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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.15 no.3 Juiz de Fora Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2021.v15.32479 

ARTIGOS

 

Interação entre polaridades afetivas e espaciais: preferências no futebol e compatibilidade estímulo-resposta

 

Interaction between affective and spatial polarities: soccer preferences and stimulus-response compatibility

 

Interacción entre polaridades afectivas y espaciales: preferencias futbolísticas y compatibilidad estímulo-respuesta

 

 

Letícia Francisco de OliveiraI; Felipe Correia Cruz Soares AntunesII; Fernanda JazenkoIII; Erick Francisco Quintas CondeIV; Roberto Sena Fraga-FilhoV; Luiz. G. GawryszewskiVI

IUniversidade Federal Fluminense. E-mail: lefrancisco.lcf@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6220-3888
IIUniversidade de São Paulo. E-mail: felipecruz@usp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6304-2118
IIIConsultoria de amamentação. E-mail: fernandajzk@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7202-6280
IVUniversidade Federal Fluminense. E-mail: psicoerick@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7130-2888
VUniversidade Estácio de Sá. E-mail: senaff@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3066-687X
VIUniversidade Federal Fluminense. E-mail: gawryszewski@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3701-509X

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A valência afetiva de estímulos visuais provoca reações de aproximação e afastamento para estímulos positivos e negativos, respectivamente. Na tarefa de Simon, o tempo de reação é menor quando o estímulo e a resposta estão do mesmo lado (condição correspondente) do que quando estão em lados opostos (condição não-correspondente). A diferença entre os tempos de reação é o efeito Simon. Neste trabalho, foi investigado como as valências afetivas dos times Preferido e Rival influenciam o efeito Simon. Os resultados mostraram um maior efeito Simon para o time Preferido, indicando que a valência positiva do Preferido facilita a resposta correspondente.

Palavras-chave: Emoção, Time de futebol, Tempo de reação, Valência afetiva, Efeito Simon.


ABSTRACT

The affective valence of visual stimuli elicits approach and avoidance reactions to positive and negative stimuli, respectively. In Simon task, the reaction time is shorter when the stimulus and the response are on the same side (corresponding condition) than when they are on opposite sides (non-corresponding condition). The difference between the reaction times is the Simon effect. This work investigated how the affective valences of the Favorite and Rival teams influence the Simon effect. The results showed a bigger Simon effect for the Favorite team, suggesting that the Favorite positive valence facilitates the corresponding response.

Keywords: Emotion, Soccer team, Reaction time, Affective valence, Simon Effect.


RESUMEN

La valencia afectiva de los estímulos visuales provoca reacciones de aproximación y evitación a estímulos positivos y negativos, respectivamente. En la tarea de Simon, el tiempo de reacción es menor cuando el estímulo y la respuesta están del mismo lado (condición correspondiente) que cuando están en lados opuestos (condición no-correspondiente). La diferencia entre los tiempos de reacción es el efecto Simon. En este trabajo se investigó cómo las valencias afectivas de los equipos Favorito y Rival influyen en el efecto Simon. Los resultados mostraron que el efecto Simon para el equipo Favorito es mayor, lo que sugiere que la valencia positiva del equipo Favorito facilita la respuesta correspondiente.

Palabras clave: Emoción, Equipo de fútbol, Tiempo de reacción, Valencia afectiva, Efecto Simon.


 

 

A paixão pelo futebol e a pelo Carnaval eram, antes das queimadas, dois aspectos que caracterizavam a Nação brasileira para o Mundo (Damatta, 1994). De certo modo, poder-se-ia especular que a preferência pelo time preferido e a definição do seu rival vem do berço e até mesmo que amadurecem durante a gravidez, em casos de famílias com torcedores mais fanáticos. A influência da rivalidade entre os times de futebol sobre os efeitos da compatibilidade estímulo-resposta será proposta nesse trabalho como um modelo para o estudo experimental da influência da Valência afetiva dos estímulos sobre o Controle motor.

Na tarefa de compatibilidade espacial clássica, a posição do estímulo é o código que define a resposta correta e as respostas são mais rápidas quando as posições do estímulo e da tecla de resposta estiverem no mesmo lado (condição compatível) do que quando estiverem em lados opostos (condição incompatível) (Gawryszewski et al., 2006; Umiltá & Nicoletti, 1990).

Conde et al. (2011) adicionaram a valência emocional dos estímulos numa tarefa de compatibilidade espacial. Utilizaram figuras de jogadores de futebol dos principais times do Rio de Janeiro, representando os times preferido e rival de cada participante como estímulos com valência afetiva. Os jogadores podiam aparecer à esquerda ou à direita do ponto de fixação, e as respostas eram executadas num teclado, pressionando-se teclas localizadas à esquerda e à direita (teclas 'A' e '6'), em dois blocos de testes. Em um bloco, os participantes eram instruídos a pressionar a tecla do mesmo lado em resposta ao time preferido (condição compatível) e a tecla do lado oposto (condição incompatível) em resposta ao time rival. No outro bloco, realizavam a tarefa oposta: pressionar a tecla do mesmo lado em resposta ao rival e a tecla do lado oposto em resposta ao preferido. Os resultados mostraram o efeito clássico de compatibilidade espacial para os estímulos que representavam o time preferido, sendo as respostas compatíveis mais rápidas do que as respostas incompatíveis. Já para os estímulos que representavam o time rival, ocorreu uma inversão do efeito de compatibilidade espacial, ou seja, o tempo de reação manual (TRM) das respostas com a tecla do lado oposto foi mais rápido que o TRM das respostas com a tecla do mesmo lado. Os autores propuseram que essa inversão do efeito da compatibilidade espacial seria devida às reações de aproximação e afastamento provocadas pelos estímulos com valência afetiva positiva e negativa, respectivamente (Conde et al., 2011), e denominaram essa metodologia de Tarefa de Compatibilidade Espacial Afetiva (Affective Spatial Compatibility Task) (Conde et al., 2014a, 2014b). Segundo a hipótese proposta por Conde et al. (2011), as respostas na condição compatível (estímulo e tecla no mesmo lado) seriam equivalentes a reações de aproximação e as respostas na condição incompatível (estímulo e tecla em lados opostos) a reações de afastamento. Assim, o efeito de compatibilidade (resposta mais rápida com a tecla no mesmo lado do estímulo) ocorreria quando o estímulo relevante provocasse uma emoção positiva, e seria reduzido (ou até mesmo invertido) quando o estímulo provocasse uma emoção negativa.

Proctor (2013) refutou essa proposta considerando que as comparações entre as condições compatível e incompatível foram feitas entre respostas obtidas em blocos diferentes de provas e que as diferenças existentes entre os padrões observados entre os times preferido e rival se devia a um efeito mapeamento entre os dois blocos. Ou seja, as respostas no Mapeamento I (resposta compatível para o time preferido e resposta incompatível para o time rival) são mais rápidas do que as respostas no Mapeamento II (resposta incompatível para o time preferido e resposta compatível para o time rival), gerando a impressão de um efeito de valência sobre a compatibilidade espacial. Além disso, argumentou-se que, nas tarefas em que as condições compatíveis e incompatíveis estão misturadas no mesmo bloco, o efeito de compatibilidade espacial tem valor nulo (Shaffer, 1965; Proctor & Vu, 2006). Conde et al. (2014a, 2014b) e Cavallet et al. (2016) confirmaram que o efeito Mapeamento estava presente com times de futebol do Estado de São Paulo, mas não ocorria quando estímulos neutros (times de futebol inexistentes com falsos uniformes ou barras coloridas) eram utilizados.

O efeito Mapeamento observado por Conde et al. (2011) e Cavallet et al. (2016) empregando figuras de jogadores dos times de futebol preferido e rival foi também encontrado por Yamaguchi, Chen, Mishler e Proctor (2017). Esses autores utilizaram fotografias de flores e aranhas como estímulos com valências positiva e negativa, respectivamente. Os participantes foram testados em dois blocos de provas. Num bloco (Mapeamento I), a instrução foi pressionar a tecla localizada no mesmo lado da flor e a tecla localizada no lado oposto da aranha. No outro bloco (Mapeamento II), a instrução era inversa. Tal como observado por Conde et al. (2011) e Cavallet et al. (2016), foi encontrado um efeito mapeamento, no qual as respostas no Mapeamento I eram 26ms mais rápidas do que no Mapeamento II. Nascimento, Lameira, Torro e Gawryszewski (2020) ampliaram o emprego da Tarefa de Compatibilidade Espacial Afetiva, usando-a num estudo sobre rivalidades políticas, aproveitando a grande polaridade entre os candidatos à Presidência do Brasil em 2018. Os participantes foram testados em dois blocos de provas. Tal como nos estudos usando a preferência por times de futebol e fotos de flores e aranhas, no Mapeamento I, os participantes eram instruídos a responder ao candidato preferido pressionando a tecla localizada no mesmo lado do estímulo e responder ao candidato rival pressionando a tecla localizada no lado oposto ao estímulo e, no Mapeamento II, a instrução era a inversa. Foi encontrado que as respostas no Mapeamento I eram 18ms mais rápidas do que no Mapeamento II.

Nesse contexto, com o intuito de estudar o controle inibitório e o processamento emocional em transtornos mentais, Cavallet et al. (2016) empregaram a Tarefa de Compatibilidade Espacial Afetiva (TCEA) para comparar a interação entre as polaridades emocional e espacial num grupo controle e num grupo de pacientes diagnosticados com transtorno de défice de atenção e hiperatividade (TDAH). Os resultados mostraram um efeito mapeamento para os dois grupos, mas só foi significativo no grupo com TDAH. Os autores propuseram que essa diferença entre o grupo controle e o grupo TDAH expressava um défice no controle inibitório no grupo TDAH.

A tarefa de Simon foi, também, empregada para estudar a influência da valência dos estímulos sobre a compatibilidade estímulo-resposta. A tarefa de Simon não emprega um código relativo à localização espacial do estímulo para a seleção da resposta. Neste caso, a dimensão relevante para a seleção da resposta é uma característica intrínseca não espacial do estímulo (sua cor ou forma) e não o local onde ele aparece (Gawryszewski et al., 2006). A posição do estímulo é irrelevante para a definição da resposta correta, mas influencia o TRM, uma vez que o código da localização do estímulo (lado direito ou esquerdo) se sobrepõe ao código da localização das teclas de resposta (tecla direita ou esquerda). Desta forma, quando eles estão localizados no mesmo lado (condição correspondente), o TRM é menor do que quando estão localizados em lados opostos (condição não-correspondente). A diferença nos tempos de reação entre a condição não-correspondente e a condição correspondente foi denominada Efeito Simon (Gawryszewski et al., 2006).

Poder-se-ia esperar que as dimensões espaciais e emocionais de um estímulo interagissem entre si, influenciando a amplitude do efeito Simon. Ou seja, que a reação de aproximação a um estímulo positivo facilitasse a resposta localizada no mesmo lado do estímulo, ocorrendo o inverso com um estímulo negativo, devido à reação de afastamento por ele provocada. Em consequência, essa interação entre a valência e a correspondência produziria um efeito Simon maior para o estímulo positivo em relação ao estímulo negativo. Esse foi o resultado encontrado por Schlaghecken, Blagrove, Mantantzis, Maylor e Watson (2017), que estudaram a influência das valências das emoções expressas por faces esquemáticas (alegria ou tristeza) sobre o efeito Simon. Encontraram, em dois experimentos, que o efeito Simon é maior (30 ms) para as faces alegres do que para as faces tristes (5 ms). Os autores interpretaram esses resultados como sendo devidos à orientação automática da atenção para a posição da face alegre, facilitando a resposta correspondente. Resultados semelhantes com faces expressando alegria e tristeza foram encontrados, também, por Lien, Proctor e Hinkson (2020) em três experimentos.

A hipótese deste trabalho é a de que a valência afetiva dos estímulos influencia o efeito Simon, tal como foi observado por Schlaghecken et al. (2017) e Lien et al. (2020), usando faces esquemáticas expressando alegria e tristeza. Para testá-la, empregamos figuras de jogadores dos times preferido e rival de cada participante para investigar se valências afetivas relacionadas com a Preferência por times de futebol influenciam o efeito Simon. A negação dessa hipótese indicaria que os resultados obtidos com faces esquemáticas (Lien et al., 2020; Schlaghecken et al., 2017) não podem ser generalizados para outros estímulos emocionais e que os mecanismos envolvidos com a interação entre as polaridades emocionais e espaciais na TCEA são diversos daqueles presentes na tarefa de Simon. Por outro lado, a confirmação da hipótese indicaria que as facilitações e as inibições que foram postuladas para explicar o efeito Simon poderiam estar, também, envolvidas com efeito Mapeamento observado na TCEA com times de futebol, flores e aranhas e candidatos políticos (Cavallet et al., 2016; Conde et al., 2014a, 2014b; Nascimento et al., 2020; Yamaguchi et al., 2017).

 

Método

Participantes

Participaram do experimento 28 voluntários destros (15 do sexo masculino e 13 do feminino) da Universidade Federal Fluminense, com idade variando entre 19 e 30 anos (Média =25, DP= 3,9), saudáveis, com acuidade visual normal e que não sabiam o propósito do experimento. Um termo de anuência por escrito foi obtido dos participantes, e o estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (CEP CMM/HUAP no 349/10).

Classificação de Valência

Inicialmente, os participantes classificaram em ordem de preferência os quatro principais times de futebol do Rio de Janeiro (Fluminense, Flamengo, Vasco da Gama e Botafogo). Este procedimento foi usado para selecionar os estímulos para a tarefa de Simon. O primeiro e o quarto definiram os times preferido e rival de cada participante.

Aparato Experimental e Estímulos

Os experimentos foram realizados em uma sala com iluminação e som controlados. Os participantes se sentavam em frente ao monitor (Samsung VGA de 20" com resolução de 1024x768 pixels), com a cabeça posicionada em um apoiador de fronte e mento a uma distância de aproximadamente 57cm do monitor. As respostas foram feitas com os dedos indicadores posicionados sobre teclas localizadas à esquerda ("A") e à direita ("6") do centro de um teclado. Os estímulos foram figuras realísticas e coloridas de jogadores de futebol (1,5x6,5, largura e altura, respectivamente) representando os quatro times de futebol populares do Rio de Janeiro (Figura 1). A ferramenta Inquisit Lab foi utilizada para apresentar os estímulos e registrar os tempos de reação.

A) Figuras representando os quatro principais times cariocas (Fluminense, Flamengo, Vasco e Botafogo); B) Esquema mostrando as condições correspondentes (estímulo e tecla no mesmo lado) e não-correspondente (estímulo e tecla em lados opostos) no grupo que respondia ao time preferido (no caso, o Vasco) com a tecla direita e ao time rival (Flamengo) com a tecla esquerda.

Procedimentos

Os participantes realizaram um bloco de treinamento de 20 testes e, em seguida, uma única sessão de 120 testes. Em cada bloco, os times de futebol preferido e rival selecionados a partir da classificação de Preferência para cada participante foram usados como estímulos emocionais. Durante a sessão experimental, os estímulos foram aleatoriamente apresentados 6° à esquerda ou à direita do ponto de fixação. Metade dos participantes recebeu instruções para responder pressionando a tecla direita para o time Preferido e a tecla esquerda para o Rival (Grupo Congruente). O outro grupo recebeu a instrução inversa, ou seja, pressionar a tecla esquerda para o time preferido e a tecla direita para o time rival (Grupo Incongruente). Quando o estímulo aparecia do mesmo lado da tecla de resposta tínhamos uma condição correspondente e quando o estímulo aparecia do lado oposto ao da tecla de resposta tínhamos a condição não-correspondente.

Análise Estatística

As médias dos tempos de reação manual (TRM) foram empregadas numa ANOVA com um fator intergrupo: Mapeamento (Congruente e Incongruente) e dois fatores intragrupos: Preferência (time preferido e rival) e Correspondência (condições correspondentes e não-correspondentes). A condição correspondente era aquela na qual o estímulo aparecia do mesmo lado da tecla de resposta. Na condição não-correspondente, o estímulo aparecia no lado oposto ao da tecla de resposta (Figura 1B). Os mesmos fatores foram utilizados para avaliar as percentagens de erros. Realizamos análises post hoc utilizando o método de Bonferroni com o nível de significância 0.05.

 

Resultados

O fator Congruência não teve efeito significativo sobre o TRM (F(1, 26) = 0,660, p= 0,423909, η2= 0,024759), mas ocorreu um efeito significativo para o fator Correspondência (F(1, 26) = 73.438, p< .001, η2= 0,738). O TRM, quando a tecla de resposta estava localizada no mesmo lado do estímulo (463 ms (DP = 78) - condição correspondente), foi menor do que quando a tecla estava no lado oposto ao do estímulo (495 ms (DP = 76) - condição não-correspondente), resultando num efeito Simon de 32 ms.

Existiu, também, uma interação entre Correspondência e Preferência (F(1,26) = 4.695, p= .040, η2= 0,152946). Para o time preferido, a resposta na condição correspondente (454ms) foi mais rápida (p < 0,001) do que na condição não-correspondente (493ms), ou seja, ocorreu um efeito Simon de 39ms. O mesmo aconteceu com o time rival, sendo a resposta, na condição correspondente, (472 ms) mais rápida (p < 0,001) do que na não-correspondente (498 ms), resultando num efeito Simon de 26ms. Além disso, na condição correspondente, existiu uma diferença significativa de 18ms (p < 0,002) entre a resposta ao time preferido (454ms) e a resposta ao time rival (472ms). Tal diferença não ocorreu na condição não-correspondente, onde os TRM foram 493 e 498ms para os times preferido e rival, respectivamente, p > 0,99). Esses resultados indicam que a diferença entre os efeitos Simon para o time preferido (39ms) e para o time rival (26ms) se dá por uma facilitação da resposta correspondente (Figura 2).

As percentagens de erros foram submetidas a uma ANOVA com um fator intergrupo: Mapeamento (Congruente e Incongruente) e; dois fatores intragrupos: Preferência (time preferido e rival) e Correspondência (condições correspondentes e não-correspondentes). Nenhum fator ou interação teve efeito significativo sobre a percentagem de erros (p > 0,05). A percentagem de erros nas condições correspondente e não-correspondente foram de 3,0% e 3,4%, sendo essas porcentagens para o time preferido, 2,71 % e 3,64% e; para o time rival, 3,21 e 3,07%, respectivamente.

 

Discussão

O objetivo deste trabalho foi investigar se as valências afetivas relacionadas com a Preferência por times de futebol influenciam o efeito Simon. Ou seja, investigar se a polaridade emocional devida à Preferência por times de futebol interage com a polaridade espacial resultante da Correspondência entre o lado do estímulo e o lado da resposta, resultando num efeito Simon maior para o estímulo positivo do que para o negativo.

Através do emprego de figuras de jogadores representando os times preferido e rival foi encontrado que a resposta na condição correspondente (463ms) é mais rápida do que na condição não-correspondente (495ms), ou seja, ocorre um efeito Simon de 32ms. Além disso, foi encontrado que a amplitude do efeito Simon varia com a valência afetiva do estímulo. O efeito Simon é maior para o time preferido (valência positiva - 39ms) do que para o time Rival (valência negativa - 26ms). A influência da valência ocorre na condição correspondente na qual a resposta ao time preferido (454ms) é 18ms mais rápida do que na resposta ao time Rival (472ms). Essa diferença entre as respostas ao time preferido e ao time rival não foi significativa na condição não-correspondente (493 e 498ms, respectivamente). Esses resultados indicam que a diferença entre os efeitos Simon para o time preferido (39ms) e para o time rival (26ms) se dá por uma facilitação da resposta correspondente.

Esses resultados confirmam a hipótese de trabalho de que a polaridade emocional interage com a polaridade espacial, resultando num efeito Simon maior para o estímulo positivo do que para o negativo, tal como ocorreu com as faces expressando alegria e tristeza nos trabalhos de Schlaghecken et al. (2017) e de Lien et al. (2020).

Schlaghecken et al. (2017) propôs que o efeito Simon maior para a face alegre do que para a face triste seria devido à orientação da atenção para o lado onde aparece o estímulo positivo. Desta forma, além da facilitação decorrente da correspondência entre o lado do estímulo e o lado da resposta, adicionaria-se uma facilitação decorrente da valência positiva do estímulo, tornando a resposta correspondente para a face alegre mais rápida do que a correspondente para a face triste, o que resulta em um efeito Simon maior para a face alegre do que para a face triste. Alternativamente, a valência negativa da face triste poderia inibir a resposta correspondente, reduzindo o efeito Simon para a face triste. Com os dados existentes, não é possível decidir se uma ou ambas alternativas estão corretas, seja para os experimentos empregando faces esquemáticas, seja para o presente experimento.

Os resultados do presente trabalho contribuem para esclarecer os processos envolvidos com o efeito Mapeamento observado, empregando-se Tarefa de Compatibilidade Espacial Afetiva (Affective Spatial Compatibility Task) (Conde et al., 2011; Conde et al., 2014a, 2014b). Esse efeito descrito empregando-se figuras de jogadores dos times Preferido e Rival foram, posteriormente, observados com fotos de Flores e Aranhas (Yamaguchi et al., 2017) e com nomes de candidatos (Preferido e Rival) à Presidência do Brasil (Nascimento et al., 2020).

Segundo a hipótese proposta por Conde et al. (2011), as respostas na condição compatível (estímulo e tecla no mesmo lado) seriam equivalentes a reações de aproximação e as respostas na condição incompatível (estímulo e tecla em lados opostos) a reações de afastamento. Assim, o efeito de compatibilidade (resposta mais rápida com a tecla no mesmo lado do estímulo) ocorreria quando o estímulo relevante provocasse uma emoção positiva e seria reduzido (ou até mesmo invertido) quando o estímulo provocasse uma emoção negativa. Proctor (2013) ponderou que as condições compatível e incompatível para cada time (preferido e rival) ocorriam em blocos diferentes e que a diferença observada resultava de um efeito Mapeamento entre os dois blocos. Para explicar o efeito Mapeamento quando estímulos com valências afetivas opostas foram empregados, uma das alternativas propostas por Proctor (2013) foi a ocorrência de um efeito de Correspondência da Polaridade (Polarity Correspondence) (Proctor & Xiong, 2015). Segundo essa hipótese, o estímulo com valência positiva seria codificado como tendo valor positivo "+" e o estímulo com valência negativa como tendo valor negativo "-". Além disso, a resposta compatível seria codificada como positiva "+" e a incompatível, como negativa "-". Desta forma, no Mapeamento I, teríamos uma correspondência entre as polaridades das valências e das respostas Valência positiva "+", Resposta Compatível "+"/ Valência negativa "-", resposta Incompatível "-", enquanto, no Mapeamento II, as polaridades estariam opostas Valência "+" Resposta "-"/ Valência "-", Resposta "+". A ausência de correspondência entre os códigos da Valência e da Resposta no Mapeamento II geraria um conflito entre a Valência e a Resposta, o qual retardaria a execução da resposta.

Uma evidência contrária à hipótese de Aproximação e Afastamento proposta por Conde et al. (2011) foi encontrada por Yamaguchi et al. (2017), empregando fotos de Flores e Aranhas, numa tarefa de Simon. Neste trabalho, não foi observada uma influência da valência do estímulo sobre o efeito Simon quando a resposta era executada, empregando-se um teclado. Essa influência só foi encontrada quando a latência da resposta era medida, usando-se um joystick para mover um ponto na direção do estímulo positivo e, na posição oposta, a um estímulo negativo. Baseados nesses achados, Yamaguchi et al. (2017) propuseram que, devido ao emprego de um teclado para registrar as respostas, os efeitos observados na Tarefa de Compatibilidade Afetiva (Conde et al., 2011; Conde et al., 2014a, 2014b; Nascimento et al., 2020; Yamaguchi et al. 2017) não poderiam ser atribuídos a reações de Aproximação e Afastamento. Embora, os resultados deste trabalho, bem como dos trabalhos de Schlaghecken et al. (2017) e Lien et al. (2020), não demonstrem diretamente a existência de reações de aproximação e afastamento, eles favorecem a hipótese de que a valência dos estímulos afetivos interage com os efeitos provocados pela correspondência entre os lados do estímulo e da resposta, facilitando as respostas correspondentes ao estímulo com valência positiva. Além disso, o fato de Yamaguchi et al. (2017) encontrarem um efeito mapeamento empregando um teclado indica que a Tarefa de Compatibilidade Espacial afetiva é um método mais sensível e reprodutivo para o estudo da influência da valência afetiva sobre os efeitos de compatibilidade estímulo-resposta do que a tarefa de Simon.

Os resultados desse trabalho, além de demonstrar que as valências positiva e negativa dos times preferido e rival influenciam o efeito Simon, permitem propor uma alternativa para a hipótese formulada por Conde et al. (2014a, 2014b) de que o efeito Mapeamento observado na Tarefa de Compatibilidade Afetiva seja devido a reações de aproximação e afastamento para os times preferido e rival, respectivamente. Ou seja, considerando-se os resultados do presente trabalho com times de futebol e os observados por Schlaghecken et al. (2017) e Lien et al. (2020) com faces esquemáticas, pode-se propor que as valências dos estímulos positivos e negativos provocam facilitações e/ou inibições da resposta executada com a tecla localizada no mesmo lado ou no lado oposto do estímulo.

A interação entre as polaridades emocionais (positiva/negativa) e espaciais dos estímulos e das respostas (correspondente/não-correspondente) pode ser responsável seja pela variação do efeito Simon com a valência do estímulo, seja pelo aparecimento de um efeito mapeamento nas Tarefas de Compatibilidade Espacial Afetiva, o qual foi demonstrado em grupos controle e em um grupo de pacientes diagnosticados com transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH).

Os vínculos afetivos entre torcedores de futebol têm sido usados como modelo antropológico e sociológico para o estudo da cooperação e do antagonismo em grupos humanos (Damatta, 1994). Com o desenvolvimento das técnicas de ressonância magnética funcional (FMRI), foi possível mapear as regiões e os circuitos neurais que estão envolvidos com as rivalidades esportivas (Bortolini et al., 2017, Duarte et al., 2017). Além disso, Conde et al. (2018) utilizaram a Tarefa de Compatibilidade Espacial Afetiva, descrita acima, para investigar a congruência hemisfério-resposta em dois grupos de torcedores que diferiam no nível de fanatismo (Wachelke, Andrade, Tavares, & Neves, 2008). No grupo com baixo nível de fanatismo pelo futebol, encontrou-se o padrão habitual da especialização hemisférica. As respostas para estímulos ocorrendo no hemicampo visual esquerdo (processados pelo hemisfério direito) são mais rápidas do que aquelas para os estímulos ocorrendo no hemicampo visual direito (processados pelo hemisfério esquerdo), e as respostas na condição congruente (resposta ao time preferido com a mão direita e ao rival com a esquerda) eram mais rápidas do que na condição incongruente, na qual as respostas ao time preferido eram comandadas pelo hemisfério direito (mão esquerda) e ao time rival pelo hemisfério esquerdo (mão direita). Essas diferenças de processamento inter-hemisférico não foram evidenciadas no grupo com alto índice de fanatismo, o que sugere existência de diferenças funcionais entre torcedores fanáticos e não fanáticos.

O futebol é uma modalidade de esporte que mobiliza milhões de seguidores, movimenta grandes investimentos financeiros e que, infelizmente, muitas vezes gera episódios de intolerância e violência entre grupos rivais. Desta forma, além das implicações para o desenvolvimento de métodos de estudo da interação entre emoção, cognição e comportamento, os resultados aqui apresentados podem ter aplicações para melhor compreensão dos processos psicológicos e dos mecanismos neurais envolvidos no estabelecimento de cooperação e de antagonismo em grupos de humanos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luiz. G. Gawryszewski
gawryszewski@gmail.com

Recebido em: 05/10/2020
Aceito em: 16/11/2020

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