirmar que a supervisão familiar seja fator de proteção ao uso de álcool e outras drogas. Este elemento foi discutido por Reis, Almeida, Miranda, Alves e Madeira (2013), que identificaram envolvimento dos pais com os filhos como fator de proteção ao consumo dessas substâncias.

Visando fazer uma reflexão acerca da atuação ética dos profissionais de enfermagem na atenção a adolescentes usuários de drogas lícitas e ilícitas, Valença et al. (2013) realizaram uma revisão bibliográfica do tipo narrativa e constataram que a responsabilidade sobre os adolescentes que fazem uso de álcool e outras drogas não pode ser atribuída unicamente ao Estado e à família. Os autores afirmam que esta problemática está no cerne da contemporaneidade e associa-se a outros conflitos característicos da adolescência, como violência e sexo inseguro.

Seis, dos oito estudos analisados, tiveram como foco de pesquisa adolescentes, presume-se que este dado se refere ao fato de que este é o principal público para programas de prevenção universal, assim como pelo ambiente escolar configurar-se como um importante campo para o desenvolvimento e aplicação de estratégias de prevenção de risco e de promoção à saúde. Entretanto, um trabalho, para ser desenvolvido na escola na perspectiva da promoção da saúde, requer uma atuação intersetorial, no território e com a participação da rede onde a escola está inserida.

Qual a concepção de prevenção e de promoção dessas pesquisas – Estão claras essas noções? De qual paradigma de saúde se aproximam?

Nos estudos analisados tratou-se principalmente de prevenção ao uso de álcool e outras drogas entre adolescentes (Malta et. al., 2011; Reinaldo, Goecking & Silveira, 2012; Backes et. al., 2013; Lopes & Rezende, 2013; Valença et. al., 2013; Lopes & Rezende, 2014), contudo, nenhum estudo discutiu de modo específico o conceito de prevenção, sua epistemologia e a racionalidade constituída. De mesma forma, as noções de promoção de saúde e o próprio conceito de saúde aparecem como desdobramentos.

No estudo de Andrade (2011), a partir de uma análise crítica, são abordadas questões que envolvem a Reforma Psiquiátrica e a RD, indicando um viés direcionado ao modelo de atenção integral à saúde e uma promoção da saúde baseada nos pressupostos da saúde coletiva. O autor discute o percurso histórico e a situação das políticas públicas para drogas, mas não trata de modo específico de modelos de prevenção.

Ao investigar os fatores de risco ao uso de drogas ilícitas entre escolares, Backes et al. (2013) propõem formas de prevenção mais efetivas a partir do controle do tabagismo. Os autores enfatizaram também que as medidas preventivas devem ser pautadas em estudos epidemiológicos e programas educativos e de conscientização. O que corresponde ao que foi trazido por Czernia (2009), sobre o estabelecimento de ações de prevenção e de educação em saúde através de dados epidemiológicos e de recomendações normativas. Em relação à perspectiva de promoção da saúde, embora os autores a tenham citado, não a discutiram.

Nos estudos de Lopes e Rezende de 2013 e 2014, os autores sinalizaram uma visão ampliada de saúde, ao colocarem em pauta a necessidade da realização de projetos focados não apenas na prevenção ao uso de drogas, mas que tenham como objetivo a promoção da saúde. Malta et al. (2011) também propuseram um olhar multideterminado sobre o fenômeno das drogas e enfatizaram a importância da família tanto na prevenção, como na promoção da saúde dos adolescentes.

Valadares e Souza (2013) denotam uma perspectiva de integralidade da saúde ao exporem a importância de novas formas de cuidado a partir da Reforma Psiquiátrica, considerando uma atuação no território com vistas à promoção da saúde e prevenção das violências. Reinaldo, Goecking e Silveira (2013) trouxeram também a necessidade de uma visão ampliada dos aspectos que envolvem o uso do tabaco e a necessidade de conhecer os multifatores que envolvem o uso, para propor programas de prevenção mais efetivos. Essa perspectiva demonstra um paradigma de saúde convergente como modelo de integralidade. Em relação à noção de promoção da saúde, esta não foi discutida pelos autores no artigo.

No estudo de Valença et al. (2013) há divergência quanto à perspectiva norteadora do trabalho, pois, por um lado, os autores convocam os diversos setores da sociedade para promoverem ações de prevenção e promoção da saúde por meio de políticas públicas e colocam os adolescentes como agentes corresponsáveis que devem participar ativamente no processo de prevenção. Por outro lado, os autores demonstram uma racional conservadora ao enfatizarem a necessidade do resgate de valores morais e a competência do adolescente para decidir acerca do seu tratamento e recuperação.

Percebe-se que o fenômeno da prevenção se fez presente em todos os estudos, mesmo que como elemento secundário. Já a promoção da saúde foi menos recorrente, o que traz indícios de ainda ser uma perspectiva pouco explorada, apesar de todos os avanços neste sentido pelas políticas públicas.

Os paradigmas que circundam a noção de promoção da saúde e prevenção do uso de drogas associam-se ao modelo de saúde que sustenta as práticas em saúde e a compreensão da realidade neste campo específico do conhecimento. Os três modelos de saúde que marcam a história da medicina, o modelo biomédico, biopsicossocial e o de saúde integral, norteiam diferentes práticas de prevenção de risco e de promoção à saúde.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo realizar um levantamento de produções científicas, por meio de uma revisão integrativa acerca da relação entre prevenção, promoção e uso de drogas, no contexto de produções científicas nacionais. Identificou-se ausência de estudos que abordassem de maneira precisa perspectivas teórico-metodológicas de prevenção ao risco e de promoção da saúde. Os estudos trataram principalmente da prevenção ao uso de drogas, a perspectiva de promoção da saúde surge associada, mas não como guia orientador das práticas.

As concepções de prevenção presentes nos estudos demonstraram uma tentativa de alinhamento com as políticas públicas atuais em álcool e drogas, ao proporem uma visão ampliada de saúde e a necessidade de considerar as drogas como um fenômeno multideterminado, que envolve condições econômicas, sociais e culturais. Entretanto, em alguns momentos ainda parecem carregar resquícios de uma racionalidade reducionista, marcada pela culpabilização dos sujeitos. Outro dado a ser destacado é que os estudos de prevenção foram focados em prevenção universal, aquela destinada a toda a população, o que evidencia a ausência de estudos específicos em prevenção seletiva, para grupos de risco e de prevenção indicada, para sujeitos já em contato com as substâncias psicoativas.

A noção de promoção da saúde foi pouco presente nos estudos e, quando apareceu, não foi discutida com clareza, estando associada à perspectiva de prevenção. Nos estudos em que a promoção da saúde foi citada, foi marcada pela noção de integralidade, o que converge com o modelo de saúde proposto pelas diretrizes das políticas públicas de saúde atuais. Contudo, pela fragilidade ainda presente nas publicações nacionais no que se refere à noção de promoção da saúde, sinaliza-se a necessidade de maiores avanços nesse sentido.

Diante da complexidade que envolve o fenômeno das drogas e das perspectivas de prevenção e promoção da saúde, são fundamentais estudos que possibilitem a reflexão acerca do paradigma de saúde e sua relação com as noções teóricas e práticas de prevenção e promoção. É necessário inserir neste cenário a discussão dos determinantes sociais em saúde, do sujeito também como promotor de sua história e buscar, a partir do paradigma de saúde integral, ações preventivas que estejam em consonância com a promoção da saúde, entendendo-a como guia condutor das políticas públicas em Saúde. Sugere-se uma nova revisão com a ampliação das bases de dados visando conseguir aumentar o número de estudos para aprofundar as análises.

 

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Endereço para correspondência:

Claudia Daiana Borges

Psiclin - Núcleo de Pesquisas em Clínica da Atenção Psicossocial.

Depto de Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário David Ferreira Lima. Trindade.

CEP: 88050-400 – Florianópolis/SC

E-mail: claudia.daiana@gmail.com

Recebido em 25/07/2017

Aceito em 19/04/2018

 

 

 

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