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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.12 no.3 Juiz de Fora Sept./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.24879/2018001200300544 

Artigo Original

10.24879/2018001200300544

 

Relação entre Fatores Acadêmicos e a Saúde Mental de Estudantes Universitários

 

Relations Between Academic Factors and Mental Health of University Students

 

Daniela Ornellas Ariño I; Marúcia Patta Bardagi II

 

I Mestra em Psicologia, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda em Psicologia na área de Pesquisa de Psicologia das Organizações e do Trabalho. Graduada em Psicologia, pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

II Graduada em Psicologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com Mestrado e Doutorado em Psicologia também pela UFRGS. Professora adjunta do curso de Psicologia da UFSC.

 


Resumo

A literatura refere que os graduandos estão vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos mentais. Este estudo teve como objetivo analisar as relações entre ansiedade, depressão e stress com a qualidade das vivências acadêmicas e a autoeficácia. A coleta de dados foi realizada por meio de um protocolo digital, disponibilizado e divulgado através de recursos eletrônicos. Um total de 640 graduandos brasileiros participou do estudo. Os resultados demonstram uma correlação negativa, estatisticamente significativa, entre ansiedade, stress e depressão e as vivências acadêmicas e, também, com a autoeficácia. Dada a relação entre adoecimento e fatores acadêmicos e de carreira, é necessário estabelecer instrumentos para a detecção precoce de sintomas de transtornos mentais nesta população, assim como ações que favoreçam experiências acadêmicas mais positivas.

Palavras-chave: Saúde Mental; Universitários; Autoeficácia; Vivências Acadêmicas.


Abstract

The literature reports that undergraduates are vulnerable to the development of mental disorders. This study aimed to analyze the relations between Anxiety, Depression and Stress with the Quality of Academic Experience and Self-efficacy. Data collection was performed through a digital protocol, made available and disseminated through electronic resources. A total of 640 Brazilian undergraduates participated in the study. The results demonstrate a statistically significant negative correlation between Anxiety, Stress and Depression and Academic Experiences, as well as Self-efficacy. Given the relationship between illness and academic and career factors, it is necessary to establish instruments for the early detection of Mental Disorder symptoms in this population, as well as actions that favor more positive academic experiences.

Keywords: Mental Health; Undergraduates; Self efficacy; Academic Experience.

 

 

A universidade é um espaço de fundamental importância para o desenvolvimento de vida, uma vez que promove a ampliação do rol de habilidades e competências profissionais e pessoais (Bardagi, 2007), assim como uma melhora no funcionamento cognitivo de seus alunos, constituindo-se como um espaço gerador de impactos positivos para os estudantes. Tal período é marcado por características particulares e se constitui como um momento de transição e mudanças na vida do indivíduo (Arnett, 2007). Com todas as mudanças características desta etapa, novas demandas são geradas e o sujeito tem que se adaptar a esta nova realidade. Este processo, por vezes, pode ser percebido como um estressor e impactar diretamente na saúde dos alunos.

O que a literatura (nacional e internacional) indica, é que a população universitária está vulnerável ao desenvolvimento de alguns transtornos mentais, como por exemplo, a depressão, a ansiedade e o stress (Almeida, 2014; Bohry, 2007; Bayram & Bilgel, 2008; Eisenberg et al., 2007). Os estudos vêm apontando uma prevalência elevada destes transtornos dentre universitários, sendo previsto que cerca de 15 a 25% dos universitários irão apresentar algum transtorno mental durante sua formação (Junior, Braga, Marques, Silva, Vieira, Coelho, Gobira, & Regazzoni, 2015; Vasconcelos et al., 2015; Victoria et. al., 2013). Alguns estudos epidemiológicos e de prevalência indicam, inclusive, que a presença de transtornos mentais não psicóticos neste público é significantemente maior que na população geral e em adultos jovens não universitários (Ibrahim et al., 2013; Eisenberg et al., 2007). A partir destes indicadores, a hipótese é de que aspectos relacionados à vida acadêmica e à carreira podem impactar na saúde mental desta população e explicar, parcialmente, a alta prevalência de transtornos mentais na mesma.

Com base nessa hipótese, pesquisas vêm sendo desenvolvidas buscando investigar possíveis relações entre os fatores acadêmicos e de carreira com a saúde dos estudantes. Alguns destes resultados indicam que esses agentes se constituem como possíveis estressores e/ou fatores de risco para a saúde mental dos universitários, de modo a corroborar a hipótese mencionada. Por exemplo, questões como o curso e a área de conhecimento no qual o aluno está inserido são recorrentemente apontados pela literatura como significativos, sendo que, alunos da área da saúde são os que apresentam maior prevalência de adoecimento mental e transtornos psiquiátricos (Bayram & Bilgel, 2008; Borine, Wanderley, & Bassitt, 2015; Carvalho et al., 2015; Silva & Costa, 2012; Victoria et al., 2013). Convergindo com estes resultados, Borine et al. (2015), ao comparar os níveis de stress entre alunos de diferentes cursos, indica que os que apresentaram maiores médias foram os alunos de Fisioterapia, Odontologia, Enfermagem e Medicina, respectivamente.

Outro exemplo de fatores acadêmicos relacionados à saúde desta população é o período do curso no qual o aluno se encontra (Bayram & Bilgel, 2008; Pereira et al., 2015; Silva & Costa, 2012; Torquato, Goulart, Vicentin, & Correa, 2010). No entanto, no que se refere ao período do curso, não há um consenso quanto aos resultados, sendo que algumas pesquisas mostram que os estudantes em períodos iniciais são os que adoecem com maior frequência (Silva e Costa, 2012), enquanto outros apontam para o período final (Pereira et al., 2015). Entre estudantes de medicina, por exemplo, este mesmo autor aponta que, o aparecimento de síndromes funcionais foi mais frequente em estudantes do quinto ano e nos residentes sendo convergente com a pesquisa de Junior et al. (2015), que aponta um agravamento dos sintomas depressivos em alunos do último ano. Entretanto, no estudo de Silva e Costa (2012), entre estudantes da área da saúde, as maiores médias de sofrimento psíquico se concentraram em estudantes do início de curso. O período do curso pode ser dividido em três grandes momentos: inicial, marcado pela transição do ensino médio para o Ensino Superior; médio, onde se iniciam os estágios e um primeiro contato com a prática profissional; e o final, marcado pelo início do processo de desligamento do papel de estudante e inserção do mercado de trabalho. Cada um destes momentos é marcado por diferentes demandas, que podem ajudar na compreensão das diferenças no perfil de saúde dos estudantes entre os diferentes períodos.

Essas demandas acadêmicas são aspectos característicos da vida universitária, como o excesso de carga horária de estudo, o nível de exigências em relação ao processo de formação, a adaptação a um novo contexto, novas rotinas de sono, novas demandas de organização de tempo e estratégias de estudo, etc. Tais aspectos podem se constituir como estressores, pois demandam do estudante um repertório comportamental para se organizar e conseguir enfrentar tais exigências. Quando há um déficit neste conjunto de habilidades e competências, é provável que estes estressores sejam vivenciados com maior intensidade pelo aluno. Hersi et al. (2017), por exemplo, corrobora com essa relação, apontando em seu estudo que longas horas de estudos necessárias estão associadas ao stress mental. Entretanto, as evidências destas relações ainda são insuficientes, sendo necessários novos estudos que investiguem a saúde mental dos acadêmicos e as relações com as demandas e as experiencias universitárias.

Além da própria competência individual para lidar com todas as demandas acadêmicas, estudos mostram que as crenças dos estudantes sobre a sua própria capacidade (autoeficácia) influem em algum nível sobre saúde mental. Baixos níveis de autoeficácia se relacionam às dificuldades pessoais, como emoções negativas, instabilidade emocional, angústia e tristeza (Valdebenito, 2017). Em um estudo feito com cadetes militares (em processo de formação), as crenças de autoeficácia também se relacionam com a saúde mental (direta e indiretamente), podendo “favorecer ou dificultar as condições de enfrentamento de obstáculos, assim como serão determinantes no processo de resiliência do indivíduo” (Souza, 2013 p. 168). Segundo Pocinho e Capelo (2009), sujeitos com níveis mais elevados de autoeficácia, em geral, tendem a empregar estratégias de coping mais ativas, pautadas em ações e reavaliações cognitivas proativas, implicando em menor vulnerabilidade ao stress.

É possível, a partir destes resultados, pensar na autoeficácia como um processo que funciona como mediador da relação de coping e o processo de saúde. Sendo que, possuir níveis satisfatórios de autoeficácia interfere nas estratégias empregadas para enfretamento dos estressores acadêmicos vivenciados neste período, podendo gerar uma melhora na qualidade de vida e nos demais aspectos de saúde. Consequentemente, uma melhora da autoeficácia também promove percepções mais positivas da experiência acadêmica. A relação entre a qualidade percebida da experiência acadêmica (qualidade das vivências acadêmicas) e a autoeficácia de estudantes universitários já está bem estabelecida pela literatura nacional e internacional (Tosevski et al., 2010; Sousa et al., 2013; Valdebenito, 2017). No entanto, estudos que investiguem a relação destes dois fatores com aspectos de saúde dos graduandos ainda são escassos. Este estudo parte desta lacuna e da seguinte pergunta de pesquisa: “existe relação entre ansiedade, depressão, stress com a qualidade das vivências acadêmicas e autoeficácia”.

Pode-se concluir então que, além dos fatores individuais e contextuais envolvidos no processo de saúde de toda população, alguns aspectos específicos da vida universitária podem se constituir como fatores de risco ou proteção para a saúde dessa população. No entanto, muitos gaps de conhecimento ainda se fazem presentes. Dada a relevância científica e social de se compreender o processo saúde-doença dessa população, salienta-se a importância de novos estudos que investiguem a relação dos aspectos específicos desta etapa de vida que possam influenciar na saúde mental da população universitária. Este estudo caminha nesta direção, se propondo a investigar a relação entre sintomas indicativos de depressão, ansiedade e stress, com as vivências acadêmicas (que aqui se define como a qualidade da experiência acadêmica percebida) e a autoeficácia para formação superior (que são as crenças acerca da própria capacidade de executar ações requeridas para seu processo formativo).

 

MÉTODO

O presente estudo é parte de uma dissertação. Trata-se de uma pesquisa correlacional, de caráter descritivo, com corte transversal. A hipótese inicial de pesquisa é que existem relações, estatisticamente significativas, entre níveis elevados de ansiedade, stress e depressão, com a qualidade das vivências acadêmicas e a autoeficácia para formação superior.

Para a coleta dos dados utilizou-se de um protocolo digital disponibilizado através da plataforma Google Drive. O protocolo digital foi constituído pelas seguintes seções: Registro do Termo de Concordância, nesta secção, o participante indicava se concordava ou não com a participação, no caso em que os participantes que não consentiam com a participação, o protocolo era automaticamente finalizado. Nos casos em que os participantes aceitavam participar da pesquisa, o protocolo era direcionado para próxima etapa; na seção subsequente estava disposto o Questionário Sociodemográfico, utilizado para caracterização da amostra; a terceira seção era composta pelos itens do Depression Anxiety Stress Scale - DASS-21 (Apóstolo, Mendes, & Azeredo, 2006), utilizado para mensuração de depressão, ansiedade e stress; na quarta seção, foi disposta a Escala de Autoeficácia para Formação Superior - EAFS (Polydoro & Guerreiro-Casanova, 2010), utilizado para avaliar as crenças dos estudantes acerca da própria capacidade de executar cursos de ações necessárias para seu processo formativo. O EAFS apresenta cinco dimensões: Autoeficácia acadêmica, Autoeficácia na regulação da formação, Autoeficácia em ações proativas, Autoeficácia na interação social, e Autoeficácia na gestão Acadêmica; a última secção do protocolo de coleta era o Questionário de Vivências Acadêmicas – versão reduzida (Almeida, Soares, & Ferreira, 1999; Granado, Santos, Almeida, Soares, & Guisande, 2005), utilizado com o objetivo de mensurar a qualidade percebida da experiencia acadêmica, composto também por cinco dimensões: Pessoal/Emocional, Interpessoal, Curso/Carreira, Estudo e Institucional.

A amostra desta pesquisa foi dada por conveniência, participando então estudantes universitários brasileiros, matriculados a partir do segundo período de cursos de graduação de Instituições de Ensino Superior do país. A participação na pesquisa foi voluntária e respaldada pela garantia de seu anonimato e acesso aos resultados da pesquisa a todos os interessados. A divulgação da pesquisa ocorreu através de recursos eletrônicos como e-mails e redes sociais. Essa pesquisa foi submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH), sendo aprovado sob o número de parecer 2.106.052. Ressalta-se que os procedimentos utilizados neste estudo seguiram a Resolução nº 510 de 2016, que dispõe das regras sobre pesquisa com Seres Humanos nas Ciências Humanas e Sociais.

Inicialmente, 678 estudantes universitários responderam ao protocolo de pesquisa. Tendo em vista os objetivos de pesquisa e os critérios de inclusão de participantes determinados a priori, foram excluídos 38 participantes, por não serem brasileiros, não serem estudantes de graduação ou estarem cursando o primeiro período do curso. Totalizando assim 640 participantes na amostra analisada para o presente estudo, sendo esses estudantes de graduação, regularmente matriculados em diferentes cursos de distintas Instituições de Ensino Superior brasileiras, públicas e privadas.

Os resultados obtidos foram analisados com o auxílio do programa Statistical Package of Social Sciences – SPSS, versão 22.0. Para a escolha dos procedimentos estatísticos empregados foi efetuado, primeiramente, o teste de normalidade da amostra em relação às variáveis de desfecho, utilizando-se do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. A distribuição amostral não apresentou evidências de normalidade em nenhuma das variáveis investigadas, com valor de p < 0,000 e gl = 640 (Tabela 5). Portanto, como não foram encontradas evidências de normalidade amostral, foi utilizado o teste de correlação de Spearman, por este se tratar de um teste não paramétrico, sendo o recomendado para amostras que não apresentam uma distribuição normal.

 

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi de 23,7 anos (DP = 5,63 anos). Os participantes foram, predominantemente, mulheres, solteiros, sem filhos, trabalhadores, que vivem com os pais e que não se mudaram para estudar. Os demais dados sociodemográficos podem ser observados na Tabela 1, de caracterização da amostra.

 

 

 

No que se refere aos aspectos de saúde, os resultados vêm a corroborar com a hipótese geral inicial do estudo, indicando relações significativas, negativas, ansiedade, depressão e stress com a autoeficácia e com a qualidade das vivências acadêmicas (Tabela 10). No entanto, a força de relação foi considerada fraca nas dimensões da Ansiedade e Stress, com valor de ? menor que 0,3. Na dimensão correspondente à Depressão, as relações apresentaram relações com força moderada (ρ acima de 0,3). A relação com a dimensão Interação Social o valor de p < 0.000; e o coeficiente de correlação ρ = - 0.408; Regulação da Formação: p < 0.000; ρ = - 0.405; Acadêmica: p < 0.000; ρ = - 0.388; e na dimensão Ações Proativas: p < 0.000; ρ = - 0.375; Gestão Acadêmica: p < 0.000; ρ = - 0.359 respectivamente.

As Vivências Acadêmicas (Score total do QVA-r) apresentaram relações negativas, estatisticamente significativas com as dimensões da Vulnerabilidade Psicológica, aqui definidas como presença de sintomas indicativos de Ansiedade Stress e Depressão e avaliadas pelo instrumento DASS-21. A dimensão Pessoal/Emocional das Vivências Acadêmicas apresentou relações significativas (p<0.000), com força de relação forte (ρ > 0.4), com Depressão (ρ = - 0.701), Stress (ρ = - 0.605) e Ansiedade (ρ = - 0.542), respectivamente; e na dimensão Curso/Carreira apresentou relação negativa, estatisticamente significativa (p < 0.000), com a dimensão Depressão, com força de relação moderada (ρ = -0.325), nas demais dimensões (ansiedade e stress) a relação apresentou fraca magnitude; a dimensão correspondente a Estudo apresentou relação significativa com as três dimensões da Vulnerabilidade psicológica, Depressão Ansiedade e Stress (p < 0.000), com o coeficiente de força moderada com Depressão (ρ = - 0.303) e nos demais a magnitude de correlação foi fraca; a dimensão Interpessoal apresentou relação estatística em todas as dimensões da vulnerabilidade Psicológica (Depressão p = 0.000, Ansiedade p = 0.001, Stress p = 0,003), no entanto, em todas o coeficiente de correlação apresentou índices baixos (ρ < 0,3); por fim, no que se refere à dimensão Institucional, a correlação com a Vulnerabilidade Psicológica apresentou relação significativa com Depressão, Ansiedade e Stress, mas a magnitude de relação nestes casos foi baixa.

 

 

 

DISCUSSÃO

Dentre os aspectos relacionados à universidade, carreira e estudo que podem influenciar o aumento do índice de adoecimento desta população, tem-se a baixa qualidade da experiência acadêmica, ou melhor, uma percepção negativa das vivências acadêmicas experienciadas. No entanto, vale salientar que o modo como os alunos percebem suas experiências dentro da universidade (Vivências Acadêmicas) pode se constituir como fator de risco nos casos em que as vivências são percebidas de maneira mais negativa. Mas, também podem se constituir como um fator protetivo em caso de percepções mais positivas da experiência dentro da universidade. Ainda que o delineamento desta pesquisa não permita afirmar causalidade entre os eventos, os resultados sugerem que as vivências acadêmicas estão, em algum grau, relacionadas aos aspectos de saúde dos estudantes.

A dimensão das vivências que apresentou maior impacto no adoecimento dos graduandos foi a Pessoal/Emocional, o que já era esperado, considerando que nessa dimensão são avaliadas as percepções de bem-estar físico e psicológico, assim como alguns aspectos emocionais e pessoais, como otimismo, afetividade, autonomia e autoconceito. Ou seja, ela avalia a percepção do bem-estar e demais aspectos emocionais e, portanto, ao encontrar-se em uma situação de vulnerabilidade psicológica, a tendência é que os estudantes percebam com maior intensidade as vivências pessoais e emocionais negativas, como as variações de humor, sentimento de tristeza, desorientação e confusão, sonolência, etc. Mas também é possível que a relação destas variáveis se dê de maneira inversa, e que, ao não conseguir acompanhar o ritmo dos colegas, perceber seu ritmo de trabalho como insuficiente, ter dificuldades de concentração, sentir-se debilitado fisicamente e com sonolência diurna, se configure como estressores contextuais e prejudique a saúde dos graduandos.

Aspectos relacionados ao Estudo e Curso/Carreira, também se apresentam como relacionados à saúde desta população. Esses dados trazem evidências de que percepções negativas sobre a escolha do curso e a percepção da sua competência pessoal para a carreira escolhida, são fatores que podem acarretar em prejuízos para saúde mental do estudante. Em convergência com esses dados, Rogers, Creed e Searle (2011) apontam para o impacto da satisfação e expectativas positivas com a carreira no bem-estar de estudantes de medicina, enquanto as barreiras percebidas para o desenvolvimento de carreira dos alunos possuem um impacto negativo no bem-estar. Com base nessas relações negativas da qualidade das vivências acadêmicas com a vulnerabilidade psicológica, pode-se afirmar a importância de se compreender as relações das experiências e percepção da qualidade destas experiências acadêmicas como sendo um dos caminhos possíveis para se pensar ações de promoção de saúde e bem-estar para essa população.

Outros estudos como o de Gadassi, Waser e Gati (2015), que investigaram a relação de depressão com fatores de decisão de carreira em estudantes universitários em final de curso, salientam que aspectos vocacionais e dificuldades de carreira que envolvem autoconceito e identidade estão relacionados a maiores níveis de sintomas de depressão, com algumas diferenças em relação ao gênero. Rottinghaus, Jenkins e Jantzer (2009) encontram evidências que sustentam essa relação, onde estudantes que estão indecisos sobre a escolha de carreira estão mais deprimidos que os já fizeram sua escolha. Demonstrando a importância de investir em projetos de aconselhamento e orientação de carreira dentro das instituições, que além de fortalecer a formação profissional, traria benefícios para a saúde dos estudantes.

No que diz respeito ao fator Estudo das Vivências Acadêmicas, o resultado encontrado foi semelhante aos resultados apontados por Chau e Vilela (2015), onde os autores apontam para a relação positiva desta dimensão com a Saúde Mental e uma relação negativa com o Stress Percebido. Quando o estudante possui uma percepção positiva acerca das próprias habilidades e competências para aprender, empregar estratégias de estudo e gerir o tempo, este fator pode se constituir como protetivo para saúde mental do mesmo. No entanto, não apenas a percepção da experiência e das dificuldades acadêmicas são relevantes, o modo como os estudantes enfrentam os estressores acadêmicos e as demais intercorrências no seu processo de formação também impactam em sua saúde.

Reforça-se assim, a necessidade de se promover ações institucionais que objetivem instrumentalizar os estudantes, de preferência logo ao início de curso, a gerenciar a vida acadêmica, de modo que esses consigam empregar estratégias de estudo eficazes, organizar sua agenda e manejar o tempo de maneira equilibrada e que consiga estabelecer uma rotina de estudo, cumprir prazos e não menosprezar ou negligenciar horas de sono e lazer afim de suprir as demandas universitárias. Outras ações devem ser pensadas afim de melhorar o processo de formação superior, de modo que esse período seja vivenciado de maneira positiva, sem acarretar em sofrimento ou adoecimento de seus alunos.

Algumas ações que auxiliem os graduandos a desenvolver estratégias de enfrentamento, principalmente aquelas com foco no problema, são essenciais uma vez que essas favorecem uma melhor qualidade de vida e bem-estar melhorando o panorama de saúde desta população. Tais estratégias se referem à “mobilização cognitiva pautada em ações (pensamentos e comportamentos) que busquem minimizar o impacto do estressor, ou mesmo extinguir o estímulo estressógeno” (Faro, 2012, p. 660). As estratégias de enfrentamento e o tipo de estratégia que o estudante emprega são influenciadas diretamente pelas crenças de autoeficácia. Além da própria capacidade de solucionar os problemas acadêmicos e enfrentar as dificuldades típicas da vida universitária, as crenças dos estudantes sobre sua própria capacidade de executar determinadas ações para sua formação, ou seja, a autoeficácia para formação superior também impactam na saúde destes alunos.

Ainda que todos os fatores tenham se relacionado com valores estatisticamente significativos, a força de relação foi de magnitude baixa entre alguns fatores, o que pode se justificar pela multifatoriedade do adoecimento. Ou seja, ainda que se relacionem, eles por si só apresentam pouca relevância isolada na explicação do fenômeno, sendo necessário investigar posteriormente quais conjuntos de fatores acadêmicos possuem maior poder explicativo para o adoecimento da população universitária. No entanto, a relação da depressão com a autoeficácia para regulação da formação merece destaque. Essa crença do aluno se refere à percepção sua própria capacidade de estabelecer metas, fazer escolhas, planejar e regular seu processo formativo, ou seja, é a dimensão sobre a percepção de ser capaz de gerenciar e planejar a carreira. Tal resultado corrobora com a hipótese que a sobrecarga de demandas acadêmicas, assim como a percepção do estudante sobre sua capacidade de lidar com tais demandas, podem se constituir como um fator de risco para o adoecimento.

Sendo assim, ressalta-se a importância de investimentos em programas de orientação de carreira que auxiliem os estudantes a lidarem com os desafios e instabilidades do processo formativo, facilitando o processo de escolha e com possíveis mudanças de carreira que são parte normativa deste processo. Enfatiza-se novamente a importância da orientação de carreira e o papel do psicólogo na educação superior para além da psicologia educacional e clínica, uma vez que o orientador profissional, ao desempenhar seu papel focado em aspectos de carreira, também favorece uma melhora na autoeficácia, nas vivências acadêmicas e na satisfação com o curso. O que por sua vez pode favorecer uma melhora no processo de aprendizagem e auxiliar a saúde dos alunos ou a melhorar a qualidade de vida dos mesmos.

Além da autoeficáfica para aspectos relativos à sua capacidade de se autorregular no processo de construção acadêmica e de carreira, a autoeficácia para interação social também se demonstra relevante para a saúde dos universitários. Tal dimensão diz respeito à crença do aluno sobre sua capacidade para se relacionar com os pares e com os professores com fins acadêmicos. O sentimento de pertencimento e a formação de vínculos faz parte do processo formativo de consolidação de identidade profissional (Bardagi, 2007). No entanto, ao ingressar no Ensino Superior (ES) o graduando passa a experienciar um novo conjunto de tarefas e demandas complexas, dentre elas, as correspondentes ao domínio social que envolve novos padrões de relacionamento com família, assim como novos padrões de relação com professores e colegas, o que por sua vez pode gerar dificuldade de adaptação a esta nova realidade e então impactar na percepção da própria capacidade de relacionar com os demais, reduzindo sua autoeficácia.

Estabelecer bons vínculos com colegas é uma maneira de se ampliar e fortalecer a rede de apoio, o que pode auxiliar no enfrentamento dos problemas e melhora na qualidade de vida (Eisenberg et al., 2007; Vasconcelos et al., 2015). No entanto, se as crenças sobre sua capacidade para socializar-se dentro da universidade são negativas, isso pode dificultar o estabelecimento dessas relações e consequentemente desfavorecer a saúde dos estudantes, uma vez que o aluno não consegue estabelecer uma rede de apoio dentro do contexto acadêmico, ou experienciar um sentimento de não pertencimento, que pode vir a gerar sofrimento e dificuldade de se adaptar a esta realidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que os antecedentes de carreira se confirmam como fator que impactam na saúde mental do estudante, sendo necessário explorar outras variáveis acadêmicas envolvidas neste processo de modo a conhecer melhor o panorama da saúde mental na graduação. Além do próprio adoecimento do estudante, outro problema importante a ser considerado são as consequências desse adoecimento que implicam em novas demandas de saúde como, por exemplo, o aumento de comportamentos sexuais de risco e de consumo e abuso de álcool e outras drogas. Além disso, conhecer melhor o processo de saúde-doença de população universitária permitirá pensar em uma formação de qualidade e com qualidade de vida. Considerando a importância dessa etapa para o desenvolvimento cognitivo, pessoal e profissional dos estudantes, é necessário conhecer e intervir sobre essa realidade, para que os estudantes universitários possam vivenciar o período de formação superior sem adoecer em decorrência de fatores acadêmicos associados.

Todos os objetivos deste estudo foram alcançados, tendo sido as hipóteses iniciais confirmadas, fornecendo dados suficientes para se pensar a saúde mental de graduandos e as variáveis acadêmicas e de carreira que se relacionam com o adoecimento e o sofrimento psicológico dos estudantes, assim como pensar possibilidades de intervenção em saúde neste contexto. Sugere-se assim, novas pesquisas que busquem ampliar o conhecimento acerca das variáveis acadêmicas e de carreira envolvidas no processo de saúde-doença desta população, preferencialmente com randomização de amostra, que permitam a generalização dos resultados. Também se sugere a construção de instrumentos que permitam avaliar a saúde mental da população universitária, considerando as especificidades da população em questão.

Essa pesquisa, ainda que tenha iniciado sua contribuição para a compreensão do fenômeno e apontado alguns tópicos relevantes a serem pensados, apresenta algumas fragilidades que devem apontadas, de modo a indicar as limitações do estudo. Uma destas limitações é a não possibilidade de generalização dos resultados, já que a delimitação amostral foi dada por conveniência. Essa fragilidade vem sendo encontrada não apenas nesse estudo, mas percebe-se pela literatura revisada que o rol de estudo encontrados não utilizaram cálculos amostrais e randomização, o que deixa uma lacuna a ser explorada.

 

REFERÊNCIAS

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ­ Brasil (CAPES) ­ Código de Financiamento 001


Endereço para correspondência:

Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia.

Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia sala 13A

Campus Universitário Trindade, CEP 88040-970 - Florianópolis, SC - Brasil

Telefone: (47) 99695-3438

 

Recebido em 10/08/2018

Aceito em 20/09/2018

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