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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.14 no.2 Juiz de Fora mayo/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.27595 

ARTIGOS

 

Estratégias utilizadas por alunos do 1º ano do ensino básico na transformação 2D/3D

 

First-grade students' strategies for 2D/3D transformations

 

Estrategias utilizadas por alumnos de primer año de Educación Básica en la transformación 2D/3D

 

 

Joana ConceiçãoI; Margarida RodriguesII

IUniversidade de Lisboa. E-mail: conceicaoj@campus.ul.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4295-0368
IIUniversidade de Lisboa. E-mail: margaridar@eselx.ipl.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4658-6281

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, temos como objetivo compreender que relações entre componentes, compostos e o todo, os alunos do 1º ano do Ensino Básico utilizam para transformar representações bidimensionais em construções tridimensionais. Focamo-nos na análise das estratégias de dois alunos, utilizadas numa tarefa envolvendo a relação dinâmica 2D/3D. Os dados foram recolhidos durante a primeira sequência de tarefas do ciclo 1 de uma investigação em curso baseada em design. Os resultados mostram que os alunos relacionam as partes, os quadrados e o todo, a caixa, utilizando movimentos mentais, para transformar construções bidimensionais em tridimensionais. As discussões coletivas parecem contribuir para a construção colaborativa do conhecimento matemático e para a passagem de representações com modelos físicos para modelos mentais.

Palavras-chave: Estruturação espacial; Relação 2D/3D; Rotações mentais; Primeiros anos.


ABSTRACT

In this paper, we aim to understand which relationships between components, compounds and the whole do 1st grade students use to transform two-dimensional representations into three-dimensional constructions. We focus our analysis on the strategies used by two students during a task involving the dynamic relationship between 2D and 3D. Data were collected during the first set of tasks from the cycle 1 of an ongoing design-based research. Results show that students can establish relationships between the components, squares, and the whole, the box, using mental movements to transform two-dimensional constructions into three-dimensional constructions. Collective discussions seem to contribute to a collaborative construction of mathematical knowledge and to the shift from representations using physical models to mental models.

Keywords: Spatial Structuring; Connection 2D/3D; Mental Rotation; Primary Grades.


RESUMEN

En este artículo, nuestro objetivo es comprender qué relaciones entre componentes, compuestos y el todo, los estudiantes en el primer año de Educación Básica utilizan para transformar las representaciones bidimensionales en construcciones tridimensionales. Nos centramos en el análisis de las estrategias de los estudiantes, utilizadas en una tarea que involucra la relación dinámica 2D/ 3D. Los datos se recopilaron durante la primera secuencia de tareas en el ciclo 1 de una investigación basada en el diseño, en curso. Los resultados muestran que los estudiantes relacionan las partes, los cuadrados, y el todo, de la caja a construir, usando movimientos mentales, para transformar las construcciones bidimensionales en tridimensionales. Las discusiones colectivas parecen contribuir a la construcción colaborativa del conocimiento matemático y la transición de representaciones con modelos físicos a modelos mentales.

Palabras clave: Estructuración espacial; Relación 2D/3D; Rotaciones mentales; Primeros años.


 

 

A exploração de relações espaciais de forma ativa pelos alunos, na aprendizagem da geometria, nos primeiros anos, é de particular importância para o desenvolvimento do raciocínio espacial. Battista (2007) define raciocínio espacial como a "capacidade de 'ver', examinar e refletir sobre objetos espaciais, imagens, relações e transformações, envolvendo gerar e analisar imagens, transformar e operar com imagens, e colocá-las ao serviço de outras representações mentais" (p. 843).

A estruturação espacial constitui uma forma de abstração que representa uma forma de organização, com base numa série de relações, para um objeto ou para um conjunto de objetos, ou seja, cria um modelo mental que permite representar a estrutura de um objeto. A estruturação espacial consiste em identificar componentes, estabelecer relações entre componentes em compostos e estabelecer relações entre componentes, compostos e o todo. O raciocínio espacial está associado à estruturação espacial, na medida em que a criação de modelos mentais que representem as estruturas de objetos se constitui com base no estabelecimento de relações que vão sendo cada vez mais aprofundadas à medida que se reflete sobre elas.

Para estabelecer estas relações, é necessário que a aprendizagem da geometria tenha um cariz mais dinâmico (Hallowell, Okamoto, Romo & La Joy, 2015), em que seja dada a oportunidade para os alunos manipularem as figuras de forma a encontrarem eles próprios relações espaciais significativas. Um dos aspectos mais significativos, indicado por Bruce e Hawes (2015), é a rotação mental. Estes autores identificam a natureza estática do ensino da geometria como sendo problemática e referem a importância de desenvolver um trabalho que chamam de geometria transformacional dinâmica em que os alunos tenham a oportunidade de "pensar acerca da forma, como as formas se movem, mudam, interagem com o espaço e como nos movemos em relação às formas e figuras" (p. 331) e onde a rotação mental tem um papel significativo.

Um outro estudo, desenvolvido por Hallowell et al. (2015), teve como objetivo explorar os processos de raciocínio de alunos do 1º ano, em figuras bidimensionais e tridimensionais, em diferentes tipos de representações geométricas. Este estudo mostra que os alunos tiveram dificuldade em relacionar componentes com as figuras propostas, nomeadamente na articulação entre 2D e 3D, devido a características particularmente salientes dos sólidos, e em imaginar volume em representações bidimensionais de figuras 3D. Estes autores concluem também que a forma como os alunos raciocinam e interpretam diferentes representações não se desenvolve de forma linear.

Dada a escassez de estudos, em Portugal, que se dediquem à compreensão da relação entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade e à relevância do tema, neste artigo, tentamos perceber como poderão os alunos desenvolver esta articulação entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade. Temos, assim, como objetivo compreender que relações entre componentes ou entre componentes, compostos e o todo, os alunos do 1º ano do Ensino Básico utilizam para transformar representações bidimensionais em construções tridimensionais. Para isso, focamo-nos na análise das estratégias utilizadas por dois alunos, na realização de uma tarefa envolvendo a relação dinâmica 2D/3D, em que, inicialmente, tinham de antecipar e selecionar os pentaminós que permitem formar caixas abertas, verificando posteriormente com material manipulável. Dada a importância do papel ativo dos alunos para a aprendizagem de geometria, a tarefa que aqui analisamos, à semelhança da experiência de ensino na qual se insere, promove o envolvimento do aluno na sua própria aprendizagem através da manipulação de materiais e da reflexão individual ou com os pares acerca do seu trabalho.

 

Enquadramento teórico

Nos primeiros anos, em geometria, o trabalho de exploração de figuras bidimensionais e tridimensionais é particularmente significativo como forma de levar os alunos a estabelecer relações importantes nessas figuras (National Council of Teachers of Mathematics [NCTM], 2007). Estas relações são fundamentais para a forma como os alunos vão construir imagens mentais que lhes permitam raciocinar em níveis mais abstratos do raciocínio geométrico.

Battista (2008) apresenta uma proposta para o desenvolvimento do raciocínio geométrico, baseado em níveis de estruturação, como alternativa ao modelo de van Hiele. Esta proposta está organizada em três níveis sequenciais: estruturação espacial, estruturação geométrica e estruturação logico-axiomática. A estruturação espacial incide em particular no trabalho de exploração de relações, ao procurar criar uma forma de organização para uma figura bidimensional ou tridimensional, estando, pela sua natureza espacial, mais associada ao raciocínio espacial, que é forma de raciocínio subjacente ao raciocínio geométrico (Battista, 2007). Para estruturar espacialmente uma figura, os alunos identificam componentes espaciais, estabelecem relações entre esses componentes, formando compostos que, por sua vez, também têm relações espaciais entre si. Este processo vai fazendo emergir uma estrutura com base em relações entre componentes, compostos e a figura no seu todo. A estruturação geométrica se baseia na estruturação espacial, mas utilizando já conceitos geométricos formais. A estruturação logico-axiomática tem por base a estruturação espacial e a estruturação geométrica, com uma organização formal dos conceitos geométricos (Battista, 2008).

A estruturação espacial permite, assim, a abstração de relações, contribuindo para a formação de modelos mentais cada vez mais abstratos e generalizáveis. Nos primeiros anos, a estruturação que os alunos vão construindo parece corresponder a uma estruturação emergente (Venkat, Askew, Watson & Mason, 2019), já que as relações estabelecidas correspondem a situações matemáticas locais, em que as propriedades gerais não são ainda evidentes (Venkat et al., 2019). Por outro lado, a estruturação matemática evidencia já propriedades gerais, ainda que surjam em contextos particulares. Battista e Clements (1996) propõem que a estruturação espacial pode ser local, se as relações estabelecidas estão ainda focadas em componentes ou em compostos ou global; se as relações estabelecidas, para além de relacionarem componentes e compostos, relacionam também esses componentes e compostos com a figura como um todo. Para isso, são necessárias duas operações fundamentais: a coordenação e a integração. A coordenação permite combinar os diferentes componentes e compostos, relacionando-os com o todo. A integração permite fazer corresponder um modelo mental previamente existente a uma figura e por isso implica também a coordenação.

A estruturação espacial assume assim um cariz dinâmico, constituindo parte de uma geometria transformacional dinâmica que hoje se reconhece como fundamental na aprendizagem da geometria (Bruce e Hawes, 2015). Okamoto, Kotsopoulos, McGarvey e Hallowell (2015) referem a importância do desenvolvimento de competências dinâmicas intrínsecas que estão associadas a processos internos relativos a transformações de um objeto ou conjunto de objetos, por exemplo, através da rotação, dobragem, viragem ou redimensionamento. Bruce e Hawes (2015) destacam a importância da rotação mental de figuras bidimensionais e tridimensionais, nomeadamente na sua composição e decomposição, no estabelecimento de relações de congruência e equivalência ou simetria. Estes autores identificaram também uma maior dificuldade na rotação mental de figuras 3D relativamente à rotação mental em figuras 2D, em crianças com idades entre os 4 e os 8 anos. Bruce e Hawes (2015) acrescentam ainda que, apesar desta dificuldade, a rotação mental, é uma capacidade treinável e maleável, tendo os alunos atingido resultados superiores ao que que tinham antecipado.

Um outro aspecto relacionado com as competências dinâmicas intrínsecas tem a ver com a relação que os alunos estabelecem entre representações bidimensionais de figuras tridimensionais e as figuras tridimensionais em si. No estudo realizado por Hallowell et al. (2015), este grupo de investigadores concluiu que os alunos que baseiam o seu raciocínio em aspectos meramente visuais têm mais dificuldade em estabelecer relações entre os dois tipos de representação do que os alunos que recorrem às propriedades das figuras. Johnston-Wilder e Mason (2005) referem que o estabelecimento de relações entre componentes de figuras emerge da familiarização com essas mesmas figuras, através da sua observação, da sua manipulação, de registos de diferentes perspectivas que inicialmente terão um cariz mais informal, mas caminhando progressivamente para um maior formalismo. Por um lado, um trabalho que leve os alunos a explorar as relações entre componentes das figuras e, por outro, a exploração de diferentes representações com base numa articulação entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade poderão ser aspectos significativos a se ter em conta na aula de geometria.

Johnston-Wilder e Mason (2005) sugerem ainda um trabalho, em geometria, que ofereça uma abordagem mais integrada entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, em alternativa ao paradigma atual de separação de ambas.

 

Método

O estudo apresentado neste artigo se insere numa investigação mais ampla, no âmbito de um doutoramento, assumindo uma natureza qualitativa, seguindo uma abordagem de investigação baseada em design (IBD) (Gravemeijer & Cobb, 2006). Com esta abordagem, procuramos aprofundar uma teoria local de aprendizagem focada nos processos de estruturação espacial dos alunos do 1º ano do Ensino Básico, ao mesmo tempo que relacionamos essa aprendizagem com a ecologia que suporta essas aprendizagens. Esta modalidade de investigação se desenvolve ao longo de micro-ciclos de preparação, implementação e análise que, por sua vez, formam ciclos de investigação. O estudo que estamos a desenvolver foi iniciado por um estudo piloto que contribuiu para a preparação do ciclo 1 desta experiência de ensino. Este primeiro ciclo de investigação se encontra estruturado em três sequências de tarefas. Cada tarefa foi proposta numa aula que se encontrava organizada em três momentos: apresentação da tarefa, trabalho autônomo e discussão coletiva final.

Os dados apresentados, neste artigo foram recolhidos durante a primeira sequência de tarefas do ciclo 1. Esta primeira sequência tinha como objetivo levar os alunos a manipular componentes para estabelecer relações entre eles e, posteriormente, entre componentes e o todo. Desta sequência, selecionamos a tarefa 2, Construir caixas, em que foi dado, a cada par, um conjunto de seis imagens de diferentes pentaminós, como vemos na Figura 1, para que eles antecipassem e selecionassem quais considerariam possíveis de formar uma caixa aberta. Depois desta antecipação inicial, os alunos tiveram a oportunidade de verificar a sua previsão com recurso ao material manipulável Polydrons, registando de seguida os desenhos dos pentaminós em dois conjuntos distintos, os que permitem formar a caixa e os que não permitem formar a caixa. A escolha deste material teve a intencionalidade de permitir aos alunos rodarem as peças sem desmontar a construção inicial.

 

 

A recolha decorreu numa turma do 1º ano do Ensino Básico, de uma escola de um concelho da área metropolitana de Lisboa, com 23 alunos com idades entre os 6 e os 7 anos, donde foram selecionados 2 alunos, Gil e Raquel (nomes fictícios), para uma análise mais aprofundada, recorrendo-se ao registo áudio e vídeo, durante o trabalho autônomo e durante a discussão coletiva final. Foram ainda recolhidos os registos escritos dos alunos.

Na análise de dados, focamo-nos nos momentos de trabalho autônomo e na discussão coletiva final, por terem sido os momentos em que os alunos mostraram a sua forma de pensar. Para o quadro de análise, recorremos à proposta de Battista e Clements (1996), entendendo a identificação de unidades, estabelecimento de relações em compostos e estabelecimento de relações entre unidades, compostos e o todo como subníveis de progressão associados à estruturação local ou à estruturação global. Para um melhor entendimento dos processos associados a estes subníveis, incluímos aspectos emergentes da própria análise dos dados que denominamos como indicadores/estratégias.

 

Tabela 1

 

Resultados

Apresentamos os resultados em duas partes, a fase de trabalho autónomo, em que os alunos anteciparam e verificaram as suas previsões, e uma segunda parte referente à discussão coletiva onde os alunos verbalizam a sua forma de pensar.

Trabalho autónomo

Ao observar a folha da tarefa, Gil começa por afirmar "Só dá um.", selecionando o pentaminó (E4). De seguida, regista na sua folha da tarefa sem experimentar. Regista também outras construções, quer na caixa "Permitem" quer na caixa "Não permitem", sem experimentar, o que revela um processo de antecipação, mesmo não tendo selecionado estas opções, na folha da tarefa. Gil considera que as construções e não permitem formar caixa, registando na caixa "Não permitem", e considera e regista também que , e permitem formar caixa.

Raquel seleciona também apenas o pentaminó (E4), mas experimenta antes de registar. À medida que vai experimentando os outros pentaminós e percebe que permitem formar caixa, vai também assinalando e registando na sua folha.

De fato, o pentaminó parece ser bastante intuitivo, já que, para formar uma caixa aberta, basta levantar cada uma das abas para o centro. No entanto, o facto de ambos os alunos terem selecionado apenas esta opção, no momento inicial de exploração da tarefa, leva-nos a considerar que, nesta fase da experiência de ensino, a antecipação com base em movimentos mentais é ainda difícil para os alunos que precisam recorrer a materiais manipuláveis para executar movimentos. Ou seja, os modelos mentais que os alunos possuem são ainda simples, permitindo executar o movimento de rodar simples ou apenas quando os pentaminós apresentarem indícios fortes para a sua transformação.

Embora Raquel só vá conseguindo se aperceber de outras construções que permitem formar caixas abertas à medida que vai experimentando, nota-se que a aluna nem sempre precisa concluir o movimento (montar completamente a construção) (E2 em transição para E3). Por vezes, basta a Raquel compor metade da construção para antecipar que a outra parte compõe o resto da caixa, por vezes, por serem partes simétricas, associando assim partes da construção com o todo. Na Figura 2, vemos Raquel a movimentar as peças do pentaminó . Nesta situação, construir metade da caixa foi suficiente para que antecipasse que este pentaminó permitia construir uma caixa aberta, possivelmente devido à simetria presente na construção.

Gil e Raquel têm duas abordagens diferentes. Gil regista sem experimentar, levando a que a antecipação inicial com erros permaneça, como vemos na Figura 3.

 

 

Neste registo, vemos que Gil apresenta alguns erros como o G3, G5a e G6a. No entanto, durante o registo, Gil é desafiado por um colega a experimentar algumas das construções e, aceitando o desafio, percebe que nem todas a suas opções desenhadas até aí estão corretas, reformulando. A partir da experimentação que Raquel vai fazendo e partilhando com Gil, ele também consegue verificar que, por exemplo, a construção G2 permite formar caixa, embora tivesse antecipado e registado como não permitindo (registo não visível).

Raquel, ao experimentar, vai percebendo que a sua previsão inicial de que apenas o pentaminó poderia formar uma caixa não estava totalmente correta e se mostra muito surpreendida com as suas descobertas (E2).

Discussão coletiva

Com base no registo exibido na Figura 3, que é projetado no quadro interativo, durante a discussão coletiva, Gil apresentou os seus resultados, explicitando a forma como pensou.

Explica, então, como percebeu facilmente que a construção G1 dava para formar a caixa, recorrendo a gestos e movimentos mentais:

Gil- É fácil porque é só dobrar esta, esta, aquela e aquela.

Professora- Espera lá… Explica lá.

Gil- É fácil porque é só pôr Pôr assim: dobrar esta para aqui (faz o gesto de dobrar uma aba da esquerda em direção ao meio) aquela para ali (de cima para o meio), aquela para ali (da direita para o meio) e aquela para ali (de baixo para o meio).

(Gil e professora, 11/12/2018, Lisboa)

No discurso e nos gestos de Gil, percebemos que ele movimenta cada um dos quadrados em direção ao quadrado central, visualizando as suas posições relativas na caixa como um todo utilizando o movimento de rodar no espaço, relacionando cada um desses quadrados com uma parte da caixa. Gil parece ter um modelo mental que corresponde a uma estruturação global que relaciona este pentaminó e os seus componentes com a caixa tridimensional (E4).

A discussão prossegue e a professora tenta perceber que estratégias usou Gil para compor outras caixas que tenha considerado fáceis.

Professora- Há também assim alguma fácil, que tu aches que também seja fácil de ver sem experimentar?

Gil- Esta aqui também já tinha reparado (apontando para G2). É só virar assim (faz o gesto de levantar o quadrado de cima na direção de baixo,) depois estas duas (levantando dos dois quadrados de baixo para cima) e só falta a deste lado (referindo-se ao quadrado da esquerda que compõe a base da caixa). Deste lado não é precisa (referindo-se ao lado direito da construção que fica aberto).

(Professora e Gil, 11/12/2018, Lisboa)

Embora Gil afirme que tinha reparado que a G2 permitia formar a caixa, na fase de antecipação considerou que não permitia. Foi apenas quando Raquel lhe mostrou, manipulando o material, que Gil percebeu que era possível formar caixa com este pentaminó. Quando experimenta com o seu material, percebe e verbaliza que os colegas tinham razão. Essa experimentação permitiu-lhe compreender os movimentos necessários para transformar esse pentaminó numa caixa aberta, ou seja, permitiu-lhe estabelecer relações entre os componentes, compostos e o todo (nível inicial E3 com progressão para E4).

Numa outra construção, G5, que Gil também não considerou inicialmente como sendo possível formar uma caixa (G5a), o aluno descreve a sua estratégia, recorrendo ao material manipulável para que os colegas pudessem visualizar o processo. A dificuldade sentida pelos alunos nos movimentos mentais dos diferentes compostos desta construção implicou o uso do material para mediar a construção dessa representação mental. Acompanhemos o excerto com a Figura 4, para uma melhor descrição do processo:

 

 

Gil- Dá dá. Olha, é dobrando esta (levanta o quadrado 1), esta (faz o mesmo com o quadrado 5), assim (levanta o quadrado 2, fazendo o composto de 1 e 2 encaixar em 3) e assim (faz o mesmo com 4 e 5, montando a caixa). (Gil, 11/12/2018, Lisboa)

No processo aqui descrito por Gil, verificamos que os movimentos que faz de um lado e de outro da construção vão sendo simétricos. Esta simetria parece contribuir para estabelecer relações entre componentes que formam um composto de dois quadrados em ângulo reto no espaço. Nota-se, portanto, uma relação não só entre componentes que formam compostos (E4), mas também entre esses compostos e o todo que foi construído a partir da manipulação dos materiais e que inicialmente não se verificou. Este processo parece ser semelhante ao utilizado por Raquel ao experimentar o pentaminó, como vimos na Figura 2.

Ao longo da sua apresentação, Gil vai identificando pentaminós que registou como permitindo formar caixa, mas que entretanto percebeu que não permitiam, nomeadamente G6a e G3. Raquel intervém para indicar que não concordava, no caso de G3.

Raquel- Este está certo (apontando para G3, na projeção, no quadro).

Professora- Este está certo?

Gil- Não, não está!

Raquel- Sim, sim. É só virar estas duas para aqui (levanta os dois quadrados de cima para baixo) e esta para aquiii (levantando um quadrado da direita em direção ao lado esquerdo, não mencionando o outro quadrado) e faltava ali uma (do lado esquerdo) para virar para lá (para o lado direito).

Professora- Experimentaste essa?

Raquel-Sim.

Gil- Então olha

Professora- Então Gil, experimenta lá.

(Raquel, professora e Gil, 11/12/2018, Lisboa)

 

 

Professora- Tu dizes que permite ou não permite, Raquel?

Raquel- Permite, porque olha aqui.

Gil- Não, porque olha aqui (Dobra a sua construção, mostrando que não dá).

Raquel- Sim, sim, olha! (Levanta os quadrados da sua construção formando uma caixa incompleta, sem uma das faces).

Professora- Não, mas este não é esse.

Raquel- É sim.

Professora- NãoOh Raquel, vê lá bem se este (aponta para o pentaminó de Gil) é igual ao que tu tens.

Gil- Não, não é. Esse tem três e aqui um

Raquel- Não, não, aqui são duas e ali são 3 (Aponta para a figura registada pelo colega na folha).

Professora- Exato. Então vê lá se tens assim.

(Professora, Raquel e Gil, 11/12/2018, Lisboa)

Embora estando correta quanto à possibilidade do seu pentaminó formar caixa e sendo capaz de atender a alguns aspectos particulares da construção Raquel parece ter alguma dificuldade em distinguir as duas construções possivelmente devido ao fato do aspecto global de ambas ser parecido (letra L). Quando diz dois e três, relativamente à sua construção, conta duplamente o quadrado do canto, mostrando também não conseguir ainda coordenar as duas partes da construção. Durante a exploração autônoma, Raquel revela ter registado esta construção sem experimentar e, ainda durante esta fase, com Gil, experimentam a construção G3, onde Raquel repara que não permite formar caixa. De imediato, decide apagar o registo que tinha feito, sem notar que as construções são diferentes. Dado que Raquel está focada numa imagem global da figura, tem dificuldade em relacionar os aspectos particulares da figura e, por isso, tem também mais dificuldade em relacionar os aspectos da construção bidimensional com a sua correspondência ao nível tridimensional.

A interação com o colega e com a professora oferece a oportunidade a Raquel de explorar de forma mais aprofundada as suas concepções que, ao serem colocadas em confronto, têm a oportunidade de serem reformuladas, decompondo mentalmente a figura em dois compostos (2 +3). Isto é, a interação entre Gil e Raquel a impele a olhar para aspectos particulares da estrutura da figura aos quais não tinha dado atenção anteriormente, nomeadamente quanto a formas de organização dos compostos. Apesar da intervenção de Gil não se focar na relação entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, os movimentos que faz com o material permitem também que Raquel possa ir abstraindo movimentos que a ajudem a construir essa correspondência. Embora Raquel não tivesse conseguido distinguir ainda de forma evidente as duas construções, esta discussão pode ter sido importante para o estabelecimento de relações. Desta forma, Raquel tem a possibilidade de construir um modelo mental mais coerente com a construção, distinguindo-a de outras construções com aspecto global semelhante.

 

Discussão

Neste artigo, pretendíamos compreender que relações entre componentes, compostos e o todo, os alunos do 1º ano utilizam para transformar representações bidimensionais (pentaminós) em construções tridimensionais (caixas abertas).

Podemos concluir que os alunos são capazes de relacionar componentes e compostos dos pentaminós entre si, estabelecendo correspondências com componentes ou compostos das caixas formadas por esses pentaminós. Verificamos que, com frequência, assumem como compostos duas faces adjacentes que por sua vez evidenciam uma relação de simetria com outros compostos da mesma caixa. Os alunos parecem ter mais facilidade em antecipar quais pentaminós permitem formar caixas, rodando mentalmente, no espaço, quando estes exigem apenas a manipulação de componentes em vez da manipulação de compostos. Estes são também pentaminós que apresentam indícios claros de relação entre os componentes dos pentaminós e as partes correspondentes das caixas.

Ao longo da tarefa, quer pela manipulação dos materiais quer pela interação entre alunos e com a professora, foi possível observar um aprofundamento do tipo de relações estabelecidas entre os componentes e os compostos dos pentaminós com as construções tridimensionais. Estas relações foram potenciadas pelo uso do movimento de rodar, que inicialmente foi muito mais físico, mas, progressivamente, foi-se tornando mais mental, pela abstração de relações entre os componentes e os compostos de ambas as representações

Em situações em que os alunos não conseguiram antecipar corretamente se um determinado pentaminó permitia formar caixa, recorreram à tentativa e erro através da experimentação com materiais manipuláveis. Esta manipulação contribuiu para levar os alunos a construir representações mentais para os movimentos realizados e para estabelecer relações entre os componentes dos pentaminós, formando compostos e relacionando-os com as partes da caixa. Permitiu, também, a verificação das ideias iniciais dos alunos e a sua reformulação, em alguns casos.

O uso de materiais manipuláveis constitui assim um mediador fundamental para os alunos poderem realizar movimentos físicos e abstraí-los, sendo que, em diferentes momentos, Raquel precisou manipular apenas uma parte da construção para antecipar o que iria acontecer na outra parte, geralmente simétrica. Por isso, este tipo de tarefa constitui uma oportunidade para os alunos desenvolverem, por um lado, a sua capacidade de utilizar movimentos mentais, nomeadamente a rotação mental, apoiados numa representação física. Por outro lado, esta tarefa permitiu, também, a estes alunos estabelecerem e aprofundarem as relações entre representações bidimensionais (pentaminós) e representações tridimensionais (caixas abertas), fundamentais para anos posteriores, podendo associar componentes ou compostos dos pentaminós a componentes ou compostos de caixas. Neste sentido, a proposta de Johnston-Wilder e Mason (2005) para trabalhar a bidimensionalidade e a tridimensionalidade de forma mais integrada parece fazer sentido, neste contexto, ao aprofundar as relações entre ambas as representações.

Estes resultados parecem alargar a investigação realizada por Battista e Clements (1996) que se situaram sobretudo ao nível dos arranjos bidimensionais e tridimensionais e de Battista (2008) que incidiu sobre figuras geométricas, nomeadamente quadriláteros. A estruturação espacial com base em relações entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade carece ainda de estudo, mas poderá constituir também uma forma de dissolver as dificuldades enunciadas por Hallowell et al. (2015).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Joana Conceição
conceicaoj@campus.ul.pt

Recebido em: 11/08/2019
Aceito em: 11/03/2020

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