SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número3Mitos, crenças e atitudes sobre suicídio: visão de profissionais de segurançaDesejo, Vontade, nada: de Schopenhauer a Freud, Freud com Schopenhauer índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.15 no.3 Juiz de Fora dez. 2021

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2021.v15.30952 

ARTIGOS

 

O efeito restaurador do ambiente natural em pessoas com deficiência: uma revisão sistemática

 

The restorative effect of natural environments in people with disabilities: a systematic review

 

El efecto restaurador del ambiente natural en personas con discapacidad: una revisión sistemática

 

 

Susana de Oliveira SantanaI; Zenith Nara Costa DelabridaII

IUniversidade Federal de Sergipe. Email: susanasantana@academico.ufs.br ORCID https://orcid.org/0000-0002-7860-5726
IIUniversidade Federal de Sergipe. Email: zenith@academico.ufs.br ORCID https://orcid.org/0000-0003-1878-6040

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Há, na literatura, resultados consistentes sobre o efeito positivo dos ambientes restauradores na recuperação de processos psicofisiológicos de estresse e fadiga da atenção. Destaca-se, no entanto, a necessidade de pesquisas envolvendo grupos específicos da população. Este estudo desenvolveu uma revisão sistemática para identificar os principais achados sobre o efeito dos ambientes restauradores em pessoas com deficiência. Foi verificada a escassez de publicações e a falta de pesquisas em países em desenvolvimento. Alguns estudos apresentaram a ocorrência do fenômeno da restauração em pessoas com deficiência. Sugere-se o desenvolvimento de pesquisas experimentais incluindo outros sentidos, como a audição e o tato.

Palavras-chave: Ambientes restauradores; Pessoas com deficiência; Revisão Sistemática.


ABSTRACT

The literature presents consistent results concerning the positive effect of restorative environments on the recovery of psychophysiological stress and attention fatigue. However, there is a need for studies addressing specific population groups. This study developed a systematic review to identify the main findings about the effect of restorative environments in people with disabilities. The scarcity of publications was verified, as well as the lack of research in developing countries. Some studies showed the occurrence of restoration in people with disabilities. We suggest the development of experimental research taking into account other senses, such as hearing and touch.

Keywords: Restorative environments; People with disabilities; Systematic Review.


RESUMEN

Muchas investigaciones han mostrado resultados consistentes sobre el efecto positivo de los ambientes restauradores en la recuperación del estrés psicofisiológico y la fatiga de la atención. Sin embargo, es necesario realizar estudios que aborden grupos específicos de la población. Este estudio realizó una revisión sistemática para identificar los principales hallazgos sobre el efecto de los ambientes restauradores en personas con discapacidad. Fue verificada la escasez de publicaciones y la falta de investigaciones en países en desarrollo. Algunos estudios mostraron la ocurrencia de restauración en personas con discapacidad. Se sugiere el desarrollo de investigaciones experimentales que incluya otros sentidos, como el oído y el tacto.

Palabras clave: Ambientes Restauradores; Personas Con Discapacidad; Revisión Sistemática.


 

 

Em 13 de dezembro de 2006, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, tendo como principal objetivo a promoção da igualdade plena dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 bilhão de pessoas da população mundial apresentam alguma deficiência e estima-se que 80% delas vivam nos países em desenvolvimento (WHO, 2011).

Considerando a importância das pesquisas sobre a relação pessoa-ambiente, com suportes empírico e teórico consolidados (Gifford, 2014), pode-se questionar se essa relação tem sido abordada em perspectivas que incluam a realidade de pessoas com diferentes necessidades. O enfrentamento de barreiras físicas e sociais, as especificidades de saúde, os processos de estigma e a busca por autonomia vivenciados por pessoas em situação de deficiência, mostram a necessidade dos estudos em Psicologia Ambiental se voltarem para investigar essa realidade e fornecer elementos que favoreçam estratégias de inclusão social.

Dentre os estudos que focam a relação pessoa-ambiente, percebe-se um crescimento das pesquisas sobre ambientes restauradores (Subiza-Perez, Vozmediano, & Juan, 2018). Verifica-se que ambientes com qualidades restauradoras favorecem o entendimento do papel da natureza na saúde da população geral, contudo, alguns aspectos demandam consideração. Existem diferenças na percepção do ambiente por pessoas em situação de deficiência? Como está caracterizada a interação delas com ambientes naturais e construídos? O estudo sobre ambientes restauradores pode favorecer no ganho de qualidade de vida para esse público? Responder questões como essas suscita olhar o ambiente a fim de favorecer qualquer grupo da população, numa perspectiva universal.

 

Ambientes Restauradores

Muitas pesquisas que investigam a inter-relação pessoa-ambiente em espaços naturais têm apresentado resultados robustos sobre o efeito positivo da interação com ambientes naturais na saúde, humor e recuperação de processos psicológicos e/ou fisiológicos de estresse (Dahlkvist et al., 2016; Gidlow et al., 2016; Ulrich, 1984; Vujcic et al., 2017; White, Pahl, Ashbullby, Herbert & Depledge, 2013). Os psicólogos ambientais costumam investigar qualidades dos ambientes que promovem a restauração por suas paisagens estéticas ou por experiências na natureza nativa, inalterada ou inabitada (Hartig, 2004).

Os estudos de Ulrich (Ulrich, 1981, 1983, 1984; Ulrich et al., 1991) e do casal Kaplan (Kaplan, 1983, 1984; Kaplan & Kaplan, 1989; Kaplan & Peterson, 1993) permitiram que se entendesse melhor o papel do ambiente natural em promover bem-estar, possibilitando que o construto ambiente restaurador se tornasse um foco de estudo da psicologia ambiental. Segundo a literatura, as principais linhas de pesquisa nessa área são: Stress Recovery Theory-SRT, proposta pelo pesquisador Ulrich, e Attention Restorative Theory-ART, desenvolvida pelos pesquisadores Kaplan e Kaplan. Enquanto a primeira estaria relacionada aos efeitos de redução do estresse pela percepção visual e estética de certos ambientes (água, gramados e árvores), a segunda, estaria associada aos aspectos cognitivos que, no contato com ambientes naturais, causariam a restauração da fadiga da atenção direta, através de processos de fascinação, afastamento, extensão e compatibilidade com o ambiente (Gressler & Günther, 2013; Hartig, 2004). Além disso, pesquisas mais recentes têm aprofundado os estudos no grau de restauração de diferentes tipos de ambiente, incluindo ambientes residenciais, ambientes naturais com espaços verdes ou ambientes naturais com a presença de água (Gidlow et al., 2016; White et al., 2013).

Os achados das pesquisas sobre ambientes restauradores trouxeram aplicações práticas para profissionais de áreas afins à psicologia ambiental, impactando a forma de construir o espaço, atender aos beneficiários dos serviços e organizar a atuação das equipes profissionais (Hartig, 2004). Por outro lado, há trabalhos abordando o acesso desigual aos ambientes naturais em razão do próprio processo de urbanização. Isso se deve à construção de áreas residenciais, muitas vezes, sem levar em consideração à estruturação de áreas verdes no entorno (Kabisch, Qureshi & Haase, 2015).

Considerando as barreiras a que pessoas com deficiência estão sujeitas, que elas podem experimentar situações de estresse em maior amplitude, quando comparadas a pessoas sem deficiências, e que o potencial positivo dos ambientes naturais pode fornecer resultados sólidos em benefício delas, esse estudo realizou uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar trabalhos recentes publicados nessa área coadunando ambientes restauradores e pessoas com deficiências.

 

Método

Revisão Sistemática

Para a execução desse estudo foi adotado como método a revisão sistemática da literatura (Galvão & Pereira, 2014a; Kitchenham, 2004; Koller, Couto, & Hohendorff, 2014), com o objetivo de identificar as contribuições científicas recentes abordando os efeitos de ambientes restauradores em pessoas com deficiência. O processo sistemático de revisão é definido pela identificação, avaliação e interpretação de todas as pesquisas disponíveis relevantes sobre determinado fenômeno de interesse, de forma confiável, rigorosa e auditável (Kitchenham, 2004).

Planejamento e critérios de seleção e exclusão.

Procurou-se identificar: a) pesquisas relacionando o efeito de ambientes restauradores em pessoas com deficiência; b) teorias e procedimentos metodológicos adotados nesses estudos; c) deficiências foco das pesquisas e; d) principais resultados. Na Tabela 1, encontram-se os critérios de inclusão (CI) e exclusão (CE) utilizados para a triagem e seleção dos artigos.

Após a aplicação dos critérios de seleção e exclusão, foram selecionados artigos em que o público dos estudos foram pessoas com deficiências visuais, auditivas, físicas, dificuldades de mobilidade, deficiência intelectual ou autismo, adotando como referência o entendimento da deficiência evidenciado pela interação das pessoas com barreiras ambientais e atitudinais. Essa concepção abrange pessoas com dificuldades física, mental, intelectual ou deficiências sensoriais de longo prazo que, em interação com várias barreiras, podem impedir sua participação efetiva na sociedade em igualdade de condições com os demais (United Nations, 2006).

Embora a literatura recomende a busca por literatura cinzenta - relatórios governamentais, teses, dissertações - em revisões sistemáticas (Galvão e Pereira, 2014b), o presente estudo optou pela seleção de trabalhos já publicados em revistas pelo entendimento de que a passagem por um crivo editorial sugere a qualificação do trabalho de acordo com padrões científicos. Como a literatura cinza não é controlada por editores científicos ou comerciais (Galvão e Pereira, 2014b), esse tipo de publicação não tem o mesmo rigor do processo editorial ou a garantia de que tenha sido revisada por especialistas. Além disso, a dificuldade metodológica em localizar de maneira uniforme as publicações de literatura cinzenta pode afetar os resultados de uma revisão de caráter sistemático (Higgins, & Green, 2011; Mahood, Van Eerd & Irvin, 2014).

Metodologia de busca.

De início, optou-se pelo uso do Scholar Google em razão do grande alcance de seus algoritmos de busca em diferentes bases eletrônicas de dados. A busca foi padronizada com os descritores "deficiências" AND "ambientes restauradores", através dos recursos avançados do site, informando o período de publicação de 2012 a 2018 e optando pela busca "em qualquer lugar do artigo". Esse procedimento foi repetido para cada idioma, sendo que, em inglês, a aplicação dos termos no plural e no singular foi necessária para não gerar diferença nos resultados.

 

Tabela 2

 

A pesquisa foi realizada entre setembro/2018 e janeiro/2019, feita separadamente para cada idioma, retornando 711 resultados em inglês, 14 em português e 4 em espanhol, totalizando 729 resultados. Os dados foram sistematizados numa planilha por ano, autores, título do trabalho, palavras-chave, link do texto, resumo, revista e tipo de publicação. Foram retirados trabalhos duplicados ou que não atendiam aos critérios de inclusão. A partir da leitura do título, resumo e palavras-chave, foram excluídos artigos que tratavam de ambientes restauradores em outro público ou que abordassem especificidades das deficiências sem relacionar a ambientes restauradores. Ao final, oito trabalhos foram selecionados: Wilson & Christensen (2012), Shaw, Coyle, Gatersleben, & Ungar (2015), Hussein (2017), Christie, Thompson, Miller, & Cole (2016), Pouya, Bayramoglu, & Demirel (2017), O'Brien (2018), Stigsdotter, Corazon, & Ekholm (2018) e Larson et al. (2018). A sequência desse processo está detalhada na Figura 1:

Diante dos resultados, optou-se por acrescentar outros descritores e estender o período de publicação para qualquer artigo publicado até 2018, nas bases de dados Scopus, Science Direct e Taylor, que são responsáveis pela publicação dos principais periódicos da área de psicologia ambiental. A busca limitada aos artigos em inglês obedeceu aos seguintes parâmetros: "restorative environments" AND ("disabilities" OR "impairment" OR "disabled"). O uso dos termos no plural e no singular não gerou diferença.

A busca direta nas bases de dados, tradicionalmente adotada na literatura, realizada em fevereiro de 2019, retornou 262 resultados: Scopus (132), Science Direct (97) e Taylor & Francis (33). Utilizou-se o programa Mendeley para a organização e carregamento dos arquivos. Foram retirados trabalhos duplicados (22), resultando 240 artigos para a triagem. Nessa etapa, foram excluídos 46 resultados, por corresponderem a capítulos de livros, editoriais e outros, e 39 artigos de revisão ou teóricos, conforme os critérios de exclusão do Quadro 1. Feita a leitura do título, resumo e palavras-chaves dos 155 resultados triados, seis artigos foram selecionados: Wilson e Christensen (2012), Shaw et al. (2015), Hussein (2017), O'Brian (2018), Stigsdotter et al. (2018) e Larson et al. (2018). A sequência desse processo está detalhada na Figura 2.

 

Resultados

Sem acréscimos de resultados, a análise do presente estudo se debruçou sobre os oito artigos selecionados na primeira busca, pois já incluíam os resultados da segunda. Após leitura completa dos textos, as informações foram organizadas nas Tabelas 3 e 4.

Incidência de Pesquisas

Sobre a existência ou não de pesquisas relacionando ambientes restauradores e pessoas com deficiência, obteve-se, como resposta, oito artigos, dentre os quais se observou a regionalização dos estudos, prevalecendo publicações na Europa (Christie et al 2016; Hussein, 2017; O'Brien, 2018; Shaw et al, 2015; Stigsdotter et al., 2018) e Estados Unidos (Larson et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012).

Identificou-se também que os estudos se direcionaram para investigar o efeito restaurador em ambientes considerados verdes, variando entre ambientes naturais e parques (Shaw et al., 2015; Stigsdotter et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012), floresta (Larson et al., 2018; O'Brien, 2018b; Stigsdotter et al., 2018), jardim sensorial (Hussein, 2017), horta (Christie et al., 2016), jardim escolar (Pouya et al., 2017) e praia, mar, lago e outros ambientes naturais abertos (Stigsdotter et al., 2018).

Referenciais Teóricos

Quanto ao questionamento sobre referenciais teóricos, concluiu-se que houve alternância entre aqueles que utilizaram teorias sobre ambientes restauradores já estabelecidas, como Stress Recovery Theory e Attention Restoration Theory (Christie et al., 2016; Larson et al., 2018; Shaw et al., 2015), os que fizeram referência a outras teorias como Affordance Theory (Hussein, 2017) e Green mind Theory (O'Brien, 2018), e os que se basearam em diversos estudos sem fazer referência a uma teoria (Pouya et al., 2017; Stigsdotter et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012).

Procedimentos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos também alternaram entre abordagens quantitativas (Larson et al., 2018; Stigsdotter et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012), qualitativas (O'Brien, 2018; Shaw et al., 2015) e mistas (Christie et al., 2016; Hussein, 2017; Pouya et al., 2017). Houve predominância da coleta por meio de survey. Dentre as metodologias diferenciadas, destacaram-se mapeamento comportamental (Hussein, 2017), grupo focal (Christie et al., 2016) e uso de dados geográficos de satélite (Larson et al., 2018). Outro destaque é o de que, em alguns estudos, os dados foram oriundos de intervenções com viés terapêutico (Christie et al., 2016; O'Brien, 2018). Em dois estudos não houve contato direto com os participantes, pois se basearam na análise de dados secundários (Larson et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012).

População dos Estudos

Entre os estudos, houve participantes com deficiência física (Hussein, 2017; Pouya et al., 2017; Stigsdotter et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012), visual (Hussein, 2017; O'Brien, 2018; Shaw et al., 2015), autismo (Larson et al., 2018; O'Brien, 2018), com deficiência intelectual (Christie et al., 2016) e auditiva (Hussein, 2017), sendo três deles focados em crianças (Hussein, 2017; Larson et al., 2018; Pouya et al., 2017). Na maioria dos estudos, a amostra se restringiu a participantes em situação de deficiência permanente (Christie et al., 2016; Hussein, 2017; Larson et al., 2018; Pouya et al., 2017; Shaw et al., 2015). Nos outros estudos, incluiu-se também deficiências temporárias (Stigsdotter et al., 2018), sendo que o perfil dos participantes variava entre pessoas com deficiência e limitações temporárias ou permanentes de ordens diversas (O'Brien, 2018; Wilson & Christensen, 2012) e, em um dos casos, incluía pessoas com transtornos mentais, permanentes ou não, e dependentes de álcool e outras drogas (O'Brien, 2018).

Principais Achados

Considerando as particularidades de cada estudo, constatou-se resultados de melhora da capacidade de atenção, satisfação pessoal, redução de estresse, controle da pressão arterial, melhora de sintomas de ansiedade e depressão, entre outros (Wilson & Christensen, 2012), ou de confirmação do efeito restaurador nas publicações (Christie et al., 2016; Larson et al., 2018; Shaw et al., 2015; Stigsdotter et al., 2018), com exceção dos participantes com autismo em um dos estudos (Larson et al., 2018). Outro ponto de destaque entre os resultados foi a tendência das pesquisas com foco na saúde (Christie et al., 2016; Larson et al., 2018; O'Brien, 2018; Shaw et al., 2015; Stigsdotter et al., 2018; Wilson & Christensen, 2012).

Fortes evidências relacionam os efeitos positivos dos ambientes naturais a maior proximidade deles e ao maior número de visitas, entretanto, verificou-se menor frequência a esses espaços por pessoas com deficiência. A falta de acessibilidade desses locais ou dos meios de deslocamento foi apontada como possível explicação (Stigsdotter et al., 2018). Outros dois estudos aprofundaram aspectos da influência da acessibilidade física e de locomoção na dinâmica social dos participantes (Hussein, 2017; Pouya et al., 2017; Stigsdotter et al., 2018), como a maior utilização/interação, nos jardins sensoriais, dos espaços mais acessíveis, mais do que nos espaços com maior disponibilidade de estímulos sensoriais, só que não acessíveis. (Hussein, 2017).

A forma sensorial de interação no ambiente foi tópico de discussão em dois estudos, um apontando a influência da audição (Shaw et al., 2015) e o outro apresentando evidências em relação ao tato (Hussein, 2017). No primeiro estudo, feito com participantes cegos, foi identificada maior percepção do efeito restaurador pela interação com o ambiente através da audição, se comparados ao tato e olfato, e a necessidade de sensação de segurança para obtenção do efeito restaurador. Além disso, experimentar o ambiente acompanhado por pessoas videntes enriqueceria a vivência dos participantes com o acréscimo de detalhes do layout do ambiente (Shaw et al., 2015). No segundo estudo, com crianças que tinham diferentes tipos de deficiência, o sentido tátil foi apontado como sensorialmente mais estimulante e significativo. Porém, não houve referências a diferenças nos resultados de acordo com o tipo da deficiência (Hussein, 2017).

 

Discussão

A necessidade de pesquisas investigando ambientes restauradores e pessoas com deficiência já tinha sido apontada, tanto pela escassez de periódicos sobre o contato com a natureza por parte de grupos específicos e/ou minoritários, como o de pessoas com deficiência, quanto pela falta de pesquisas em países em desenvolvimento (Alves & Betrabet-Gulwadi, 2008; Kabisch et al., 2015), mantendo consideração escassa do tema da deficiência no meio acadêmico (Oliver, 1990). Vale salientar que a inclusão de teses e dissertações em futuras revisões pode proporcionar a identificação de outras evidências sobre o tema, não contempladas no presente estudo.

Foi percebido também que, mesmo com a ampliação dos descritores na segunda busca, obteve-se menos resultados. Esse fato pode ser atribuído pelos algoritmos de busca do Scholar Google alcançarem qualquer parte do texto, enquanto as bases de dados direcionam a busca para o título, resumo e palavras-chave. Outra possibilidade é a falta de padronização na escrita dos resumos dos artigos, como acontece com alguns campos da ciência (Koller et al., 2014), dificultando o processo de busca em revisões da literatura.

Durante o processo de seleção, percebeu-se que, nos artigos de língua inglesa, o termo "disabilities" é usado tanto para se referir a deficiências físicas, visuais, entre outras, de caráter permanente, como também é utilizado para se remeter a limitações psiquiátricas ou outras incapacidades temporárias e de ordem fisiológica. Esse fato justificou o considerável número de artigos que apareceram num primeiro momento e que, no decorrer da análise, foram eliminados pela não adequação ao público escolhido para o presente estudo. Essa variação aponta para formas diferentes de entender a deficiência, as quais podem estar ligadas a aspectos culturais, e à necessidade de um estudo conceitual sobre os termos relacionados às condições de deficiência em diferentes países.

Os achados destacaram a variedade de referenciais teóricos, o que sugere iniciativas de estudar o tema por outras perspectivas ou o pouco conhecimento das teorias sobre ambientes restauradores já estabelecidas. Apesar de os estudos focarem em diferentes deficiências, utilizaram como método, principalmente, survey ou estudo de caso com a aplicação de entrevista, sugerindo um ponto inicial da investigação do efeito restaurador em pessoas com deficiência, ao explorar, por meio de correlações, possíveis relações entre as variáveis alvo. Esse argumento é reforçado por não se ter identificado nenhum estudo com abordagem experimental.

Fatores como a necessidade de segurança, a variedade de estímulos sensoriais, a proximidade da residência a locais verdes e a frequência de visitas a esses locais foram associados à percepção do efeito restaurador dos ambientes naturais, apontando para a importância da análise de todas essas variáveis no desenvolvimento de estudos visando o bem-estar de grupos específicos.

Apesar dos resultados positivos dos estudos revisados, houve uma lacuna quanto à relação do efeito restaurador e as especificidades de cada deficiência, à consideração de outros sentidos que não a visão e à identificação de medidas que possam mensurar a restauração para os não videntes, pois a tendência entre os estudos foi apontar a experiência sensorial da visão como balizador da experiência de restauração.

Outro aspecto que precisa ser abordado futuramente corresponde à influência dos aspectos sociodemográficos e de acessibilidade visto que, em alguns estudos, foi citada a dificuldade de locomoção e a necessidade da presença de outras pessoas quando a limitação ou deficiência impedia ou dificultava o acesso aos ambientes verdes.

Conclui-se da carência de publicações envolvendo o estudo de ambientes restauradores e pessoas com deficiência, mostrando a necessidade de se desenvolver pesquisas nessa área, tratando sobre o efeito restaurador para os diversos tipos de deficiência, variando as abordagens metodológicas de investigação e examinando aspectos da restauração que possam ser aplicados não só em grupos específicos, mas possam ser estendidos ao bem-estar da população em geral.

 

Referências

Alves, S., & Betrabet-Gulwadi, G. (2008). Interação Humana com ambientes naturais: Uma revisão no periódico Environment and Behavior. In J. Q. Pinheiro & H. Günther (Orgs), Métodos de pesquisa nos estudos pessoa-ambiente (pp. 343-368). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Christie, M., Thompson, M., Miller, P. K., & Cole, F. (2016). Personality disorder and intellectual disability: the impacts of horticultural therapy within a medium-secure unit. Journal of Therapeutic Horticulture, 26, 3-17. Recuperado de http://insight.cumbria.ac.uk/id/eprint/2217/        [ Links ]

Dahlkvist, E., Hartig, T., Nilsson, A., Högberg, H., Skovdahl, K., & Engström, M. (2016). Garden greenery and the health of older people in residential care facilities: A multi-level cross-sectional study. Journal of Advanced Nursing, 72(9), 2065-2076. doi:10.1111/jan.12968        [ Links ]

Galvão, T. F., & Pereira, M. G. (2014a). Revisões sistemáticas da literatura: Passos para sua elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 23(1), 183-184. doi:10.5123/S1679-49742014000100018        [ Links ]

Galvão, T. F., & Pereira, M. G. (2014b). Etapas de busca e seleção de artigos em revisões sistemáticas da literatura. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 23(2), 369-371. doi:10.5123/S1679-49742014000200019        [ Links ]

Gidlow, C. J., Jones, M. V., Hurst, G., Masterson, D., Clark-Carter, D., Tarvainen, M. P., . . . Nieuwenhuijsen, M. (2016). Where to put your best foot forward: Psycho-physiological responses to walking in natural and urban environments. Journal of Environmental Psychology, 45, 22-29. doi:10.1016/j.jenvp.2015.11.003        [ Links ]

Gifford, R. (2014). Environmental psychology matters. Annual Review of Psychology, 65, 541-579. doi:10.1146/annurev-psych-010213-115048        [ Links ]

Gressler, S. C., & Günther, I. A. (2013). Ambientes restauradores: Definição, histórico, abordagens e pesquisas. Estudos de Psicologia, 487-495. doi:10.1590/S1413-294X2013000300009

Hartig, T. (2004). Restorative Environments. In C. Spielberger (Ed.). Encyclopedia of applied psychology (Vol. 3, pp. 273-279). Recuperado de http://shinrin-yokusweden.se/wp-content/uploads/2016/08/Swedish-article-Restorative-environments-Terry-Hartig.pdf

Higgins, J. P. T., & Green, S. (2011). Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1.0. The Cochrane Collaboration, 2011. Recuperado de https://doi-org.ez20.periodicos.capes.gov.br/10.1002/jrsm.38

Hussein, H. (2017). Sensory affordances in outdoor play environment towards well-being of special schooled children. Intelligent Buildings International, 9(3), 148-163. doi:10.1080/17508975.2015.1015945        [ Links ]

Kabisch, N., Qureshi, S., & Haase, D. (2015). Human-environment interactions in urban green spaces - A systematic review of contemporary issues and prospects for future research. Environmental Impact Assessment Review, 50, 25-34. doi:10.1016/j.eiar.2014.08.007        [ Links ]

Kaplan, R. (1984). Wilderness perception and psychological benefits: An analysis of a continuing program. Leisure Sciences, 6(3), 271-290. doi:10.1080/01490408409513036        [ Links ]

Kaplan, R., & Kaplan, S. (1989). The experience of nature: a psychological perspective. Cambridge University Press.

Kaplan, R. & Kaplan, S. (2005). Preference, restoration and meaningful action in the context of nearby nature. In P. F. Barlett (ed), Urban Place: Reconnecting with the natural world, (pp.271-298). Cambridge: MIT Press.         [ Links ]

Kaplan, R., Kaplan, S. & Ryan, R. L. (1998). With people in mind: Design and management of everyday nature. Washington, DC: Island Press.         [ Links ]

Kaplan, S. (1983). A model of person-environment compatibility. Environment and Behavior, 15(3), 311-332. doi:10.1177/0013916583153003        [ Links ]

Kaplan, S. (1992). The restorative environment: Nature and human experience. In D. Relf (Ed.), the role of horticulture in human well being and social development, (pp. 134-142). Portland, USA: Timber Press.         [ Links ]

Kaplan, S., & Peterson, C. (1993). Health and environment: A psychological analysis. Landscape and Urban Planning, 26(1-4), 17-23. doi:10.1016/0169-2046(93)90004-W        [ Links ]

Kitchenham, B. (2004). Procedures for performing systematic reviews, (Vol. 33, pp. 1-26). Keele University: Keele, UK. Recuperado de http://www.inf.ufsc.br/~aldo.vw/kitchenham.pdf

Koller, S. H., Couto, M. C. P. P., & Hohendorff, J. V. (2014). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso. Recuperado de https://www.biosanas.com.br/uploads/outros/artigos_cientificos/18/6505082c2a7c23986651c7b1f7a4a92e.pdf        [ Links ]

Larson, L. R., Barger, B., Ogletree, S., Torquati, J., Rosenberg, S., Gaither, C. J, . . . Schutte, A. (2018). Gray space and green space proximity associated with higher anxiety in youth with autism. Health & Place, 53, 94-102. doi:10.1016/j.healthplace.2018.07.006        [ Links ]

Mahood, Q., Van Eerd, D., & Irvin, E. (2014). Searching for grey literature for systematic reviews: Challenges and benefits. Research Synthesis Methods, 5(3), 221-234. doi:10.1002/jrsm.1106        [ Links ]

O'Brien, L. (2018). Engaging with and shaping nature: A nature-based intervention for those with mental health and behavioural problems at the Westonbirt Arboretum in England. International Journal of Environmental Research and Public Health, 15(10), 2214. doi:10.3390/ijerph15102214        [ Links ]

Oliver, M. (1990). The politics of disablement. London: Palgrave Macmillan.         [ Links ]

Pouya, S., Bayramoglu, E., & Demirel, Ö. (2017). The importance of school garden for students with orthopedic disabilities. Journal of International Social Research, 10(53), 627-635. doi:10.17719/jisr.20175334151        [ Links ]

Shaw, B., Coyle, A., Gatersleben, B., & Ungar, S. (2015). Exploring nature experiences of people with visual impairments (Vivir la naturaleza con una discapacidad visual). Psyecology, 6(3), 287-327. doi:10.1080/21711976.2015.1026086        [ Links ]

Stigsdotter, U. K., Corazon, S. S., & Ekholm, O. (2018). A nationwide Danish survey on the use of green spaces by people with mobility disabilities. Scandinavian Journal of Public Health, 46(6), 597-605. doi:10.1177/1403494817745188        [ Links ]

Subiza-Perez, M., Vozmediano, L. E., & Juan, C. S. (2018). Pretest-postest field studies on psychological restoration: A descriptive review and reflections for the future. Landscape Research, 44(4), 493-505. doi:10.1080/01426397.2018.1493443.         [ Links ]

Ulrich, R. S. (1981). Natural versus Urban scenes: Some psychophysiological effects. Environment and Behavior, 13, 523-556. doi:10.1177/0013916581135001        [ Links ]

Ulrich, R. S. (1983). Aesthetic and affective response to natural environment. In I. Altman & J. Wohlwill (Eds.), Behavior and the natural environment.(Vol.6,pp. 85-125). New York: Plenum Press. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/232542780        [ Links ]

Ulrich, R. S. (1984). View through a window may influence recovery from surgery. Science, 224(4647), 420-421. doi:10.1126/science.6143402        [ Links ]

Ulrich, R. S., Simons, R. F., Losito, B. D., Fiorito, E., Miles, M. A., & Zelson, M. (1991). Stress recovery during exposure to natural and urban environments. Journal of Environmental Psychology, 11(3), 201-230. doi:10.1016/S0272-4944(05)80184-7        [ Links ]

United Nations - UN. (2006). Convention on the Rights of Persons with Disabilities and optional protocol. Recuperado de https://www.un.org/development/desa/disabilities/convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities/optional-protocol-to-the-convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities.html

Vujcic, M., Tomicevic-Dubljevic, J., Grbic, M., Lecic-Tosevski, D., Vukovic, O., & Toskovic, O. (2017). Nature based solution for improving mental health and well-being in urban areas. Environmental Research, 158, 385-392. doi:10.1016/j.envres.2017.06.030        [ Links ]

White, M. P., Pahl, S., Ashbullby, K., Herbert, S., & Depledge, M. H. (2013). Feelings of restoration from recent nature visits. Journal of Environmental Psychology, 35, 40-51. doi:10.1016/J.JENVP.2013.04.002        [ Links ]

World Health Organization. (2011). World report on disability 2011. World Health Organization, The World Bank. Retirado de: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70670/WHO_NMH_VIP_11.01_eng.pdf ?sequence=1&isAllowed=y

Wilson, J. F., & Christensen, K. M. (2012). The relationship between outdoor recreation and depression among individuals with disabilities. Journal of Leisure Research, 44(4), 486-506. doi:10.1080/00222216.2012.11950275        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Suzana de Oliveira Santana
susanasantana@academico.ufs.br

Recebido em: 19/06/2020
Aceito em: 27/01/2021

Creative Commons License