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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.15 no.2 Juiz de Fora Apr./June 2021

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2021.v15.30178 

ARTIGOS

 

Violência sexual infantojuvenil em processos criminais: uma pesquisa documental

 

Child and adolescent sexual violence in criminal proceedings: a documentary research

 

Violencia sexual infanto-juvenil en procedimientos penales: una investigación documental

 

 

Fábio de Carvalho MastroianniI; Bianca Petito da SilvaII; Fernanda Gibram MauroIII; Natália de Mota Freitas GouvêaIV; Andreza Marques de Castro LeãoV

IUniversidade de Araraquara (UNIARA)/Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP). E-mail: psicomastroianni@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0539-8252
IIUniversidade de Araraquara (UNIARA). E-mail: biancap.s@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9359-8037
IIIUniversidade de Araraquara (UNIARA). E-mail: fergibran@uniara.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2702-8671
IVUniversidade de Araraquara (UNIARA). E-mail: nataliagouvea52@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3792-9679
VUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP). E-mail: andreza.leao@unesp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5037-4882

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivou-se conhecer e analisar denúncias de violência sexual infanto-juvenil (VSIJ) por meio da análise documental de processos criminais. Encontrou-se 43 processos relativos a 49 vítimas e a 44 indiciados, com VSIJ supostamente praticada por homens que integravam a família (65,9%), ocorridas em ambiente doméstico (74,4%), incluindo, geralmente, apenas indiciado e vítima (86%), na maioria mulheres (87,8%). Concluiu-se que o uso dos processos criminais se mostra relevante. A semelhança entre os resultados e os dados da literatura científica indica a importância de se utilizar estas informações em programas de educação e prevenção, e de se refletir sobre estratégias para os casos que não chegam às autoridades.

Palavras-chave: Violência sexual; Direito penal; Análise documental; Infância; Adolescência.


ABSTRACT

The objective was to know and analyze reports of sexual violence against children and adolescents through a documentary analysis of the criminal processes. We found 43 lawsuits related to 49 victims and 44 indicted, in which the violence was allegedly practiced by men who were part of the victims' family (65.9%), occurred in the domestic environment (74.4%), including, generally, only the accused and the victim (86%), who were mostly women (87.8%). It was concluded that the use of criminal proceedings files is relevant. The similarity between the results and the data found in the scientific literature indicates the importance of using this information in education and prevention programs, and of reflecting on strategies for cases that do not reach the authorities.

Keywords: Sexual violence; Criminal law; Documentary analysis; Childhood; Adolescence.


RESUMEN

El objetivo era conocer y analizar las denuncias de violencia sexual infanto-juveniles (VSIJ) por medio del análisis documental de los procesos criminales. Fueron hallados 43 procesos relativos a las 49 víctimas y 44 indiciados, con VSIJ supuestamente practicadas por hombres que integraban la familia (65,9%), ocurridas en ambiente doméstico (74,4%), incluyendo generalmente, solamente indiciado y víctima (86%), en gran parte mujeres (87,8%). Se ha concluido que el uso de los procesos criminales es relevante. La similitud entre los resultados y los datos de la literatura científica señalan la importancia de utilizarse estas informaciones en programas de educación, prevención y reflexionar sobre estrategias para los casos que no llegan a las autoridades legales.

Palabras clave: Violencia Sexual; Derecho Penal; Análisis Documental; Infancia; Adolescencia.


 

 

Atos de violência praticados contra a população infantil fazem parte da história da humanidade, embora nem sempre tenham sido registrados desta forma segundo a época e a cultura (Ariés, 1981). No que se refere à violência sexual, os diversos trabalhos desenvolvidos pelo historiador Lloyd deMause, citados por Sanderson (2005), indicam que desde a antiguidade já ocorriam práticas culturais envolvendo estas atividades com crianças. Diferentes culturas exerciam distintas formas de educação, de modo que atividades de natureza sexual não eram consideradas expressões de violência pelos adultos, tampouco pelas próprias crianças.

Embora, atualmente, a maior parte das culturas não a considere aceitável, muitas crianças e adolescentes continuam sendo vítimas de violência sexual. Devido ao modo encoberto como a maioria destas situações costumam ocorrer, acredita-se que apenas uma pequena parte, ou seja, cerca de 10% dos casos é relatada ou chega ao conhecimento das autoridades (Sanderson, 2005). Segundo o recente boletim epidemiológico (Ministério da Saúde, 2018), a dificuldade para dar visibilidade a este problema se deve não só ao caráter íntimo e relacional, mas, também, à pouca autonomia dos indivíduos em comunicarem as ocorrências, o que pode estar relacionado ao receio com o estigma social e o sentimento de vergonha.

Com relação à extensão, dados oriundos da United Nations Children's Fund (UNICEF, 2017) indicam que a violência sexual infanto-juvenil (VSIJ) ocorre em países de todas as rendas e níveis de desenvolvimento, podendo afetar indivíduos de todas as idades e em diferentes contextos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002, p. 147), a violência sexual pode ser definida como sendo:

Qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato sexual, comentários ou investidas sexuais indesejados, ou atos direcionados ao tráfico sexual ou, de alguma forma, voltados contra a sexualidade de uma pessoa usando a coação, praticados por qualquer pessoa independentemente de sua relação com a vítima, em qualquer cenário, inclusive em casa e no trabalho, mas não limitado a eles.

Diante de um conceito tão amplo, duas manifestações destas práticas podem ser consideradas: a exploração e o abuso sexual. A primeira pressupõe uma relação de mercantilização, na qual o sexo é fruto de uma troca, seja ela de natureza financeira, de favores ou por meio de presentes, podendo ocorrer ou não por intermédio de pessoas ou serviços (Childhood Brasil, 2018). Já no abuso, as atividades geralmente são praticadas por alguém em estágio de desenvolvimento psicossexual mais avançado, na qual a vítima é usada como objeto para a estimulação sexual (Sanderson, 2005).

Nestes casos, o abusador geralmente se utiliza da confiança e do afeto, destarte, muitas vezes a criança não consegue perceber que está sendo vítima, podendo desenvolver a crença de que é responsável pelo que está acontecendo. Deste modo, por medo da punição, geralmente, não revelam o abuso (Habigzang, Corte, Hatzenberger, Stroeher, & Koller, 2008). Estudos apontam os prejuízos causados por estas práticas no desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes, relacionando-os também com o possível surgimento de transtornos na adolescência e na vida adulta (Aded, Dalcin, Moraes, & Cavalcanti, 2006; Sanderson, 2005).

No entanto, cada indivíduo apresenta um modo peculiar de reagir e o impacto do abuso pode variar de acordo com os fatores intrínsecos (as características pessoais, história de vida e temperamento da vítima), ou de acordo com os fatores extrínsecos de risco e de proteção: recursos sociais e financeiros, incluindo o acesso ao tratamento; funcionamento familiar e os recursos emocionais dos cuidadores (Hatzenberger, Habigzang, & Koller, 2012). O tipo de relação entre o abusador e a vítima também influenciam, pois quanto maior a proximidade entre eles, maior pode ser a sintomatologia observada (Santos, Pelisoli, & Dell'Aglio, 2012).

O abusador pode ser um membro da família, tendo laços de consanguinidade, afetividade e/ou de responsabilidade, estabelecendo, portanto, uma relação de confiança com a vítima. Nestes casos as situações de violência são denominadas de abuso sexual intrafamiliar, enquanto nas situações em que os abusadores não apresentam nenhum tipo de vínculo ou são pessoas estranhas ao núcleo familiar, de abuso sexual extrafamiliar (Santos, Pelisoli, & Dell'Aglio, 2012, Sanderson, 2005).

No abuso sexual intrafamiliar, geralmente, observa-se um sistema familiar fechado, no qual seus membros se mostram refratários e pouco permeáveis ao convívio social. A intervenção junto a estas famílias geralmente se mostra difícil, já que estas dinâmicas podem ser entendidas como um mecanismo protetivo familiar, cujo objetivo é manter o segredo do abuso em seu interior (Zavaschi, Estrella, Jardim, & Driemeier, 2011). Além dessas barreiras, outra dificuldade presente nos casos VSIJ é a de que tais práticas geralmente não deixam vestígios ou marcas físicas (Aded et al., 2006; Brito, 2012).

Quando chegam ao conhecimento das autoridades, o poder judiciário geralmente enfrenta dificuldades processuais na obtenção de provas, o que eleva ainda mais a complexa tarefa do julgador. O depoimento da vítima é, muitas vezes, o único elemento que pode sustentar a denúncia, tornando a revelação um tema delicado, principalmente, no que se refere ao abuso sexual intrafamiliar, haja vista os sentimentos ambivalentes em relação ao abusador e, muitas vezes, as ameaças sofridas tanto a si, quanto a outras pessoas de sua família (Azambuja, 2009; Ferreira & Azambuja, 2011).

Como se não bastasse, algumas vítimas ainda têm de lidar com o receio de que seu relato possa acarretar "desorganização" do grupo familiar, o que pode levá-las a manter a violência em segredo (Azambuja, 2009; Ferreira & Azambuja, 2011). Este silêncio, entretanto, é mantido a um alto custo, podendo colocar o desenvolvimento psicossocial da criança ou do adolescente em risco, pois ao tentar proteger a si mesma e os seus familiares, a vítima pode se submeter a um ciclo repetitivo de abuso, cujo sigilo atende principalmente aos interesses do perpetrador (Santos, Pelisoli, & Dell'Aglio, 2012).

No âmbito jurídico, os crimes sexuais estão previstos no Código Penal (Lei 2.848, 1940), tendo havido significativa revisão em 2009 por meio da lei n. 12.015 (Brasil, 2009), principalmente no Título IV (Dos crimes contra a dignidade sexual). Em relação a crianças e a adolescentes, cabe destacar as novas especificações do Capítulo II (Dos crimes sexuais contra vulnerável), que incluem os crimes de: estupro de vulnerável (Art. 217-A); corrupção de menores (Art. 218); satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Art. 218-A); e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (Art. 218-B).

Considerações a respeito da exploração sexual também estão previstas nos artigos 244-A e 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, 1990), na qual a violência sexual sem contato físico também é contemplada. Quanto a este aspecto, é importante ressaltar as alterações realizadas na redação do estatuto, relativas à venda e à distribuição de pornografia infantil, alteradas pela Lei n. 11.829 (2008), que trouxe definições e especificações mais abrangentes para este tipo de crime, bem como punições mais severas para essas práticas.

Não obstante ao respaldo jurídico, é importante considerar que a VSIJ é um fenômeno social amplo, complexo e interdisciplinar, devendo envolver não só os operadores do direito, como também a família e os diferentes personagens que interagem com crianças e adolescentes, como educadores e profissionais da saúde, entre outros (Ferreira & Azambuja, 2011). Trata-se de um tema que nas últimas décadas vem cada vez mais demandado atenção e cuidados específicos, tendo o Brasil avançado de modo significativo com a aprovação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (Brasil, 2002, 2014).

Este instrumento oferece uma síntese metodológica para a estruturação de políticas, programas e serviços que visam o enfrentamento da violência sexual. Em 2003, iniciou-se a atualização deste plano de enfrentamento, introduzindo-se indicadores de monitoramento e de avaliação de seu impacto na formulação de políticas públicas nessa área. Para o estabelecimento dos indicadores de monitoramento, o plano nacional considera diretrizes que estão distribuídas em diversos eixos norteadores: prevenção; atenção; defesa e responsabilização; comunicação e mobilização social; participação e protagonismo, assim como estudos e pesquisas.

Dentre as mais variadas diretrizes, destaca-se a necessidade de se aperfeiçoar os instrumentos de monitoramento pela articulação dos sistemas de informação. Um dos objetivos estratégicos envolve o fomento a pesquisas no campo da promoção, proteção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, levando-se em conta a diversidade regional, cultural e a difusão pública de seus resultados (Brasil, 2014). Destarte, mesmo que somente uma pequena parte das situações de VSIJ chegue ao conhecimento das autoridades, não deixa de ser relevante explorar as suas principais características junto ao poder judiciário.

Compreende-se que os processos criminais que envolvem denúncias de VSIJ se constituem em uma relevante fonte de informação sobre o tema, pois permitem verificar quais situações chegam ao poder judiciário e conhecer as características das pessoas envolvidas nestes processos. Além disso, podem servir de conhecimento para os diversos profissionais envolvidos com o tema, bem como respaldar a implementação ou o aperfeiçoamento de políticas locais, na medida em que também permitem comparar os dados regionais com os demais levantamentos existentes.

Considerando o exposto, o presente estudo teve por objetivo conhecer e analisar as características das denúncias envolvendo práticas de violência sexual contra crianças e adolescentes por meio da análise documental de processos criminais.

 

Método

Para a identificação dos aspectos relacionados ao propósito deste estudo, elegeu-se utilizar a técnica de análise documental. Segundo Prodanov (2013), esta técnica se dirige a materiais que ainda não receberam um tratamento analítico, conferindo-lhes uma nova importância como fonte de consulta, por meio da organização de informações que se encontram dispersas. Por documento, entende-se qualquer registro que possa ser usado como fonte de informação que engloba: observação crítica, leitura, reflexão ou crítica.

Para Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), o uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado, pois a riqueza de informações que deles se pode extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das ciências humanas e sociais, uma vez que a técnica possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. Este estudo se configura em uma pesquisa de caráter descritivo, analítico e exploratório, cujas técnicas utilizadas para a coleta e a análise dos dados se basearam em referenciais quantitativos e qualitativos.

Segundo Bardin (2016), alguns procedimentos de tratamento da informação na pesquisa documental apresentam analogias com uma parte da técnica de análise de conteúdo. Para a autora, ao se suprimir a função de inferência (procedimento intermediário que permite a passagem da descrição das características do texto para a interpretação, próprio da técnica de análise de conteúdo), limitando-se assim os procedimentos somente à análise categorial ou temática, pode-se efetivamente identificá-la como uma técnica de análise documental.

Material e procedimentos de coleta de dados

O material que compôs a amostra foram os processos judiciais que tramitaram em três varas criminais de uma comarca localizada no interior do estado de São Paulo. Para a sua composição, foram selecionados somente os processos que ingressaram entre os anos de 2016 até 2018, envolvendo denúncia de crimes contra a dignidade sexual praticados contra crianças e adolescentes, excluindo-se, portanto, os processos nos quais estes crimes foram praticados contra pessoas com idade superior a dezoito anos.

Para facilitar o acesso ao material, utilizou-se como critério de inclusão somente os processos digitais, uma vez que os processos físicos nem sempre permitem o acesso integral às informações. Desde o ano de 2015, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) vem informatizando (digitalizando) os processos, tal procedimento favoreceu aos cidadãos o acesso às informações processuais pela internet (http://www.tjsp.jus.br/Processos), por meio de uma senha fornecida pelo próprio sistema de justiça, o que facilitou a leitura e a análise integral dos processos.

Para esta pesquisa, as senhas foram fornecidas pelos ofícios judiciais (cartórios de três varas criminais), após a autorização dos juízes titulares destas varas. Os diretores destes ofícios permitiram localizar os processos cuja natureza envolvesse crimes contra a dignidade sexual praticada contra indivíduos com idade inferior a dezoito anos. Todo o acesso foi realizado pela internet, através do endereço acima indicado.

Deste modo, a partir do acesso, os autos processuais foram lidos integralmente, separando-se, para a composição da amostra, aqueles que continham denúncia de crimes contra a dignidade sexual praticados em crianças e adolescentes. Tanto a etapa de coleta, quanto a da seleção destes processos, bem como a de análise foram realizadas durante os meses de fevereiro e junho de 2019, período em que as senhas estiveram disponíveis e válidas para consulta ao material junto ao portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Aspectos éticos

Por se tratar de um estudo envolvendo informações relativas a seres humanos, a pesquisa foi submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa e aprovada sob o CAAE n.º 01223118.0.0000.5383. Como os documentos incluem informações em segredo de justiça, o acesso só ocorreu após a devida autorização dos juízes titulares das varas criminais. Durante a análise, garantiu-se o sigilo e o anonimato dos envolvidos, preservando-se a identidade das partes, dos operadores do direito, assim como a das demais pessoas e profissionais que participaram dos processos. Destarte, o estudo se encontra de acordo com a Resolução n. 466 (2012) e Resolução n. 510 (2016) do Conselho Nacional de Saúde.

Procedimentos de análise e interpretação dos dados

Selecionados os processos em que houve denúncia de crimes contra a dignidade sexual praticados em crianças e adolescentes, o material foi analisado de forma quantitativa e qualitativa. Foram analisados aspectos, definidos à priori, contidos nos mais variados documentos que compõem os autos processuais, entre eles: conteúdo das declarações e da denúncia; características relacionadas às vítimas e aos indiciados (idade, cor, gênero e estado civil, entre outros), bem como a relação entre eles; tipo de violência sexual descrita; conteúdo das sentenças e manifestações dos demais operadores do direito, além de características e dados relacionados à família.

 

Resultados

Características relacionadas aos processos

A pesquisa junto aos ofícios judiciais identificou 177 processos com referência a crimes contra a dignidade sexual. No entanto, somente 72 (40,7%) puderam ser acessados na íntegra, por se configurarem em documentos digitais. Seguindo os critérios de inclusão, foram selecionados somente os documentos relacionados a crimes praticados contra crianças e adolescentes, totalizando, portanto, 43 (quarenta e três) denúncias distintas de prática de VSIJ (Violência Sexual Infanto-Juvenil).

A maior parte dos casos analisados (86%) se referia a denúncias envolvendo apenas uma única vítima e indiciado. Somente quatro (9,3%) denúncias incluíram mais de uma criança e/ou adolescente, sendo que em um destes havia dois indiciados. Além disso, dois processos (4,6%) se referiam à denúncia anônima, não havendo, portanto, dados específicos sobre as vítimas, apenas apontamentos de que eram pessoas com idade inferior a dezoito anos. Deste modo, somando-se todas as pessoas identificadas nas denúncias, foram analisadas as características de 49 (quarenta e nove) vítimas e de 44 (quarenta e quatro) indiciados.

Dentre o período analisado (2016-2018), a maior parte (62,8%) se refere ao último ano selecionado, entretanto, como o procedimento de informatização vem avançando desde a sua implementação, não é possível afirmar, somente pela análise dos documentos digitais, se, de fato, ao longo destes anos, houve aumento no número de denúncias ou se este dado se deve ao avanço da digitalização. Quanto à natureza jurídica das condutas, a maior parte foi composta por inquéritos policiais (79,1%). Quase a totalidade (95,3%) dos crimes se enquadrou em estupro de vulnerável (Art. 217-A), havendo apenas um processo de estupro (Art. 213) e outro de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Art. 218-A).

Quanto às decisões, ainda não constava sentença em mais da metade dos processos (58,1%), além disso, em muitos havia somente prorrogação do prazo para a continuidade das investigações (32,6%). Houve condenação, pena de reclusão ou prisão preventiva em quase um quinto dos processos (20,9%). Além disso, em quatro processos, foi aplicada medida cautelar de afastamento do réu (9,3%). Os indiciados foram absolvidos em somente duas decisões (4,7%), e em três processos (7%) houve arquivamento ou extinção, por conta do falecimento do indiciado ou por pedido feito pelo (a) responsável da vítima.

Embora em alguns processos não constasse nenhuma decisão, pelo menos durante o período de análise dos documentos, é importante verificar que em três processos houve alegação de insanidade mental por parte dos defensores do réu (7%), sendo realizadas perícias para esta finalidade. Quanto às vítimas, em somente quatro processos (9,3%), verificou-se informações relativas à proteção destes indivíduos, sendo o mais comum o acolhimento institucional. Além disso, nos casos em que se aplicou medida cautelar, o afastamento do indiciado se estendeu também aos familiares da vítima.

Características relacionadas às denúncias

A maior parte das denúncias (74,4%) se referia a práticas que supostamente ocorreram em ambientes privados, mais especificamente em uma residência, sejam estas da vítima, do indiciado ou de familiares destas crianças e adolescentes. Não foram encontrados processos que se enquadram na definição de exploração sexual. As declarações geralmente apontam mais de um comportamento, mas todos se relacionam ao que se define como abuso sexual. Entre estes, destacam-se atitudes tais como: sexo vaginal (27,9%); carícias em zonas erógenas (20,9%), que usualmente evoluem para tentativas ou práticas sexuais; sexo anal (14%) e; sexo oral na vítima (14%).

Com relação à frequência, em somente um processo, não havia dados suficientes a este respeito. De qualquer forma, observou-se equilíbrio nas denúncias, com discreta sobreposição de eventos isolados (51,2%) em relação aos praticados em mais de uma ocasião ou de modo permanente (46,5%). Quanto à dinâmica, a análise das declarações permitiu verificar que, na maior parte dos processos (46,5%), não houve o uso de força, ou seja, são situações nas quais o indiciado, de algum modo, convenceu a vítima a realizar o ato de natureza sexual, destacando-se a associação destas práticas com o uso de álcool ou outra substância em um quarto (25,6%) destas situações.

No entanto, em um pouco mais de um terço (34,9%) dos processos, a VSIJ esteve associada à ação coercitiva. Dentre estas, na maioria dos casos (73,3%), os indiciados se utilizaram de força física para coagir a vítima a praticar algum tipo de relação sexual, sendo que, em mais de um quarto (26,7%) destas denúncias, a coerção ocorreu após a resistência da vítima às tentativas de sedução. Dentre estes, a intimidação e a ameaça à vítima e/ou algum familiar foi utilizada por 20% dos indiciados, e, em um pouco mais de um quarto (25,6%) dos processos, com ou sem ação coercitiva, o acusado tentou convencer a vítima a não comentar sobre a ocorrência, afirmando que ela seria desacreditada ou lhe incutindo algum sentimento de culpa relativa às consequências que a revelação poderia lhe acarretar.

Não há, em todos os processos, o conteúdo das declarações ou das denúncias, assim como informações acerca dos sentimentos da criança e/ou adolescente. Todavia, naqueles em que a vítima pronunciou alguma sensação ou emoção em relação à denúncia (44,2%), destacam-se expressões como: medo, tensão, preocupação e tristeza. A exceção foi um único processo, no qual a vítima se declarou apaixonada pelo indiciado, neste, havia contraste entre a declaração da adolescente e de seu responsável.

A maior parte das situações denunciadas teria ocorrido sem a presença de terceiros, pois não houve flagrante da ação delitiva em 76,7% dos processos e, ao deporem, em apenas dois casos (4,7%), os indiciados confirmaram a acusação feita contra eles. As declarações foram realizadas principalmente pelas vítimas (55,8%), seguidas pela figura da genitora (23,3%), mas independentemente de quem declarou, verifica-se que a mãe foi quem as acompanhou na delegacia na maioria das vezes (62,8%). Com relação ao tempo entre a referida ocorrência até a busca pelas autoridades, na maioria (72,1%) dos casos, as declarações foram feitas em até um mês após a situação que gerou a denúncia, e, em somente três processos (7%), as declarações foram realizadas um ano após a referida violência.

Características relacionadas às vítimas e aos indiciados

Em apenas dois processos (4,7%), não foi possível identificar as características das vítimas, pois eram denúncias anônimas relativas a situações em que os indiciados costumavam de algum modo convencer as vítimas a frequentarem suas casas. Trata-se, portanto, de processos nos quais a denúncia foi feita no sentido de se investigar os indiciados, porém, sem referência específica a alguma criança ou adolescente, ou ao número de indivíduos que poderiam figurar como vítimas.

A análise dos dados das 49 vítimas permitiu verificar que a maior parte (87,8%) das acusações se constituiu em denúncias de abuso sexual praticada em crianças e adolescentes do sexo feminino. Independentemente do gênero, a idade média das vítimas foi de 7,6 anos, variando entre cinco meses e dezesseis anos de idade, com equilíbrio entre crianças (53,1%) e adolescentes (46,9%). A maioria das vítimas é branca (55,1%), seguida de pardas (30,6%) e negras (6,1%). Nos demais processos, não havia informações disponíveis com relação à etnia, e, em três vítimas (6,1%), foi identificada a existência de algum transtorno mental ou deficiência intelectual, conforme os documentos indicaram.

Já em relação aos 44 indiciados, todos são do sexo masculino e a maioria (72,7%) não apresentava antecedentes criminais. Quase metade (43,2%) destes homens estava solteiro no momento da denúncia, enquanto mais de um quarto (29,5%) foi identificado como casado ou em união estável. Separados e divorciados compuseram 11,4% da amostra. Nos demais processos (15,9%), não constavam informações sobre o estado civil. Quase metade das denúncias se refere a homens brancos (45,5%), seguida de pardos (31,8%) e negros (11,4%).

A profissão dos indiciados variou consideravelmente e, embora não houvesse informações a respeito da escolaridade em quase metade dos processos (40,9%), pelo ofício, foi possível identificar que somente um deles exercia função que exige nível superior completo. A idade destes homens variou entre dezenove e setenta e seis anos, com média de 40,4 anos, no entanto a maioria (54,5%) tinha idade inferior à média.

Com exceção dos dois processos que não constavam informações sobre as vítimas, a maioria é composta por homens que integram o grupo familiar da vítima (65,9%). Entre estes, indivíduos que exercem ou que em algum momento foram identificados na função ou papel paterno, como, por exemplo, pai, padrasto ou ex-padrasto, ultrapassam um terço (34,1%) das denúncias. Pessoas conhecidas das vítimas, como colega, amigo ou vizinho, entre outros constituíram pouco mais de um quarto (26,8%) das ocorrências denunciadas. Em apenas três processos (7,3%), os indiciados eram pessoas desconhecidas das vítimas (Figura 1).

 

Discussão

Em relação à natureza da VSIJ, só foram encontrados processos de abuso sexual. Denúncias de exploração sexual não compuseram a amostra analisada. Embora não seja possível tecer maiores considerações a este respeito na região abrangida pela comarca analisada, ambas as formas de violência se constituem em crimes difíceis de identificar, pois se o abuso geralmente ocorre em ambientes privados e em relações de natureza íntima e familiar (Sanderson, 2005), os exploradores sexuais de crianças e adolescentes também desenvolvem procedimentos cada vez mais organizados e elaborados para manter estas práticas em sigilo (Chidhood Brasil, 2018).

Os dados oriundos dos processos analisados coadunam com a maior parte dos estudos e levantamentos sobre o tema. De modo geral, as denúncias analisadas envolvem abusos sexuais praticados por homens que integram o sistema familiar das vítimas ou que são por elas conhecidos, usufruindo, portanto da relação de confiança ou de poder que estabelecem. Além disso, estas situações costumam ocorrer em ambiente doméstico e privado, incluindo, preferencialmente, apenas a vítima e o indiciado. Estas características dificultam significativamente a detecção e implicam uma gama de sentimentos difíceis de lidar para indivíduos que se encontram em uma etapa precoce do desenvolvimento emocional.

Embora diversos estudos apontem a predominância destas práticas por indivíduos do sexo masculino, destaca-se neste estudo a prevalência absoluta de homens. Considerando que somente uma pequena parcela destas práticas chega ao sistema de justiça, é provável que o abuso sexual praticado por mulheres seja ainda mais difícil de se detectar. Segundo Sanderson (2005), podem contribuir para este quadro os estereótipos criados em torno da idealização feminina de cuidado e proteção, e da sexualidade das mulheres, associando-as a um papel passivo nas relações sexuais.

Todavia, de acordo com o boletim epidemiológico (Ministério da Saúde, 2018), indivíduos de sexo masculino, de fato, predominam entre os prováveis autores, sendo superior a 80% das notificações contra crianças e superior a 90% contra adolescentes. Em um estudo semelhante, pelo qual se analisou 71 processos jurídicos entre os anos de 1992 e 1998, os resultados se mostram ainda mais próximos, pois nele, o percentual de indiciados do sexo masculino chegou a 98,8% (Habigzang, Koller, Azevedo, & Machado, 2005).

De qualquer forma, tão significativo quanto o gênero é a relação entre os indiciados e as vítimas, configurando o que a literatura denomina de abuso sexual intrafamiliar. Neste estudo, quase dois terços dos indiciados eram homens que integravam o núcleo familiar, o que se mostra superior aos dados do boletim epidemiológico, pois embora neste levantamento os familiares ocupem lugar de destaque entre os prováveis autores, os índices para violência praticada contra crianças e adolescentes não chegam à metade das notificações (Ministério da Saúde, 2018).

Mais semelhante aos dados do Ministério da Saúde, é o local, pois, tanto neste estudo, quanto no referido boletim, destaca-se a residência, seja da vítima ou de um familiar, indiciado ou não, como o lugar de preferência para estas supostas práticas. Sanderson (2005) alerta para este dado, assinalando que, embora possa predominar a ideia de que abusadores sexuais sejam pessoas hostis, desconhecidas e agressivas, na realidade, a maior parte destas situações ocorre em ambientes e com indivíduos com os quais a criança e o adolescentes deveriam se sentir seguros e protegidos.

Destarte, a revelação pode se tornar angustiante à vítima, pois estes abusos geralmente envolvem relações de poder, expressas não só pela força física, mas também pela sedução e pelo uso do imaginário da vítima que o abusador faz, levando-a, por vezes, a se sentir "preferida" ou "especial" (Azambuja, 2009). A análise dos processos indicou que este jogo de sedução foi a estratégia preferencialmente utilizada, seguida pelo uso de coerção por meio de ameaças, quando aquela tática não se mostrou efetiva.

Nos casos em que a vítima se sente impelida a manter o segredo, seja por sedução ou por ameaça, um alto preço é imposto ao seu desenvolvimento psicossocial e a sua qualidade de vida, podendo inseri-la em um ciclo de situações abusivas. A revelação pode trazer alívio, porém a credibilidade e o apoio recebido pela família se mostram fundamentais, pois se constituem em fatores que poderão diminuir as consequências destas experiências (Santos, Pelisoli, & Dell'Aglio, 2012).

É interessante observar que, nas declarações onde se observou a expressão de sentimentos, predominou a presença de emoções negativas (medo, tristeza e apreensão). Embora os abusos sexuais não costumem deixar marcas físicas, as consequências psíquicas e emocionais poderão ainda repercutir e acarretar consequências a longo prazo (Aded et al., 2006; Sanderson, 2005). Nos casos de violência sexual intrafamiliar, estes aspectos podem estar relacionados aos sentimentos gerados pelo rompimento da relação de confiança e do vínculo afetivo (Bouhet, Pérard, & Zorman, 1997).

Considerando que parte considerável dos indiciados se constitui de figuras de referência masculina, de segurança, e ocupam um lugar de parceiros das mães das vítimas, como é o caso de pais, padrastos e ex-padrastos, as consequências ao desenvolvimento podem ser ainda mais graves, gerando confusões em relação às imagens parentais (Bouhet, Pérard, & Zorman, 1997; Sanderson, 2005). Além disso, o comportamento social das vítimas também pode ser comprometido, pois o modo de se relacionar e confiar em outras pessoas pode ter sido corrompido (Aded et. al., 2006; Azevedo & Guerra, 1995).

A gravidade das consequências poderá existir por toda a vida, mas as vítimas geralmente procuram ajuda especializada apenas quando estas questões passam a se agravar ou desencadeiam outros problemas funcionais (Aded et al., 2006; Azevedo & Guerra, 1995; Florentino, 2015; Kappel, Ferreira, & Portella, 2011). Contudo, nos documentos analisados, foram poucos os processos em que as sentenças se direcionaram à proteção das vítimas, entre estas, a medida cautelar de afastamento do indiciado e o acolhimento institucional foram as mais comuns. Apesar do caráter protetivo, ambas se mostram insuficientes para auxiliar as vítimas e os seus familiares a lidarem com as situações vivenciadas.

Com relação aos procedimentos da área jurídica, lidar com este tema também não se mostra uma tarefa fácil aos operadores do direito, pois além de ocorrer, na maior parte dos casos, em ambiente privado e no contexto de relações intrafamiliares, trata-se de um crime que raramente apresenta testemunhas, tampouco costuma deixar vestígios (Baía, Veloso, Habigzang, Dell´Aglio, & Magalhães 2015; Pincolini, Hutz, & Laskoski, 2012). Esta condição talvez explique o grande número de processos ainda sem uma sentença ou com pedidos de prorrogação da fase de investigações.

Em um estudo semelhante, Habigzang et al. (2005) apontaram que a principal prova nestes processos se constitui no próprio depoimento oferecido pela vítima. Brito e Pereira (2012), ao analisarem a jurisprudência emitida por três tribunais brasileiros, também observaram alta valoração dada ao depoimento infantil, lançando uma importante reflexão a respeito das consequências em se eleger a palavra da criança como a principal prova acusatória. É diante deste contexto que surgiu uma estratégia inicialmente denominada depoimento sem danos, posteriormente renomeada de depoimento especial (César, 2016).

Esta estratégia foi realizada, inicialmente, no Rio Grande do Sul no ano de 2003 e, posteriormente, estendida a outros locais. Segundo o autor, o depoimento especial consiste em retirar as crianças do ambiente formal da sala de audiência e transferi-las para uma sala acolhedora e devidamente ligada, por vídeo e áudio, ao local onde se encontram os operadores do direito. Neste ambiente, a criança ou adolescente permanecem acompanhadas por um técnico que tem por objetivo fazer a mediação do processo interrogatório, garantindo maior assistência e possibilidade de minimizar a influência de aspectos desfavoráveis às possíveis vítimas.

Por um lado, a estratégia tem recebido apoio principalmente pela possibilidade de se garantir uma participação apenas indireta das vítimas no processo, evitando-se a sua presença em um ambiente por vezes hostil da sala de audiências, assim como oferecer uma 'prova mais concreta' sobre a ocorrência (Heerdt, 2016; Paulo, 2009; Tabajaski, 2009). Por outro lado, diversas críticas são realizadas a este modelo, uma vez que se feriria o princípio de proteção integral de crianças e adolescentes, na medida em que a elas se atribui a responsabilidade pelo desfecho do processo, o que lhes exigiria exercer uma função para a qual não estão preparadas (Arantes, 2011; Conte, 2008; Ferreira & Azambuja, 2011).

Considerando que tanto a literatura científica, quanto os achados apontam que os perpetradores da violência geralmente são familiares da vítima, torná-la responsável pelo desfecho do processo pode ser angustiante, pois passariam de vítimas para testemunhas-chave da acusação (Azambuja, 2009; Brito & Pereira, 2012). Apesar das críticas, o uso desta estratégia foi sancionada por meio da Lei 13.431 (2017).

No estado de São Paulo, o tribunal de justiça começou a capacitação dos profissionais dos setores técnicos no ano de promulgação da referida legislação e, aos poucos, cada comarca tem iniciado a aplicação destas estratégias. Todavia, em nenhum dos processos analisados esta estratégia foi adotada, pois os equipamentos e determinações para o uso desta técnica só teve início na comarca em meados de 2019, período em que os dados referentes aos anos anteriores estavam sendo analisados.

Ainda em relação à violência sexual intrafamiliar, é interessante observar que a literatura científica costuma atribuir às mães um papel de cúmplice dos abusadores, principalmente, nas relações incestuosas, uma vez que sua negligência e omissão favorecem a manutenção do quadro num pacto de silêncio (Azevedo & Guerra, 1995; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Scodelario, 2002). No entanto, nos processos analisados, a figura da mãe das supostas vítimas foi responsável por parte das declarações ou esteve presente na delegacia, acompanhando o (a) filho(a) na maior parte destas situações.

Santos, Pelisoli e Dell'Aglio (2012) apontam que, embora mães falhem na proteção dos filhos, pesquisas mais recentes também indicam um outro lado da figura materna nestas situações de abuso sexual. Destaca-se tanto o papel protetivo e apoiador que elas exercem, demonstrando capacidade para enfrentar a situação e realizar a notificação, como também o quanto lhes é delicado o momento da revelação, haja vista que muitas se sentem confusas, desamparadas, com vergonha e culpadas. As autoras destacam a importância dos profissionais no sentido de auxiliar estas mães a não perpetuarem o ciclo de violência dentro do sistema familiar.

Com relação às supostas vítimas, os resultados destacam a prevalência do sexo feminino, predomínio este também observado em estudos que analisaram documentos jurídicos (Habigzang et al., 2005; Pincolini & Hutz, 2014). No entanto, este dado não se limita somente a estas fontes, outros estudos e o próprio boletim epidemiológico também confirmam que a maior parte das notificações de violência sexual se refere a crianças e adolescentes do sexo feminino (Ministério da Saúde, 2018).

Sanderson (2005) refere que estudos e estatísticas coadunam com esta proporção em desfavor do gênero feminino. Embora reconheça que meninas e adolescentes mulheres sejam mais vulneráveis, a autora pondera acerca da existência de uma cultura homofóbica e com fortes estereótipos sobre a masculinidade que contribui para um índice menor de revelação de abuso sexual contra indivíduos do sexo masculino. Além disso, também se observa correspondência entre a idade média encontrada nos processos, entre sete e oito anos, com os estudos citados pela autora, que os incluem em uma faixa mais ampla, entre cinco e doze anos.

Já em relação à etnia, embora os dados apontem prevalência de vítimas e indiciados de cor branca, não é possível afirmar que estas crianças sejam mais vulneráveis ou que os principais perpetradores sejam homens brancos. De acordo com os dados do último censo, oriundos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), o percentual de vítimas e indiciados é proporcional à porcentagem de indivíduos brancos, pardos e negros da região onde o estudo foi realizado.

Como é de conhecimento, a VSIJ é um tema complexo e para enfrentá-la ações integradas e interdisplinares se mostram necessárias, o que torna cogente o efetivo diálogo e a maior integração entre as áreas da saúde, justiça, educação e assistência social. Diante desse contexto, profissionais de psicologia podem contribuir em todos estes cenários, oferecendo amparo e intervenções não somente às crianças e aos adolescentes, mas, sobretudo, às famílias em que esses indivíduos estão inseridos, seja na promoção do atendimento ou, ainda, no que tange à prevenção e orientação (Conselho Federal de Psicologia, 2020).

Ademais, o tema deste estudo se aplica às diversas finalidades que competem ao conjunto de serviços que compõem o Sistema de Garantia de Direitos intervir quando se trata de situações de violência contra crianças e adolescentes (Decreto 9.603, 2018), principalmente, em relação à primeira das estratégias definidas por este decreto: mapear as ocorrências das formas de violências e suas particularidades no território. Destarte, verifica-se que os processos jurídicos se mostram relevantes fontes de informação e compatíveis com outros indicadores de VSIJ, além disso, é por meio deste mapeamento que as demais estratégias (prevenção, proteção e promoção) poderão se tornar mais efetivas, incluindo a oferta de atendimento ao agressor.

 

Considerações Finais

As informações coletadas junto aos processos criminais possibilitaram conhecer e analisar as principais características das denúncias envolvendo práticas de VSIJ. Embora a análise destes documentos não abranja a integralidade destas práticas, haja vista muitas destas situações não serem denunciadas, mostra-se um instrumento relevante para se explorar e compreender os principais aspectos relacionados a esta forma de violência. A semelhança entre os resultados deste estudo e os dados da literatura científica, bem como os levantamentos mais recentes indicam a importância em se incluir estas informações em programas de educação e prevenção local, e de se refletir acerca das estratégias a serem adotadas nos casos que, por inúmeros fatores a serem melhor explorados, não chegam às autoridades.

O presente estudo confirma alguns aspectos já conhecidos sobre abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes. Entre estes, destacam-se o gênero masculino como o principal perpetrador e a maior vulnerabilidade para indivíduos do sexo feminino. Além disso, deve-se atentar para o caráter sigiloso, geralmente realizado por pessoas da própria família da vítima, o que torna ainda mais difícil sua identificação e revelação, haja vista a relação de poder e de confiança pela qual os abusadores se prevalecem para exercer tais crimes.

Deste modo, tais características também confirmam a complexidade que envolve o tema, assim como a necessidade de pensar e enfrentar o problema de modo interdisciplinar. A leitura dos documentos revela o desafio dos operadores do direito diante destas questões e, ao mesmo tempo, os limites das ações, considerando que mesmo quando é possível identificar essas práticas, somente a sentença não se mostrará suficiente para evitar e reparar os danos destas experiências às vítimas de violência sexual. É nesse sentido que políticas de prevenção e a oferta de serviços para crianças, adolescentes e suas famílias exigem ações interdisciplinares, tendo a psicologia bastante a contribuir em diversos aspectos e contextos relacionados ao tema.

O presente estudo, entretanto, limitou-se a analisar apenas os processos digitais oriundos das varas criminais, não incluindo, portanto, crimes contra a dignidade sexual praticado por indivíduos com idade inferior a dezoito anos, cujo acompanhamento ocorre pelas varas de infância e juventude. Além disso, a análise dos dados se concentrou em uma única comarca e restrito a um período de apenas três anos. Estudos mais amplos e envolvendo outras localidades, bem como entrevistas e questionários junto aos operadores do direito envolvidos com estes processos, certamente poderão oferecer um olhar mais integrado e abrangente sobre um fenômeno tão complexo e delicado.

Desta forma, conclui-se que o acompanhamento constante dos índices de VSIJ, associado a programas educativos que favoreçam não somente o acesso às informações, mas que também promovam reflexões e mudanças nas formas de relacionamento entre os gêneros, bem como entre adultos, crianças, adolescentes e da sociedade em geral, mostram-se necessários para alterar a realidade desses números. Conhecer e se apropriar da realidade revelada e confirmada pelos dados se torna útil não só aos profissionais envolvidos, mas também a todos aqueles que o estatuto atribui responsabilidade em se tratando de crianças e adolescentes, ou seja, de todos.

 

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Endereço para correspondência:
Fábio de Carvalho Mastroianni
psicomastroianni@gmail.com

Recebido em: 09/02/2020
Aceito em:31/07/2020

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