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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.14 no.spe Juiz de Fora  2020

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.30256 

Como mulheres avaliam expressões faciais de alegria e dor?

 

How do women evaluate facial expressions of happiness and pain?

 

¿Cómo evalúan las mujeres las expresiones faciales de alegría y dolor?

 

 

Ana Mércia FernandesI; Daniel Ciampi de AndradeII; Luiz Carlos Serramo LopezIII; Luiz de Gonzaga GawryszewskiIV; Nelson TorroV

IUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: anamerciaf@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8689-2219
IIUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: ciampi.usp@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3411-632X
IIIUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. E-mail: lcslopez@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9983-5563
IVSociedade Brasileira da Psicologia. E-mail: gawryszewski@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3701-509X
VUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. E-mail: nelsontorro@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3678-5762

 

 


RESUMO

A expressão facial de dor pode provocar diferentes reações comportamentais. Todavia, ainda não está claro se a face de dor evoca respostas motoras mais lentas ou mais rápidas, quando comparada à expressão com valência positiva, e sua interação com o sexo da pessoa que demonstra a expressão facial. O objetivo desse trabalho foi avaliar o padrão de resposta motora de mulheres em uma tarefa de reconhecimento de expressões faciais de alegria e dor em faces femininas e masculinas. Na tarefa experimental, 32 estudantes classificaram emoções faciais dinâmicas de homens e mulheres entre as opções de alegria e dor, sendo registradas as respostas de tempo de reação manual (TRM). A ANOVA indicou uma diferença entre faces masculinas e femininas apenas para a identificação da dor (p = 0,001), mas não da alegria (p = 0,064). Neste caso, a dor foi reconhecida mais rapidamente na face masculina (TRM = 625,1 ms) que na face feminina (TRM = 668,0 ms). Considera-se que este padrão de resposta motora pode estar relacionado à detecção de situações potencialmente ameaçadoras no ambiente, com possibilidade de ser estudado em pessoas com dor crônica.

Palavras-chave: Expressão facial; Dor; Tempo de reação.


ABSTRACT

The facial expression of pain can provoke different behavioral reactions. However, it is not clear whether the face of pain evokes slower or faster motor responses when compared with positive valence expression and its interaction with the gender of the person who demonstrates facial expression. The objective of this work was to evaluate the motor response pattern of women in a task of recognizing facial expressions of happiness and pain in female and male faces. In the experimental task, 32 students classified dynamic facial emotions of men and women among the options of happiness and pain, and manual reaction time (MRT) responses were recorded. The ANOVA indicated a difference between male and female faces only for the identification of pain (p = 0.001), but not happiness (p = 0.064). In this case, the pain was recognized more quickly on the male face (TRM = 625.1 ms) compared to the female face (TRM = 668.0 ms). It is considered that this pattern of motor response may be related to the detection of potentially threatening situations in the environment, with the possibility of being studied in people with chronic pain.

Keywords: Facial expression; Pain; Reaction Time.


RESUMEN

La expresión facial del dolor puede provocar diferentes reacciones conductuales. Sin embargo, aún no está claro si el rostro de dolor evoca respuestas motoras más lentas o más rápidas, en comparación con la expresión con valencia positiva, y su interacción con el sexo de la persona que demuestra expresión facial. El objetivo de este trabajo fue evaluar el patrón de respuesta motora de las mujeres en una tarea de reconocimiento de expresiones faciales de alegría y dolor en rostros femeninos y masculinos. En la tarea experimental, 32 estudiantes clasificaron las emociones faciales dinámicas de hombres y mujeres entre las opciones de alegría y dolor, y se registraron las respuestas de tiempo de reacción manual (TRM). El ANOVA indicó una diferencia entre los rostros masculinos y femeninos solo para la identificación del dolor (p = 0.001), pero no alegría (p = 0.064). En este caso, el dolor se reconoció más rápidamente en el rostro masculino (TRM = 625.1 ms) comparado al rostro femenino (TRM = 668.0 ms). Se considera que este patrón de respuesta motora puede estar relacionado con la detección de situaciones potencialmente amenazantes en el entorno, con posibilidad de ser estudiado en personas con dolor crónico.

Palabras clave: Expresión Facial; Dolor; Tiempo de Reacción.


 

 

Expressões faciais fornecem informações sobre um perigo real ou potencial no ambiente e podem provocar mudanças de comportamento no espectador, como oferecer assistência, além de evocar respostas emocionais, como preocupação, empatia e angústia (Gonzalez-Roldan et al., 2011; Prkachin & Craig, 1994; Williams, 2002). Dentre os comportamentos não verbais, a expressão facial é um dos mais relevantes na comunicação da dor (Kappesser, 2019).

A visualização de expressões faciais pode amplificar as respostas faciais e cerebrais de dor, influenciar tanto a tolerância quanto percepção à dor nos observadores (de Wied & Verbaten, 2001; Mailhot, Vachon-Presseau, Jackson, & Rainville, 2012; Sun, Wang, Wang, & Luo, 2015; Vachon-Presseau et al., 2011). Em recente metanálise de estudos com Ressonância Magnética Funcional observou-se que o córtex cingulado anterior, o giro central anterior, o giro fusiforme e a ínsula são ativados sob o estímulo da expressão facial de dor e estão relacionados à empatia da dor (Xiong et al., 2019). A magnitude das respostas cerebrais do espectador parece ser também influenciada pela intensidade da expressão (Botvinick et al., 2005; Gonzalez-Roldan et al., 2011) e pelo sexo do indivíduo que produz a expressão facial de dor, por exemplo, as faces femininas de dor levaram mais tempo para serem reconhecidas do que faces masculinas de dor. De modo distinto, a percepção de faces com emoções de valência negativa, tal como raiva e nojo, e a expressão neutra parecem não ser influenciadas pelo sexo da pessoa que produz a expressão facial. Adicionalmente, taxas de erro são mais elevadas na avaliação de expressões de dor em mulheres que homens (Riva, Sacchi, Montali, & Frigerio, 2011).

A observação de expressões faciais de dor em faces masculinas ativa regiões cerebrais relacionadas à ameaça, como o córtex pré-frontal ventromedial, a área somatossensorial II (SII), e a ínsula posterior e anterior. No entanto, há uma diminuição significativa da ativação durante a exibição de faces femininas de dor na amígdala, córtex cingulado anterior e área somatossensorial (Simon, Craig, Miltner, & Rainville, 2006).

O processamento implícito de emoções faciais de alegria, raiva, nojo, tristeza, surpresa, medo, neutra e dor foi estudado por Simon, Craig, Gosselin, Belin e Rainville (2008) que verificaram que a discriminação do gênero da face foi influenciada pelo tipo de emoção, sendo encontradas respostas mais rápidas para faces masculinas de dor em comparação as faces femininas de dor. Estes autores utilizaram um banco de expressões faciais dinâmicas com vídeos que se iniciam com a face neutra até o ápice da expressão. Faces emocionais dinâmicas levam a padrões de ativação mais intensos do que as faces estáticas, segundo estudos eletrofisiológicos e de neuroimagem (Arsalidou, Morris, & Taylor, 2011; Recio, Sommer, & Schacht, 2011). O tipo de emoção e a intensidade da expressão parecem influenciar o efeito das faces dinâmicas, sendo as expressões dinâmicas de alegria e medo mais bem reconhecidas em comparação com suas equivalentes estáticas em intensidades baixas da emoção (Torro-Alves, Bezerra, Claudino, & Pereira, 2013). Além disso, representam melhor a naturalidade das expressões, atratividade e mimetismo (Rubenstein, 2005; Sato, Fujimura, & Suzuki, 2008). Assim, a apresentação dinâmica auxilia o processamento visual das expressões faciais podendo o movimento aumentar a atenção de uma forma reflexiva, orientada para o estímulo (Recio, Schacht, & Sommer, 2014).

Estudos realizados tanto em espectadores com condições clínicas quanto em saudáveis que utilizaram o tempo de reação manual (TRM) nas tarefas de aproximação e afastamento durante o reconhecimento de faces emocionais com valências distintas ainda são controversos. Indivíduos com ansiedade social alta foram mais rápidos para afastamento a faces de raiva e alegria (Roelofs, Putman et al., 2010) e mulheres com depressão foram mais rápidas para afastamento a faces de raiva, medo e tristeza comparado à faces de alegria e neutra (Seidel, Habel, Finkelmeyer et al., 2010). Já Radke, Guths, Andre, Muller e de Bruijn (2014) verificaram que indivíduos com depressão não apresentaram tendências de aproximação ou afastamento a faces de alegria e raiva. Em indivíduos saudáveis, faces de alegria provocaram aproximação (Seidel, Habel, Kirschner, Gur, & Derntl, 2010) e respostas de cooperação em mulheres (Stins et al., 2011), mas não houve diferenças entre faces de alegria e neutras na oscilação corporal de mulheres diante de expressões faciais estáticas (Roelofs, Hagenaars, & Stins, 2010).

Não se sabe exatamente se faces de dor evocam um comportamento motor mais lento ou mais rápido quando comparado a faces de alegria em mulheres saudáveis e sem dor crônica. O objetivo deste trabalho foi avaliar o padrão de resposta motora de mulheres em uma tarefa de reconhecimento de expressões faciais com valência positiva (alegria) e negativa (dor), além de analisar a influência do sexo da face destas expressões.

 

Método

Características do estudo

Trata-se de um estudo observacional, analítico, transversal, com o recrutamento da amostra de conveniência. Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo em que se avalia o comportamento motor de pacientes com fibromialgia diante de faces com valência emocional. A fibromialgia é uma condição clínica classificada no grupo de dores nociplásticas, cuja prevalência é de mulheres (Trouvin et al., 2019; Wolfe et al., 1990). Por esta razão, optou-se por recrutar apenas mulheres nesta amostra a fim de evitar possíveis fatores de confusão relacionados ao gênero. Pessoas saudáveis foram recrutadas dada a importância de se obter inicialmente dados na população sem doenças crônicas.

Participaram da pesquisa 32 estudantes universitárias da UFPB, com idade variando entre 18 e 25 anos (M = 20,28; DP = 2,01). Os critérios de inclusão foram: mulheres destras; acuidade visual normal ou corrigida em ambos os olhos; ausência de transtornos psiquiátricos graves, como esquizofrenia; ausência de abuso de substâncias químicas, como drogas ilícitas, álcool e cigarro; ausência de acidente vascular encefálico, ausência de dor (avaliada pela Escala Visual Analógica, EVA). O experimento foi realizado no Laboratório de Ciências Cognitivas e Percepção, situado no Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob o Protocolo n° 0437/15, CAAE: 47065315.3.0000.5188. Todos os procedimentos realizados obedeceram às normas da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

A participação ocorreu de forma voluntária, respeitando a autonomia, privacidade e anonimato. Ao final do estudo, as participantes foram convidadas a retornarem ao laboratório para a entrega e esclarecimento sobre o resultado individual e geral da pesquisa.

Materiais e instrumentos

Estímulos visuais.

Para a apresentação dos estímulos visuais foram utilizadas expressões faciais dinâmicas da emoção com vídeos de um segundo. O banco de faces adotado foi desenvolvido e validado por (Simon et al., 2008), o mesmo é composto por oito atores sendo quatro masculinos e quatro femininos que apresentam as seis emoções básicas (alegria, raiva, medo, tristeza, nojo e surpresa), além da face neutra e a face de dor. Os vídeos iniciam com a face neutra até o ápice da expressão. Nesse estudo, foram utilizadas duas faces: alegria (valência positiva) e dor (valência negativa).

Por se tratar de um banco de faces de origem estrangeira, foi realizada uma avaliação qualitativa das imagens e um experimento de reconhecimento das faces por juízes, integrantes do LACOP. A face de alegria e de dor, as quais foram utilizadas nesse estudo, tiveram uma taxa de reconhecimento de 100% e de 96%, respectivamente.

Software de apresentação de estímulos.

Foi utilizado o software E-Prime 2.0 para apresentação das faces dinâmicas de alegria e dor, além de um microcomputador com monitor e caixa de resposta (SRBox) para registro dos tempos de reação manual.

Procedimento.

Inicialmente, os participantes foram orientados em relação aos objetivos da pesquisa e, depois de assinarem o TCLE, responderam a um questionário sociodemográfico, à EVA e ao Inventário de Dominância Lateral de Edinburgo (Oldfield, 1971).

Em seguida, as estudantes realizaram a tarefa de Tempo de Reação Manual (TRM) para reconhecimento de faces emocionais dinâmicas de dor e alegria, em uma sala com atenuação sonora e luminosa. As participantes foram orientadas a apoiarem a cabeça em um suporte de fronte, mantendo a distância dos olhos em aproximadamente 57 cm distante do monitor. No centro da tela, eram apresentadas faces emocionais dinâmicas de dor e alegria. No experimento, a tarefa das participantes consistia em classificar a emoção facial respondendo em uma caixa de respostas (SRBox), que opera junto ao programa de apresentação dos estímulos na tela do computador (E-prime 2.0). As participantes foram divididas em 2 subgrupos (1 e 2). No subgrupo 1, as participantes foram orientadas a pressionar a tecla 1 para a face de alegria e a tecla 5 para a face de dor, durante as duas primeiras sessões. Nas duas sessões seguintes, as participantes do subgrupo 1 responderam aos estímulos com o mapeamento entre faces e teclas invertido, ou seja, deveriam pressionar a tecla 1 para face de dor e a tecla 5 para face de alegria, conforme o apresentado na Figura 1 (adaptado de Conde et al., 2011). A troca de tecla foi adotada a fim de se evitar o efeito de aprendizagem e a influência do efeito de compatibilidade espacial (Umiltá & Nicoletti, 1985). As participantes do subgrupo 2 realizaram a tarefa de maneira oposta. Assim, todos as participantes passaram pelos quatro blocos do experimento. Foram apresentados 80 estímulos em cada bloco, totalizando 320 estímulos para avaliação. As faces foram apresentadas aleatoriamente dentro de cada bloco. Antes do início do experimento foram apresentados 16 estímulos de treino, mas não contabilizados no cálculo dos tempos de resposta. As participantes foram orientadas a responderem aos estímulos o mais rápido possível.

Análises estatísticas

O programa Microsoft Windows Office 2013 foi utilizado para a tabulação dos dados e o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 21, para o tratamento estatístico. O nível de significância adotado foi de 0,05 em todos os testes.

Todas as variáveis foram submetidas ao teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. Quando obedeceram a uma distribuição normal, foi realizado a análise de variância (ANOVA) seguida pelo teste post-hoc com correção de Bonferroni. Para as variáveis categóricas foi utilizado o Teste Qui-quadrado e/ou o Teste Exato de Fisher.

 

Resultados

Caracterização da amostra: todas as estudantes apresentaram escolaridade de 12 anos de estudo, renda individual menor que um salário mínimo, ausência de dor e ausência de uso de medicamentos controlados ou para dor nas últimas 24 horas do experimento. A maioria declarou-se de cor branca (46,9%), 37,5% pardas, 12,4% negras e 3,1% amarelas.

Os dados de Tempo de Reação Manual (TRM) foram submetidos a uma ANOVA de medidas repetidas de modelo: 2 expressões faciais (alegria e dor) x 2 sexos das faces (feminino e masculino). As variáveis "expressões faciais" e "sexos das faces" foram consideradas como fatores de medidas repetidas. Não foram incluídas na análise os TRM das respostas incorretas dos participantes.

Foi observado um efeito estatisticamente significativo do fator principal "sexos das faces" [F(1,31) = 7,099, p = 0,012], mas não de "expressões faciais" [F(1,31) = 0,518, p = 0,477]. Foi também encontrada uma interação estatisticamente significativa entre estes dois fatores [F(1,31) = 36,709 , p = 0,001].

Para análise da interação, foi aplicado um teste post hoc com correção de Bonferroni para comparações múltiplas. Verificou-se que, em faces femininas, a face de alegria (TRM = 634,1 ms) foi identificada mais rapidamente que a face de dor (TRM = 668,0 ms) (p = 0,001). Para as faces masculinas, um padrão oposto foi encontrado, no qual a face de dor (TRM = 625,1 ms) foi identificada mais rapidamente que face de alegria (TRM = 649,0 ms) (p = 0,008). Foi observada uma diferença entre faces masculinas e femininas apenas para a identificação da expressão de dor (p = 0,001), mas não alegria (p = 0,064). Neste caso, a expressão de dor foi reconhecida mais rapidamente na face masculina (TRM = 625,1 ms) em relação à feminina (TRM = 668,0 ms) (Figura 2).

Tempo de Reação Manual para as faces femininas e masculinas de dor e alegria. Foi encontrada uma diferença estatisticamente entre faces masculinas e femininas apenas para a emoção de dor (p = 0,001), mas não alegria (p = 0,064).

 

Discussão

Faces dinâmicas femininas e masculinas de dor e alegria foram utilizadas para verificar as respostas motoras através do tempo de reação de mulheres saudáveis. O resultado deste estudo indicou uma interação entre os fatores expressão e sexo da face, no qual se observou que a expressão de alegria foi identificada mais rapidamente que a de dor nas faces femininas, enquanto que a face de dor foi identificada mais rapidamente que a de alegria nas faces masculinas. A vantagem para a identificação da expressão de dor na face masculina pode estar relacionada a um maior estado de alerta para detectar situações potencialmente ameaçadoras.

Simon et al. (2008) encontraram que observadores decodificaram mais rápido e mais precisamente expressões de dor em comparação com a expressão de raiva e neutra em faces masculinas (Simon et al., 2006). Tal vantagem para a detecção da expressão de dor esteve associada à ativação de regiões cerebrais relacionadas à ameaça, tal como o córtex pré-frontal ventromedial, a área somatossensorial II (SII) e a ínsula posterior e anterior. No entanto, houve diminuição significativa da ativação durante a exibição de faces femininas de dor nas áreas da amígdala, córtex cingulado anterior e área somatossensorial. O padrão neural encontrado reflete valores de comunicação social transmitida por faces masculinas e femininas, e que os homens expressando dor sinalizam situações potencialmente ameaçadoras que ativam o sistema de luta-fuga no cérebro do observador (Simon et al., 2006).

Os presentes achados também são concordantes com a ideia de que existe um processo de habituação frente a expressões femininas de dor, visto que as mulheres apresentam uma maior variedade de síndromes dolorosas e de uma inibição top-down atribuída aos estereótipos femininos. Deste modo, passa a haver uma detecção seletiva das faces de dor no homem como sinal de ameaça ao ambiente (Riva et al., 2011).

Nas faces femininas, ocorreu um padrão oposto, sendo a expressão de alegria identificada mais rapidamente que a de dor. Alguns trabalhos apontam que as mulheres parecem ter maior capacidade de perceber e responder à emoção facial positiva (Donges, Kersting, & Suslow, 2012; Hoffmann, Kessler, Eppel, Rukavina, & Traue, 2010), o que pode ter favorecido a identificação da face feminina de alegria.

Quando se avaliou a valência emocional isoladamente sem a influência do sexo das faces não houve diferença no TRM entre as expressões de alegria e dor. Esse achado difere de Do Nascimento et al. (2018) em que as respostas para identificação das faces de dor foram mais lentas do que as respostas para faces expressando alegria sugerindo que a face com dor provoca uma inibição da resposta motora. Os autores destacam que uma possível interpretação para esse resultado, assim como descrito por Leppänen et al. (2003), está relacionado com uma facilitação da resposta com valência positiva (alegria) em relação à valência negativa, que no estudo de Leppänen et al. (2003) foi a expressão de raiva. No entanto, outro estudo que utilizou faces de dor, alegria e neutra para avaliar os comportamentos de aproximação e afastamento através de medidas de alterações posturais verificou que tanto as expressões de alegria quanto as de dor provocaram maior oscilação corporal de aproximação em comparação a faces neutras. Os autores consideraram que os efeitos da expressão de dor são diferentes daqueles induzidos por outros estímulos desagradáveis e que se assemelham ao da alegria no que concerne a tendência comportamental de aproximação e de evocação de maior empatia (Gea et al., 2014). Estudos de neuroimagem demonstraram que a empatia a dor ativa as regiões classicamente relacionadas com as redes neurais da empatia, tal como observado no estudo de metanálise de Jauniaux, Khatibi, Rainville e Jackson (2019).

Em outros trabalhos, imagens desagradáveis, como raiva, medo e mutilação provocaram menor reação corporal (freezing) e maior afastamento (Azevedo et al., 2005; Roelofs, Hagenaars, et al., 2010), enquanto faces de alegria provocam aproximação e respostas de cooperação (Seidel, Habel, Kirschner, et al., 2010; Stins et al., 2011). A diferença da expressão de dor em comparação a outras expressões de valência negativa também foi verificada no estudo de Gonzalez-Roldan et al. (2011), ao demonstrarem que as amplitudes dos potenciais evocados visuais são significativamente diferentes na comparação entre as expressões de dor e raiva. Esses autores sugerem o envolvimento de diferentes mecanismos cerebrais durante o processamento e reconhecimento destas expressões em voluntários saudáveis. Portanto, entende-se que a ausência de diferença no TRM entre alegria e dor neste estudo possivelmente está relacionado à congruência de mecanismos que envolvem a empatia emocional do observador tanto para a alegria quanto para dor no outro. Este entendimento pode ser útil para compreender comportamentos de aproximação, empatia e assistência frente às pessoas com dores crônicas.

 

Conclusão

Este estudo mostrou que o sexo da face influencia o comportamento motor na avaliação de expressões de dor e alegria em mulheres saudáveis. Faces masculinas de dor foram identificadas mais rapidamente que faces masculinas de alegria, podendo haver uma associação entre dor em faces masculinas e a presença de situações potencialmente ameaçadoras no ambiente. Alternativamente, esses resultados podem também estar relacionados a diferentes estereótipos culturais sobre o comportamento frente a dor em homens e mulheres. A ausência de diferença no TRM para o reconhecimento de dor e alegria, sem a influência do sexo das faces, sugere que existem mecanismos neurais que provocam reações comportamentais semelhantes nos espectadores. É possível destacar que o TRM pode ser utilizado como uma tarefa comportamental de fácil aplicabilidade, comparada a outros métodos de investigação, para se avaliar e melhorar o entendimento sobre a reatividade emocional à dor. Sugere-se, portanto, que outros estudos investiguem diferentes populações, entre elas espectadores homens, pessoas com dores crônicas como a fibromialgia, com transtornos relacionados à diminuição da empatia e outras síndromes neurológicas.

Agradecimentos

This work was supported in part by funding from Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel - CAPES; Brazilian National Council for Scientific and Technological Development - CNPq (425462/2016-1; 311910/2017-3), and Grant 008/2019, Pronex, Paraíba State Research Foundation - FAPESQ.

 

Referências

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Recebido em: 16/04/2020
Aceito em: 02/09/2020

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