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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.14 no.spe Juiz de Fora  2020

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.30530 

Efeito do sistema de economias de fichas sobre o comportamento cooperativo em crianças

 

Effect of the token economy system in children cooperative behavior

 

Efecto del sistema de economía de fichas sobre el comportamiento cooperativo en los niños

 

 

Roberta Olivério NaegeliI; Aline Melina VazII; Mayra Antonelli-PontiIII; Patrícia Ferreira MonticelliIV

IUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: ro.naegeli@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0596-0986
IIFaculdade Metropolitanas Unidas. E-mail: alinemelinavaz@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6104-7975
IIIUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: antonelli.may@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4931-2788
IVUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: patrimonticel@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9546-4160

 

 


RESUMO

O sistema de economia de fichas (SEF) foi usado em um jogo para avaliar seu efeito sobre a cooperação. Crianças de uma escola pública receberam fichas e optaram entre guardá-las ou doá-las anonimamente em uma urna; o número de fichas era triplicado e distribuído igualmente às crianças, que escolhiam, então, entre "comprar" itens ou economizar. O SEF teve efeito na cooperação: 60% das crianças adotaram mais a estratégia cooperativa do que a egoísta, ainda que os perfis individuais mostrem uma aparente exploração de estratégias diversas. O SEF mostrou-se uma alternativa viável e aponta caminhos para aplicação em contextos escolares.

Palavras-chave: Altruísmo; Aprendizagem Cooperativa; Comportamento social; Psicologia Evolucionista; Teoria dos jogos.


ABSTRACT

The token economy system was used in a cooperative game to evaluate its effect on cooperation. Public school's children received tokens and chose to keep or donate them anonymously in an urn. The contents of the collective urn were tripled and distributed equally at the end of the session. Children could choose to "buy" items or save tokens. This system affected cooperative behavior: 60% of participants have adopted a more cooperative strategy than the free-rider, even though individual profiles show an apparent exploration of different strategies. These results indicate ways for application in scholar contexts.

Keywords: Altruism; Cooperative Learning; Social behaviour; Evolutionary Psychology; Game theory.


RESUMEN

El sistema de economía de fichas se utilizó como juego cooperativo para investigar la cooperación entre los niños. Los niños de una escuela pública recibieron fichas y optaron por guardarlas o donarlas de forma anónima en una urna. El contenido de la urna se triplicó y se distribuyó igualmente. Con la ficha que tenían, podían "comprar" artículos o ahorrar las fichas. La aplicación de este sistema parece haber afectado el comportamiento cooperativo, manteniéndolo prevalente entre los participantes (60% de los participantes), mismo que individualmente parecen haber explorado diferentes estrategias. Estos resultados indican formas de aplicación en contextos escolares.

Palabras clave: Altruismo; Aprendizaje Cooperativa; Comportamiento social; Psicología Evolutiva; Teoría del juego.


 

 

A cooperação provavelmente evoluiu na espécie humana, como em outros primatas, baseado na aptidão (fitness) ganha por quem a pratica (Axelrod & Hamilton, 1981; Yamamoto, Leitão, & Eugênio, 2016). Nossa mente parece ter desenvolvido mecanismos adaptativos de controle social baseada em um senso de moralidade, que motivam e reforçam comportamentos cooperativos (Silk & Boyd, 2010; House et al., 2020). Na cooperação por reciprocidade direta, tal como definida por Trivers (1972), o custo do comportamento altruísta (i.e., ajudar quando há custo ao emissor) é compensado quando o favor é retribuído (modelo proposto por Axelrod & Hamilton, 1981 com base no dilema do prisioneiro; Yamamoto, Alencar, & Lacerda, 2009).

Somos altruístas quando doamos, a parentes ou a não parentes e mesmo desconhecidos, comida ou bens materiais ou socorremos quem está em perigo ou compartilhamos conhecimento e, talvez, na mais surpreendente das formas, quando doamos sangue (Silk & Boyd, 2010). Há evidências de que o indivíduo que doa sangue a desconhecidos ganha boa reputação que lhe dá vantagem em relação à atração de parceiros sociais (e com isso reciprocidade) ou reprodutivos (Alexander, 1985; Low & Heinen, 1993). Em situações cotidianas, membros de um grupo estão sujeitos à divisão de recursos; quando os membros são os mesmos, e interagem repetidas vezes ao longo do tempo, desenvolvem-se relações de confiança que têm o potencial de promover a cooperação (Yamamoto, 2019; Silk & Boyd, 2010).

A Teoria dos Jogos oferece um corpo conceitual e prático para a análise das relações de cooperação e de trapaça (em inglês, free-riders; Groves & Ledyard, 1977), que tem sido adotado em diversas disciplinas, dentre elas, a psicologia evolucionista (Alencar & Yamamoto, 2008; Yamamoto, 2019). O Jogo dos Bens Públicos, um dos dilemas sociais propostos por esta teoria, requer que os participantes façam um investimento total de um recurso, para que obtenham um retorno maior desse investimento (o bem público; Ferreira, 2018; Yamamoto, Alencar, & Lacerda, 2009). O dilema está na possibilidade de escolha entre as estratégias de cooperar (a priori, menos vantajosa a nível individual) ou trapacear, que afeta a proporção de benefício para o grupo e que pode até mesmo culminar no colapso do jogo. O colapso do jogo se dá caso a quantidade de indivíduos não cooperativos ultrapasse a quantidade de indivíduos cooperativo, afetando o total de recurso do grupo como um todo. A proporção de cada decisão tomada em uma população pode ser entendida como decorrente de mecanismos adaptativos da mente humana (Alencar & Yamamoto, 2008; Yamamoto, 2019).

A variação no grau de cooperação entre membros de um grupo social pode ser compreendida a nível distal e proximal. O nível distal diz respeito à expressão dos comportamentos como resultado de adaptações à vida em grupo e à sobrevivência em um Ambiente de Adaptação Evolutiva anterior ao nosso momento ou forma de vida contemporâneas. O nível proximal diz respeito à exibição dos comportamentos expressos atualmente como resultado da vida a partir da concepção ou nascimento do indivíduo e seu contexto cultural. É nesse último nível que se faz a seleção de reforçadores e o arranjo de contingências, no presente caso, utilizando-se um sistema de economia de fichas (SEF) ou token economy (Kazdin, 1982). O SEF é uma técnica da Análise Aplicada do Comportamento. Essa técnica foi inicialmente utilizada em casos de pacientes psicóticos quando havia uma demora longa entre o comportamento e o reforço (Ayllon & Azrin, 1965). Nesse caso, a instituição de saúde esperava que os pacientes participassem das rotinas de trabalho, como lavar louça e servir refeições. Os reforçadores foram definidos a partir da observação dos comportamentos mais frequentes de cada paciente em suas rotinas diárias. Os autores inseriram com sucesso um estímulo reforçador generalizado (fichas com valor de troca). As fichas funcionaram como reforçadores que poderiam ser acumulados ao longo do tempo, permitindo o acesso a reforçadores de intensidade maior. Os pacientes trocavam as fichas por passeios, tempo extra de conversa com o psicólogo e outras ações que só poderiam ser oferecidas dias após a emissão do comportamento desejado. Por fim, houve eficácia em manter os comportamentos desejados enquanto esta implementação durou; quando descontinuada, os comportamentos diminuíram consideravelmente, mas quando reintroduzida, os comportamentos aumentaram imediatamente (Ayllon & Azrin, 1965).

O SEF passou a ser adotado em estudos aplicados a contextos variados (Patterson, 1996), como por exemplo, em uma empresa que tinha a demanda de aumentar a frequência de comportamentos de higiene pessoal (limpeza do uniforme e de instrumentos de trabalho) e de apresentação de seus funcionários (uso adequado do uniforme) (Borges, 2004). Neste estudo, os funcionários da empresa foram comunicados que seriam avaliados diariamente em relação aos aspectos citados e que receberiam pontos (na forma de fichas) quando bem avaliados. Aqueles que alcançassem o número mínimo de 50 pontos, de um total possível de 60, participariam de um sorteio ao final de um período determinado. O prêmio, previamente escolhido por eles dentro de algumas possibilidades oferecidas pela direção, era um dia de descanso na semana. A aplicação do SEF foi efetiva para aumentar os comportamentos avaliados, como "bons hábitos de higiene" e "boa apresentação", conforme definido pela empresa. Esses resultados foram medidos pela média de fichas, que iniciou em 38 fichas e terminou em 55.

Alencar, Siqueira e Yamamoto (2008) aplicaram o Jogo dos Bens Públicos a 232 crianças do ensino fundamental, distribuídas em seis grupos pequenos (de cinco a sete crianças) e 10 grupos grandes (mais que 12 crianças). Parte das crianças havia sido informada sobre a quantidade de partidas que seriam jogadas, e parte não; o sexo dos participantes foi balanceado entre os grupos. Os grupos receberam pequenas barras de chocolate (wafers de chocolate) e foram apresentados a uma urna da turma (bem público): tudo o que fosse depositado nela, seria posteriormente aumentado de quantidade (para cada chocolate, o organizador do jogo acrescentaria dois) e repartido entre todos. Uma por vez, as crianças iriam até a urna e, secretamente, escolheriam inserir ou não chocolates nela. Comparando-se os grupos, os autores viram que os participantes dos grupos menores tiveram maior "retorno privado" (i.e., a quantidade de barras de chocolate recebida de volta, que tem relação direta com a quantidade doada para o fundo coletivo) do que os participantes dos grupos maiores. Não houve diferença entre sexo nem no número de sessões (i.e., na duração do jogo, que representa o número de oportunidades de interação) no comportamento das crianças. Em outras palavras, o resultado dos jogos em grupos de tamanhos diferentes (até sete ou até 12 crianças) mostra que a proporção de indivíduos cooperativos e trapaceiros varia de acordo com o tamanho do grupo (Yamamoto, Leitão, & Eugênio, 2016), mas não com o sexo ou com a duração do jogo, o que poderia ser explicado pela oportunidade de controle social: quanto maior o grupo, mais difícil é monitorar a existência e a proporção de trapaceiros, tornando menos vantajosa a estratégia altruísta, que se reflete em cooperação (Alencar et al., 2008, Ariely, 2012; Yamamoto et al., 2016).

A oferta de alimentos calóricos no Jogo dos Bens Públicos pode esbarrar em uma questão ética em pesquisa (oferecer açúcar às crianças), afetar o humor, dentre outros efeitos (Smith & Menandro, 2015). Em função disso, Silva et al. (2016) substituíram os wafers de chocolate do estudo anterior por itens não alimentares e compararam seus resultados. A conclusão a que chegaram foi que existe uma diferença no comportamento cooperativo quando o recurso é alimentício e quando não é. Os participantes optaram mais vezes por ficar com os itens ("retê-los") do que depositá-los na urna coletiva quando o recurso era alimentar (o wafer de chocolate, que não podia ser consumido antes de colocar na urna) do que não alimentar (adesivos), ou seja, o comportamento cooperativo prevaleceu na versão do jogo que não usava itens consumíveis. Outro resultado apareceu no grupo dos adesivos: as crianças mais velhas (de oito a 11 anos), optaram mais vezes por doar itens do que retê-los, enquanto as mais novas os retiveram mais. Ao longo do estudo e por relatos das crianças, os autores perceberam que os adesivos, mas não os wafers, eram variados e, por isso possivelmente, colecionáveis, na visão das crianças. O comportamento cooperativo manteve-se alto ao longo das oito sessões do jogo com adesivos e diminuiu gradualmente ao longo das sessões do jogo com wafer de chocolate. O efeito dos adesivos como itens colecionáveis, ou que podem ganhar maior valor ao ser poupado do que imediatamente consumido, nos levou a hipótese de que poderiam representar as fichas do SEF. Haveria um efeito no comportamento cooperativo (operacionalizado na forma de doações de fichas) da aplicação do SEF em uma versão experimental do Jogo dos Bens Públicos? Nossa hipótese era que sim. A literatura (Patterson, 1996) mostra como o uso do SEF em diferentes contextos de pesquisa e de aplicação resultam consistentemente no aumento da frequência de um comportamento (ou de um conjunto de comportamentos ou classes de respostas com determinada função). Nosso objetivo foi, então, verificar o efeito da aplicação de um sistema de economia de fichas sobre o comportamento cooperativo de crianças, operacionalizado por meio de doações de fichas em uma versão experimental do Jogo dos Bens Públicos.

 

Método

Amostra

Participaram da pesquisa 18 crianças (14 meninas e quatro meninos) com idade média de 10,6 anos (dp = 0,5) do quinto ano regular de uma turma de 30 alunos que foram autorizadas a participar da pesquisa após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por seus responsáveis, onde continha esclarecimento sobre o objetivo e a relevância do experimento. As crianças pertenciam à mesma classe do quarto ano do ensino fundamental I de uma instituição pública de ensino da cidade de Ribeirão Preto, SP. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FFCLRP-USP (CAAE nº 52323415.7.0000.5407). Caso as crianças quisessem desistir de participar, elas poderiam informar as pesquisadoras.

Materiais

Os materiais utilizados foram uma urna de plástico azul; um aparato de papelão forrado, que tornava anônima a doação; fichas plásticas; bolsas pequenas do tipo porta-moedas para transporte e armazenamento das fichas; três caixas plásticas para separação dos itens que poderiam ser adquiridos com as fichas acumuladas, denominadas de "Lojinha" (Figura 1); e brinquedos e materiais escolares que constituíram os itens de troca.

Materiais utilizados nas sessões do Jogo dos Bens Públicos. Urna na qual os participantes inseriam (ou não) as fichas (fichas plásticas, abaixo à esquerda) junto ao aparato de papelão forrado em tecido (vermelho florido), que garantia o anonimato das doações. Abaixo, à direita, a lojinha: três caixas com itens de interesse dos alunos (brinquedos e materiais escolares), separados por valores (número de fichas necessário para a aquisição de uma unidade).

Teste de Preferência

Os brinquedos e materiais escolares foram selecionados de acordo com o interesse dos participantes identificado em um teste de preferência: 22 itens variados (animais de brinquedo, bonecas, carrinhos, jogos, material escolar e acessórios diversos) foram disponibilizados a cinco crianças (escolhidas aleatoriamente, três meninas e dois meninos). As crianças foram instruídas a organizar individualmente os brinquedos e materiais escolares em ordem de preferência.

Partindo dos resultados do teste de preferência foi possível distribuir os itens disponíveis para compra na "Lojinha" entre as três caixas. Itens de maior preferência valiam 15 fichas - objetos mais elaborados, como miniaturas de animais e de carros -, itens de preferência mediana valiam 10 fichas - adesivos e bexiga, por exemplo - e itens de menor interesse, cinco fichas - itens de materiais escolares, como lápis e borracha. Esses valores foram escolhidos a partir da previsão dos possíveis números de fichas que poderiam aparecer a cada sessão de jogo (i.e., que as crianças ganhariam ou trariam de suas economias), de acordo com o comportamento das crianças: no cenário menos cooperativo, nenhuma criança doaria fichas à urna, todas teriam três fichas ao final da sessão e, assim, não poderiam comprar nada; no cenário mais cooperativo, todas as crianças doariam suas três fichas e terminariam a sessão com nove, o que as permitiria comprar um item de cinco fichas e poupar as fichas restantes. Mesmo na situação mais cooperativa, seria impossível uma criança comprar o item mais desejado (15 fichas) em uma única sessão. Dessa forma, era necessário participar do jogo por mais de uma sessão para conquistar a quantidade necessária de fichas para efetuar a compra de itens mais valiosos. O objetivo para tal procedimento era que, mesmo no cenário mais otimista, os participantes entrassem em contato com as contingências de um sistema de economia de fichas, isto é, poderiam ter acesso ao reforçador de maior magnitude após um período de atraso.

Procedimento de coleta de dados: o jogo cooperativo

A coleta de dados previa 16 sessões (equivalente a uma rodada do jogo) conduzidas uma vez por semana e em torno de uma hora de duração, caracterizando um reforçamento fixo. Apesar de terem sido planejadas 16 sessões, a escola precisou encerrar antes do previsto, tendo sido realizadas 11 sessões ao todo. Caso alguma criança quisesse desistir de participar do estudo, poderia assim optar. O jogo foi realizado em uma das salas disponibilizadas pela instituição de ensino e ocorreram no horário de aula (50 minutos), cedido pela escola. Os participantes eram conduzidos pelas pesquisadoras (RO-N e AMV) até a sala preparada para o jogo.

Iniciava-se o jogo com a leitura das instruções do seu funcionamento: (1) as doações seriam anônimas, (2) para cada item doado, outros dois seriam acrescentados à urna pelo organizador do jogo, e (3) o montante da urna seria posteriormente repartido igualmente entre toda a turma. As instruções eram lidas no início de cada sessão experimental para esclarecimento constante das regras do jogo e solução de dúvidas que fossem surgindo ao longo das partidas. Iniciava-se então a distribuição das bolsinhas com as três fichas dentro, e as pesquisadoras pediam às crianças que fossem à urna, uma após a outra, sempre individualmente.

Na urna, cada participante fazia sua jogada: doar determinada quantidade das fichas que tinha (até três) ou não doar nada, e retornava ao seu lugar com sua bolsinha fechada, garantindo o sigilo da escolha; a interação entre os participantes não era controlada, mas os mesmos foram instruídos a manter suas decisões sigilosas. Quando todas haviam jogado, o aparato de papelão era retirado da frente da urna e ela era aberta na frente de todos para a contagem das fichas (uma a uma e em voz alta, em conjunto com os participantes). As fichas contadas eram, então, devolvidas à urna uma a uma, ao mesmo tempo em que uma das pesquisadoras ia adicionando à urna duas novas fichas para cada uma contada; ou seja, o total de fichas da urna era triplicado.

Por fim, o montante final de fichas da urna (três vezes o número de fichas doadas) era dividido pelo número de participantes presentes na sessão. Caso o montante final da urna fosse um valor menor do que o número de crianças presentes (ou seja, caso não houvesse ao menos uma ficha para cada participante), ninguém ganhava o retorno da urna; caso o número final de fichas dividido pelo número de crianças não fosse um número inteiro, o retorno considerado era o menor valor inteiro, e as fichas restantes ficavam com as pesquisadoras (ou seja, eram retiradas do jogo). Os participantes eram instruídos a guardar as fichas recebidas na bolsinha e a organizarem-se em fila no corredor para irem à lojinha.

Nessa fase, cada participante entrava na sala da lojinha sozinho e mostrava suas fichas a uma das pesquisadoras. O total de fichas apresentada na bolsinha era registrada, para que, posteriormente à sessão, as pesquisadoras pudessem calcular quanto cada criança havia doado. Então, a criança podia escolher se guardaria suas fichas no banco (folha de registro) ou se as usaria para adquirir itens (desde que a criança tivesse a quantidade necessária de fichas, ela poderia comprar quantos itens desejasse). A folha de registro era preenchida com a data da sessão, a quantidade de fichas doadas na sessão, quantidade de fichas acumuladas na sessão e o saldo total ao longo das sessões. Na última sessão os participantes foram instruídos a gastar as fichas que possuíam no banco (folha de registro), já que não poderiam utilizá-las em outras situações. Ao fim do jogo, o participante voltava para sua sala de aula onde estavam a professora e o restante da turma.

 

Resultados

Das 16 sessões de jogo previstas, realizamos 11, por decisão da escola. Nenhuma criança desistiu de participar. A Tabela 1 apresenta a frequência de cada participante nas 11 sessões de jogo. Em média, 89,3% das crianças (16,1 alunos) estiveram presentes nas 11 sessões (Tabela 2). Os participantes obtiveram a informação de que a 11ª sessão seria a última e, diante disso, combinaram doar todas as fichas que tinham, para terem o maior retorno do investimento; por conta disso, a Tabela 2 não leva em conta os dados dessa sessão. Esse padrão foi similar ao exibido na 1ª partida: todos os 14 presentes doaram pelo menos uma ficha e 13 deles doaram duas a três fichas (Tabela 2; Figura 2). Na décima sessão, que representa a última que obedece às premissas do jogo, houve um aumento no número de participantes que optou por não doar, ultrapassando os 60% (Figura 2). Ou seja, o número de trapaceiros no jogo atingiu o ponto maior após dez partidas.

Entre as sessões 1 e 10, contudo, o comportamento dos participantes variou sem um padrão aparente, exceto pelos participantes F11 e F12 (Figura 3). O participante F11 adotou a estratégia de trapaça, ou seja, a de não doar nada, ao longo da maior parte das sessões, colaborando pontualmente na primeira e na última sessão em que participou (ela não esteve presente nas sessões 6 e 10). F12, ao contrário, agiu como uma cooperadora total: optou por doar três fichas na urna, independentemente de quantas fichas recebesse no momento da redistribuição coletiva (em quatro das 10 sessões que participou, ela teve um retorno menor do que o que investiu).

As escolhas dos outros 16 participantes podem ser vistas nas colunas da Tabela 2. Em cinco das oito sessões em que esteve presente, F10 doou três fichas, uma estratégia cooperativa total, como F12, F2, F4 e M14 foram considerados medianamente cooperativos, ou seja, doaram entre uma e duas fichas (em média, doaram de 1,6 a 1,8 ficha/sessão); F4, em particular, cooperou totalmente em metade das sessões, depois deixou de cooperar (Figura 3). F3 e F8 começaram cooperando, mas mudaram logo de estratégia (Figura 3).

Perfil individual de quatro participantes que adotaram diferentes estratégias durante o jogo e o retorno do investimento que a turma recebeu, e o que cada um recebeu (retorno privado). Em cada gráfico, o eixo Y representa a quantidade de fichas e o eixo X representa o número das sessões. F11 e F12 (acima) representam os extremos das estratégias trapaceiras e cooperativas (respectivamente). F4 e F8 (abaixo) são exemplos de outras duas estratégias: cooperativa mediana (F4 doou em média cerca de metade do que tinha, 1,8 ficha) e seu retorno privado nunca foi menor do que o que investiu, e F8 começou cooperando, mas foi mudando de estratégia, até que passou metade do jogo como trapaceiro, o que lhe rendeu maior retorno privado.

Tanto a curva referente a zero moeda no gráfico de linhas quanto o gráfico de barras também referente a este tipo de jogador mostram como foi alta a estratégia trapaceira (não doar fichas na urna), variando principalmente em torno dos 40% e atingindo o momento e número máximo de participantes na última sessão. No gráfico referente às modalidades de doador de uma e de duas moedas, estão representadas as proporções de participantes que doaram algo, mas não tudo o que tinham. E no gráfico referente à modalidade de doador de três moedas, vê-se que a proporção de participantes cooperativos esteve abaixo dos 40%, exceto na primeira partida. Agrupando as sessões de 1 a 10 para olhar para o jogo como tendo um resultado final único, o cenário é mais otimista: 42,4% dos jogadores agiram como trapaceiros, isto é, adotaram a estratégia egoísta, mas a maior parte deles, 57,6% de participantes cooperaram em algum nível, doando à urna coletiva de uma a três fichas.

Em relação aos tipos de reforçadores, obtivemos que, ao longo das 10 primeiras sessões, a maioria das crianças optou por trocar suas fichas por itens da caixa que custava 15 fichas (61,70%), enquanto que os itens das caixas que custavam 10 e 5 foram acessados na frequência de 6,38% e 31,91%, respectivamente. Ao longo das 10 sessões, pelo menos um participante realizou a troca de ficha por item.

 

Discussão

O comportamento cooperativo aconteceu duas vezes no nosso jogo com essa amostra de crianças de uma escola pública de Ribeirão Preto: na 1a partida e na 11a partida (duas sessões). Na última, contudo, tinha outro caráter: as crianças tinham uma informação, que não haviam tido nas anteriores, e combinaram uma jogada que seria boa para todos: sacarem o que pudessem da lojinha com as fichas que tinham acumulado (para não perderem-nas) mais as que receberiam de retorno máximo (quando todos doassem as três fichas, o retorno privado seria 3 vezes maior do que o valor investido na urna). É preciso, contudo, desconsiderar essa sessão para poder responder à nossa pergunta de pesquisa, e considerar que o jogo tenha durado 10 sessões, quando os participantes acreditavam que teriam mais seis partidas a jogar.

A primeira sessão do jogo (com 14 das 18 crianças presentes) foi a única na qual é possível observar um padrão cooperativo dos participantes; todos doaram alguma ficha e a maioria (57,14%; Tabela 2) doou tudo o que havia recebido, sem saber como se comportariam os colegas. Crianças nessa idade tendem a agir de forma cooperativa (Yamamoto, 2019), e o grupo se conhecia e interagia com frequência, dado que eram todos de uma mesma classe escolar. Grupos sociais nos quais os membros se reconhecem individualmente, o que é mais efetivo em grupos menores (Yamamoto et al., 2016) e interagem repetidamente é exatamente a situação que parece ter favorecido a evolução da cooperação (do comportamento altruísta) em aves e mamíferos (Trivers, 1971; Silk & Boyd, 2010; Leimar & Hammerstein, 2001). A questão é: por que as crianças mudaram de estratégia nas sessões seguintes? Como a estratégia cooperativa foi generalizada, o retorno do alto investimento veio para todos na forma de um alto retorno privado. Esperar-se-ia que isso servisse de reforço positivo a eles, para que mantivessem a estratégia.

Algumas explicações alternativas podem nos servir aqui. Uma delas é o tamanho do grupo (Yamamoto et al., 2016). Quanto maior o grupo social, ainda que haja reconhecimento individual, mais difícil se torna monitorar a existência e a proporção de trapaceiros, tornando menos vantajosa a estratégia cooperativa (Alencar et al., 2008, Ariely, 2012; Yamamoto et al., 2016)). No nosso jogo, o tamanho do grupo, entre 14 e 18 crianças, ainda que fossem colegas de uma mesma classe, equivale ao grupo maior de Alencar e colaboradores, no qual registrou-se prevalência da estratégia trapaceira em relação à cooperativa. É possível que ao menos em crianças, o controle social possa ser efetivamente exercido em grupos compostos por menos que dez indivíduos (até sete, em Alencar et al., 2008).

Após a 1ª partida, então, a maior parte das crianças tendeu às estratégias menos cooperativas e trapaceiras. Da 2a a 4a sessão, o número de crianças que optaram por não doar nada (zero fichas, Figura 2) cresceu gradativamente e até se manter em ao menos 40 % das crianças, e passou dos 60% na sessão 10. Não sabemos o que aconteceria nas próximas cinco sessões que estavam previstas e foram canceladas. Talvez o número alto de trapaceiros forçasse a favor da estratégia cooperativa (Yamamoto, 2019).

Olhando para as partidas que pudemos executar, contudo, o resultado não sustenta nossa hipótese de que a aplicação do SEF poderia ter um efeito de promover a cooperação entre participantes, que seria doar o máximo de fichas possível. O argumento a favor de um aumento do comportamento cooperativo como efeito do SEF encontra algum apoio quando se olha o jogo como um todo: a estratégia free-rider foi adotada por cerca de 40,0% dos jogadores, enquanto 57,6% optou por doar pelo menos uma ficha. Ou seja, mais gente doou alguma coisa do que não doou nada. Um quarto dos participantes (24,5%) realizou um investimento total (três fichas, i.e., a cooperação máxima), supostamente reforçados positivamente pela possibilidade de obtenção de retorno futuro (Ferreira, 2018).

A frequência de doação parcial (uma ou duas fichas, Figura 3, Tabela 2) pode representar um comportamento exploratório das crianças, alternando entre as condições "segura" (garantir para si ao menos suas fichas) e "arriscada" (de doar e assumir o risco de perder seu investir de acordo com o comportamento dos outros). O anonimato oferecia-lhes segurança de que o comportamento egoísta, moralmente condenado em nossa sociedade, não seria identificado pelo grupo social (Ostrom, 1990) e, por isso, surgiriam as doações parciais ou nulas. De uma sessão a outra, havia a possibilidade de avaliação dos resultados de seu investimento em relação ao retorno derivado do comportamento dos outros; quanto mais baixa era a média de doações, mais desvantajosa ia se tornando a estratégia de doar três fichas (vide as variações de retorno privado da Figura 3). As crianças provavelmente não previram, e o jogo acabou antes disso, mas somente se houvessem trapaceiros, o jogo colapsaria, assim como na vida fora do jogo: o egoísmo só existe em uma população biológica, enquanto é menor em frequência do que o comportamento altruísta (Yamamoto, 2019). No presente experimento, o jogo não colapsou em nenhuma sessão.

O engajamento das crianças nas 10 sessões, parece ter sido relativamente maior do que o observado por outros autores usando desenhos experimentais diferentes. Ao saberem da interrupção precoce do jogo, as crianças lamentaram e declararam que desejavam continuar. Para participar do jogo, contudo, elas tinham que ir à escola, o que em geral não é uma decisão da criança. Ao contrário de Alencar et al. (2008), que usaram wafers de chocolate (que foi imediatamente consumido por parte das crianças), usamos fichas como reforçador generalizado, seguindo a técnica do SEF (token economy; Kazdin, 1982; Patterson, 1996). Essa diferença garantiu a possibilidade de se criar uma "poupança" e refletir sobre as opções com a informação presumível do comportamento dos outros. Isto é, embora as doações fossem anônimas, o comportamento da turma em cada partida gerava um valor de retorno do investimento (retorno e retorno privado nos gráficos da Figura 3).

Ainda, comparando os nossos resultados com os de Alencar et al. (2008), nota-se uma tendência mais pró-cooperativa em nossa amostra (n = 18), de tamanho similar à maior turma deles (13 < N < 24). Com essa turma maior, a proporção de trapaceiros ao longo do jogo dos bens públicos conduzido por esses autores com os wafers foi inicialmente de 10% dos participantes (na 1ª sessão) e subiu progressivamente da 3a à 7a sessão (em torno dos 75%) e acabou na altíssima marca dos 90,0% na 8ª e última sessão. Nossa proporção de trapaceiros começou em 0 a 33,3% (1ª e 2ª sessão), foi subindo e mantendo-se em cerca de 40% e atingiu um máximo de 60% na última sessão que, para nós, foi a 10ª. É possível que a implementação do sistema de fichas ao jogo, a principal diferença entre nossas pesquisas, seja a causa do comportamento mais cooperativo. Silva et al. (2016) encontraram diferenças na proporção do comportamento cooperativo a depender da utilização da recompensa, ainda que não tenham adotado exatamente o SEF, que foi uma novidade do nosso desenho experimental. Usaram ora adesivos, ora wafers de chocolates; quando o acúmulo de recompensas levava a um benefício maior (chocolates e quantidade e variedade de adesivos), o grupo era mais cooperativo (i.e., um número maior de crianças optava pela doação de quantidade maior de recursos à urna); quando a recompensa tinha uma utilização imediata (para que vale guardar um chocolate sem valor de troca?), o grupo cooperava menos. Na comparação com esse trabalho, parece que, no nosso, a escolha pelo uso de fichas com valor de troca (como moedas) promoveu um efeito de manutenção do interesse das crianças nas atividades (Tabela 2), como no uso de adesivos, também de maior valor quando acumulado. No presente estudo, é interessante notar que os participantes não começaram o jogo com a estratégia trapaceira, mesmo protegidos de um julgamento moral. O comportamento cooperativo parece ser a opção inicial para a maior parte dos indivíduos (Alencar, 2010; Alencar & Yamamoto, 2008; Alencar et al., 2008).

A aplicação do sistema de economia de fichas parece, então, ter promovido engajamento, mas não há evidências suficientes para afirmar que este engajamento tenha se generalizado para o comportamento de "doar moedas", ou seja, de cooperar. O desenho experimental testado apresentou algumas limitações que, agora aparentes, podem ser corrigidas em estudos futuros. O espaçamento de uma semana entre as sessões coletadas foi levantado como possível variável intermitente com efeito sobre o comportamento dos participantes. O tempo total do jogo não parece ter sido longo, já que a curva não se estabilizou, e poderia ter sido aumentado com um intervalo menor entre uma sessão e outra, evitando interferências entre as sessões; possivelmente, o tempo ideal do jogo com a aplicação do SEF seria o de duas a três semanas. Se as sessões ocorressem com menor tempo de intervalo, provavelmente, os participantes estariam mais atentos à situação de jogo, podendo refletir melhor sobre estratégias. Ainda, foi observado um comportamento exploratório dos participantes, o que poderia ser uma estratégia inicial do jogo, surgindo outra ao longo do experimento, caso houvesse mais sessões como era a proposta inicial para as crianças. Estava previsto um grupo de comparação (controle) que nos permitisse comparar as diferenças entre a aplicação e a não aplicação do SEF na promoção e manutenção do comportamento cooperativo nesta situação de jogo dos bens públicos. Não conseguimos, contudo, outra turma naquela escola ou em outra com semelhantes contingências para executar essa previsão. A escola, embora tenha sido receptiva, não nos permitiu prever que os projetos escolares daquele período poderiam ser uma fonte de interferência (i.e., a interrupção precoce do jogo que foi inclusive informada aos alunos).

Se assumirmos que o SEF aumentou a cooperação ou que, com algumas modificações no nosso protocolo, tem potencial para isso, ele assemelha-se, apesar de não se igualar, aos programas de incentivo à aprendizagem cooperativa (Mendes, Nascimento, & Costa-Lobo, 2018; Fragelli, 2015). Um engajamento promovido pelo SEF pode ajudar na compreensão da falta de engajamento de estudantes nas atividades em grupo (Brayko et al., 2016) e na proposição de novas formas de cooperação em ambiente educacional. Um exemplo interessante de uma dessas proposições está descrito em Fragelli (2015): estudantes no primeiro ano da graduação que não haviam alcançado boas notas foram ajudados pelos que as alcançaram. Os "ajudantes" tiveram suas notas aumentadas de acordo com o nível de ajuda oferecido e a nota alcançada pelos primeiros nas avaliações de nivelamento. Para isso foram criados grupos de ajudantes e ajudados. Quanto maior era o nível de ajuda oferecida, maior era a chance de os ajudantes obterem maior nota ao final do processo. Os ajudantes decidiam o nível de cooperação (tempo e dedicação) que ofereceriam para os ajudados, que também decidiam o nível de comprometimento na preparação e realização das provas. O retorno em aumento de notas, nesse caso, é mais subjetivo do que fichas, mas, ainda assim, conta com cooperação e possibilidade de trapaça.

Os resultados da nossa 11a sessão, quando as crianças adotaram integralmente o comportamento cooperativo, mudando sensivelmente seu comportamento até ali, foi dado em um momento de caos: a interrupção do jogo. Em sala de aula, a turma toda pode receber uma punição (não ir ao recreio, por exemplo) se somente um dos estudantes não cooperar. Em outras palavras, quando todos têm algo a perder, a cooperação tende a aumentar, como previsto na regra de Hamilton (Hamilton, 1964; Axelrod & Hamilton, 1981). Explicar sobre as implicações sociais das classificações escolares por grupo pode ser uma forma de incentivar o aumento e a manutenção de comportamentos cooperativos em turmas. Estes, por sua vez, poderão elevar a sensação de pertencimento à escola, sensação esta que tem efeitos positivos sobre o desempenho escolar (Antonelli-Ponti, Monticelli, Versuti, Campos, & Elias, no prelo).

O estudo que apresentamos aqui é um de uma série da área da Psicologia Evolutiva do desenvolvimento que ressalta a importância do meio social na aprendizagem. Somos uma espécie diferente de primatas cujos mecanismos adaptativos da mente foram provavelmente selecionados em uma sociedade de grupos pequenos, coesos e cooperativos; a agressividade provavelmente se restringia às interações com outros grupos e a passividade reinava dentro do grupo (Leite-Ribeiro, Otta, & Bussab, 2009). O ambiente atual é muito diferente do ambiente de adaptação evolutiva da mente humana: a concepção sobre "quem é do grupo" e "quem é de outro grupo" é um desafio e talvez justifique nossa necessidade de formar grupos religiosos, grupos de futebol, e "panelinhas" na escola ou no ambiente de trabalho. Compreender o comportamento cooperativo pode gerar aplicações interessantes na área da educação. Estudantes que experimentam vantagens e benefícios em comportamentos altruístas poderão se engajar nesses comportamentos e reconhecerem-se como pertencentes ao grupo, gerando benefícios individuais e coletivos. Futuras pesquisas poderão explorar situações envolvendo a cooperação e aplicação da economia de fichas em situação escolar, com o objetivo de promover a manutenção e o aumento da cooperação.

Nos programas educacionais com enfoque em aprendizagem cooperativa há casos nos quais o ganho é indireto para quem coopera, como ter oportunidade de mais contato com o tema ensinando o colega (Mendes et al., 2018). Em outros, o colaborador pode ter sua nota aumentada de acordo com o desempenho do colega que recebeu ajuda (Fragelli, 2015). No primeiro exemplo, o grupo que recebeu colaboração teve seu desempenho aumentado (Mendes et al., 2018), no segundo, o grupo que recebeu ajuda apresentou diminuição da ansiedade (Fragelli, 2015). O suporte emocional dos pais, indicando a cooperação dentro do grupo familiar, também tem efeitos na diminuição da ansiedade ao realizar testes escolares (Antonelli-Ponti et al., no prelo).

Nesse sentido, a promoção da cooperação em ambiente escolar tem potencial para conscientizar sobre os benefícios do comportamento altruísta. Dentro da sociedade, tal potencial pode-se configurar como uma forma de promoção de uma cultura de paz. O Objetivo para Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 4, "educação de qualidade", traz dentro de seus tópicos, a promoção dessa cultura de paz, envolvendo a garantia de que os estudantes tenham conhecimento e desenvolvam habilidades necessárias para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2015). Esse ODS preconiza a educação equitativa, inclusiva, com oportunidades de aprendizagem garantidas ao longo da vida (ONU, 2015). Dessa forma, a promoção e a manutenção da cooperação no meio educacional podem se ampliar, com o surgimento de comportamentos cooperativos não somente dentro de grupos, mas entre grupos: turmas com mais dificuldades recebendo apoio de turmas mais avançadas e estudantes de escolas com mais privilégios socioeconômicos apoiando escolas com estudantes em situação de vulnerabilidade.

Agradecimentos

CAPES; CNPq; USP/PUB/2016. Agradecemos à escola e às professoras que disponibilizaram tempo e espaço para condução do experimento e especialmente às crianças participantes deste estudo e as contribuições realizadas para discussão do trabalho pela Doutora e Professora do Departamento de Psicologia da USP-RP Fabiana Maris Versuti e pela Doutoranda Isabela Maria Freitas Ferreira da USP-RP.

 

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Recebido em: 11/05/2020
Aceito em: 04/09/2020

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