SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número especialEfeito do sistema de economias de fichas sobre o comportamento cooperativo em criançasEfeitos da pandemia de Covid-19 no Brasil e em Portugal: estresse peritraumático índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.14 no.spe Juiz de Fora  2020

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.30398 

Inteligência fluida como preditora do desempenho acadêmico em língua portuguesa e matemática

 

Fluid intelligence as a predictor of academic performance in portuguese and mathematic

 

La inteligencia fluida como predictor del rendimiento académico en portugués y matemática

 

 

Adauto Garcia de Jesus JuniorI; José Aparecido da SilvaII; Felipe ValentiniIII; Ricardo PrimiIV

IUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: agjjunior@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5079-1742
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. E-mail: jadsilva@ffclrp.usp.br ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1852-369X
IIIUniversidade São Francisco. E-mail: valentini.felipe@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0198-0958
IVUniversidade São Francisco. E-mail: rprimi@mac.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4227-6745

 

 


RESUMO

A presente pesquisa correlacionou dados provenientes da aplicação do teste de Inteligência BPR-5 com uma avaliação escolar de matemática e língua portuguesa em uma amostra de 679 alunos do nono ano do ensino fundamental de quatro escolas de uma rede particular de ensino. Os resultados dessas avaliações se mostraram fortemente correlacionados e estatisticamente significativos com escores dos testes de QI (r =,58, p < 0,01), evidenciando elevadas cargas em Inteligência Fluida (Gf). Uma análise longitudinal (5° ao 9° ano) foi aplicada através do Modelo de Curva de Crescimento Latente que investigou a média da variância inicial (intercepto) e a média de crescimento (slope) no desempenho acadêmico (DA) dos sujeitos, em dois modelos (com e sem a variável independente BPR), com o objetivo de investigar a capacidade preditiva de Gf no DA. Quando inserida a variável BPR, seu impacto no intercepto foi estimado em 20,288 e no slope, 6,381. Essas estimativas indicam o acréscimo no desempenho inicial e no crescimento no DA em razão de cada ponto a mais no escore em BPR. A diferença entre o intercepto e o slope foi negativa e estatisticamente significativa (-224,156, p < 0,01), sinalizando que os sujeitos que apresentaram desempenho inicial mais baixo no DA, obtiveram um crescimento maior no período avaliado. Assim, a capacidade preditiva de Gf sobre o DA foi demonstrada, corroborando os resultados da literatura.

Palavras-chave: Inteligência; Inteligência fluida; Desempenho acadêmico; Modelo de curva de crescimento.


ABSTRACT

The present search studies the correlation between data of the BPR-5 Intelligence test with a school assessment of mathematics and portuguese language and from a sample of 679 ninth grade students from four elementary private schools. The results indicate a strong correlation and statistically significant with IQ test scores (r =, 58, p < 0.01), showing high loads on Fluid Intelligence (Gf). A longitudinal analysis (5th to 9th grade) was applied using the Latent Growth Curve Model, which investigated the average initial variance (intercept) and the average growth (slope) in the subjects' academic performance (AP), in two models (with and without the independent variable BPR), aiming to investigate the predictive capacity of Gf in AP. When the variable BPR was inserted, its impact on the intercept was estimated at 20,288 and on the slope, 6,381. These outcomes indicate the increase on initial performance and growth in AP due to each additional point in the BPR score. The difference between the intercept and the slope was negative and statistically significant (-224,156, p < 0.01), indicating that the subjects who presented lower initial AP had a higher growth in the evaluated period. Thus, the Gf's predictive ability on AP was demonstrated, which corroborates with the literature results.

Keywords: Intelligence; Fluid intelligence; Academic performance; Growth curve model.


RESUMEN

La presente investigación correlacionó datos de la aplicación de la prueba de inteligencia BPR-5 con una evaluación escolar de matemáticas y portugués en una muestra de 679 estudiantes en el noveno grado de la escuela primaria de cuatro escuelas en una red privada. Se demostró que los resultados de estas evaluaciones están fuertemente correlacionados y son estadísticamente significativos con los puntajes de las pruebas de CI (r =, 58, p < 0.01), mostrando altas cargas en Inteligencia fluida (Gf). Se aplicó un análisis longitudinal (5º a 9º año) utilizando el Modelo de curva de crecimiento latente que investigó el promedio de la varianza inicial (intercepción) y el promedio de crecimiento (pendiente) en el rendimiento académico (RA) de los sujetos, en dos modelos (con y sin la variable independiente BPR), con el fin de investigar la capacidad predictiva de Gf en AD. Cuando se insertó la variable BPR, su impacto en la intersección se estimó en 20,288 y en la pendiente, 6,381. Estas estimaciones indican un aumento en el rendimiento inicial y el crecimiento en RA debido a cada punto adicional en el puntaje BPR. La diferencia entre la intersección y la pendiente fue negativa y estadísticamente significativa (-224,156, p < 0.01), lo que indica que los sujetos que tuvieron un rendimiento inicial más bajo en RA, tuvieron un mayor crecimiento en el período evaluado. Por lo tanto, se demostró la capacidad predictiva de Gf en AD, corroborando los resultados de la literatura.

Palabras clave: Inteligencia; Inteligencia fluida; Rendimiento acadêmico; Modelo de curva de crecimiento.


 

 

Dentre as áreas da psicologia que mais despertaram o interesse da comunidade científica ao longo dos últimos séculos, o estudo da inteligência certamente aparece à frente. Uma vasta bibliografia tem investigado questões sobre a relação inteligência e escolaridade, tais como Almeida (1988), Cattell (1971), Gustafsson (2001) e Primi et al. (2012), a título de exemplos. A maioria do conhecimento acumulado sobre a inteligência provém dos testes de habilidades cognitivas e que eles, além de amplamente utilizados atualmente, também são considerados válidos porque se correlacionam fortemente com resultados da vida real, e cita como exemplo altas correlações entre escores de testes e de avaliações educacionais americanas (Nisbett, 2013).

Por sua vez, estudantes com elevadas pontuações em avaliações de inteligência tendem a conseguir melhores desempenhos escolares (Coyle & Pillow, 2008). Além disso, um amplo conjunto de evidências demonstra que as habilidades cognitivas, principalmente o fator g, conseguem explicar cerca de trinta a sessenta por cento do desempenho escolar (Colom & Flores-Mendoza, 2007; Deary et al., 2007; Lemos et al., 2008; Spinath et al., 2006; Watkins, Lei, & Canivez, 2007).

Dentre as habilidades cognitivas reconhecidas, a chamada inteligência fluida (Gf) figura altamente relacionada ao desempenho acadêmico. Ela é entendida como o potencial para compreender e relacionar conceitos e informações, assim como para solucionar problemas novos, para os quais não há conhecimento ou respostas prontas armazenadas na memória. Representaria a base da aprendizagem envolvendo os processos de raciocínio por edução de relações e correlatos, e é definida como o uso de operações mentais deliberadas para resolver problemas novos (Nascimento & Rueda, 2014).

Dito de forma mais prática, Gf se expressa por meio do processamento de informações, tais como: relacionando ideias complexas, atribuindo significado, formando assim conceitos abstratos, derivando implicações lógicas a partir do reconhecimento de regras gerais. Manifesta-se em operações mentais que agem na solução de problemas para os quais não existem esquemas mentais prontos, ou conhecimento previamente armazenado. Envolve a criatividade no sentido da capacidade de criar estratégias de organização dos dados ou informações disponíveis na situação-problema, ou na reorganização dos esquemas mentais já disponíveis (Ackerman, 1996; Primi et al., 2001).

Os resultados apontam para Gf como uma base para a aprendizagem, especialmente na aquisição tanto de domínios de tarefas elementares quanto de habilidades para solucionar problemas mais complexos em matemática (Green, Bunge, Chiongbian, & Barrow, 2017). De fato, vários estudos têm demonstrado o fator preditivo de Gf sobre os índices de realização em matemática (McGrew & Hessler, 1995; Floyd, Evans, & McGrew, 2003; Taub, Floyd, Keith, & McGrew, 2008). Esse campo de pesquisa, no entanto, não é destituído de dificuldades e desafios.

Um estudo longitudinal se propôs a investigar se Gf exerce um papel significativo na aquisição de habilidades em matemática. Incluindo variáveis como idade, vocabulário e raciocínio espacial em seu modelo estatístico, os resultados demonstraram que Gf se apresentou como a única variável significativamente preditora da futura realização em matemática, ao longo de uma ampla faixa de idade que incluía os níveis escolares primário e secundário (Green et al., 2017).

Existe algum debate sobre o conceito de Gf na literatura, principalmente em função de algumas inconsistências apresentadas por dados sobre sua relação com medidas de aprendizagem. Esses dados têm apresentado correlações com níveis iniciais, porém, não com taxas de melhora em tarefas de aprendizagem (Zhang, Davis, Salthouse, & Tucker-Drob, 2007), enquanto outros estudos demonstraram essa correlação (Tamez, Myerson, & Hale, 2008; Williams & Pearlberg, 2006).

Algumas dessas inconsistências podem estar relacionadas a dificuldades de interpretação decorrentes de se utilizar o método da diferença de escores, subtraindo-se escores finais de escores iniciais para se obter uma medida de aprendizagem. Recentemente têm sido aplicados novos modelos estatísticos, como modelagem multinível e análise da curva de crescimento, como uma alternativa para superar tais dificuldades (Primi, Ferrão, & Almeida, 2010).

Outro importante desafio para os estudos que relacionam habilidades com aprendizagem é determinar o real grau de aquisição de um determinado conceito. Em muitos casos as pesquisas medem a aprendizagem dos alunos em algum ponto específico do tempo, como uma medida de critério que deverá ser predito, quando, para se demonstrar a aprendizagem real, seria necessária uma medida longitudinal ou medidas repetidas, além do modelo estatístico adequado, como os citados anteriormente (Voelkle, Wittmann, & Ackerman, 2006).

Gomes e Golino (2012) salientam que a área da psicometria tem priorizado pesquisas que investigam a capacidade preditiva da inteligência nas diferenças individuais de desempenho acadêmico (DA), negligenciando, entretanto, a importância preditiva da inteligência no desenvolvimento do rendimento escolar ao longo dos anos. Em sua pesquisa, eles realizam uma análise conjunta dos dois aspectos, de modo a investigar se Gf tem papel preditivo tanto nas diferenças individuais quanto desenvolvimentais do rendimento acadêmico. Os resultados indicaram que Gf tem um efeito indireto sobre as diferenças individuais no desempenho escolar e um efeito direto sobre as diferenças no desenvolvimento escolar dos alunos, o que demandaria uma visão intervencionista educacional de médio a longo prazo.

Além das diferenças de desempenho escolar, Gomes e Golino (2012) apresentam dados sugerindo que as medidas de inteligência também são preditivas do desenvolvimento acadêmico do educando. Assim como a escolarização e o conhecimento em si, promovem a inteligência. Em sua revisão, Ceci (1991) salienta que correlações entre anos de escolaridade e índices de QI costumam ser muito altas, frequentemente ultrapassando 0,8.

Avaliações sistemáticas de desempenho escolar, como o caso do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), estão altamente correlacionadas com os índices nos testes de QI, indicando que, na verdade, ambos compartilham carga fatorial comum. Corroborando essa constatação, temos que as medidas de QI avaliadas em crianças de cinco anos de idade é forte preditor do desempenho acadêmico aos dezesseis anos de idade (Silva, Ribeiro-Filho, & Santos, 2012).

Um estudo longitudinal com indivíduos de 11 a 70 anos de idade, buscando investigar a influência da educação escolar sobre as habilidades cognitivas, encontrou dados que constataram que a educação tem relação mais direta com a melhoria da inteligência no que diz respeito aos traços de habilidades específicas do que no fator g, ou seja, na capacidade mental como um todo. Os dados indicaram que as habilidades educacionais aumentam os escores de testes de inteligência (Ritchie, Bates, & Deary, 2015).

Conforme apresentado nessa introdução, apesar da quantidade farta de pesquisas que correlacionam as habilidades cognitivas com a escolaridade, a literatura ainda carece de estudos que investiguem aspectos dessa correlação utilizando medidas longitudinais e métodos estatísticos adequados, esclarecendo o papel da inteligência no desenvolvimento acadêmico e não apenas nas diferenças individuais pontuais. A mera correlação entre a inteligência e o desempenho acadêmico fundamenta uma visão simplista do senso comum de que a primeira gera o segundo e garante o sucesso escolar. Faz-se necessário investigar não somente a correlação entre as variáveis, mas também como ela se dá. Como elas interagem no processo do desenvolvimento cognitivo e acadêmico e quais as relações de causa e efeito envolvidas. Uma melhor compreensão dessas questões permite vários benefícios sociais e educacionais, tais como intervenções mais eficazes por parte de educadores, psicólogos e psicopedagogos, visando facilitar o processo ensino-aprendizagem dos escolares e políticas educacionais mais coerentes com os avanços científicos, possibilitando o emprego de recursos de maneira mais adequada e eficiente.

A partir desse contexto e buscando elucidar questões relativas à carência citada acima, essa pesquisa investigou a capacidade preditiva de Gf sobre a diferença e o desenvolvimento no desempenho acadêmico de estudantes do ensino fundamental, a partir de dados do 5º e 9º anos em língua portuguesa e matemática, utilizando o modelo de análise de curva de crescimento.

 

Método

Participantes

A amostra total foi constituída de 679 sujeitos, ambos os sexos, alunos do 9° ano do ensino fundamental, com idades em torno de 14 anos (o banco de dados da instituição não disponibiliza idade individual dos alunos), ambos os sexos, provenientes de uma rede de escolas particulares do interior do estado

de São Paulo. Da amostra total, entretanto, apenas 318 alunos foram submetidos ao BPR-5.

Instrumentos

Foi utilizada a Bateria de Provas de Raciocínio - BPR5, um teste que avalia cinco aspectos da inteligência: Raciocínio Verbal (RV), Raciocínio Abstrato (RA), Raciocínio Numérico (RN), Raciocínio Espacial (RE) e Raciocínio Mecânico (RM). Foram aplicados apenas os subtestes RV, RA e RN na versão adaptativa online em computador.

Também foram utilizados dados resultantes de um programa de avaliação do ensino básico. Trata-se de uma avaliação institucional de uma rede de escolas particulares que inclui as provas de língua Portuguesa e matemática. Os resultados das avaliações permitem ao programa gerar um índice de desempenho ou nível de proficiência do aluno a partir de uma escala de pontuação equivalente à utilizada nas avaliações do SAEB e Prova Brasil (média 250, DP 50) sendo que os itens estão baseados no modelo da Teoria de Resposta ao Item (TRI).

Procedimentos

A aplicação dos testes de inteligência foi realizada em quatro escolas de uma rede particular de ensino em quatro cidades do interior do estado de São Paulo. Antes da aplicação dos testes, todos os sujeitos e seus responsáveis assinaram o Termo de Assentimento e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respectivamente.

Os subtestes RV, RA e RN do BPR-5, versão adaptativa, foram aplicados em computador de forma coletiva e online, por turmas de 9° ano nas salas de informática das escolas participantes e sua correção se dá de forma eletrônica pelo sistema do próprio teste. O tempo total de cada aplicação foi em torno de 30 minutos. As turmas foram divididas em grupos em função do número de computadores disponíveis na sala de informática de cada escola.

Os itens de cada subteste são provenientes de um banco de itens e são apresentados em nível crescente de dificuldade. O próprio sistema seleciona os itens e determina o momento de interrupção da testagem analisando a habilidade do testando e o grau de dificuldade dos itens com base na Teoria de Resposta ao Item.

A forma adaptativa do teste também prevê que o subteste seja interrompido somente após um número de itens que garanta um índice de fidedignidade de no mínimo 0,70 (alpha de Cronbach).

Após a aplicação do teste, a instituição responsável forneceu os resultados da prova de desempenho escolar de aplicação interna. Trata-se de um programa de avaliação do ensino básico que compreende os conteúdos de língua portuguesa e matemática. Os dados são relativos às avaliações 2013 e 2017, respectivamente 5° e 9º anos das mesmas turmas. Dessa maneira foi possível avaliar o desempenho dos sujeitos em dois momentos distintos, o que permitiu estimar seu desenvolvimento acadêmico. Importante ressaltar que a pesquisa foi realizada apenas com alunos do 9º ano. Os dados das avaliações do 5º ano foram obtidos do banco de dados da instituição.

Forma de análise dos resultados

Foi aplicado o Modelo de Curva de Crescimento Latente (MCCL) em duas análises (Modelo 1 e Modelo 2), com o objetivo de estimar os parâmetros de crescimento individual, para verificar se a variância no desenvolvimento dos sujeitos foi estatisticamente significativa e investigar sua relação com a inteligência fluida. O modelo 1 investigou a variabilidade do desempenho médio inicial dos sujeitos, chamado de intercepto, bem como a variabilidade do crescimento do desempenho acadêmico (DA), chamado slope (significa inclinação ou coeficiente angular) exclusivamente a partir dos dados longitudinais da avaliação de desempenho em matemática e língua portuguesa, em dois momentos, 5° (2013) e 9° (2017). Em seguida, o modelo 2 incluiu as medidas dos três subtestes do BPR-5 para investigar a capacidade da variável inteligência em predizer resultados sobre o DA, a fim de verificar a hipótese preditiva (influência da Gf sobre o crescimento do DA). O βᵢ representa a relação entre a variável inteligência e o DA inicial, enquanto βₛ indica a associação entre a inteligência e o crescimento no DA.

Considerando que na MCCL, o intercepto e o slope são estimados como latentes, são necessárias três medidas por variável para a identificação do modelo. Tradicionalmente, a MCCL modela, no mínimo, três avaliações em tempos distintos para resolver a identificabilidade. No entanto, os dados na presente pesquisa foram coletados para duas disciplinas em dois tempos.

Para resolver o problema de identificação, modelou-se ambas as notas de MT e LP em um único intercepto e um único slope (i.e., para as notas de MT e LP, 5o e 9o ano, as cargas do intercepto e do slope foram fixadas nos respectivos vetores: 1,1,1,1; e 0,0,1,1). Assim, o intercepto deve ser interpretado como o desempenho geral inicial (MT e LP em conjunto) e o slope como o crescimento do desempenho geral.

A relação entre a variável Gf e o DA inicial deve ser significativamente diferente de zero já que Gf está associada ao DA. Se de fato Gf representa algum processo de raciocínio subjacente importante para o DA, alunos com altos índices de Gf devem revelar um crescimento maior. Portanto, é esperado também que a relação entre Gf e o crescimento também difira de zero, o que, neste caso, poderia ser considerado como evidência a favor do papel preditivo de Gf sobre o DA em matemática e língua portuguesa.

Vários índices de ajuste avaliaram os modelos MCCL, incluindo o teste do modelo X2 o Índice de Ajuste Comparativo (CFI), o Índice de Tucker-Lewis (TLI), o RMSEA com intervalo de confiança de 90% e o SRMR (Hu & Bentler, 1999). Os dados foram analisados utilizando os software Statistical Packageof Social Sciences - SPSS e o pacote de software estatístico para modelos multiníveis MPlus.

 

Resultados

Foram utilizados apenas os dados referentes ao desempenho nas avaliações em matemática e língua portuguesa, produzindo informações sobre a variância no intercepto e slope exclusivamente desses dados. Em seguida foi introduzida no modelo, a variável BPR, representativa da medida de Gf dos sujeitos da amostra, para dimensionar o impacto preditivo de uma medida de inteligência no DA dos alunos participantes.

As Tabelas 1 e 2 apresentam as estimativas dos parâmetros do Modelo de Crescimento Linear que foram obtidos a partir do algoritmo Interativo Generalizado de Mínimos Quadrados, baseado em 679 casos, sem (Modelo 1) e com (Modelo 2) a presença da variável preditora, respectivamente. Os resultados da Tabela 1 mostram que a taxa média de slope é estatisticamente diferente de zero (= 66,730, p < 0,01), indicando que uma unidade de tempo acrescida está, em média, associada com 66,73 pontos a mais no DA. Além disso, o intercepto do DA demonstra considerável quantidade de variância entre os estudantes (σ2 = 747,684). A variância de slope é σ2 = 186,195, a qual é estatisticamente significativa e menor que a variância envolvida no intercepto.

Testes de qualidade de ajuste do modelo (X2, CFI, TLI, RMSEA e SRMR) foram considerados satisfatórios conforma apresentados na nota da Tabela 1. Entretanto, a correlação entre o intercepto e o slope no modelo 1 não é estatisticamente significativa, o que indica que o crescimento (slope) dos escores de desempenho não está associado com os o desempenho inicial (intercepto). Os índices de variância residual se referem às variâncias que não são explicadas pelo modelo.

A Figura 1 apresenta o diagrama referente ao Modelo 1, ou seja, referente aos dados da Tabela 1.

A Tabela 2 apresenta os resultados do Modelo 2, o qual inclui Gf como variável BPR, como preditora do intercepto e slope do DA. A correlação entre o intercepto e o slope é negativa e estatisticamente significativa (r = -224,156 p < 0,01).

As médias do intercepto (= 235,040) e do Slope (= 67,308) mantiveram valores próximos aos do Modelo 1. O impacto da variável BPR sobre o intercepto (βᵢ) indica que a cada ponto adicional no escore do BPR produz uma diferença de 20,288 pontos a mais na variância inicial (intercepto) ao passo que um acréscimo de (βₛ) 6,381 pontos na variância do crescimento (Slope). Tais estimativas sugerem relação importante entre os escores do BPR e o intercepto no DA e principalmente que Gf também se apresentou como um significativo preditor da taxa de crescimento (Slope).

Assim, os resultados do Modelo 2 evidenciam que Gf é capaz de predizer a taxa de crescimento no DA além de predizer seu valor inicial. Isso corrobora a hipótese desse trabalho em relação ao papel de Gf sobre o DA.

A Figura 2 apresenta o diagrama referente ao Modelo 2, ou seja, referente aos dados da Tabela 2.

Modelo de Curva de Crescimento Latente. Apresenta as mesmas variáveis da Figura 2, incluindo variável independente BPR (Gf), sendo que theta_ra, theta_rn e theta_rv se referem aos subtestes Raciocínio Abstrato, Numérico e Verbal, respectivamente.

 

Discussão

Fundamentada na Teoria do Investimento de Cattell (1971), a hipótese de que Gf é capaz de predizer o DA dos sujeitos foi testada por meio de uma avaliação longitudinal utilizando o MCCL, investigando a associação de Gf com diferenças inter-individuais no crescimento intra-individual do DA.

Os resultados estão de acordo com a literatura, cujas pesquisas identificam a inteligência como um importante preditor do DA (Soares, Lemos, Primi, & Almeida, 2015; Colom & Flores-Mendoza, 2007; Karbach, Gottschling, Spengler, Hegewald, & Spinath, 2013; Weber, Lu, Shi, & Spinach, 2013). Os dados indicam que a variância individual na taxa de crescimento do DA pode ser explicada, pelo menos em parte, pela Gf, e que sujeitos que pontuam melhor no teste de inteligência apresentam crescimento mais rápido no DA ao longo do período de quatro anos avaliados.

Pesquisas utilizando o MCCL têm encontrado resultados semelhantes que apresentam correlação entre taxa de crescimento em conteúdo acadêmico e a inteligência (Primi et al., 2010; Swanson et al., 2008), assim como outros estudos, utilizando abordagens metodológicas diferentes, têm apontado correlações positivas entre Gf e taxas de aprendizagem (Tamez et al., 2008; Watkins, Lei, & Canivez, 2007).

Os resultados do presente estudo foram relevantes na confirmação da hipótese de que Gf, tal qual medida por testes padronizados de inteligência, é capaz de predizer tanto a variância inicial quanto a taxa de crescimento do DA em língua portuguesa e matemática, indicando que Gf está associada a habilidades de raciocínio que estão envolvidas na resolução de problemas novos. Por outro lado, esses achados não corroboram os resultados de Zhang et al. (2007), que investigaram o aprendizado de tarefas espaciais e verbais e, apesar de terem encontrado correlações com a variância inicial, as medidas de Gf e Gc investigadas não se correlacionaram com a taxa de aprendizagem (Slope).

A possível causa dessa aparente inconsistência pode estar relacionada a uma questão de diferenças metodológicas em relação ao estudo de Zhang (2007). Especialmente pelo fato de que o tipo de tarefa a que os sujeitos foram submetidos, não demandaria de fato as habilidades relacionadas à Gf. Tarefas mais complexas, tais como as utilizadas no estudo de Tamez et al. (2008) seriam suficientes pra demonstrar a correlação esperada com Gf (Primi et al., 2010).

Os dados analisados aqui forneceram evidência de que Gf de fato tem impacto preditivo sobre a variância inicial no DA de alunos em língua portuguesa e matemática, assim como sobre sua taxa de crescimento ao longo do período do quinto ao nono ano do ensino fundamental. A correlação negativa entre os valores do intercepto e slope indica que os alunos que obtiveram menores índices de desempenho inicial apresentaram maior taxa de crescimento no DA avaliado.

Outro aspecto importante a partir dos resultados desse estudo foi evidenciar a importância do MCCL como importante ferramenta estatística para investigar o impacto de variáveis preditoras sobre taxas de aprendizagem e desempenho nos mais diversos campos, mas especialmente útil no que diz respeito à elucidação de questões relacionadas aos mecanismos subjacentes da inteligência humana e sua relação com aprendizagem e demais realizações (Primi et al., 2010).

A presente pesquisa enfrentou algumas limitações que precisam ser consideradas. Uma delas diz respeito à estrutura da análise. A avaliação do desempenho acadêmico foi mensurada em apenas dois momentos, o que permite traçar uma reta de crescimento. Um modelo utilizando três ou mais momentos avaliativos poderia melhorar a compreensão do fenômeno a partir de uma curva de crescimento. Outra limitação se refere à amostra proveniente de uma rede de escolas particulares e com características semelhantes. Outros tipos de escolas ou regiões distintas poderiam apresentar resultados diferentes. Em relação ao delineamento do estudo, é importante ainda ressaltar que apenas os dados referentes ao DA foram coletados em dois momentos, o que permite uma análise longitudinal. A aplicação do teste de Gf ocorreu somente próximo ao segundo momento de avaliação do DA.

A presente pesquisa atingiu seu objetivo principal de investigar a influência da inteligência fluida sobre a variância nos resultados escolares inter-indivíduos e sua capacidade de predizer o crescimento no DA dos alunos que participaram do estudo. Os resultados aqui apresentados confirmaram a hipótese subjacente à presente pesquisa.

Entretanto, e a despeito das contribuições aqui apresentadas para o esclarecimento de questões importantes para a psicologia e educação, é fundamental que novas pesquisas concorram para estreitar ainda mais as lacunas existentes no que diz respeito à compreensão do funcionamento da estrutura cognitiva humana e suas aplicações que conduzam ao desenvolvimento de uma sociedade mais eficiente, justa e solidária.

Agradecimento

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

 

Referências

Ackerman, P. L. (1996). A theory of intellectual development: Process, personality, interests, and knowledge. Intelligence, 22, 227-257.         [ Links ]

Almeida, L. S. (1988). O impacto das experiências educativas na diferenciação cognitiva dos alunos: Análise dos resultados em provas de raciocínio diferencial. Revista Portuguesa de Psicologia, 24, 131-157.         [ Links ]

Cattell, R. B. (1971). Abilities, their structure, growth, andaction. Boston: Houghton Mifflin.         [ Links ]

Ceci, S. J. (1991). How much does schooling influence general intelligence and its cognitive components? Developmental Psychology, 27, 703-722.         [ Links ]

Colom, R., & Flores-Mendoza, C. E. (2007). Intelligence predicts scholastic achievement irrespective of SES factors: evidence from Brazil. Intelligence, 35(3), 243-251.         [ Links ]

Coyle, T. R., & Pillow, D. R. (2008). SAT and ACT predict college GPA after removing g. Intelligence, 36(6), 719-729.         [ Links ]

Deary, I. J., Strand, S., Smith, P., & Fernandes, C. (2007). Intelligence and educational achievement. Intelligence, 35(1), 13-21.         [ Links ]

Floyd, R. G., Evans, J. J., & Mcgrew, K. S. (2003). Relations between measures of Cattell-Horn-Carroll (CHC) cognitive abilities and mathematics achievement across the school-age years. Psychology in the Schools, 40, 155-171.         [ Links ]

Gomes, C. M. A., & Golino, H. F. (2012). O que a inteligência prediz: diferenças individuais ou diferenças no desenvolvimento acadêmico? Psicologia: teoria e prática, 14(1), 126-139.         [ Links ]

Green, C. T., Bunge, S. A., Chiongbian, V. B., Barrow, M., & Ferrer, E. (2017). Fluid reasoning predicts future mathematical performance among children and adolescents. Journal of Experimental Child Psychology, 157, 125-143.         [ Links ]

Gustafsson, J. E. (2001). Schooling and intelligence: Effects of track of study on level and profile of cognitive abilities. International Education Journal, 2, 166-186.         [ Links ]

Hu, L., & Bentler, P. M. (1999). Cut-off criteria for fit indexes in covariance structure analysis: Conventional criteria versus new alternatives. Structural Equation Modeling, 6, 1-55.         [ Links ]

Karbach, J., Gottschling, J., Spengler, M., Hegewald, K., & Spinath, F. M. (2013). Parental involvement and general cognitive ability as predictors of domain-specific academic achievement in early adolescence. Learning and Instruction, 23, 43-51.         [ Links ]

Lemos, G., Almeida, L. S., Guisande, M. A., & Primi, R. (2008). Inteligência e rendimento escolar: análise da sua relação ao longo da escolaridade. Revista Portuguesa de Educação, 21(1), 83-99.         [ Links ]

McGrew, K.S., & Hessler, G. L. (1995). The Relationship between the WJ-R Gf-Gc Cognitive Clusters and Mathematics Achievement across the Life-Span. Journal of Psychoeducational Assessment, 13(1), 21-38.         [ Links ]

Nascimento, M. M., & Rueda, F. J. M. (2014). Estudo da estrutura interna do Teste de Inteligência - TI. Psico-USF, 19(2), 307-316.         [ Links ]

Nisbett, R. E. (2013). Schooling makes you smarter: What teachers need to know about IQ. American Educator, 37(1), 10-19.         [ Links ]

Primi, R., Couto, G., Almeida, L. S., Guisande, M. A., & Miguel, F. K. (2012). Intelligence, age and schooling: Data from the Batery of ReasoningTests (BRT-5). Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(1), 79-88.         [ Links ]

Primi, R., Ferrão, M. E., & Almeida, L. S. (2010). Fluid Intelligence as a predictor of learning: A longitudinal multilevel approach applied to math. Learning and Individual Differences, 20, 446-451.         [ Links ]

Primi, R., Santos, A. A. A., Vendramini, C. M., Taxa, F., Muller, F. A., Lukjanenko, M. F., & Sampaio I. S. (2001). Competências e Habilidades Cognitivas: Diferentes definições do mesmo constructo. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 17(2), 151-159.         [ Links ]

Ritchie, S. J., Bates, T. C., & Deary, I. J. (2015). Is education associated with improvements in general cognitive ability, or in specific skills. Developmental Psychology, 51(5), 573-582.         [ Links ]

Silva, J. A. da, Ribeiro-Filho, N. P., & Santos, R. C. dos (2012). Inteligência humana e suas implicações. Temas em Psicologia. 20(1), 155-187.         [ Links ]

Soares, D. L., Lemos, G. C., Primi, R., & Almeida, L. S. (2015). The relationship between intelligence and academic achievement throughout middle school: The role of students' prior academic performance. Learning and Individual differences, 41, 73-78.         [ Links ]

Spinath, B., Spinath, F. M., Harlaar, N., & Plomin, R. (2006). Predicting school achievement from general cognitive ability, sef-perceived ability, and intrinsic value. Intelligence, 34(4), 363-374.         [ Links ]

Swanson, H. L., Jerman, O., & Zheng, X. (2008). Growth in working memory and mathematical problem solving in children at risk and not at risk for serious math difficulties. Journal of Educational Psychology, 100, 343-379.         [ Links ]

Tamez, E., Myerson, J., & Hale, S. (2008). Learning, working memory, and intelligence revisited. Intelligence, 78, 240-245.         [ Links ]

Taub, G. E., Floyd, R. G., Keith, T. Z., & McGrew, T. Z. (2008). Effects of general and broad cognitive abilities on mathematics achievement. School Psychology Quarterly, 23, 187-198.         [ Links ]

Voelkle, M. C.,Wittmann, W. W., & Ackerman, P. L. (2006). Abilities and skill acquisition: A latent growth curve approach. Learning and Individual Differences, 16, 303-319.         [ Links ]

Watkins, M. W., Lei, P. W., & Canivez, G. L. (2007). Psychometric intelligence and achievement: a cross-lagged panel analysis. Intelligence, 35(1), 59-68.         [ Links ]

Weber, H. S., Lu, L., Shi, J., & Spinath, F. M. (2013). The roles of cognitive and motivational predictors in explaining school achievement in elementary school. Learning and Individual Differences, 25, 85-92.         [ Links ]

Williams, B. Ba, & Pearlberg, S. L. (2006). Learning of three-term contingencies correlates with Raven scores, but not with measures of cognitive processing. Intelligence, 34(2), 177-191.         [ Links ]

Zhang, Z., Davis, H. P., Salthouse, T. A., & Tucker-Drob, E. M. (2007). Correlates of individual, and age-related, differences in short-term learning. Learning and Individual Differences, 17, 231-240.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 30/04/2020
Aceito em: 04/09/2020

Creative Commons License