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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.14 no.spe Juiz de Fora  2020

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.30399 

Discriminação ículos por observadores parados

 

Discrimination of vehicle speeds by stationary observers

 

Discriminación de velocidades de vehículos por observadores estáticos

 

 

Bruno Araújo FariaI; Ricardo KamizakiII

IUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. E-mail: bafaria@terra.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8858-6696
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. E-mail: rkz57@uol.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9720-9411

 

 


RESUMO

A percepção de movimento é objeto de estudo da psicofísica, entretanto há poucos estudos em situações naturalísticas ou que utilizam veículos reais. Investigamos como as pessoas percebem a velocidade de veículos em situações naturais. Observadores estáticos foram solicitados a determinar a velocidade de um veículo real em movimento. Os resultados demonstraram acurácia nas estimativas das velocidades dos veículos, independente do sexo do participante e de possuir ou não habilitação. O expoente da função-potência associado a esta dimensão foi de 1,31, mostrando tendência à superestimativa com o aumento da velocidade física, indicando que não há linearidade na percepção de velocidades de veículos por observadores estáticos.

Palavras-chave: Psicofísica sensorial; Percepção visual; Percepção de velocidade.


ABSTRACT

The perception of movement is an object of study of psychophysics, however there are few studies in naturalistic situations or using real vehicles. We investigated how people perceive vehicle speed in natural situations. Static observers were asked to determine the speed of a real moving vehicle. The results showed accuracy in the estimates of vehicle speeds, regardless of the participant's gender and whether or not they are licensed. The exponent of the power-function associated with this dimension was 1.31, showing a tendency to overestimate with increasing physical speed, indicating that there is no linearity in the perception of vehicle speeds by static observers

Keywords: Sensory psychophysics; Visual perception; Speed perception.


RESUMEN

La percepción del movimiento es objeto de estudio de la psicofísica, sin embargo, existen pocos estudios en situaciones naturalistas o utilizando vehículos reales. Investigamos cómo personas perciben la velocidad del vehículo en situaciones naturales. Se pidió a observadores estáticos que determinaran la velocidad de vehículos en movimiento real. Los resultados mostraron precisión en las estimaciones de la velocidad, independientemente del género del participante y si tiene licencia o no. El exponente de la función de potencia asociado con esta dimensión fue 1.31, mostrando una tendencia a sobreestimar con el aumento de la velocidad física, lo que indica que no existe linealidad en la percepción de la velocidad del vehículo por parte de los observadores estáticos.

Palabras clave: Psicofísica sensorial; Percepción visual; Percepción de velocidad.


 

 

A sobrevivência dos organismos depende fundamentalmente dos processos perceptivos destes em relação ao ambiente que os rodeia. Desta maneira, os estímulos recebidos externamente devem ser captados pelos órgãos sensoriais e, passando pela consciência, devem formar uma representação do ambiente de modo a proporcionar uma representação mental adaptativa do meio exterior. E, conforme a afirmação de Baird (1997), tais estímulos físicos externos são quantificáveis e possuem variações dimensionais como: concentração química, som etc., o que sugere que podem ser medidos e estudados.

O mais complexo sistema perceptual humano é a visão. Só para ter-se uma ideia, o nervo auditivo humano possui cerca de 30.000 fibras enquanto o nervo óptico possui aproximadamente 1.000.000 delas (Wurtz & Kandel, 2000). A função principal da visão humana é construir uma imagem representacional dos objetos do ambiente a partir das informações extrínsecas ao organismo que são transformadas em impulsos nervosos. Estas informações do ambiente, que são o caso da visão, essencialmente: contraste, movimento, detalhes, forma, cor, profundidade etc., são compiladas, codificadas e analisadas em processos corticais, sendo posteriormente associadas à memória e também às informações recebidas pelos outros sentidos para, então, serem sintetizadas resultando no mundo que percebemos (Araújo, 2014).

A percepção de movimento é uma das características mais importantes e fundamentais do sistema visual humano, permitindo a interação efetiva dos indivíduos com objetos e pessoas e também seu próprio deslocamento no espaço. Tal característica, adquirida ao longo do processo evolutivo humano, garantiu a sobrevivência da espécie visto que era fundamental a percepção de predadores e outras ameaças do ambiente. Vários pesquisadores, como Nakayama (1985), Goldstein (2007) e Dittrich e Lea (2001), elencaram um total de sete utilidades para a percepção de movimento, quais sejam: processamento de informações em três dimensões; cálculo de tempo para colisão; segmentação da imagem; percepção de si e manutenção da postura corporal; controle do movimento ocular; identificação de padrões na natureza e percepção de movimento real dos objetos e outros seres vivos.

Em que pese a considerável capacidade do sistema perceptivo humano em detectar padrões de movimento, sendo tal fato corroborado pelo grande número de estudos relacionados ao tema na literatura, a percepção e discriminação de velocidade em situações naturalísticas não têm sido alvo de muitos estudos no tocante à percepção humana (Costa, 2011). Entretanto, alguns estudos sugerem que a percepção de velocidade é uma característica processada pelo sistema visual humano, assim como o tempo e o espaço, e não somente uma derivação destas (Lappin, Bell, Harm, & Kottas, 1975). Poder-se-ia pensar tal fato a priori por efeito do próprio conceito físico de velocidade como sendo a relação entre estas duas variáveis (velocidade = distância/tempo). Embora, tomemos estas três dimensões da percepção humana como essenciais, não se pode descartar a existência das relações entre estas variáveis como, por exemplo, em tarefas simples do cotidiano como, por exemplo, atravessar uma rua (Zhuang, Zhang, Chen, & Ma, G., 2020). Recarte e Nunes (2000) afirmam que a percepção de velocidade é uma característica primária processada pelo sistema perceptual humano baseando-se em seus estudos de estimação e produção de velocidade por motoristas, em função de não terem encontrado diferenças atribuíveis ao sexo ou à experiência de condução de veículos.

Com o desenvolvimento tecnológico e a chegada de máquinas e veículos automotores, não somente a percepção do movimento concretizou-se como algo fundamental, mas também foi acrescida da importância da discriminação da velocidade de movimentação dos objetos. Afinal, como afirmam Raghuram, Lakshminarayan e Khanna (2005), lidar com altas velocidades e estimá-las é essencial em tarefas de direção veicular. Esta importância pode ser mais facilmente compreendida quando se trata especificamente de pedestres, ou seja, estes precisam ter uma noção adequada da velocidade de movimentação dos veículos para realizarem uma travessia, por exemplo. Por outro lado, os motoristas entre as várias tarefas visuais exigidas na condução de um veículo, devem ainda estar atentos à velocidade de movimentação dos pedestres, ciclistas e principalmente na estimação da velocidade dos outros veículos que seria a tarefa mais importante ao dirigir, tudo isso a fim de evitar acidentes de trânsito, muitos deles com consequências fatais (Scialfa, Guzy, Leibowitz, Garvey, & Tyrrel, 1991). Zhuang et al. (2020) observaram que a estimativa do tempo de travessia é um processo importante na tomada de decisões sobre atravessar a rua. Este estudo avaliou a capacidade do pedestre de estimar o tempo de travessia em um experimento de campo. O tempo de cruzamento foi medido por um método de produção com intervalo (os participantes produziram um intervalo para representar tempo estimado de travessia) e um método de travessia imaginado. Os resultados mostraram que, embora os pedestres jovens geralmente tenham uma estimativa precisa do tempo de travessia, os pedestres idosos subestimaram consistentemente o tempo de travessia em ambos os métodos, especialmente em uma rua mais larga.

As estatísticas oficiais brasileiras apontaram que, em 2019, foram 40.721 mortes provocadas em acidentes de trânsito (Seguradora Líder, 2019). Deste total, 11.919 pessoas vieram a óbito em casos de atropelamento. Estes números colocam em evidência a necessidade de estudos relacionados à percepção de movimento, bem como de discriminação de velocidade na população brasileira.

Consoante o que foi dito em epígrafe, ainda que a percepção de movimento em si tenha, ao longo dos anos, despertado o interesse de pesquisadores de diversas áreas, especificamente a discriminação da velocidade de movimentação de objetos em campo aberto tem sido negligenciada e poucos estudos são encontrados na literatura, como por exemplo, as pesquisas de Scialfa et al. (1991), Raghuram, Lakshminarayan e Khanna (2005), Schutz, Billino, Bodrogi, Polin, Khanh e Gegenfurtner (2015) e Milosevic e Milic (1990), que se propuseram a investigar as relações entre a discriminação de velocidade e a idade e o sexo dos participantes. Nestes estudos, os participantes se encontravam dentro dos veículos e a obtenção dos dados consistia em estimarem a velocidade dos veículos em que viajavam ou outros que trafegavam.

Seja qual for a metodologia utilizada, a discriminação de velocidades dos veículos assume importância não somente no aspecto prático da vida cotidiana, mas também no âmbito jurídico já que os crimes de lesão corporal no trânsito têm sua pena agravada caso o motorista se encontre em excesso de velocidade no momento do sinistro conforme preconizam os artigos 291 e 311 do Código de Trânsito Brasileiro (1997), além das sanções administrativas cabíveis de acordo com o artigo 218 da mesma legislação.

Todavia, para conferir algum nível de confiabilidade nestas tarefas de discriminação e atribuição de valor à velocidade desenvolvida por veículos, torna-se necessário que o arranjo dos experimentos seja feito o mais próximo da realidade possível mimetizando outros estímulos presentes neste tipo de situação. Por outro lado, existem na literatura especializada, inúmeros estudos realizados em ambiente de laboratório utilizando filmes, pontos luminosos ou realidade virtual, como os estudos de Lappin, Bell, Harm e Kottas (1975), Stone e Thompson (1992), Chung, Choi e Azam (2019) e Runeson (1974).

Todos os fatores relacionados anteriormente demonstram a importância do arranjo experimental adotado nesse estudo, ou seja, em ambiente natural e com o uso de veículo automotor real e não apenas simulações virtuais. Outra importância deste estudo reside no fato de que, neste caso, temos observadores parados em relação ao móvel e não dentro dos veículos como nos estudos supracitados conferindo aos participantes as posições de testemunhos inerciais.

 

Método

Participantes

Foram recrutados 50 voluntários da comunidade acadêmica, sendo 25 do sexo masculino e 25 do sexo feminino, com idades variando entre 19 e 51 anos (média = 24,55 anos), sendo que 18 deles possuíam Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o restante não. Todos os participantes relataram que possuíam boa acuidade visual e os que declararam necessitar de lentes corretivas encontravam-se com as mesmas no momento da realização do experimento. Antes da realização do Experimento, todos os participantes foram instruídos a preencherem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias assinadas pelo subscritor deste documento, bem como o Formulário de Dados Pessoais e Coleta de Dados. Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora e aprovada pelo parecer nº 1671586.

Procedimentos

O Experimento foi realizado ao ar livre, no período diurno, com tempo bom e pista seca em uma via liberada para tal fim pela Pró-Reitoria de Infraestrutura da Universidade Federal de Juiz de Fora. Tal via estava localizada no Instituto de Ciências Humanas desta mesma Universidade e o trecho utilizado era retilíneo, com boa visibilidade em ambos os sentidos de movimentação, sinalização horizontal adequada e contava com uma pista carroçável dividida em duas faixas de sentidos contrários. Para efetuar a coleta dos dados, os participantes permaneciam em grupos de cerca de cinco pessoas para cada bateria de testes realizada, sobre a calçada durante todo o experimento e eram orientados a anotar a velocidade presumida em km/h do veículo quando este passasse por um marco preestabelecido e visível a todos os participantes. Um assistente da pesquisa observava e orientava os grupos de participantes para o preenchimento da folha de respostas. O arranjo experimental pode ser observado no croqui sem escala representado na Figura 1.

O veículo utilizado foi um carro de passeio, marca Citröen, modelo C3 Attraction, ano de fabricação 2015, ano modelo 2016, na cor vermelha e encontrava-se em condições mecânicas adequadas para circulação. A velocidade executada pelo veículo era controlada visualmente pelo condutor durante todo o experimento.

Foram escolhidas quatro velocidades para este estudo, sendo estas de 20, 30, 40 e 50 km/h por serem mais seguras, pois o local fica dentro do campus da UFJF. O condutor do veículo imprimia a aceleração necessária nos trechos anteriores ao marco referencial de anotação da velocidade apresentado aos participantes e quando esta atingisse no velocímetro o valor a ser estudado, a aceleração era mantida constante até a passagem pelo referido marco, sendo assim, o procedimento descrito nesta seção foi repetido 4 vezes para cada grupo de participantes. As velocidades eram apresentadas em forma aleatória e foram realizadas um julgamento por velocidade.

 

Resultados e discussão

A análise dos dados obtidos foi realizada em planilhas eletrônicas e no SPSS 20.0. Os resultados para todo o conjunto da amostra são retratados na Tabela 1.

 

 

Verificando os dados da Tabela 1, observa-se que há grande proximidade entre os valores médios calculados e cada um dos valores reais das velocidades empregadas neste estudo, especialmente se forem levados em consideração os desvios-padrão. À medida que ocorre o aumento de velocidade, o desvio-padrão tem a tendência de se comportar de forma diretamente proporcional ao aumento da velocidade física.

Em um nível mais específico de análise dos dados, a Tabela 2 apresenta os resultados obtidos para a amostra separada por sexo.

Os resultados da amostra separada por sexo revelam a mesma tendência geral discutida anteriormente para todo o conjunto da amostra, ou seja, médias próximas aos valores reais para ambos os sexos considerando-se os desvios-padrão calculados. A correlação de Pearson entre as estimativas de velocidade do veículo e as velocidades físicas foi de r(198) = .857, p < .01. No SPSS, foi utilizado uma ANOVA de medidas repetidas sobre as velocidades percebidas do veículo com um fator entre-participantes Sexo (feminino e masculino) em função das velocidades físicas (20, 30, 40 e 50 km/h). O teste de Esfericidade de Mauchly foi significativo e, portanto, empregou-se a correção de Greenhouse-Geisser. Assim, o fator velocidade física foi eficaz em produzir diferentes estimativas. Isso indica que os participantes produziram velocidades percebidas distintas para as diferentes velocidades físicas, F(3, 144) = 275.818, p < .01, Ƞ2p = .852. A interação com o sexo não foi significativa, de forma que não houve diferenças entre os sexos em nenhuma das velocidades físicas apresentadas F(1, 48) = 1.139, p > .05, Ƞ2p = .023.

Neste estudo também foi comparada outra variável importante: possuir ou não a CNH, e novamente teremos dois grupos comparativos. O fato de o participante possuir CNH indica que este possui experiência na condução de veículos automotores. Os dados são apresentados na Tabela 3.

A análise estatística utilizada foi a ANOVA de medidas repetidas sobre as estimativas de velocidade com um fator entre-grupos com CNH e sem CNH. O teste de Esfericidade de Mauchly foi significativo e, portanto, empregou-se a correção de Greenhouse-Geisser. Novamente o fator velocidade física foi eficaz em produzir diferentes estimativas F(3, 144) = 247,413 , p < .01, Ƞ2p = .838. Significa que os participantes produziram velocidades percebidas distintas para as diferentes velocidades físicas. O fator CNH não foi significativo, de forma que não houve diferenças entre as amostras, F(1, 48) = 1.092, p > .05, Ƞ2p = .022.

 

Cálculo do expoente da função-potência

Os resultados demonstraram que os indivíduos foram capazes de estimar as velocidades de movimentação do veículo com alto grau de exatidão em relação ao valor real utilizado no experimento. Portanto, o fator sexo ou de ser um motorista habilitado não é uma variável que interfira na capacidade de discriminar velocidades.

Ainda sob um ponto de vista teórico, outra discussão interessante para este estudo e que pode oferecer uma explicação satisfatória para os resultados apresentados até aqui e ao mesmo tempo corroborar as discussões aqui expostas, é o cálculo do expoente da função-potência da percepção de velocidade. Primeiro, cabe de forma breve definir teórica e matematicamente o significado da função-potência, bem como do referido expoente e obviamente explorar o seu significado do ponto de vista psicológico tal como demonstrado por inúmeras pesquisas dentro do escopo da Psicofísica e da Psicologia Experimental.

A função-potência criada por Stanley Smith Stevens é uma função matemática que relaciona as respostas perceptivas dos indivíduos à magnitude do estímulo real, ou seja, relaciona a experiência subjetiva do indivíduo e o mundo físico (Da Silva & Macedo, 1982). Os métodos de medida e cálculo para a obtenção desta relação partem da premissa de que é possível obter medidas diretas da experiência sensorial e, desta maneira, Stevens (2008) obteve a expressão matemática da Lei da Potência:

R = K(E)n

onde, R é a resposta individual ao estímulo apresentado; K é uma constante arbitrária; E representa a magnitude real do estímulo e n é uma característica da grandeza física estudada, o expoente.

O termo mais importante desta equação é o expoente - n - que é específico para cada classe de estímulos e seu valor escalar indica a sensibilidade perceptiva dos indivíduos a um determinado tipo de estímulo. Desta forma, um expoente menor que a unidade (n < 1,00) indica sensibilidade perceptiva menor para este estímulo e maior para valores de expoente maiores que 1,00.

Utilizando-se a Figura 2, pode-se plotar o gráfico da reta que representa os dados em sua forma logarítmica e através de regressão linear feita pelo software obtém-se a equação de ajuste da curva.

 

 

R = 0,94 .E1.31

Com a equação em sua forma integral, pode-se obter o gráfico da curva resultante para a função-potência da velocidade que mostra a tendência para todos os possíveis valores assumidos por esse estímulo ao longo de um contínuo (Figura 2). O expoente foi calculado segundo Fukusima, Ribeiro e Da Silva (1988).

A análise matemática da equação da função potência mostra que, pelo menos, em termos teóricos e segundo a previsão matemática deste modelo psicofísico, existe certa tendência dos indivíduos em perceberem velocidades maiores do que as realmente aplicadas em relação a estímulos menos intensos em séries contínuas de estímulos apresentados. Em outras palavras: quanto maior a magnitude do estímulo utilizado, maior será o valor estimado pelos indivíduos para este estímulo, o que também afeta diretamente os valores dos erros experimentais calculados cuja tendência é de aumento tal qual a intensidade do estímulo.

A previsão matemática anteriormente descrita pode ser facilmente observada pela simples análise dos valores disponíveis na Tabela 1. Assim, quando o maior estímulo foi apresentado, ou seja, a velocidade de 50 Km/h, esta foi sensivelmente percebida pelos participantes com um valor maior - 52,94 Km/h; tal valor é bastante próximo da previsão teórica fornecida pela equação 6 que retorna o valor de 52,54 Km/h. Analogamente e de forma inversa, o estímulo de menor intensidade, ou seja, a velocidade de 20 Km/h foi percebida como menor, 16,20 Km/h.

Tais discussões em torno da forma matemática da Lei de Stevens podem ser imediatamente percebidas também pela observação da Figura 2. O qual exibe tendência exponencial com assíntota positiva para a curva o que significa que há maior variação percebida no estímulo em relação à variação de sua magnitude. A Figura 3 mostra os dados em coordenadas log-log.

 

Conclusão

A velocidade em campo aberto é um dos fatores menos estudados na literatura psicológica, sendo que os trabalhos relacionados a esse estímulo são bastante parcos em relação a outros como: tempo, distância, comprimento etc. Não obstante essa carência, o referido estímulo permeia o cotidiano de toda a vida humana contemporânea, especialmente em aspectos relacionados ao trânsito e consequentemente aos acidentes a este, daí emergindo a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas relacionadas ao tema.

Neste trabalho, utilizando um arranjo experimental, buscou contribuir para o incremento do conhecimento da psicofísica da percepção humana no que tange à velocidade. Sendo assim, tendo em vista os resultados das velocidades estimadas pelos participantes serem altamente correlacionadas à propriedade física, percebeu-se a tendência dos indivíduos em estimar com bom nível de exatidão as velocidades de veículo quando os primeiros são postos na condição de observadores inerciais do movimento. As duas variáveis independentes estudadas no presente estudo, o sexo e a ter habilitação para conduzir veículos automotores, não tiveram efeitos significativos, ou seja, não interferem na capacidade destes indivíduos de estimar as velocidades de um veículo em movimento.

Ainda que outras variáveis possam ser objeto de estudo em trabalhos futuros, preliminarmente os dados indicam que tal capacidade deve ser inerente à própria espécie humana. Durante milhares de anos de evolução, os seres humanos adaptaram-se para, não somente perceber o movimento em si, mas também para discriminar a velocidade de deslocamento dos objetos na natureza, o que é uma característica bastante importante e inerente ao próprio movimento.

Este trabalho proporcionou também um estudo bastante interessante do ponto de vista teórico em relação à Lei de Stevens ou Lei da Potência para o estímulo velocidade. Os achados experimentais sugerem que o expoente n característicos dessa dimensão sensorial é 1,31.

Todas as conclusões acima descritas dão sustentação à ideia de que a discriminação de velocidade é uma característica adquirida da visão humana, assim como tempo e espaço consoante ao observado nos estudos de Recarte e Nunes (2000), Raghuram et al. (2005) e Schutz et al. (2015). Além disso, a capacidade de discriminação de velocidade e a confiabilidade nas respectivas atribuições de valores puderam ser verificadas ainda que não o sejam em caráter definitivo.

Em que pesem os dados obtidos neste estudo, mais experimentos são necessários para conclusões mais categóricas acerca da percepção da velocidade aqui estudado, inclusive para confirmar o valor do expoente de velocidade. Podem ser objetos de futuros trabalhos outras variáveis que possam eventualmente interferir na percepção da velocidade como, por exemplo: a luminosidade ambiente, a cor e o tamanho do estímulo, a distância do observador em relação ao objeto móvel, o tempo de apresentação do estímulo, a faixa etária dos participantes, entre outras. Sugere-se que em futuros experimentos a aplicação de velocidades maiores que 50 Km/h, bem como valores de velocidades intermediárias às utilizadas neste trabalho possam demonstrar as tendências aqui apresentadas.

 

Referências

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Recebido em: 30/04/2020
Aceito em: 08/09/2020

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