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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.13 no.3 Juiz de Fora Sep./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2019.v13.27052 

ARTIGOS

 

Ansiedade social e habilidades sociais em universitários

 

Social anxiety and social skills in college students

 

Ansiedad social y habilidades sociales en estudiantes universitarios

 

 

Camila de Souza BorbaI; Nazaré Maria de Albuquerque HayasidaII; Fernanda Machado LopesIII

IUniversidade Federal do Amazonas. E-mail: camila_CSB_28@hotmail.com
IIUniversidade Federal do Amazonas. E-mail: hayasidanazare@hotmail.com
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina. E-mail: femlopes23@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ingressar e permanecer na universidade ocasiona mudanças de hábitos e requer interações sociais habilidosas que nem sempre são experimentadas de forma adaptativa pelos jovens. Objetivou-se explorar estudos empíricos brasileiros publicados nos últimos dez anos sobre habilidades sociais e ansiedade social em universitários. Foram encontrados dez artigos com as combinações dos termos "ansiedade social", "habilidades sociais" e "universitários" que foram unânimes afirmando a eficácia da realização de treinamentos de habilidades sociais para o desenvolvimento das mesmas e para melhoria dos sintomas de ansiedade social em universitários. Concluiu-se que a criação de programas de desenvolvimento de habilidades sociais dentro das universidades se faz necessária, pois esse espaço precisa oferecer condições que propiciem o cuidado da saúde física e mental dos seus estudantes.

Palavras-chave: Ansiedade social; Habilidades sociais; Universitários; Universidade; Promoção de saúde.


ABSTRACT

Joining and staying at the university leads to changes in lifestyle and requires skilled social interactions, which are not always adaptively experienced by young people. This paper aims to explore Brazilian empirical studies published in the last ten years on social skills and social anxiety among college students. Ten articles were found combining the terms "social anxiety", "social skills" and "university students" that were unanimous in affirming the effectiveness of conducting social skills training for their development and improvement of social anxiety symptoms in university students. In conclusion, the creation of social skills development programs in universities is necessary because this space needs to offer conditions that provide care for the physical and mental health of its students.

Keywords: Social skills; Social anxiety; College students; University; Health promotion.


RESUMEN

Ingresar y permanecer en la universidad conduce a cambios en los hábitos y requiere habilidades para interacciones sociales que los jóvenes no siempre experimentan de manera adaptativa. El objetivo fue explorar estudios empíricos brasileños publicados en los últimos diez años sobre habilidades sociales (HS) y ansiedad social en universitarios. Se encontraron diez artículos combinando los términos "ansiedad social", "habilidades sociales" y "universitarios", que fueron unánimes en afirmar la efectividad del entrenamiento en HS para el desarrollo de éstas y la mejoría de los síntomas de ansiedad social en universitarios. La creación de programas de desarrollo de HS dentro de las universidades es necesario, ya que debe ofrecer condiciones que brinden atención para la salud física y mental de sus estudiantes.

Palabras clave: Ansiedad social; Habilidades sociales; Estudiantes universitarios; Universidad; Promoción de la salud.


 

 

A ansiedade é um construto polêmico, por vezes considerada como emoção, sentimento, estado de humor ou sintoma de um transtorno. O consenso é de que ela envolve componentes fisiológicos, psicológicos e comportamentais que podem se manifestar como resposta adaptativa ou desadaptativa frente a estímulos internos ou externos (APA, 2014; Padilla-Coreano et al., 2016; Waechter & Stolz, 2015). A ansiedade social, em especial, é caracterizada como um estado de humor desconfortável e uma inquietação interna desagradável ou sensação de medo que inclui manifestações fisiológicas e pensamentos negativos frente a situações que envolvem interações sociais ou avaliação de desempenho. Ela pode ser adaptativa, por exemplo, quando impele o indivíduo a se preparar e estudar para uma prova ou apresentação de trabalho a fim de que obtenha sucesso. Torna-se desadaptativa, por sua vez, quando os sentimentos de medo e ansiedade se apresentam extremamente intensos e frequentes gerando comportamentos de esquiva que acarretam em prejuízos na vida do indivíduo (como desistir do curso, emprego ou reprovar por não conseguir realizar as tarefas). Conforme o nível de prejuízo, pode configurar um quadro de transtorno de ansiedade social, também chamado de fobia social (APA, 2014; Müller, Trentini, Zanini, & Lopes, 2015).

Um dos contextos em que existe risco de que a ansiedade social se torne uma fobia social é o universitário. O ingresso na universidade exige adaptação frente ao novo ambiente e às novas modalidades de exigências acadêmicas, além de suscitar preocupações referentes à construção de nova rede de amigos e de uma identidade profissional. Aqueles que mudam de cidade ou de casa ainda precisam aprender a lidar com questões como administração dos recursos financeiros, organização da logística do novo ambiente (compras, limpeza, por exemplo), convivência com pessoas de fora da família, saudade dos familiares e antigos amigos, entre outras (Padovani et al., 2014; Soares & Del Prette, 2015). Como agravante, a maior parte dos alunos ingressam e cursam a faculdade ainda na adolescência, período este em que o grupo social passa a ter maior relevância nos hábitos e comportamentos e, por outro lado, funções neuropsicológicas como planejamento, organização, tomada de decisão, resolução de problemas e adequação de comportamentos ainda não estão completamente maduras (Diamond, 2013). Assim, para que o enfrentamento de todas essas novas demandas ocorra da forma mais adaptativa possível, o desenvolvimento das habilidades sociais (HS) deve ser estimulado, uma vez que a literatura tem apontado relação inversa entre um bom repertório de habilidades sociais e problemas psicológicos para o estudante universitário (Bolsoni-Silva, Leme, Lima, Costa-Júnior, & Correira, 2009; Gavasso, Fernandes, & Andrade, 2016; Soares & Del Prette, 2015; Soares, Mourão, Santos, & Mello, 2015; Soares, Poube, & Mello, 2009).

As HS têm sido definidas como classes de comportamentos sociais hábeis ou assertivos que compõem o repertório do sujeito para que aja de forma eficaz em situações interpessoais. Em outras palavras, é um conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal para expressar sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação, ou seja, respeitando esses comportamentos nos outros, de modo a resolver as situações e minimizando a probabilidade de futuros problemas (Caballo, 2016; Del Prette & Del Prette, 2009). No contexto acadêmico, essas habilidades se referem mais diretamente a comportamentos como iniciar conversações ou falar com outras pessoas, responder e fazer perguntas, trabalhar em grupo, dar e receber feedbacks e críticas, falar em público, entre outros. Portanto, as habilidades de comunicação, que se referem à capacidade de falar, ser entendido e compreender o que os outros dizem; as assertivas de enfrentamento, que se referem a saber o que dizer ou fazer na hora certa, do jeito certo e enfrentando as situações da forma mais adaptativa possível; e as habilidades sociais profissionais e educativas, que se referem às atitudes, comportamentos e habilidades necessários para o bom desempenho profissional e acadêmico são as mais importantes de serem desenvolvidas e treinadas em universitários (Bolsoni-Silva et al., 2009; Del Prette & Del Prette, 2014).

Estudos referem que HS bem desenvolvidas tem se mostrado fatores de proteção, enquanto que déficits nas mesmas estão relacionados a fatores de risco no ambiente universitário (Moreno, Segura, & Torres, 2013; Padovani et al., 2014). O desenvolvimento do repertório de comunicação, expressividade e desenvoltura nas interações sociais contribui para a criação dos laços de amizade, respeito e status no grupo, o que resulta numa convivência cotidiana mais agradável e harmoniosa com colegas e professores (Del Prette & Del Prette, 2009). Por outro lado, quando as vivências acadêmicas não proporcionam uma boa qualidade de vida, seja por ansiedade social ou por outras questões biopsicossociais, aumenta o nível de estresse e o risco para transtornos depressivos, além de interferir no rendimento acadêmico (Bolsoni-Silva et al., 2009; Padovani et al., 2014; Pureza, Rusch, Wagner, & Oliveira, 2012). Exposição a situações sociais e de desempenho são rotina na universidade, os indivíduos com ansiedade social temem ser avaliados negativamente e se preocupam em serem julgados como ansiosos (ruborizando, tremendo ou transpirando), enfadonhos, amedrontados ou desagradáveis, muitas vezes evadindo do curso por não conseguir desenvolver e treinar HS.

No Brasil, tem ocorrido uma expansão do ensino superior e os universitários vêm representando uma parcela maior de pessoas do nosso país. O Censo do Ensino Superior realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apontou uma evolução no número de vagas ofertadas em cursos superiores entre 1991 e 2007 de 516.663 vagas para 2.823.942, um aumento de mais de 250% no número de vagas. Por sua vez, a vida universitária apresenta aspectos que devem ser investigados, pois esse grupo de estudantes passa por diversas mudanças de hábitos que vão desde a possível saída da casa dos pais e a formação de novas redes sociais até às novas exigências da universidade e o preparo da carreira profissional, fatores estes que podem vir acompanhados de condutas nocivas à saúde (Pereira, Wagner, & Oliveira, 2014). Por isso, e compreendendo que a universidade deve ser também um ambiente de formação cidadã e de aplicação prática de conteúdo, além de um espaço de formação teórica, percebe-se a importância de se desenvolver cada vez mais pesquisas dentro desse contexto no país. Assim, considerando a necessidade de investigar estratégias de enfrentamento para os desafios supracitados enfrentados pelos jovens no cenário acadêmico, o presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir os estudos brasileiros publicados nos últimos dez anos sobre ansiedade social e HS em universitários. Buscou-se compreender o que a literatura nacional sugere como diretrizes futuras nesta área e se há justificativa para a realização de novos estudos empíricos sobre o tema.

 

Método

Este estudo trata de uma revisão integrativa de pesquisas brasileiras sobre ansiedade social e habilidades sociais em universitários publicadas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no período de 2008 a 2017. Este centro de busca foi escolhido por oferecer acesso a textos completos disponíveis em mais de 38 mil publicações periódicas, internacionais e nacionais. Inclui também uma seleção de importantes fontes de informação científica e tecnológica de acesso gratuito na web (CAPES, 2018).

Os critérios de inclusão utilizados na busca foram: 1) artigos publicados entre os anos de 2008 a 2017; 2) artigos empíricos realizados com a população brasileira; 3) incluíssem no resumo a relação entre ansiedade social e HS; 4) publicados em língua portuguesa ou inglesa. Foram excluídas das análises as pesquisas que abordavam ansiedade social e HS com outras populações que não a universitária, bem como aquelas que não relacionavam a ansiedade social com as HS.

Em relação aos procedimentos, foram realizadas buscas no portal de periódicos Capes utilizando o campo de busca "por assunto" em "pesquisa avançada", que permitem cruzar dois descritores por vez. Para obter informação mais específica sobre o tema utilizou-se a cada busca o termo booleano "AND". A primeira busca cruzou os descritores "habilidades sociais" e "universitários", retirados da Terminologia em Psicologia da Biblioteca Virtual de Psicologia (BVS-Psi-Brasil), e encontrou oito artigos no total, dos quais um não pôde ser utilizado por não estar mais disponível como texto completo. Os sete artigos restantes foram baixados, lidos e analisados. A fim de ampliar a busca para os demais temas da pesquisa, efetivou-se na mesma base de dados outro cruzamento com os termos descritores "habilidades sociais" e "ansiedade social", que encontrou apenas três artigos que foram baixados, lidos e analisados. O terceiro e último cruzamento foi feito com os descritores "ansiedade social" e "universitários" que encontrou apenas um artigo que também foi selecionado, sendo que estava disponível apenas na língua inglesa. De acordo com o critério adotado, a seleção e a eliminação dos estudos obedeceram às seguintes etapas: baixar o artigo, análises dos resumos, leitura completa e discussão entre os autores.

 

Resultados

A partir dos cruzamentos no banco de dados da Capes com os descritores "ansiedade social", "habilidades sociais" e "universitários" foram encontrados onze artigos empíricos realizados sobre o tema no Brasil e publicados nos últimos dez anos. Na análise dos resumos, um artigo foi excluído por tratar de HS com depressão materna e outros fatores, sendo seu conteúdo distinto daquele que se propôs esse artigo. A Tabela 1 apresenta os principais dados dos dez artigos discutidos nesta revisão, exibidos em ordem de data da publicação.

Dos dez artigos encontrados no período definido, apenas um datava de 2008, sendo considerado o mais antigo encontrado nesta busca. Os anos de 2009, 2013, 2014, 2015 e 2016 também foram representados por apenas um artigo científico. Não apareceram nesta busca artigos dos anos de 2010 e 2011. Dois estudos foram publicados nos anos de 2012 e 2017.

Em relação aos objetivos, três dos artigos encontrados com o público-alvo abordaram o tema ansiedade social, sendo que apenas dois investigaram diretamente a relação entre HS e ansiedade social (Angélico, Crippa, & Loureiro, 2012; Pereira et al., 2014), o terceiro descreveu temas presentes nas sessões de terapia comportamental de clientes universitários diagnosticados com o Transtorno de Ansiedade Social (TAS) (Garcia, Bolsoni-Silva, & Nobile, 2017). Dentre os demais artigos, cinco tiveram como foco investigar repertório de HS e sua relação com traços de personalidade (Bartholomeu, Silva, & Paulista, 2008), com uso/abuso de álcool (Cunha, Peuker, & Bizarro, 2012), com desempenho acadêmico (Gomes & Soares, 2013), com gênero e curso (Soares et al., 2015) ou com profissionais e graduandos em psicologia (Oliveira & Souza, 2016). Os dois restantes tiveram como objetivo investigar efeitos de treinamento em HS com universitários (Bolsoni-Silva et al., 2009; Lopes, Dascanio, Ferreira, Del Prette, & Del Prette, 2017).

Considerando os resultados em conjunto, os estudos que investigaram a relação entre HS e ansiedade social mostraram que 23% dos universitários apresentam indícios de TAS (Pereira et al., 2014) e que, quanto mais elaborado o repertório de HS, menor a probabilidade de satisfazer os critérios de rastreamento de indicadores diagnósticos para o TAS (Angélico et al., 2012). Os artigos que investigaram a relação entre HS e outros fatores encontraram relação entre HS e traços de personalidade (Bartholomeu et al., 2008), expectativas e desempenho acadêmico (Gomes & Soares, 2013), percepções de vida acadêmica, gênero e tipo de curso (Soares et al., 2015) e entre estudantes de início de curso e psicólogos já formados (Oliveira & Souza, 2016); mas não entre HS e uso de álcool (Cunha et al., 2012), HS e inteligência (Gomes & Soares, 2013), HS de estudantes de psicologia em início e final de curso e nem entre estudantes de final do curso e psicólogos formados (Oliveira & Souza, 2016). Por fim, os dois estudos sobre treinamento de habilidades sociais (Bolsoni-Silva et al., 2009; Lopes et al., 2017) mostraram evidências de eficácia e efetividade dos mesmos, havendo indicação para serem implementados em universidades tanto em caráter preventivo como de tratamento de déficits em habilidades sociais entre universitários.

 

Discussão

O objetivo deste trabalho foi revisar a produção nacional dos últimos dez anos sobre HS e a ansiedade social em universitários. Considerando a escassez de estudos brasileiros encontrados sobre o tema, os resultados apresentados foram agrupados conforme objetivos comuns, sendo, portanto, organizados em três grupos: relação entre HS e ansiedade social, relação entre repertório de HS e outros fatores (como personalidade, inteligência, drogas) e efeitos de treinamento em HS.

Os dados avaliados foram na maioria de pesquisas cujo método foi quantitativo, com uso de testes psicológicos ou de transcrições de sessões psicoterapêuticas. A partir dos desfechos, os autores apontaram, em sua maioria, a importância das HS serem desenvolvidas no ambiente universitário, e que, ao compreender o desenvolvimento saudável dos alunos, dever-se-ia pensar em programas que proporcionassem um espaço de aprimoramento das HS dentro do meio acadêmico. De acordo com Pereira et al. (2014), o impacto dos comportamentos sociais dos acadêmicos no seu cotidiano e o que se espera como repertório de HS para os futuros psicólogos, carece de maior atenção e apoio de programas desenvolvidos no âmbito institucional.

Os contextos naturais de cada pessoa auxiliam-na a desenvolver seu repertório comportamental e, de acordo com cada experiência, pode ser que o indivíduo apresente déficit ou podem ocorrer falhas no processo de maturação gerando prejuízos que repercutam em diversas áreas de sua vida. Nesse sentido, manifestações clínicas do TAS foram analisadas no estudo de Angélico et al., (2012) resultantes da avaliação do IHS-Del-Prette, que evidenciou bons indicadores de validade discriminante e preditiva no diagnóstico dos sintomas característicos deste transtorno em universitários. Preocupados com os resultados de estudos apontando tais sintomas, Garcia et al. (2017) implementaram intervenção comportamental e treinamento em HS nos universitários com TAS, com relato de melhora com o andamento das sessões.

Nesta direção, as HS têm sido estudadas como variáveis moderadoras que, se bem desenvolvidas, podem servir como fatores de proteção, ao passo que déficits nas mesmas podem atuar como fatores de risco no desenvolvimento humano, principalmente na fase da adolescência e adultez jovem. Fatores de proteção são características individuais, como autoestima e capacidade de resiliência, ou fatores ambientais, como suporte social, que contribuem para que ocorram respostas mais adaptativas frente a desafios e situações negativas. Por sua vez, fatores de risco são as características ou situações que tendem a aumentar a vulnerabilidade do indivíduo a ter reações disfuncionais como problemas físicos e psicossociais frente a eventos adversos (Pereira, Dutra-Thomé, & Koller, 2016). Considerando os universitários como público-alvo, a presente revisão identificou cinco estudos que investigaram relações entre habilidades sociais e fatores intrínsecos e extrínsecos com potencial de risco ou proteção.

O estudo de Bartholomeu et al., (2008) encontrou relação entre personalidades "negativistas" e menores escores de HS e empatia; enquanto que características positivas de autoestima, amabilidade e autoafirmação foram típicas de sujeitos mais expressivos no trato social. Os autores concluíram que a personalidade pode influenciar diferentes aspectos da HS, podendo este ser um fator que potencializa o efeito protetivo ou de risco das HS nas interações sociais. Por outro lado, o outro fator intrínseco investigado, a inteligência, não teve relação com HS (Gomes & Soares, 2013), o que pode significar que aspectos cognitivos podem ser menos relevantes do que temperamento e personalidade para o desenvolvimento e aplicação das HS.

Na avaliação dos fatores extrínsecos, o estudo que investigou relação entre padrão de consumo de álcool e HS não encontrou a correlação que esperava, embora os acadêmicos que faziam uso abusivo tenham reportado expectativas positivas acerca dos efeitos imediatos do álcool, mesmo quando este consumo já estava associado a prejuízos no seu funcionamento social, além de apresentar maior ansiedade social e timidez quando comparados a consumidores não abusivos (Cunha et al, 2012). De fato, ainda não há consenso na literatura sobre a relação entre o uso de drogas e déficits em HS. O estudo de Felicíssimo, Casela e Ronzani (2013) também não encontrou relação entre alcoolismo e déficits em HS; mas em uma revisão sistemática sobre HS e drogas, as baixas HS foram apontadas como fatores de risco ao uso de drogas (Schneider, Limberger & Andretta, 2016). Nesse caso, uma possível explicação é a de que déficits no repertório geral de HS estejam associados a contextos específicos que podem aumentar as chances de fissura e recaída, e não necessariamente às características do padrão de consumo, conforme concluiu o estudo sobre HS e envolvimento com álcool e outras drogas (Sá & Del Prette, 2014). Portanto, em consonância com o que apontaram Cunha et al. (2012), é necessário que sejam desenvolvidas políticas e estratégias de prevenção ao consumo abusivo de álcool e outras drogas em universitários, incluindo o treino de HS com vistas a enfrentamento de situações de risco.

Ainda sobre fatores extrínsecos, Oliveira e Souza (2016) compararam o repertório de HS entre os estudantes de psicologia dos anos iniciais e finais e dos profissionais da área com até um ano de formação. A competência interpessoal não é sinônimo de HS, mas sim a capacidade de aplicar as HS adequadamente ao contexto, e o que se percebe é que nas universidades há um foco no desenvolvimento da competência técnica e que se negligencia o desenvolvimento da competência interpessoal. Mesmo nos cursos onde a relação com humanos é fundamental como o de psicologia, as HS não são propostas como fundamentais para formação profissional, conforme mostrou o estudo de Soares e colaboradores (2015). A natureza interativa da atuação do psicólogo deveria acrescentar às habilidades técnicas, a necessidade de avaliar e promover a aquisição de habilidades interpessoais ao longo da formação do discente. Os autores destacam que para além de oferecer o contato com o conhecimento científico e estimular desenvolvimento intelectual, a universidade deve promover práticas que estimulem o desenvolvimento global do aluno, incluindo aspectos como controle das emoções, desenvolvimento de autonomia, das relações interpessoais, da identidade, dos projetos pessoais, dos ideais e da integridade. Além disso, as políticas devem ser específicas às necessidades do público, considerando aspectos como gênero e curso, e voltadas à promoção da adaptação e do sucesso acadêmico (Oliveira & Souza, 2016; Soares et al., 2015).

Neste contexto, estratégias de treinamento de HS no âmbito universitário são urgentes. Bolsoni-Silva e colaboradores (2009) alertam que as vivências acadêmicas podem levar a dois caminhos opostos: garantir uma boa qualidade de vida, ou se tornarem experiências estressantes, depressivas, que influenciam negativamente o rendimento acadêmico. Essas, por sua vez, podem resultar na diminuição da autoestima, no aumento da ansiedade, no fracasso nas atividades acadêmicas ou em dificuldade para concluir o curso iniciado; além de contribuir para o engajamento em comportamentos de risco como o uso de drogas. Os dois estudos encontrados na presente revisão que investigaram efeitos de programa de treinamento de HS com universitários revelaram eficácia do treinamento, uma vez que os estudantes aumentaram seu repertório de HS (Bolsoni-Silva et al., 2009; Lopes et al., 2017), mantiveram a aquisição após três meses, consideraram-se mais preparados para o mercado de trabalho e referiram que suas habilidades adquiridas ajudavam tanto na vida profissional como pessoal (Lopes et al., 2017). Contudo, Bolsoni-Silva e colaboradores (2009) alertam para o fato de que o treinamento de HS sempre traz resultados positivos, inclusive com potencial de prevenção, mas que não supre, quando utilizado isoladamente, todas as dificuldades dos universitários.

Nesta perspectiva, o tema educação universitária tem sido estudado por que tem influência direta na economia nacional. Gomes e Soares (2013) explicaram que é necessário pensar a formação educacional do nosso país, pois as famílias, as empresas privadas e o governo são investidores do desenvolvimento sociocognitivo dos estudantes e têm expectativas em relação ao retorno social e econômico dos futuros profissionais. A evasão de universitários é um fator que impacta diretamente na economia nacional. Por esse motivo, as autoras buscaram compreender quais fatores podem auxiliar nas vivências acadêmicas, de forma a assistir os universitários a concluírem o curso e, enfim, também contribuir com a economia mundial. Lopes e colaboradores (2017) corroboram com Gomes e Soares (2013) sobre a influência da formação na economia do país e da importância das competências interpessoais e sociais para os processos de mudança das organizações. Esses autores mostraram que, com a globalização e a competição cada vez mais acirrada do mercado de trabalho, reestruturações de vários setores são exigidas, o que afetam o perfil profissiográfico do trabalhador. Portanto, indicam o investimento nas habilidades e nas competências sociais e interpessoais como forma de garantir flexibilidade, eficiência corporativa, bem-estar subjetivo e saúde dos trabalhadores.

Em suma, a universidade é compreendida como um espaço onde os universitários aprendem, trabalham, socializam, aproveitam seu tempo de lazer e utilizam seus serviços; portanto, deveria ser um fator contributivo de ampliação do repertório das HS. Contudo, parece não estar exercendo de forma satisfatória esse papel, mesmo nos cursos de graduação em que elas seriam essenciais para a vida profissional como apontaram estudos em graduações de psicologia. Consequentemente, a ansiedade social e os déficits nas HS podem trazer diversos prejuízos na prática do psicólogo, visto que essa profissão é baseada na relação que o profissional estabelece com seus clientes (Pereira et al., 2014). Portanto, as políticas que fomentam a criação de espaços e opções para práticas de saúde dentro do ambiente de ensino se fazem necessárias. A instituição, como formadora de profissionais que agregarão a economia brasileira, precisa assumir um papel de agente promotor de condições de saúde física e mental aos seus estudantes (Igue, Bariani, & Milanesi, 2008; Pereira et al., 2014).

 

Considerações finais

Este estudo de revisão integrativa da literatura possibilitou a apresentação de uma síntese da produção nacional da última década sobre HS e ansiedade social em universitários. Permitiu ainda, a discussão sobre a aplicabilidade dos resultados dos estudos significativos na prática, sendo a principal proposição direcionada ao desenvolvimento de protocolos específicos de treinamento de habilidades sociais com este público-alvo. Ressaltou-se o papel das universidades como espaços que podem servir tanto como provedores de saúde e desenvolvimento, como de sofrimento e patologias como o TAS. Sugere-se, portanto, que sejam desenvolvidas políticas de promoção à saúde que sejam protetivas e integrais, preparando os jovens em termos de capacitação técnica e interpessoal.

Por último, cabe citar algumas limitações, como a restrição de textos em língua portuguesa e a utilização apenas do Portal de Periódicos Capes como base de dados, o que pode ter justificado a pequena quantidade de artigos científicos encontrados. A expansão da busca para outras bases de dados poderia propiciar a inclusão de um maior número de artigos sobre o tema. Contudo, ainda que o número de artigos tenha sido baixo, as pesquisas encontradas continham grande relevância de conteúdo, metodologias bem descritas com a utilização de instrumentos válidos, fidedignos e coerente explicação das análises de dados. Como avanço em relação ao presente estudo, recomenda-se que sejam realizadas revisões sistemáticas da literatura sobre HS em universitários com objetivo de agregar evidências de pesquisa para nortear o desenvolvimento de projetos, indicando novos rumos para futuras investigações. Sugerem-se também estudos longitudinais, que utilizem grupo caso-controle, com amostras clínicas e não-clínicas, instrumentos de avaliação e protocolos de treinamento sistematizados e padronizados, bem como a análise de variáveis culturais, para possibilitar comparação de eficácia e efetividade entre os achados de estudos realizados em diferentes contextos.

 

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Endereço para correspondência:
Fernanda M. Lopes
femlopes23@gmail.com

Recebido em: 16/06/2019
Aceito em: 22/09/2019

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