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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.15 no.3 Juiz de Fora dic. 2021

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2021.v15.30302 

ARTIGOS

 

Escala de Estado de Mindfulness para Atividade Física: novas evidências de validade

 

State Mindfulness Scale for Physical Activity: further validity evidence

 

Escala de Estado de Mindfulness para la Actividad Física: nuevas evidencias de validez

 

 

Karolaine Naiara de Oliveira SilvaI; Amanda Rizzieri RomanoII; Maynara Priscila Pereira da SilvaIII; Evandro Morais PeixotoIV

IUniversidade de Pernambuco. Email: carolnaiara15@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1389-0885
IIUniversidade São Francisco. Email: amandarizzieriromano@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5404-6018
IIIUniversidade São Francisco. Email: maynarapriscilap@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4027-8985
IVUniversidade São Francisco. Email: epeixoto_6@hotmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1007-3433

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Teve-se como objetivo estimar evidências de validade com base na relação com variáveis externas para a Escala de Estado de Mindfulness para Atividade Física. Para tanto, verificou-se as diferenças de média entre praticantes de atividades esportivas e praticantes de ioga, e a associação entre mindfulness e paixão. A amostra foi composta por 85 participantes (29,16±10,93), 58 praticantes de diferentes modalidades esportivas e 27 praticantes de ioga. O teste t de student e tamanho de efeito indicaram diferenças significativas entre os grupos, com maiores níveis de mindfulness para os praticantes de ioga. Correlações de Pearson demonstraram associações positivas entre mindfulness e paixão harmoniosa e ausência de associação com paixão obsessiva, confirmando as hipóteses de validade convergente e discriminante.

Palavras-chave: Avaliação psicológica; Exercício; Psicologia do esporte; Psicologia positiva; Medida.


ABSTRACT

The aim of this study was to estimate validity evidence based on the relation with external variables for the State Mindfulness Scale for Physical Activity. For this purpose, means comparison was performed between groups of sports and yoga practitioners, as well as association analysis between mindfulness and passion. The sample consisted of 85 people (29.16 ± 10.93), 58 were regular practitioners of different sports, and 27 were yoga practitioners. Student's t-tests indicated meaningful differences between the groups, with higher mindfulness levels for yoga practitioners. Pearson correlation indicated positive associations between mindfulness and harmonious passion and absence of association with obsessive passion, confirming the theoretical hypothesis of convergent and discriminant validity.

Keywords: Psychological assessment; Exercise; Sport psychology; Positive psychology; Measure.


RESUMEN

El objetivo fue estimar evidencias de validez con base en la relación con variables externas para la Escala de Estado de Mindfulness para la Actividad Física. Se evaluaron las diferencias de media entre practicantes de actividades deportivas y practicantes de yoga, y la asociación entre mindfulness y la pasión. La muestra consistió en 85 participantes (29.16 ± 10.93), 58 practicantes de diferentes deportes y 27 practicantes de yoga. La prueba t de student y el tamaño del efecto indicaron diferencias significativas entre los grupos, con niveles más altos de mindfulness para los practicantes de yoga. Las correlaciones de Pearson mostraron asociaciones positivas entre mindfulness y la pasión armoniosa y ausencia de asociación con la pasión obsesiva, lo que confirma las hipótesis teóricas de validez convergente y discriminante.

Palabras clave: Evaluación psicológica; Ejercicio; Psicología del deporte; Psicología positiva; Medida.


 

 

A prática regular de atividades esportivas contribui para a saúde mental e física positiva, além de impactar os aspectos sociais, emocionais, cognitivos, e no bem-estar de seus praticantes (Cox, Ullrich-French, & French, 2016). Diante deste quadro, pesquisadores e profissionais das áreas que compõem a ciências do esporte e da saúde têm se deparado com o desafio de compreender os fatores que contribuem para o engajamento da população nestas atividades, bem como na compreensão dos aspectos que contribuem para sua manutenção, ou seja, para que estas atividades sejam realizadas por longos períodos da vida de seus praticantes (Ullrich-French, Hernández, & Montesinos, 2017).

Neste sentido, a pesquisa em psicologia do esporte tem destacado o construto de mindlfuness como uma variável que pode contribuir para maior engajamento e manutenção em atividades físicas e esportivas (Cox, Ullrich-French, Howe, & Cole, 2017). O mindfulness pode ser definido como um estado psicológico caracterizado pela concentração da atenção no momento presente, pela adoção de uma atitude de aceitação e de não julgamento em relação à experiência (Bishop et al., 2004; Brown & Ryan, 2003). Ao longo das últimas três décadas é notável o número crescente de pesquisas envolvendo o conceito de mindfulness, bem como inúmeras evidências empíricas de associação positiva com motivação autônoma, afeto positivo, satisfação com a vida, autoestima, bem-estar físico e mental, e associação negativa com afeto negativo, ansiedade e depressão (Cox et al., 2016).

Segundo Thienot, Jackson, Dimmock e Grove (2013), o mindfulness no esporte está relacionado com o desempenho do atleta, que requer foco constante de atenção para alcançar seus objetivos. Ao atingir um alto nível de mindfulness, acredita-se que os indivíduos que praticam esporte são capazes de reconhecer e aceitar a presença de estímulos externos, sensações corporais, reações emocionais e cognições, assim redirecionando seu foco para pensamentos e comportamentos que beneficiam o seu desempenho. No contexto esportivo, para atingir um ótimo desempenho, conforme os modelos de intervenções baseados em mindfulness, não é necessário que o atleta reduza os eventos internos, mas sim que desenvolva uma postura não julgadora das suas experiências internas, seja ela qual for. Um levantamento sobre mindfulness direcionado para o rendimento esportivo, em diversas modalidades, identificou a importância de atletas aceitarem os estados e as experiências internas, e que todos foram eficazes quanto a melhoria do desempenho esportivo (Mañas, Águila, Franco, Gil, & Gil, 2014).

Baltzell, Chipman, Hayden e Bowman (2015), ao investigarem sobre a perspectiva dos treinadores em relação ao efeito do treinamento de mindfulness para o esporte, perceberam que a participação dos atletas no programa também contribuiu para a melhoria da motivação e da performance da equipe. Nessa direção, Zeng (2003) sugere que atletas de modalidades coletivas têm menores níveis de ansiedade somática quando comparada com atletas de esportes individuais. Portanto, atletas de modalidades individuais estão mais propensos a níveis de estresse maiores do que os de modalidades coletivas. Segundo Gonçalves e Belo (2007), isto está relacionado com a ideia de que, em modalidades individuais, os atletas não dividem a responsabilidade, expondo-se sozinhos a uma avaliação direta de quem o observa, consequentemente gerando uma pressão maior de êxito no desempenho.

A fim de possibilitar uma maior operacionalização do conceito de mindfulness no contexto esportivo e, portanto, possibilitar maior desenvolvimento de pesquisas na área, Cox et al. (2016) desenvolveram a Escala de Estado de Mindfulness para Atividade Física (SMS-PA), uma escala composta por 12 itens desenvolvidos para avaliar o estado mindfulness mental e físico durante a prática de atividades físicas e esportivas. Os itens do instrumento foram baseados na State Mindfulness Scale (SMS), que foi desenvolvida por Tanay e Bernstein (2013). Tal instrumento tinha como intuito, a partir de referências teóricas tradicionais e contemporâneas sobre mindfulness, incluir, além da atenção plena, a qualidade do mindfulness, como a atenção, consciência e abertura à experiência. A SMS é composta por dois fatores, o mindfulness corporal e o mindfulness mental. Entretanto, a partir da pesquisa realizada por Cox et al. (2016), foi verificado que as experiências vivenciadas a partir do mindfulness físico na atividade física e no esporte, como engajamento muscular, atenção ao esforço e movimentos realizados durante a prática, não eram representadas de forma adequada, assim, novos itens foram desenvolvidos.

No estudo original da SMS-PA, foram realizados procedimentos exploratórios e confirmatórios que indicaram a adequação de um modelo estrutural bifactor, composto por 12 itens distribuídos em fatores específicos (mindfulness físico e mental) e um geral (estado de mindfulness). Todos os indicadores apresentaram bons níveis de consistência interna, alfas de Cronbach superiores a 0,80. A SMS-PA foi adaptada transculturalmente para o português brasileiro e teve as suas primeiras evidências de validade por Peixoto et al. (2019), e as análises psicométricas corroboraram a estrutura bifactor e os bons indicadores de precisão observados na versão original do instrumento. Além disso, os autores observaram correlações moderadas entre os indicadores de mindfulness e escores de motivação intrínseca por atividade física e esporte.

Embora se possa contar com uma versão brasileira da SMS-PA, sabe-se que a utilização de um instrumento deve ser antecipada por diferentes investimentos relacionados à validade. Dentre as fontes de evidência de validade, encontram-se os estudos de verificação da capacidade do instrumento diferenciar possíveis estratos amostrais que apresentem diferentes níveis no construto alvo da mensuração (AERA, APA & NCME, 2014). Desta forma, a presente pesquisa tem como primeiro objetivo estimar possíveis diferenças nos escores apresentados nas subescalas de medida de estado de mindfulness entre praticantes de esporte coletivo e praticantes de ioga. Estudos semelhantes foram realizados por Cox et al. (2017), que observaram níveis significativamente superiores de mindfulness entre praticantes de ioga, haja vista que a prática desta modalidade de exercício favorece intencionalmente o desenvolvimento da atenção plena aos eventos físicos e mentais.

O segundo objetivo corresponde à estimativa de novas evidências de validade convergente e discriminante pra versão brasileira da SMS-PA, baseada na associação com a variável paixão pelo esporte. De acordo com o modelo dualístico da paixão proposto por Vallerand (2015), a paixão pode ser definida como uma forte inclinação para uma atividade em que a pessoa invista tempo e energia. Pode ser harmoniosa (PH), quando há a internalização autônoma da atividade à identidade do praticante, fazendo com que esta seja vivenciada com senso de propriedade e livre-arbítrio ou obsessiva (PO), que ocorre quando há a internalização controlada da atividade à identidade da pessoa, originária de pressões intrapessoal e/ou interpessoal.

No caso das evidências de validade convergente, espera-se associação entre medidas que avaliam construtos relacionáveis (Pasquali, 2007); enquanto, para validade discriminante, espera-se ausência de associação entre construtos teoricamente não correlacionados (AERA, APA & NCME, 2014). Como hipótese para a presente pesquisa, espera-se verificar correlações positivas entre os indicadores de mindfulness e paixão harmoniosa e, ainda, a ausência de associação entre os indicadores de mindfulness e paixão obsessiva.

 

Método

Participantes

A amostra total foi composta por 85 praticantes de atividades esportivas e ioga, de ambos os sexos, dos quais 58,82% eram homens e 41,18% eram mulheres, com idades que variavam entre 18 a 74 anos (29,16 ± 10,93), sendo estes, praticantes de atividades esportivas, a saber: Futsal (24,71%); Futebol (5,88%); Musculação (29,41%); entre outras modalidades (5,88%), tais como: Jiu-jitsu, Atletismo, Ciclismo; praticantes de mais de uma atividade esportiva (3,53%) e; 31,77% praticantes de ioga. Destes participantes, 71,62% são solteiros; 22,62% são casados e; 4,76% são divorciados. Quanto ao nível de escolaridade dos mesmos, 42,35% possuem o nível superior completo; 35,29% nível superior incompleto; 17,65% ensino médio completo; 1,18% ensino médio incompleto; 2,35% fundamental completo e; 1,18% fundamental incompleto.

Instrumento

Versão brasileira da State Mindfulness Scale for Physical Activity SMS-PA (Peixoto et al., 2019), conforme descrito no item introdução. O instrumento tem por objetivo a avaliação do estado de mindfulness durante a prática de exercício físico e esporte, é composto por 12 itens teoricamente organizados em estrutura bifactor, sendo dois fatores específicos: mindfulness mental (ex.: Notei emoções agradáveis e desagradáveis) e mindfulness físico (ex.: Notei as sensações que surgiam no meu corpo) e; um fator geral, correspondente a soma de todos itens, denominado estado de mindfulness geral. Estudos referentes às propriedades psicométricas encontraram evidências empíricas que sustentam o modelo bifactor, corroborando os resultados da versão americana e espanhola da SMS-PA, bem como bons níveis de precisão e coeficientes alfa de Cronbach superiores a 0,80 (Cox et al., 2016; Ullrich-French et al., 2017).

A Escala de Paixão desenvolvida por Vallerand et al. (2003) é um instrumento que visa avaliar o modelo dualístico da paixão por meio de 12 itens organizados nas dimensões Paixão Harmoniosa (ex. A prática deste esporte se harmoniza bem com as outras atividades em minha vida) e Paixão Obsessiva (ex. Esse esporte é a única coisa que realmente me realiza), todos respondidos em uma escala tipo Likert de sete pontos que indica o nível de concordância com cada uma das afirmações expressas nos itens, os quais variavam de "discordo fortemente" a "concordo fortemente". Estudos de adaptação do instrumento para o português brasileiro e avaliação das propriedades psicométricas indicaram adequação da estrutura interna da EP à proposta teórica composta por dois fatores, bem como bons níveis de precisão para os respectivos fatores PH= 0,813 e PO= 0,750 (Peixoto, Nakano, Castillo, Oliveira, & Balbinotti, 2019).

Questionário sócio demográfico, que possibilitou o acesso às principais características dos participantes como sexo, idade, modalidade esportiva, nível competitivo, tempo de experiência na modalidade e nível de escolaridade.

Procedimentos

Inicialmente, as variáveis foram avaliadas de posse dos indicadores de precisão para SMS-PA, foram estimadas estatísticas descritivas dos fatores mindfulness mental e física: média, desvio padrão, mínimo e máximo, o que possibilitou maior compreensão da amostra considerando as variáveis de interesse. Por fim, foi empregado o teste t de student, para comparação de média e distribuição entre os praticantes de atividades esportivas e de ioga. Também foi avaliado possíveis diferenças em função do sexo dos participantes. Para tanto, foram assumidos níveis de significância inferiores a 0,05, bem como tamanho do efeito superior a 0,3 (Dancey & Reidy, 2006).

Posteriormente, foram avaliadas as associações entre os escores apresentados pelos participantes na SMS-PA, PS e SMS-28. Para tanto, foi empregada a correlação de Pearson. Com base na hipótese em que se apoia a presente pesquisa, esperou-se obter evidências de validade convergente (associação positiva) entre as medidas de mindfulness e as medidas de paixão harmoniosa de motivação intrínseca, assim como validade discriminante (ausência de associação) entre as medidas de mindfulness e medidas de paixão obsessiva, motivação extrínseca e a motivação. Foram adotados níveis de significâncias < 0,05.

Considerações éticas

O contato com a amostra e a aplicação dos instrumentos ocorreram após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa. Os instrumentos foram administrados de forma coletiva, antecedido da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCL. Ao participante foi garantido o direito de ser informado sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa, sigilo sobre os dados coletados e a possibilidade de desistir da sua participação em qualquer momento da realização da pesquisa, atendendo à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

A avaliação da escala se iniciou com uma análise geral dos escores apresentados pelos participantes na SMS-PA e na PS. Os resultados são apresentados na Tabela 1, onde se verificam estatísticas descritivas obtidas a partir dos referidos instrumentos.

Na Tabela 1, observa-se que os participantes apresentam níveis mais elevados de mindfulness físico (24,60), com média relativamente superior à apresentada no fator mindfulness mental (22,33). Ressalta-se que o valor referente à variável mindfulness geral representa a soma das duas variáveis. Considerando que estes números representam os valores médios apresentados na subescala e que, portanto, poderiam variar de 1 a 5, os resultados indicam que os participantes da pesquisa apresentam, no geral, percepção positiva dos níveis de mindfulness na média esperada para a escala (3). Além disso, as estatísticas mínimo e máximo demonstram não ter tido uma grande variabilidade de respostas em relação aos participantes, observando-se uma predominância de valores próximos aos níveis de 1 a 3 da subescala.

Em acordo quanto ao principal objetivo da pesquisa, a comparação de pessoas em relação à percepção do mindfulness frente à atividade física e esportiva em função da prática de ioga, realizou-se a comparação dos grupos por meio da estatística inferência. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Como apresentado na Tabela 2, os resultados obtidos apresentam um nível elevado de mindfulness em ambas as variáveis (mental e físico) e, consequentemente, na variável mindfulness geral. Contudo, observa-se que há uma diferença estatisticamente significativa nos fatores de mindfulness para os praticantes de ioga. Adotando o nível de significância inferior a 0,05 e tamanho de efeito superior a 0,491, o que pode ser considerado com indicadores de importante diferença nos estudos em psicologia (Field, 2009).

A tabela 3 apresenta os resultados da correlação entre a SMS-PA e a Escala de Paixão. A partir dos dados expostos na Tabela 3, observa-se que os fatores mindfulness mental, mindfulness físico e mindfulness geral se correlacionam positiva e significativamente ao fator paixão harmoniosa. Entretanto, os mesmos fatores não se relacionam significativamente com a variável paixão obsessiva. Tais resultados corroboram com as hipóteses iniciais, confirmando a existência da validade convergente e divergente para a versão brasileira da SMS-PA.

 

Discussão

A presente pesquisa teve como principal objetivo estimar evidências de validade baseada no critério externo e novas evidências de validade baseadas na relação com variável externa para a versão brasileira da SMS-PA (Peixoto et al., 2019). Para tanto, empregou-se como critério externo a participação em atividades esportivas coletivas e a prática de ioga, bem como a associação entre a experiência de mindfulness no esporte e o tipo de paixão estabelecida pela atividade (Vallerand, 2015; Vallerand et al., 2003).

Contar com instrumentos que apresentem esses tipos de evidências de validade é de extrema importância aos profissionais e pesquisadores da psicologia do esporte e do exercício (Weinberg & Gould, 2017), uma vez que estas evidências endossam que as variabilidades nos escores no instrumento representam variabilidades reais no construto psicológico alvo da mensuração, portanto, indicam a potencialidade do instrumento em avaliar esse construto (AERA, APA & NCME, 2014). Ainda em relação aos benefícios à área, observa-se que estudos dessa natureza devem ser enfatizados, uma vez que, em grande parte das pesquisas, os instrumentos são utilizados com a finalidade de comparar grupos e de verificar associação com outras variáveis, enquanto, na prática profissional são adotados para compor as estratégias de coleta de informação para o estabelecimento do psicodiagnóstico esportivo (Pesca, Frischknecht & Peixoto, 2019).

Nesse sentido, observa-se nos resultados apresentados na presente pesquisa, por meio das análises descritivas, que os participantes percebem com maior facilidade as sensações físicas que ocorrem em seu corpo ao longo das atividades do que as emoções e os pensamentos que podem surgir durante essas práticas, como aponta os valores superiores no nível de mindfulness físico frente ao mindfulness mental. Tais resultados são coerentes com a própria natureza das atividades físicas e esportivas em que há constantes movimentos corporais, produzidos pelos músculos esqueléticos, a fim de alcançar os objetivos da modalidade esportiva, como superar um adversário ou uma marca pessoal (Jones, 2003; Vallerand & Blanchard, 2000). Assim, tanto atletas como praticantes de ioga experimentam seguidamente os desafios e sensações fisiológicas como dores, fadiga, contrações e relaxamento musculares. Portanto, faz com que estas sensações fisiológicas sejam mais facilmente percebidas por esses praticantes, ao contrário da percepção dos eventos mentais, que, por não serem devidamente enfatizados no contexto pedagógico esportivo, exigem maiores investimentos para serem reconhecidos (Light, 2018). Como afirmam Oliveira e Padovani (2018), permanecer plenamente atento e sem julgamento é um dos desafios dos esportistas, pois diferentes reações, sejam elas fisiológicas, emocionais, comportamentais, entre outras, podem provocar uma experiência desagradável ao longo da atividade. Por isso, desenvolver habilidades psicológicas que auxiliem no manejo dessas experiências pode contribuir no desempenho e no resultado durante a atividade física e esportiva.

Essas inferências são corroboradas pelos resultados obtidos por meio da comparação de grupo em que são verificadas diferenças significativas nos escores mindfulness mental e físico e, consequentemente, no estado de mindfulness geral entre praticantes de ioga e praticantes de atividades esportivas, com valores mais elevados para praticantes de ioga. Contudo, verifica-se que, para o fator mindfulness mental, essa diferença é substancialmente mais elevada (p< 0,001 e d= 0,793),, quando comparada à diferença em mindfulness físico (p= 0,038 e d= 0,491).

Esses resultados confirmam, ainda, a hipótese inicial da presente pesquisa, de que praticantes de ioga experienciariam níveis mais elevados de mindfulness quando comparado a praticantes de atividades esportivas, estando de acordo, por exemplo, com os estudos realizados por Cox et al. (2016), em que resultados semelhantes foram observados. Tais resultados são justificados pelo fato de a prática de ioga se configurar como um exercício que favorece, intencionalmente, o desenvolvimento da atenção plena aos eventos mentais e físicos. Pois, conforme destacado por Fragnani et al. (2016), a ioga está tradicionalmente associada a práticas meditativas, portanto, caracteriza-se também como uma atividade de exercício mental.

Do ponto de vista psicométrico, estes resultados indicam a sensibilidade da versão brasileira da SMS-PA em recuperar a diferença entre grupos com níveis discrepantes no construto psicológico. Desse modo, assegurando ao instrumento evidências de validade com base no critério externo (AERA, APA & NCME, 2014). Por fim, foram verificados os níveis de associação entre a SMS-PA e EP, os quais serão discutidos a seguir.

Inicialmente, destacam-se os índices de correlação positiva e de magnitude moderada, verificados entre os indicadores de mindfulness e paixão harmoniosa. Sugerindo que pessoas que apresentam níveis mais elevados de paixão harmoniosa pela atividade esportiva/ioga tendem a experienciar níveis mais elevados do estado de mindfulness durante estas práticas. Tais resultados são coerentes com o modelo dualístico da paixão, que compreende que o envolvimento com a atividade baseada na paixão harmoniosa faça com que as pessoas integrem essa atividade de forma positiva à sua identidade, busquem por novos conhecimentos a respeito da atividade amada e desenvolvam aspectos pessoais e sociais a partir destas experiências. Essa maneira positiva de se relacionar com a atividade esportiva parece estar diretamente associada a disponibilidade dos praticantes para que foquem sua atenção no momento presente (realização da atividade), sem julgar as experiências internas, desenvolvendo habilidades psicológicas que os ajudem nas tomadas de decisões, na percepção e, também, na melhora de gestos técnicos (Oliveira & Padovani, 2018).

Por outro lado, observou-se a ausência de correlação entre os indicadores de mindfulness e paixão obsessiva. O que também é coerente com o modelo teórico apresentado, haja vista que indivíduos que se relacionam com a prática de exercício ou com esporte de maneira obsessiva integram essa atividade à sua identidade de maneira desproporcional, tendo como origem pressões pessoais ou interpessoais. Assim, o engajamento na atividade pode ter como base a incontrolável necessidade da aceitação social ou autoestima obtidas através da sua prática (Vallerand, 2010; Vallerand, 2015; Vallerand et al., 2003). Neste sentido, ao se voltar para estímulos externos, não haveria a possibilidade de experienciar estados de mindfulness, visto que estaria agindo de forma "automática", com uma baixa consciência do que está ocorrendo factualmente no momento presente (Bishop et al., 2004).

Adicionalmente, esses resultados corroboram os achados de diferentes pesquisas que aplicaram o modelo dualístico da paixão no contexto do esporte e do exercício, os quais demonstram que a paixão harmoniosa por essas atividades estão associadas a respostas comportamentais positivas e a resultados adaptativos positivos, como emoções positivas, bem-estar, afetos positivos e experiência de fluxo. Enquanto a paixão obsessiva está associada a respostas comportamentais menos adaptativas e a emoções negativas, como baixa autoestima e afetos negativos (Bureau, Blom, Bolin & Nagelkirk, 2019; Vallerand & Vemer-Filion, 2020).

Os resultados também são coerentes com pesquisas que têm verificado associação entre mindfulness e outras variáveis relevantes ao contexto esportivo como bem-estar (Chang, Chang & Chen, 2017), sugerindo que atletas mais atentos ao momento presente da atividade tendem a satisfazer suas necessidades psicológicas básicas indicando que, para além do desempenho esportivo, o mindfulness traz benefícios para a qualidade de vida dos atletas e motivação intrínseca (Peixoto et al., 2019; Cox et al., 2016; Amemiya & Sakairi, 2019). Este conjunto de pesquisas sugere o potencial da experiência de mindfulness para manutenção da prática de atividades esportivas e de exercício físico por longos períodos.

 

Considerações finais

Os resultados encontrados a partir das comparações entre os grupos possibilitaram assegurar evidências de validade com base na relação com variável externa (evidência de validade de critério). Adicionalmente, os resultados verificados a partir da associação com a Escala de Paixão (EP) apontam para novas evidências de validade com base na relação com variáveis externas para a versão brasileira da SMS-PA (AERA, APA & NCME, 2014). Dessa forma, os resultados indicam a potencialidade do instrumento para ser empregado por pesquisadores e profissionais brasileiros ligados às ciências do esporte e interessados nas experiências de mindfulness de praticantes de atividade física e esportiva no decorrer destas atividades. Isso se torna relevante à medida que pesquisas recentes indicam o estado de mindfulness como uma variável que pode contribuir para a manutenção da atividade esportiva. Já no contexto científico, contar com um instrumento de medida adequado permite a operacionalização do construto e com isso o avanço das pesquisas na área, uma vez que possibilitará a investigação da associação do estado de mindfulness vivenciado durante a prática de esporte e exercício com outras variáveis de interesse de pesquisadores.

Vale destacar algumas limitações da presente pesquisa, como o fato de contar com uma amostra por conveniência oriunda de uma região específica do país, interior do estado de Pernambuco, bem como o fato de considerar apenas praticantes de ioga como modalidade de exercício potencializadora do desenvolvimento do mindfulness. Nesta direção, são sugeridos estudos que busquem outros tipos de evidências de validade e precisão para esse instrumento frente a diferentes grupos de praticantes de atividades físicas e esportivas em diferentes regiões do Brasil, estudos que procurem estabelecer normas adaptativas aos escores da SMS-PA e estudos que considerem outras modalidades, como, por exemplo, Ullrich-French e Cox (2020) recomendam o Pilates e Tai chi chuan, que podem ser consideradas potenciais para o desenvolvimento do estado de mindfulness. Por fim, o fato de a presente pesquisa ter se pautado em um método correlacional impede a interpretação da relação de causa e efeito entre os indicadores de paixão e o estado de mindfulness. A partir dos achados, sugere-se a realização de estudos que empreguem métodos adequados para este fim e para a verificação dos efeitos do estado de mindfulness sobre outras variáveis importantes para a manutenção da prática de exercícios, como afetos positivos e negativos, e satisfação com a atividade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Evandro Peixoto
epeixoto_6@hotmail.com

Recebido em:20/04/2020
Aceito em: 20/06/2020

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