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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.16 no.2 Juiz de Fora maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.34019/1982-1247.2022.v16.30871 

ARTIGOS

 

Terapias comportamentais e cognitivas: ondas do mesmo mar ou praias diferentes?

 

Behavioral and cognitive therapies: waves from the same sea or different beaches?

 

Terapias conductuales y cognitivas: ¿olas del mismo mar o playas diferentes?

 

 

Mariana Ladeira de AzevedoI; Mariana de Oliveira BortolattoII; Lisiane BizarroIII; Fernanda Machado LopesIV

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: mariana_azevedo@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6499-3270
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: mariana_bortolatto@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3087-780X
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: lisiane.bizarro@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3070-5944
IVUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: femlopes23@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4853-7670

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo teórico tem como objetivo discutir a pertinência da nomenclatura de ondas ou gerações de psicoterapias comportamentais e cognitivas com base no modelo teórico, no objetivo terapêutico e no método clínico de cada uma delas. Inicialmente, apresenta-se uma síntese da proposta de Steven Hayes. Depois, é realizada uma análise crítica com base nas particularidades e especificidades terapêuticas de cada abordagem, discutindo e argumentando se configuram praias diferentes. Por fim, conclui-se que a integração de diferentes abordagens na psicoterapia deve ser uma decisão técnica do psicólogo, considerando as aproximações e os distanciamentos teóricos que cada método possui.

Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental; Terapia cognitiva; Terapia comportamental; Psicologia clínica.


ABSTRACT

This theoretical article discusses the relevance of the waves or generations nomenclature of behavioral and cognitive psychotherapies based on their theoretical model, therapeutic goal, and clinical methods. Initially, a synthesis of Steven Hayes' proposal is presented. Then, a critical analysis based on the therapeutic specificities of each approach is performed, discussing, and arguing whether they configure different "beaches". One concludes that the integration of different approaches in psychotherapy must be a technical decision of the psychologist, who must consider the theoretical framework of each method.

Keywords: Cognitive behavioral therapy; Cognitive therapy; Behavior therapy; Clinical psychology.


RESUMEN

Este trabajo teórico tiene como objetivo discutir la relevancia de la nomenclatura de las ondas o generaciones de psicoterapias conductuales y cognitivas a partir del modelo teórico, del objetivo terapéutico y del método clínico de cada una de ellas. Inicialmente, se presenta una síntesis de la propuesta de Steven Hayes. Luego se realiza un análisis crítico basado en las particularidades y especificidades terapéuticas de cada enfoque, discutiendo y argumentando que configuran diferentes playas. Por último, se concluye que la integración de los diferentes enfoques en la psicoterapia debe ser una decisión técnica del psicólogo, teniendo en cuenta las aproximaciones y los distanciamientos teóricos que tiene cada método.

Palabras clave: Terapia Cognitiva-conductual; Terapia Cognitiva; Terapia Conductual; Psicología Clínica.


 

 

Ao inaugurar, em 2004, a proposta de ondas ou gerações sucessivas de terapias comportamentais e cognitivas, Steven C. Hayes declarou ter baseado essa classificação nos pressupostos, objetivos e métodos predominantes nas terapias que compuseram cada onda (Hayes, 2016). Tais critérios parecem não ter obtido sucesso ao delimitar quais abordagens terapêuticas estão compreendidas em cada uma destas ondas. Exemplo disso é uma revisão sistemática que incluiu 130 publicações sobre a terceira onda e identificou 17 abordagens diferentes classificadas neste grupo (Dimidjian et al., 2016), expandindo para muito além os exemplos citados por Hayes (2016). A mesma dificuldade é notada ao delimitar as terapias que compõem a primeira e a segunda ondas (Barbosa, Terroso, & Argimon, 2014; Lucena-Santos, Pinto-Gouveia, & Oliveira, 2015), uma vez que os critérios de classificação propostos por Hayes também não puderam ser generalizados simultaneamente a todas as abordagens terapêuticas enquadradas na primeira onda - das terapias comportamentais - nem na segunda onda - das terapias cognitivas (Hofmann, Asmundson, & Beck, 2013).

A analogia empregada para denominar essa divisão remete a sentidos controversos: uma "onda" se sobrepõe às demais, apagando-as e; "gerações" se sucedem linearmente no tempo, ligadas por uma estrutura familiar comum (Dimidjian et al., 2016). Esta analogia parece ignorar modelos teóricos e terapêuticos predominantemente bem delimitados em cada abordagem, bem como suas origens epistemológicas distintas e momentos históricos não lineares (por vezes até simultâneos). Diante disso, o objetivo deste trabalho é discutir a pertinência da nomenclatura de ondas ou gerações de psicoterapias comportamentais e cognitivas com base no modelo teórico1, no objetivo terapêutico e no método clínico de cada uma delas.

Na primeira seção, resgata-se a proposta inicial das ondas pela perspectiva de Hayes e de outros autores que confirmaram essa classificação. Também são apresentadas as sucessões desta proposta, que perpassam pelas terapias cognitivo-comportamentais contextuais e pelas terapias baseadas em processos. Na segunda seção, é fornecida uma análise crítica da proposta original, apresentando as particularidades das abordagens terapêuticas integrantes de cada onda para, então, questionar a aplicabilidade e a utilidade das metáforas "ondas" e "gerações". Por fim, sugere-se um caminho para o agrupamento de abordagens psicoterapêuticas diferente de uma classificação estática ou definitiva. Não se pretende esgotar o tema, mas oferecer argumentos críticos que poderão servir de base para o psicólogo decidir, de maneira consciente e autônoma, sobre o uso das terapias de forma integrada, de forma única ou na forma de um conjunto bem delimitado de abordagens congruentes teórica e metodologicamente.

 

As Ondas ou Gerações de Terapias Comportamentais e Cognitivas

O argumento que parece subsidiar a divisão em ondas de terapias comportamentais e cognitivas seria um senso de continuidade e aperfeiçoamento das ondas ou gerações, em que alguns elementos mais pertinentes e duradouros seriam assimilados e incorporado pelas ondas seguintes (Hayes & Hofmann, 2017). Contudo, Hayes (2016) e outros autores (Barbosa et al., 2014; Lucena-Santos et al., 2015) que defendem essa classificação não oferecem um delineamento claro ou satisfatório de bases teóricas e modelos terapêuticos em cada onda. Ao contrário, as ondas são descritas por meio de uma combinação variada de autores, teorias, momentos históricos e/ou métodos clínicos mais ou menos especificados. Uma consequência disso é que o termo genérico terapia comportamental foi utilizado para se referir, de forma abrangente e simultânea, à terapia comportamental, análise do comportamento, terapia cognitivo-comportamental, terapia cognitiva, e terapias de terceira onda, considerando-as como um conjunto de técnicas cujos "métodos focam somente comportamentos, ou a combinação de comportamentos com pensamentos e emoções" (Lucena-Santos et al., 2015, p. 34).

A Primeira Onda ou Geração

A denominação de primeira geração foi dada à terapia comportamental que iniciou no começo do século XX, quando havia contestação e questionamento dos paradigmas mentalistas e subjetivistas prevalecentes na época, e se desenvolveu até a década de 1960. A terapia comportamental utilizava técnicas derivadas do behaviorismo metodológico e do behaviorismo radical, portanto, considerando a relação funcional entre estímulo (S), resposta (R) e consequência, e postulando que esta relação seria passível de observação direta - como é o caso do comportamento (Barbosa et al., 2014; Hayes, 2016). Embasada em princípios de aprendizagem, a onda comportamental focava na modificação do comportamento utilizando técnicas fundamentadas nos princípios de condicionamento clássico e operante, e não mais no entendimento dos medos e desejos inconscientes do cliente (Hayes, 2016; Lucena-Santos et al., 2015). Outro aspecto marcante da primeira onda, segundo Pérez-Álvarez (2012), era a perspectiva contextual, interessando não apenas o comportamento em si, mas a função que o comportamento assume em um determinado contexto.

Posteriormente, Hayes, Villatte, Levin e Hildebrandt (2011) apresentaram a terapia comportamental organizada em duas vertentes com base nos princípios teóricos e na aplicabilidade clínica. Uma era baseada nos princípios associativos da teoria da aprendizagem S-R e a outra era baseada nos princípios de condicionamento operante. A união destas vertentes, na ótica de Hayes, seria a utilização de técnicas específicas e replicáveis, testadas por método experimental bem delineado.

A Segunda Onda ou Geração

Para Hayes (2016), o modelo de aprendizagem associacionista (S-R) postulado na primeira onda teria colapsado, sendo substituído por metáforas computacionais de input (entrada) e output (saída). Segundo o autor, o behaviorismo metodológico teria aberto a possibilidade do surgimento da segunda onda quando John B. Watson2 afirmou ser possível se manter um behaviorista e ainda estudar um fenômeno inferido, desde que tal fenômeno possuísse referências observáveis e mensuráveis.

Mantendo a objetividade da primeira onda, o foco da segunda passou a ser a modificação direta de cognições mal-adaptativas que causam sofrimento emocional. Por meio da combinação de técnicas cognitivas e comportamentais, buscava-se a reestruturação cognitiva, ou seja, a modificação de crenças disfuncionais ou de um processamento de informações defeituoso, a fim de influenciar a emoção e o comportamento (Hayes, 2016; Lucena-Santos et al., 2015).

Hayes considerou a onda cognitiva "difícil de aplicar clinicamente" (Hayes et al., 2011, p. 144), pontuando que as evidências quanto ao funcionamento dos modelos cognitivos eram mais fracas, apesar de mencionar sua enorme influência e expansão nos Estados Unidos e na Europa. Adicionalmente, estratégias que focavam em habilidades como aceitação, mindfulness, metacognição, motivação e temas similares estavam emergindo, preparando as condições para a formação da próxima onda (Hayes et al., 2011; Lucena-Santos et al., 2015).

A Terceira Onda ou Geração

Na visão de Hayes (2016), a terceira onda seria uma reformulação e síntese das anteriores, mantendo o compromisso com os valores empíricos da tradição comportamental e embasadas majoritariamente nos princípios skinnerianos (Lucena-Santos et al., 2015). De forma geral, caracteriza-se por ser uma abordagem empírica, baseada em princípios e contextualista - voltada mais às funções do fenômeno psicológico do que à sua forma. Também é caracterizada por focar na construção de repertórios amplos, flexíveis e efetivos para empoderamento do cliente; por se aplicar tanto ao cliente quanto ao terapeuta, numa relação terapêutica não-hierarquizada e; por lidar com questões e temas provenientes de outras teorias e tradições tão ou menos empíricas (Hayes, 2016; Hayes et al., 2011). Hayes citou diversas terapias integrantes desta fase (detalhadas na próxima seção); porém, não delineou um conjunto fechado.

Em 2011, Hayes e colaboradores publicaram uma revisão integrativa em que parafrasearam o termo "terceira onda", não refutando e nem reafirmando a metáfora, mas propondo um nome mais "descritivo" (Hayes et al., 2011, p. 157), nomeando-as terapias cognitivo-comportamentais contextuais. Os autores também apresentaram uma reclassificação das abordagens nos seguintes grupos: behaviorismo, terapia comportamental, terapia cognitivo-comportamental, terapias baseadas em mindfulness, controle atencional, métodos motivacionais e de ativação comportamental, terapias orientadas a relacionamentos, e abordagens integrativas. Os autores ainda reafirmaram serem válidos os princípios que fundamentaram sua proposta anterior (de ondas ou gerações). Ao final da revisão, esboçaram um modelo de terapia cognitivo-comportamental contextual organizado sob três grupos: "um grupo aborda questões de aceitação, desapego, metacognição, defusão, regulação emocional e similares", "um segundo grupo lida com atenção flexível, atenção ao agora, consciência pura, tomada de perspectiva, teoria da mente e similares" e "um terceiro grupo lida com a motivação para mudar, valores, comprometimento e ativação do comportamento" (Hayes et al., 2011, p. 160).

Mais recentemente, Hayes e Hoffman (2017) resgataram a noção de ondas afirmando que a terceira estava mais focada em processos e procedimentos baseados em evidências do que em protocolos com foco sindrômico - como estariam a primeira e a segunda ondas. Desta forma, sugerem que a terceira onda introduziu uma série de mudanças que aceleraram a transição das terapias baseadas em evidências para o campo das terapias baseadas em processos (TBP), integrando todos os tipos de processos psicossociais e contextuais. Nas TBP, processos e procedimentos são baseados em evidências e são usados para aliviar os problemas e promover a prosperidade das pessoas, considerando pessoa e saúde como um todo, e não por psicopatologia ou pela ausência de doença (Hayes & Hofmann, 2017).

 

Críticas à Proposta de Gerações das Terapias Comportamentais e Cognitivas

A crítica sobre a aplicabilidade da proposta classificatória de Hayes (Hayes, 2016; Hayes et al., 2011) utilizará como argumentos os objetivos, modelo teórico e métodos de cada terapia, evidenciando suas especificidades. Destarte, critica-se preliminarmente a inconveniência de se apresentar teorias e abordagens psicológicas distintas dentro de um mesmo grupo de psicoterapias, como foi proposto por Hayes. Sugere-se ao leitor que a busca por teorias psicológicas, tanto comportamental quanto cognitiva e ou outras, seja feita contemplando suas origens históricas e bases epistemológicas (Schultz & Schultz, 2019).

Na primeira metade do século XX, terapeutas comportamentais aplicavam o conhecimento acerca do condicionamento respondente no ambiente de consultório, especialmente no tratamento da ansiedade, com o uso da dessensibilização sistemática e da extinção do medo condicionado. Por outro lado, analistas do comportamento aplicavam os princípios operantes na modificação do comportamento infantil e em clientes institucionalizados, não-ambulatoriais, enfatizando a manipulação direta de contingências ambientais, prática que ficou conhecida como modificação do comportamento (Hayes et al., 2011; Leonardi, 2017a; Rimm & Master, 1983). A motivação predominante nas linhas comportamentais era definir um objeto de estudo objetivo, acessível, verificável e mensurável - o comportamento - contrapondo os modelos psicológicos denominados de mentalistas e subjetivos (Schultz & Schultz, 2019). A terapia comportamental não tinha necessariamente uma aplicação direta à psicopatologia, mas sim a comportamentos em geral. Por isso, suas aplicações se estendiam também à medicina comportamental para manejo de insônia, enxaqueca, gagueira, disfunções sexuais e transtornos alimentares (Rangé, 2001). Foi a primeira abordagem terapêutica da psicologia baseada em pesquisa científica básica e com estratégias terapêuticas passíveis de serem cientificamente comprovadas como eficazes. A eficácia da psicoterapia passou a ser um problema discutido e estudado apenas a partir do polêmico trabalho de Hans Eysenck, em 1952 (Eysenck, 1994).3

A terapia cognitiva foi o equivalente clínico da revolução cognitiva que ocorreu no campo da psicologia científica, que consistiu na adição de um mediador cognitivo interposto entre estímulos ambientais (input) e respostas comportamentais (output). Esse mediador cognitivo seria organizado em termos de autoesquemas que desempenham um papel estrutural: os autoesquemas forneceriam guia, consistência, coordenação e integração aos estados mentais (Ruggiero, Spada, Caselli, & Sassaroli, 2018). Diferente da terapia comportamental, em que a relação funcional entre o ambiente e o indivíduo era o foco da terapia, na terapia cognitiva uma estrutura cognitiva passa a processar e modificar comportamentos e emoções.

A terapia cognitiva engloba mais de um tipo de terapia. Segundo Knapp e Beck (2008), os três grupos principais são: a) terapias centradas em solução de problemas, b) terapias de habilidade de enfrentamento e; c) terapias de reestruturação cognitiva. O primeiro grupo foi desenvolvido por terapeutas com treinamento comportamental com foco no desenvolvimento de estratégias e técnicas para resolução de problemas concretos e reais, como David Barlow e Marsha Lineham. Também teve forte contribuição de Donald Meichenbaum e sua pesquisa sobre treinamento autoinstrucional. O segundo é representado por Michael Mahoney, que tem sua base no construtivismo e enfatiza a importância do processamento cognitivo e controle cognitivo como mediadores entre estímulo e resposta (Falcone, 2001; Knapp & Beck, 2008). A terceira mais divulgada e aplicada dentre as terapias cognitivas foca na reestruturação cognitiva e é representada por Aaron Beck e Albert Ellis, intituladas terapia cognitiva e terapia racional emotivo-comportamental (TREC), respectivamente. Ambos advindos da psicanálise e insatisfeitos com as soluções para alguns problemas de seus pacientes, eles propuseram a modificação de pensamentos disfuncionais, desenvolvendo suas terapias baseadas na ideia do protagonismo das cognições e de que o questionamento e a modificação de tais cognições promovem mudanças emocionais e comportamentais (Rangé, Falcone, & Sardinha, 2007).

Beck, autor que cunhou o termo terapia cognitiva, apresentou um modelo cognitivo que pressupõe que os comportamentos são gerenciados por sistemas de crenças e pensamentos automáticos, decorrentes da capacidade individual de representar o mundo internamente, denominados esquemas, que servem como filtros pelos quais a pessoa processa as experiências atuais. No tratamento, a cognição pode ser acessada por meio dos registros sistemáticos de pensamentos e dos comportamentos e emoções associados a eles, da avaliação e da modificação daqueles considerados disfuncionais, chegando às regras e aos esquemas centrais do processamento de informação em cada pessoa. Assim, é possível identificar e modificar estes conteúdos mais profundos a partir do entendimento de que as crenças podem ser aprendidas. Portanto, as crenças disfuncionais podem ser substituídas por outras mais flexíveis e funcionais dentro do contexto biopsicossociocultural de cada pessoa (Beck, 2013; Falcone, 2001; Knapp & Beck, 2008). A partir disso, em um formato estruturado, breve, focado no presente e voltado à solução de problemas, a terapia cognitiva utiliza técnicas cognitivas e comportamentais como ferramentas para promover a reestruturação cognitiva e a mudança comportamental (Beck, 2013).

A terapia cognitiva de Beck se mostrou eficaz no tratamento da depressão, um grande avanço para o tratamento deste transtorno mental. Beck é psiquiatra e a demonstração de efetividade da psicoterapia fez com que sua proposta metodológica convergisse com o modelo da psiquiatria; estudos de eficácia da combinação de fármacos com a terapia cognitiva popularizaram esta abordagem para além da psicologia. Em meados da década de 1980, já havia número suficiente de pesquisas, o que permitiu uma metanálise na qual 28 estudos foram incluídos, demonstrando superioridade significativa desta abordagem em comparação com medicamentos e outros tratamentos psicológicos (Powell, Abreu, Oliveira, & Sudak, 2008). Na década de 1990, observou-se a aplicação da terapia cognitiva à psicopatologia e muitos manuais passaram a ser organizados em função das diferentes técnicas que seriam eficazes para os diferentes transtornos mentais.

Portanto, considerando pressupostos, objetivo, método e aplicações da terapia cognitiva, é possível observar que diferem bastante daquelas das terapias comportamentais. A ausência de um eixo comum torna difícil a concepção de que uma tenha sido evolução da outra, ou se sobreposto, como ondas de um mesmo mar, quiçá configurando-se como "praias" diferentes. A terapia cognitiva se direciona aos conteúdos e à modificação dos pensamentos relacionados ao sintoma e, ainda que aplique técnicas comportamentais além das cognitivas, a estratégia subjacente é buscar evidências que auxiliem na reestruturação cognitiva (Beck, 2016). Já a terapia comportamental se ocupa dos comportamentos e sintomas manifestos, pois o relato sobre o mundo interior é considerado um indicativo das relações contingenciais das quais o comportamento é função, mas não sua causa (Banaco, 1999).

Embora a terminologia das ondas esteja bastante difundida, parece não haver consenso sobre o uso desta metáfora. A principal crítica se refere às diferenças de aspectos históricos e epistemológicos, o que não permitiria considerar uma sequência de gerações ou uma classificação única (Barbosa et al., 2014). Similarmente, nem todas as formas de terapias cognitivas são idênticas para que sejam classificadas num único grupo - como na segunda onda, como apontam Dimidjian et al. (2016). Conforme a lógica das ondas, a terapia cognitiva de Beck, não sendo fundamentada nos princípios teóricos das terapias comportamentais, seria classificada como a primeira onda ou geração dela mesma. Por sua vez, as terapias comportamentais seriam uma única onda ou geração ao considerarem a cognição e os conteúdos mentais como respostas encobertas que podem ser usadas em psicoterapia, mas não são um antecedente do comportamento aberto (Banaco, 1999).

Outro problema importante se refere ao termo terapia cognitivo-comportamental (TCC). Muitos autores o utilizam como sinônimo de terapia cognitiva (Hayes et al., 2011; Herbert & Forman, 2011; Lucena-Santos et al., 2015; Spiegler & Guevremont, 2010). Outros autores (Knapp & Beck, 2008) defendem que TCC é um termo mais amplo, que inclui a terapia cognitiva de Beck com suas técnicas e estratégias cognitivas, adicionando-se técnicas comportamentais (como a dessensibilização sistemática, por exemplo) despidas da sua fundamentação teórica comportamental para serem, então, utilizadas dentro dos princípios do modelo cognitivo. Ou seja, o termo comportamental reflete o uso de técnicas de modificação do comportamento no cenário da prática clínica e que, em última instância, são recursos para acessar, testar e modificar as cognições. Há ainda aqueles que usam o termo TCC se referindo a uma fusão destas duas abordagens (Barbosa et al., 2014; Hayes & Pistorello, 2015; Thoma, Pilecki, & McKay, 2015). Considerando o exposto sobre as especificidades de cada terapia e as críticas sobre gerações de uma mesma terapia, o que se propõe aqui como alternativa à confusão das nomenclaturas é que se opte por nomear terapia comportamental e terapia cognitiva, evitando-se o termo TCC.

Hayes afirmou, em sua proposta, que a primeira onda comportamental, baseada em princípios de aprendizagem e voltada à modificação dos conteúdos do comportamento, deu lugar à segunda onda cognitiva e comportamental, voltada à modificação direta do conteúdo da cognição, somando conceitos cognitivos à primeira (Hayes et al., 2011; Hayes & Pistorello, 2015), agrupando várias terapias e princípios numa única fase, sucedida por outra. Já ao tratar da terceira onda, referiu-se a ela como um conjunto de terapias que emergiram para abordar problemáticas que as anteriores apresentavam dificuldades em tratar, considerando-as "um passo adiante, baseado nos progressos e nas conquistas passadas" (Hayes & Pistorello, 2015, p. 24). Apesar de agrupá-las em uma onda, nomeou individualmente cada terapia integrante desta geração, apresentando suas especificidades em termos de metodologias clínicas (Hayes et al., 2011).

A terapia de aceitação e compromisso (ACT) foi desenvolvida nos anos 1990 a partir das formulações sobre a teoria das molduras relacionais (RTF), proposta por Hayes e colaboradores. A RTF é baseada no contextualismo funcional que, por sua vez, é considerado uma extensão do behaviorismo radical de Skinner. A ACT incorpora princípios e técnicas relacionadas a mindfulness, aceitação, compromisso e ativação comportamental para promover flexibilidade psicológica, condição relacionada à saúde mental (Hayes et al., 2011; Thoma et al., 2015).

A terapia comportamental dialética (DBT) foi proposta por Linehan no início da década de 1990, influenciada pela terapia cognitiva de Beck e por princípios budistas de mindfulness, sendo inicialmente voltada para o tratamento do transtorno de personalidade borderline. Sua base filosófica é a dialética, com especial ênfase na dialética entre aceitação e mudança como forma de regulação emocional (Hayes et al., 2011; Hofmann, Sawyer, & Fang, 2010).

A terapia metacognitiva (MCT) de Adrian Wells, divulgada ao longo dos anos 2000, tem como objetivo reduzir a síndrome cognitiva atencional (CAS), caracterizada por um padrão de pensamento ruminativo e negativo que ocasiona a maioria dos transtornos psicológicos (Hayes et al., 2011). O foco do tratamento, então, é a relação da pessoa com os conteúdos do pensamento (metacognição), e não o conteúdo do pensamento em si, como a terapia cognitiva clássica postula. Para isso, usa técnicas de treino de atenção e mindfulness desapegado, ou atenção desapegada, e reorientação atencional situacional. Embora não considere produtivo suprimir pensamentos, pressupõe benéfico controlar a CAS (Wells, 2008). Wells declarou não concordar que a MCT seja parte da terceira onda e criticou que o termo, além de não oferecer nenhuma informação, não diferencia os tratamentos que fazem parte desse movimento (Caselli, 2012).

A ativação comportamental é baseada em aprimoramentos do entendimento behaviorista sobre a depressão propostos por Charles Ferster, Peter Lewinsohn e outros colaboradores autores década de 1970. Desde então, foi desenvolvida pela contribuição de diversos autores, dentre eles Christopher Martell, Michael Addis e Derek Hopko, definindo estratégias para aumento progressivo da frequência e da duração de atividades agradáveis visando influenciar o humor do cliente como forma de lidar com a depressão (Hayes et al., 2011; Kahl, Winter, & Schweiger, 2012).

Considerando modelo teórico, métodos e objetivos da ACT, DBT, MCT e ativação comportamental, pondera-se que há particularidades em cada um destes modelos terapêuticos, sendo precipitado agrupá-los por semelhança - ainda que ACT e ativação comportamental compartilhem as origens nos pressupostos behavioristas. Judith Beck (2013) mencionou que a DBT, a ACT e a ativação comportamental, juntamente de outras abordagens, são "formas de terapia cognitivo-comportamental da terapia de Aaron Beck, mas cujas conceitualizações e ênfases no tratamento variam até certo ponto" (p. 22). De forma similar, Hofmann, Sawyer e Fang (2010) consideram que a "nova onda" não seria verdadeiramente "nova" - assim como os fundadores da DBT e da terapia metacognitiva não se consideram parte de um novo movimento - mas são intervenções firmemente calcadas sobre a abordagem tradicional da terapia cognitiva.

A entrevista motivacional (EM), apresentada na década de 1980 por William Miller, é considerada um método psicoterapêutico relativamente breve e específico, originalmente voltado para o manejo do uso de substâncias, mas também aplicável a comportamentos mal-adaptativos ou à promoção de mudança adaptativa do comportamento em saúde (Miller & Rose, 2009). Embora não tenha sido enquadrada especificamente na classificação das ondas, Hayes et al. (2011) a citaram como uma terapia contextual pertencente a um subgrupo juntamente à ativação comportamental. Em sua origem, Miller e Rose (2009) estabeleceram ligação entre a EM e a teoria da dissonância cognitiva, de Leon Festinger; teoria da autopercepção, de Daryl Bem e; a teoria das condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica de personalidade, de Carl Rogers. Desta forma, não está claro o benefício clínico em agrupar a EM no conjunto de terapias contextuais, ou agrupá-la junto à ativação comportamental, considerando suas origens clínicas e fundamentação teórica particulares. Não há impedimento para a integração psicoterapêutica delas, conforme a conceitualização de caso e, para isso, tampouco é necessário que sejam classificadas num mesmo grupo.

A psicoterapia analítico funcional (FAP), proposta por Robert Kohlenberg e Mavis Tsai no final da década de 1987, também possui seus fundamentos no contextualismo funcional do behaviorismo radical e na análise do comportamento (Hayes et al., 2011; Pérez-Álvarez, 2012). Para a FAP, a sessão terapêutica se torna um contexto interpessoal funcionalmente equivalente ao ambiente do cliente fora da terapia, possibilitando a modificação de comportamento através da interação cliente-terapeuta.

A terapia comportamental integrativa de casais (IBCT), de Neil Jacobson e Andrew Christensen, foi apresentada na década de 1990 a partir da terapia de casal comportamental tradicional, buscando suprir algumas limitações desta. É baseada em princípios skinnerianos de distinção entre comportamento governado por regras e por contingências. Usa princípios de aceitação - dos próprios processos psicológicos e do parceiro - para melhorar a satisfação com o relacionamento e minimizar a resistência a mudanças (Hayes et al., 2011; Pérez-Álvarez, 2012). IBCT e FAP compartilham origens behavioristas, mas se diferenciam quanto ao objetivo e ao método terapêutico. Mesmo no conjunto da terceira onda, suas especificidades em relação às demais terapias ainda tornam difícil uma classificação unânime (Barbosa et al., 2014).

O sistema de psicoterapia de análise cognitivo-comportamental (CBASP), de James McCullough, tem sua produção mais representativa publicada nos anos 2000. Norcross, Beutler e Goldfried (2019) o referem como um exemplo de terapia integrativa para depressão crônica, pois expande o modelo da terapia cognitivo-comportamental usando conceitualizações e intervenções interpessoais. Pressupondo que a depressão é originada por uma falha nos comportamentos interpessoais devido a défices no pensamento operacional, possui evidências escassas e controversas devido a questões metodológicas (Kahl et al., 2012). Foi apresentado por Hayes no artigo original sobre as ondas (2016), mas suprimido na reclassificação das terapias contextuais (Hayes et al., 2011).

Os programas baseados em mindfulness, enquanto integrantes da terceira onda, ora foram apresentados como um conjunto (programas no plural), ora como intervenção individualizada (um programa ou protocolo específico) (Hayes et al., 2011). Cabe pontuar a difusão recente da diferenciação entre modelos psicoterapêuticos inspirados ou fundamentados em princípios mindfulness, e intervenções de mindfulness manualizadas e sistematizadas, que não constituem modelos terapêuticos, sendo consideradas tratamentos complementares (Crane et al., 2017; Germer, 2016). Desta forma, Crane et al.(2017) sugerem que ACT e DBT, por exemplo, estão no primeiro caso: são programas ou psicoterapias informadas em mindfulness. Estes consistem em modelos psicoterapêuticos cujos referenciais teóricos possuem influências conceituais e práticas de mindfulness e podem - mas, não necessariamente - ensinar as técnicas baseadas em mindfulness aos clientes como parte do processo terapêutico. No segundo caso, estão os programas baseados em mindfulness, que são programas de treinamento sistemáticos que visam ensinar aos clientes as práticas baseadas em mindfulness, mas não constituem um modelo psicoterapêutico completo. Também são intervenções baseadas em evidências, subsidiadas por práticas e teorias das tradições contemplativas (como o Budismo), da neurociência cognitiva, da psicologia, da medicina e da educação (Crane et al., 2017).

A terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT) é um destes programas de treinamento em grupo, específico e manualizado, desenvolvido por Segal, Williams e Teasdale (2013) como uma abordagem para prevenção de recaída em depressão. O MBCT derivou diretamente da combinação entre os princípios e as ferramentas da terapia cognitiva de Albert Ellis e Aaron Beck, com a estrutura do programa Redução do Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR) de Jon Kabat-Zinn e que, por sua vez, tem origens filosóficas no Budismo. Portanto, o MBCT apresenta estrutura semelhante ao MBSR, mas este último é considerado um programa aplicado a vulnerabilidades gerais, estando mais associado com a pesquisa para ansiedade e dor crônica (Crane et al., 2017). Existem, também, outros programas derivados do MBSR, aplicados a condições específicas, como prevenção de recaída em uso de substâncias ou compulsão alimentar (Kabat-Zinn, 2011). Embora pertençam todos a um grande grupo dos referidos programas baseados em mindfulness, talvez sua classificação na terceira onda seja equivocada por não serem modelos terapêuticos completos, ou porque seu grupamento não evidencia as especificidades e aplicabilidades terapêuticas de cada programa.

Esta breve revisão das terapias pertencentes à proposta evolutiva de Hayes possivelmente expôs as particularidades de cada uma quanto a modelo teórico e objetivos. Agrupadas em cada onda, por mais que algumas possuam similaridades quanto às teorias subjacentes ou princípios, não há elementos unanimemente compartilhados entre elas. Pode-se, sim, considerar que as terapias da primeira à terceira onda são abordagens baseadas em evidências; mas o elemento comum não vai muito além disso. Adicionalmente, ao reconsiderar a terceira onda como terapias contextuais, um dos argumentos de Hayes e Hofmann (2017) é o de que tais terapias teriam em comum uma visão integrada de saúde, em contraste com uma visão sindrômica focada na patologia. Contudo, esse argumento ignora que várias das terapias apresentadas neste grupo foram propostas, ainda que inicialmente, para transtornos e síndromes específicas, como a DBT, a CBASP, o MBCT e outros programas baseados em mindfulness, citando apenas alguns exemplos.

Ao citar que a "terapia comportamental pode ser grosseiramente classificada em três ondas ou gerações" (Hayes, 2016, p. 870), Hayes admitiu que a metáfora era imprecisa - mas, ainda assim, insistiu na apresentação da referida divisão. A mente humana está em constante processo de conceituação, categorização e classificação da experiência e dos objetos para organizar a interação com o meio (Sternberg & Sternberg, 2016). Conforme conceito de Piaget, a aprendizagem acontece por assimilação (associação do novo conteúdo com experiências anteriores para melhor compreendê-lo) e acomodação (transformação do organismo ao apropriar-se do novo conceito) (Viotto Filho, Ponce, & Almeida, 2009). Portanto, é compreensível que a classificação em três ondas, feita a partir de métodos e modelos teóricos tão complexos e singulares, tenha sido rapidamente absorvida e difundida, mesmo sendo reducionista. Porém, as metáforas de Hayes acabaram suscitando a ideia de que a primeira onda foi ultrapassada pela segunda, e essa pela terceira quando, na verdade, todas continuam sendo aplicadas atualmente na clínica, e não há comprovações robustas ou consenso sobre superioridade em termos de eficácia e efetividade de uma sobre a outra (Dimidjian et al., 2016; Guilhardi, 2012).

Hayes e Hofmann (2017) posteriormente defenderam que a proposta de ondas não tinha a intenção de que uma onda nova "lavasse" as ondas anteriores. Seu argumento foi de que a onda passada deixa para trás uma praia modificada. Ainda assim, a ideia de que uma onda passada é incorporada pelas novas ondas não soluciona de todo a controvérsia da metáfora, apenas transfere o entendimento de que: a) as terapias cognitivas e comportamentais são coisas passadas e; que b) todas as ondas integram os mesmos pressupostos e técnicas, ainda ignorando as especificidades teóricas e metodológicas de cada terapia. As terapias "passadas" ainda seguem atuais, sendo pesquisadas e utilizadas (Guilhardi, 2012; Hofmann et al., 2013). Além disso, Guilhardi (2012) acrescenta que muitos terapeutas trabalham na perspectiva da terapia comportamental clássica ou da terapia cognitiva Beckiana, sem passar ou até conhecer as outras ondas. Outros autores ainda criticam a terceira onda argumentando que ela considera especificamente a ACT (Herbert & Forman, 2013; Hofmann & Asmundson, 2008) e, portanto, não deveria ter sido generalizada a todas as abordagens citadas por Hayes (2016) nesta classe.

Pérez-Álvarez (2012) considerou que a metáfora de Hayes, além de audaciosa por indicar "novidades" em relação às terapias previamente estabelecidas, é arriscada por indicar que novas ondas seguirão à terceira, inaugurando uma quarta geração, ou uma onda de terapias definitivas (ultimate), ou uma terapia new wave. Para o autor, o desafio das terapias de terceira geração, além de provarem a distinção em relação à terapia cognitiva, por exemplo, deriva do seu próprio sucesso: há risco de que se tornem "moda". O modismo pode gerar adesão e aplicação por parte de profissionais sem preparo ou treinamento devido, além do risco do "fetichismo por técnicas" quando, em essência, a relevância destas abordagens recai mais nos princípios teóricos, filosóficos e práticos do que em técnicas isoladas (Pérez-Álvarez, 2012).

Também é pertinente pontuar que a visão integrativa de saúde, referida anteriormente por Hayes e Hofmann (2017) - um estado completo de bem-estar físico, mental, social e espiritual, e não meramente a ausência de doença - é uma definição apresentada no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 1946) e que não sofreu alterações desde 1948. Portanto, esta visão integrativa de saúde data desde antes da nomeada segunda onda das terapias comportamentais (adotando-se a cronologia de Hayes). Afirmar que a terceira onda por si - que abarca uma pequena parcela de todos os procedimentos em saúde, à parte das denominadas terapias tradicionais, integrativas e complementares, além de outras tantas não listadas nesta classe - tenha acelerado tal tendência mundial, como referiu o autor (Hayes & Hofmann, 2017), parece rudimentar. De fato, é necessário considerar os contextos - histórico, social e cultural.

 

Considerações Finais

Segundo Cordioli (2008), um modelo psicoterápico consolidado deve ter como base uma teoria que ofereça uma compreensão sobre a origem e a manutenção do problema coerente com suas estratégias de tratamento; deve ter objetivos claros e específicos; deve oferecer evidências empíricas de efetividade do tratamento com resultados mantidos a longo prazo e; deve apresentar uma relação custo/efetividade favorável na comparação com outras alternativas de tratamento. Tais critérios são cumpridos pelas terapias comportamentais, cognitivas e processuais/contextuais, cada qual com seus objetivos, modelo teórico e métodos, que possuem em comum a preocupação em avaliar os efeitos de suas intervenções. Contudo, como a mudança no comportamento, a melhora dos sintomas e o alcance das metas de terapia são obtidos a partir de estratégias e modelos distintos, mesmo que às vezes compartilhem de técnicas específicas, o termo "ondas" não se apresenta adequado, pois parecem configurar "praias" diferentes.

Conforme discutido neste artigo, a classificação das terapias comportamentais e cognitivas em gerações ou ondas parece não agregar qualidade à prática clínica. Embora existam diversos tipos de psicoterapias, nenhum modelo até o momento parece suficiente sozinho para explicar e abarcar por completo a complexidade do ser humano. Caso contrário, não teríamos a atual variedade de abordagens em atuação e todos os psicoterapeutas adotariam a única com evidências absolutas de eficácia e efetividade. Os princípios da psicoterapia baseada em evidências orientam que a tomada da decisão clínica deve integrar a melhor evidência disponível de pesquisa, a expertise do terapeuta considerando sua identificação com determinada abordagem, e as características do paciente para fundamentar a intervenção em determinado caso, considerando o contexto no qual o cuidado vai ser ofertado (Leonardi, 2017b; Melnik, Souza, & Carvalho, 2014). Esta premissa sugere que determinada abordagem pode apresentar melhores resultados para problemas psicológicos específicos e, assim, cada terapia terá sua aplicabilidade individualmente ou em conjunto com outras.

Em relação à prática clínica, geralmente o terapeuta se identifica com determinado modelo teórico e busca formação e aperfeiçoamento no desenvolvimento de suas habilidades conforme esta abordagem, tornando-se especialista. Uma implicação disso, na psicoterapia baseada em evidências, é ter um profissional treinado na condução de determinado caso, elevando as chances de sucesso no tratamento. Em contrapartida, é fazer o encaminhamento de pacientes para colegas quando reconhecer que as evidências disponíveis mostram baixos índices de sucesso da aplicação de sua abordagem neste caso específico. Ambas as situações revelam a conduta ética do psicólogo ao priorizar o maior benefício ao paciente.

Por outro lado, há de se considerar também as formas de ecletismo, ou integração psicoterapêutica, que propõem coordenar abordagens de duas ou mais escolas com o objetivo de aproveitar as diferenças nas perspectivas de forma complementar, visando superar os limites de cada uma e aumentar aplicabilidade, eficácia, eficiência e efetividade do tratamento - para mais detalhes, ver os quatro tipos de integração propostos por Norcross, Beutler e Goldfried (2019). Mas, para que não se torne sincretismo (mistura arbitrária e assistemática), cabe ao profissional considerar elementos-chave de integração, tais como o histórico e características do cliente, os processos interpessoais predominantes, a relação terapêutica e as especificidades dos modelos teóricos. Com base nessas argumentações, espera-se contribuir para que psicólogos clínicos decidam se desejam aplicar sua terapia de escolha (a "onda" da sua "praia") de forma única ou integrada, mas ciente da distinção dos aspectos teóricos, técnicos e metodológicos de cada uma delas.

 

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Endereço para correspondência:
Mariana Ladeira de Azevedo
mariana_azevedo@hotmail.com

Recebido em: 07/06/2020
Aceito em: 19/08/2020

 

 

1 Segundo o Dicionário de Psicologia da American Psychological Association (VandenBos & American Psychological Association [APA], 2015), "modelo" se refere a uma representação teórica ou de outros tipos acerca de um conceito ou de processos básicos, usado para vários fins investigativos e demonstrativos.
2 Sobre origem histórica e problematização conceitual acerca da caracterização de John B. Watson como behaviorista metodológico, ver Strapasson (2012) e Strapasson e Freitas Araujo (2020).
3 Em 1952, analisando relatos de pacientes de psicoterapia, Eysenck reportou falta de evidências que sustentem a hipótese de que a psicoterapia contribuiria para a recuperação do distúrbio neurótico. Segundo o autor, outros estudos também não conseguiram verificar a maior eficácia de várias formas psicoterapias em relação à remissão espontânea dos sintomas ou ao tratamento placebo (Eysenck, 1994, p. 477).

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