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Revista Estudos Lacanianos

versão impressa ISSN 1983-0769

Rev. Estud. Lacan. vol.3 no.4 Belo Horizonte  2010

 

ARTIGOS

 

No Limite do tempo1

 

In the Limit of time

 

 

Isabel Collier do Rego Barros*

Espaço Psi Infantil

 

 


RESUMO

Este trabalho pretende analisar três visões diferentes do tempo, ainda que não opostas. Procurar-se-á descrever a visão mais comum, que é a do tempo cronológico, em contraste a uma primeira subversão deste tempo: o tempo do a posteriori. Para isso, serão utilizados exemplos do cinema (o filme Limite, de Mario Peixoto, lido por meio de alguns conceitos de Gilles Deleuze) e da psicanálise (recorrendo-se ao conceito de fantasia e ao Nachträglichkeit freudiano). Por fim, será analisada uma terceira visão do tempo, a partir do que Deleuze chamou de cristal do tempo e do ato analítico segundo Lacan.

Palavras-chave: Tempo, a posteriori, Cristal de tempo, Percurso analítico, Ato analítico


ABSTRACT

This work intends to analyze three different visions of time, even if not opposed to one another. It will describe the most common vision, referred to the chronological feature of time, in contrast to a first subversion of this conception: the a posteriori time. In order to do so, the author will provide examples extracted from the cinema (Mario Peixoto’s film, Limit, interpreted with the help of some Deleuzian concepts) and psychoanalysis (using the concept of phantasy and the Freudian Nachträglichkeit). At last, a third vision of time will be analyzed, based on what Gilles Deleuze called crystal of time, as well as on Lacan’s analytical act.

Keywords: Time, a posteriori, Crystal of time, Analytical route, Analytical act


 

 

Para começar esta análise do tempo, podemos opor a uma visão de tempo mais comum, que é o cronológico, uma primeira subversão deste tempo: o tempo do a posteriori. Porém, como o a posteriori ainda mantém certas divisões artificiais no tempo, podemos ainda tentar analisar uma terceira visão, mais livre de suas medidas, por meio do que Deleuze chamou de cristal do tempo e do ato analítico segundo Lacan.

Para isto, nos ajudará a análise de um filme brasileiro não muito popular, mas bastante aclamado pelos pensadores do cinema. Trata-se de Limite, de Mario Peixoto (1931). Um filme mudo em preto e branco, que se passa em um pequeno barco perdido no oceano. Para ele convergem três histórias: um homem e duas mulheres que, sem minuciosas explicações, tiveram suas vidas cruzadas nesse barco solto no mar. A partir do presente do barco, a história de cada um dos personagens é contada através de flashbacks que, no entanto, não oferecem as respostas sobre o destino dos três heróis. O que aparece em primeiro plano no filme não é a suposta sucessão de acontecimentos que levaram aqueles três a se reunirem no espaço limitado do barco, mas as relações das imagens entre si, que dão uma impressão de prisão, de aperto e de asfixia, que envolve o espectador durante todo o filme, graças à técnica do roteiro e da montagem do filme. E essa é sua principal originalidade cinematográfica, pois não se trata de um filme de enredo, mas de um filme de ritmo. As palavras abaixo fizeram parte da apresentação do filme em sessão especial do clube de cinema Chaplin Club, que lançou Limite:

Ritmos. Ritmos de todas as espécies. O filme é um grande ritmo, de desespero e de angústia, de isolamento e de limite, que mil pequenos ritmos desenvolvem e completam, a cada momento. Toda imagem tem o seu ritmo interior bem nítido e faz parte, pela sua duração, de um ritmo de sequências que constitui, junto aos outros, o ritmo geral do filme. Tudo é ritmo no filme. É o ritmo que, em cada situação, define o limite; é o ritmo que, no filme todo, situa a ideia e limita o sentido de todas as aventuras. É o ritmo que define o limite, é ritmo que define “Limite” (FARIA apud PEREIRA DE MELLO, 1978, p. 14).

É nesse sentido que se pode dizer que Limite libera um tempo próprio, que não obedece às leis da cronologia. E é justamente por isso que servirá para ilustrar alguns dos conceitos que serão estudados ao longo deste trabalho.

 

Do tempo cronológico ao a posteriori

O tempo “cronológico” corresponde a uma unidade quantificável, assegurada pela ligação sucessiva entre suas partes (segundos, minutos, horas etc.). Pensado linearmente, supõe uma divisão determinada entre passado, presente e futuro, no qual um entra em relação com o outro, mas sem serem confundidos. O tempo cronológico é descrito, então, pela progressão de suas medidas. Podemos perceber aqui uma certa submissão do tempo ao movimento, já que é o movimento progressivo que localiza algo no tempo. E esse movimento progressivo progride no espaço, o que confirma a artificialidade do tempo cronológico, uma vez que estaria submetido ao espaço.

Deleuze, em seus livros Cinema 1: A imagem-movimento e Cinema 2: A imagem-tempo, descreve esse tempo cronológico como subordinado a um esquema sensório-motor. O esquema sensório-motor, como o próprio nome já indica, é o campo da percepção-ação. A situação sensório-motora sempre se prolonga de percepção em ação, assim como a ação sempre induz uma reação. Assim, o tempo subordinado ao esquema sensório-motor caracteriza-se justamente por seu pragmatismo, servindo para organizar as percepções, ações e reações. Por sua tendência seletiva e coordenadora, o esquema sensório-motor e, portanto, também o tempo cronológico pressupõem uma divisão delimitada entre passado, presente e futuro. A percepção, por ser causa da ação, está no passado desta e, do mesmo modo, a ação está no futuro da percepção por ser consequência desta. O esquema sensório-motor não vislumbra a possibilidade de uma percepção ser construída a partir da reação a ela, isto é, a posteriori.

Deleuze localiza no recurso cinematográfico do flashback a relação entre a imagem atual e a imagem-lembrança. A imagem atual refere-se ao instante de presente, enquanto a imagem-lembrança, conceito de Bergson, pode ser aproximada ao aspecto de passado que há em cada imagem. O flashback é definido por Deleuze como “um circuito fechado que vai do presente ao passado, depois nos traz de volta ao presente” (DELEUZE, 1985, p. 63). Para que se utilize o flashback, é preciso que não seja possível contar a história no presente, ainda que a narrativa não mostre o passado, pois só o resgata em termos de presente atualizado.

O autor diferencia dois tipos de flashback: um referente ao cinema clássico e outro ao cinema moderno2 . Criticado por Deleuze como um recurso menor, o flashback clássico, ou “linear”, é uma busca no passado das personagens pela explicação causal de um evento do presente e exclui o passado virtual do presente atual, reduzindo o passado a um presente que se foi.

Torna-se claro que este tipo de flashback se baseia na linearidade e na causalidade, como se fosse possível, numa linha progressiva do tempo, determinar que um corte no instante 2 é efeito direto da causa que se encontra no instante 1, anterior a ele. Esta seria sem dúvida uma conclusão arbitrária e artificial, posto que ignoraria todos os possíveis efeitos distintos a partir do instante 1.

Uma segunda visão do tempo permite que pensemos passado, presente e futuro não mais como partes sucessivas de uma mesma linha do tempo em progressão. É o flashback moderno que provoca mudanças na ordem cronológica do tempo e, se quisermos, também no esquema sensório-motor, pois não respeita a sucessão engessada do passado ao presente e permite a anterioridade da ação em relação à percepção. O que vai mostrar sua especificidade é justamente a ruptura com a causalidade linear, isto é, o que se resgata do passado não pode explicar o presente porque este já não é mais o mesmo, uma vez que o movimento se iniciou.

O filme Limite nos ajuda a ilustrar esse tipo de montagem, pois sua narrativa sobre o passado não obedece à cronologia, passeando livremente pelo presente e pelo passado das personagens. Os flashbacks intercalados pelas cenas do barco, são ditados pela temporalidade subjetiva de cada um dos três. O próprio flashback não segue uma ordem cronológica, ele é formado de cenas cuja ordem de sucessão é mais estética do que temporal linear. Por exemplo, no primeiro flashback, que mostra fragmentos da história da Mulher 1, não se organiza propriamente uma cronologia entre as cenas de sua errância na estrada de terra, o trem e a costura.

Enquanto o flashback clássico pode ser visto como um círculo que se fecha, em que o presente ao qual se retorna é o mesmo de onde se partiu, o flashback moderno é aberto, pois sempre que retorna ao presente é um outro presente que se encontra. Os esquemas A e B abaixo ilustram respectivamente, os movimentos linear e retroativo.

 

 

A importância da ruptura com a causalidade linear está justamente na recusa da explicação do enigma que se apresenta no presente inicial, mantendo as possibilidades de transformação que marcam as diferenças do “presente linha” final.

Em Limite, o uso do flashback não está de modo algum subordinado à causalidade. Como foi dito, o filme não trata dos motivos ou das causas que levaram cada personagem a terminar no barco. Os flashbacks que utiliza não respondem ao mistério em torno da situação atual dos personagens. Pelo contrário, sua estrutura fragmentada, com longos primeiro-planos em objetos e pedaços dos corpos das personagens, acaba por tornar uma compreensão linear do filme ainda mais impossível.

Se o flashback é sempre imposto por algo externo a ele, pela impossibilidade de se contar a história no presente, e se o que impunha o flashback linear era justamente a necessidade de explicar o enigma apresentado inicialmente, como pensar essa imposição fora do registro da causalidade? Deleuze explica que são justamente os pontos de bifurcação do tempo que dão aoflashback necessidade, e às imagens-lembrança autenticidade. Esses pontos estão no início do circuito presente-passado-presente, mas não estão dados desde o início, já que estão fora da linearidade. Eles só podem se revelar posteriormente, é uma história que só pode ser contada no passado, por meio do flashback.

Usando Limite mais uma vez, podemos afirmar que o filme é todo organizado a partir desses pontos de bifurcação, representados pelos longos planos em árvores retorcidas, portas, janelas, telhados e, principalmente, as sequências do barco pairando no mar, o grande ponto de bifurcação do filme, que exploraremos mais adiante. São nesses pontos que o roteiro “escolhe” o caminho a ser seguido, voltar ao passado, ao passado do passado ou ao presente. E quando acompanhamos esses meandros do roteiro, torna-se claro que, ao voltar do flashback para a atualidade dos personagens no barco, este presente já não é mais o mesmo. O primeiro plano do barco, logo no início do filme, mostra três pessoas, mas não se sabe nada sobre elas e, consequentemente, não se pode saber o que estão fazendo lá e nem qual será seu futuro. Na verdade, nessa primeira cena, ainda esperamos essas respostas, que não virão de forma organizada. Quando voltamos ao barco após o primeiro flashback, que diz respeito à Mulher 1, já fomos tomados pela monotonia da costureira, pelo desespero que a leva a andar sem rumo e o barco já se cristaliza um pouco mais como um limite, uma situação sem saída. E assim acontece a cada vez que voltamos a ele após uma sequência em flashback de algum personagem. Parece-nos que o barco vai ficando cada vez menor e mais perdido no mar.

É nesse sentido que os pontos de bifurcação, as viradas do filme do presente para o passado e de volta a um novo presente, vão se delineando aos poucos, pois só quando voltamos ao presente diferente é que percebemos o caminho que foi feito.

Não há dúvidas de que a imagem-lembrança, pensada como presente último que surge como diferente do presente que inicia o circuito, libera um sentido do tempo muito mais vasto do que a cronologia. E muito mais interessante também, visto que é justamente essa não identidade entre o presente que inicia o circuito e o presente ao qual se chega que permite que haja diferença. Porém, o fluxo que ainda mantém as coordenadas passado-presente-futuro é justamente a brecha por onde o esquema sensório-motor retomará seu curso temporariamente interrompido. Por isso há ainda uma ruptura da espacialidade do tempo ainda mais radical, que veremos mais adiante.

 

O a posteriori da psicanálise

Quanto à psicanálise, Freud percebe rapidamente em sua clínica que não se pode explicar a complexidade de uma neurose por um determinismo sensório-motor, por exemplo, criando uma causalidade linear entre trauma e sintoma. É nesse ponto que ele inclui a fantasia na etiologia das neuroses. A fantasia, tal como Lacan a define a partir de Freud, é a maneira como o sujeito vai se ligar aos objetos, isto é, ao mundo, através da construção de uma resposta possível. Nesse sentido, a fantasia é algo que funda o sujeito, criando um certo enquadramento para sua maneira de lidar com o que se apresenta a ele. A função da fantasia é, segundo Lacan, “manifestar uma relação essencial do sujeito com o significante” (LACAN, 1958, p. 252).

Fazendo uma relação com a teoria de Deleuze, podemos aproximar, grosso modo, a fantasia da imagem-lembrança. Esta última é justamente o aspecto de passado que há em cada imagem. Porém, como vimos, esse aspecto de passado se forma retroativamente, partindo de um presente para chegar a um “presente linha”, diferente do primeiro. Analogamente, a “construção de uma resposta possível” operada pela fantasia se dá por uma reconstrução inconsciente do passado que modifica o presente. A narrativa do sujeito em análise sobre sua própria história parte de sua queixa atual para construir um presente novo, em que haja espaço para a diferença.

Alguma coisa falta quando se busca corresponder o sintoma atual ao evento passado. Apesar de ser uma narrativa da realidade para o sujeito, a fantasia não corresponde ao sistema sensório-motor, uma vez que não é uma narrativa linear que separa o presente do passado e do futuro. A ideia da fantasia permite que os tempos se misturem, dado que ela se constrói a partir de um emaranhado de eventos, sensações, afetos e expectativas:

O que lhe parece [a Freud] essencial são os avatares dessa fantasia, suas transformações, seus antecedentes, sua história, suas subjacências, aos quais a investigação analítica lhe dá acesso. A fantasia, de fato, passa por um certo número de estados sucessivos, durante os quais podemos constatar que alguma coisa se modifica e alguma coisa permanece constante (Ibid., p. 245).

Enfim, as lembranças não são um resgate de fatos que aconteceram em um passado finito, uma vez que são enquadradas pela fantasia. São, na verdade, construções no presente que elaboram o passado e vão ter função no futuro. Essa é a função do a posteriori na psicanálise.

O termo a posteriori é a tradução corrente no português para o termo alemão Nachträglichkeit, que também pode ser encontrado na obra de Freud traduzido como “ação deferida”, “ação retardada” ou “efeito retardado”. Do mesmo modo, o adjetivo nachträglich significa “posteriormente” ou a posteriori. O mérito de haver chamado atenção para a importância desse termo é de Jacques Lacan, pois as traduções da obra de Freud, por não utilizarem um equivalente único para Nachträglichkeit, impedem que seja percebida sua tão frequente utilização. Sempre dando uma atenção especial para o tema do tempo ao longo de seu ensino, Lacan formula o conceito de après-coup freudiano – a tradução de Nachträglichkeit para o francês – como o futuro anterior, o “terá sido”:

O sintoma se nos apresenta inicialmente como um traço, que nunca será mais do que um traço, e que ficará sempre incompreendido até que a análise tenha ido suficientemente longe, e que tenhamos compreendido o seu sentido. Também se pode dizer que, assim como a Verdrängnung, não é nunca senão uma Nachdrängnung, o que vemos sob a volta do recalcado é o sinal apagado de algo que só terá o seu valor no futuro, pela sua realização simbólica, a sua integração na história do sujeito. Literalmente, nunca será mais do que uma coisa que, num dado momento de realização, terá sido (LACAN, 1954, p. 186).

Os usos do termo alemão podem denotar tanto uma manifestação que ocorre mais tarde quanto um acréscimo posterior que se faz a algo passado (HANNS, 1996, p. 80). De qualquer forma, o termo a posteriori sempre aponta para um trabalho de elaboração, que depende de algo do presente que se relaciona com o conteúdo mnêmico.

Em português, o termo a posteriori pode trazer a ideia de que há uma distância temporal entre o evento passado e o presente, isto é, que o sujeito atual resgata algo do passado. Porém, o termo alemão nachträglich preserva uma conexão entre o agora e o momento de então, mantendo ambos interligados. Assim, há as ideias de retorno ao evento, de permanência do evento e de um contínuo processo de elaboração.

Nesse sentido de conexão entre passado, presente e futuro, a utilização por Freud do termo a posteriori mostra que o tempo da psicanálise não é o tempo cronológico dos flashbacks lineares criticados por Deleuze. Pode-se dizer que o passado não é resgatado a partir do presente, ele é construído no presente. E essa construção de um passado atualizado, por sua vez, modifica a própria atualidade.

As construções em análise também se dariam como o esquema B anterior. Não vêm propriamente para explicar um sintoma atual, mas para transformá-lo por meio da elaboração. Justamente por formar um circuito aberto, o tempo a posteriori é útil à psicanálise. A própria lógica da psicanálise prevê uma subversão do tempo cronológico, uma vez que o Inconsciente, conceito que a rege, é pensado no tempo verbal “terá sido”. A partir do movimento retroativo de construção de um passado que sirva ao futuro, abre-se espaço para as mudanças subjetivas, para uma nova relação com o sintoma. E é disso que se trata na análise.

 

Para além do a posteriori: cristal de tempo e ato analítico

Se entre o presente e o passado não há relação simples de causa e efeito, nem uma sucessão fixa, pré-determinada, o passado não é necessariamente prévio ao presente; tampouco podemos dizer que ele lhe é posterior. Na ausência da causalidade, o circuito – uma vez que é aberto – pode começar de qualquer ponto. Se o flashback no cinema é um recurso que forma um circuito que vai do presente ao passado e volta ao presente, podemos dizer que esse circuito é formado de presente e passado correspondentes, isto é, “a própria imagem atual tem uma imagem virtual que a ela corresponde, como um duplo ou um reflexo” (DELEUZE, 1985, p. 87).

Deleuze nos ensina que se procuramos o menor circuito, encontramos uma base estreita, uma ponta extrema em que presente e passado coexistem, quer dizer, há uma “coalescência” entre eles, como diz Deleuze. O famoso gráfico de Bergson em Matéria e Memória, reproduzido e comentado por Deleuze em Imagem-Tempo, nos ajuda a visualizar esse ponto de coalescência:

 

 

Dado o cone acima, os circuitos entre o presente e o passado AB, A’B’ etc., mais ou menos amplos, remetem a um único ponto S. Porém, como podemos supor a partir do que foi dito acima, o ponto S – o atual presente – já compreende o passado deste presente. Por isso, S forma um pequeno circuito entre um presente e seu próprio passado. A coalescência entre o presente S e seu próprio passado, também incluído em S, constitui um ponto de indiscernibilidade entre o atual e o virtual, formando uma imagem bifacial. Essa imagem bifacial é formada por dois polos distintos, porém indiscerníveis; o que há, na verdade, é uma reversibilidade, no qual cada polo pode tomar o papel do outro reciprocamente.

Assim se define a imagem-cristal segundo Deleuze: como o ponto de indiscernibilidade entre as imagens atual e virtual, o ponto S do cone de Bergson.

Reparemos que essa terceira visão de tempo, o tempo do cristal, que se diferencia do tempo cronológico e do tempo retroativo (a posteriori), revela não só uma novidade no uso que se pode fazer do tempo, mas uma subversão da própria ideia de tempo. Na verdade, a imagem-cristal é o pressuposto básico dos dois outros usos do tempo.

Partamos agora para outro ponto. Se cada instante de indiscernibilidade oferece esses dois aspectos – o atual e o virtual –, ele pode ser comparável a um ponto de bifurcação, que se divide a cada instante em presente e passado, por um lado percepção, por outro, lembrança. Os flashbacks, lineares ou não, se desenrolariam nas partes superiores do cone, após as bifurcações do tempo em presente e passado discerníveis. Essa é outra característica fundamental da imagem-cristal.

As duas principais características do cristal de tempo estão presentes no esquema do cone. Se vamos de AB em direção a S, vemos os circuitos cada vez menores que vão culminar com o curto circuito, em que atual e virtual coexistem (S). Por outro lado, se vamos de S a AB, demonstram-se as sucessivas bifurcações do tempo em presente e passado. Assim pode ser descrita a imagem-cristal: como o menor circuito de coalescência entre presente e passado e como ponto de bifurcação que se desdobra a cada instante em presente e passado.

A imagem-cristal é, então, pressuposta e base de qualquer uso que se faça do tempo, seja ele cronológico ou a posteriori. Ela é a imagem direta do tempo, que poderá se mostrar indiretamente sob a forma linear ou não linear, sendo a primeira ainda mais distante dela, pois engessa e naturaliza as cisões do tempo, como se já fossem dadas, e não formadas a cada instante.

É preciso frisar que na bifurcação do tempo a partir do cristal, o aspecto de passado não é “atualizável”, isto é, não é um passado que já foi presente, mas o passado do presente atual, que se mantém constantemente como virtualidade. Assim, o desdobramento do tempo vai implicar em duas tendências: de um lado, há o passado que se conserva e, de outro, o presente que passa. Tais são as grandes teses de Bergson sobre o tempo, assim apresentadas por Deleuze: a coexistência do passado com o presente; a conservação do passado em si, como passado não-cronológico; o desdobramento do tempo, a cada instante, em presente que passa e passado que se conserva. É clara a interdependência das duas tendências. Uma não pode existir sem a outra. A segunda, a dos presentes que passam, é aquela que se direciona ao futuro, à diferença. Contudo, não é possível que haja essa perspectiva de futuro livre, cheio de possibilidades, sem que haja alguma conservação do passado. O cristal de tempo é uma condensação de todas as virtualidades e atualidades possíveis de um instante. Daí sua importância para a mudança e diferença.

Para ilustrar e tornar mais clara a ideia de cristal de tempo recorreremos mais uma vez ao filme Limite. Como vimos, há uma correspondência constante entre as cenas do barco – presente atual – e os flashbacks – passado virtual. No entanto, eles se diferenciam. Formam circuitos do tipo AB e A’B’ do cone de Bergson. E o filme evidencia um movimento em espiral que torna os circuitos cada vez menores. Por exemplo, os circuitos que o barco forma com a errância da Mulher 1, com a contemplação oprimida da vista pela Mulher 2 ou com a longa sequência do grito do Homem 1 são sem dúvida mais curtos do que os que forma com a costura, a rotina de compras e o adultério, respectivos de cada personagem. Há sim uma gradação entre os circuitos atual-virtual, ainda que não seja cronológica.

Por outro lado, no tempo presente do filme já não há quase ação, apenas a suspensão da passagem do tempo na atualidade do barco. É aí que procuramos localizar o menor circuito, o ponto de indiscernibilidade entre presente, passado e futuro e chegamos ao mar. Não exatamente ao barco à deriva no oceano, mas ao mar em si, que, apesar de estar presente como cristal o tempo todo – e talvez seja a presença mais forte de todo o filme –, tem sua principal expressão na longuíssima sequência de revolta no final. O mar mostra-se como cristal também pelo fato de determinar o futuro das personagens por meio da tendência que determina a passagem dos presentes. A sequência final do cristal-mar em revolta é a virada do filme, a virada do cristal em direção ao futuro. É ela que permite que o tempo do barco – que até então parecia apenas um grande ponto de condensação de imagens-lembrança – volte a passar, ainda que caminhe para um futuro nefasto.

O seminário “O osso de uma análise”, proferido por Jacques-Alain Miller em Salvador-BA (1998), almeja transmitir o movimento da análise de reduzir-se a algo essencial – o osso – por meio do que ele nomeia “operação-redução”. O autor utiliza o poema de Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho”, para propor que no caminho da fala do analisante percebe-se que esta gira em torno de um ponto fixo, de um núcleo central. É a pedra, aquilo de “invisível, inaudível e desconhecido de sua fala”. É na análise que o sujeito se apercebe desse caminho e da pedra no meio dele, através da “exploração e da interpretação do estar-na-fala” (MILLER, 1998, p. 33). A operação-redução leva a análise a um movimento “em espiral” em torno da “pedra preciosa”, que é o seu osso.

Há uma oposição feita por Miller entre amplificação e redução na análise. Por um lado, a fala pode ser amplificada ilimitadamente, já que a tudo o que se diz pode-se perguntar ‘o que isso quer dizer’. A fala “é obrigada a ser prosseguida sem cessar, a se complicar, a se torcer em torno dela própria (...) num movimento virtualmente infinito” (MILLER, 1998, p. 41). Tomando como referência o cone de Bergson, essa amplificação da fala se daria por constantes bifurcações. Esta seria a direção de S para AB do cone, amplificando o espiral e prolongando ilimitadamente a sessão e a análise.

Lacan, em muitos momentos, se refere a essa tendência da linguagem à amplificação como “o efeito de cristal da língua” 4 . A palavra cristal aqui se refere à possibilidade de refração que este objeto possui. Não obstante, invertendo a direção das setas que saem refratadas do cristal, poderíamos fazer surgir o movimento de redução das diversas aparições e significações da língua a um centro, um significante nuclear, o germe do cristal. É disso que trata a operação-redução, proposta por Miller.

A operação-redução, ao contrário da amplificação, seria a condensação dos elementos trazidos pelo analisante de sua biografia e dos eventos dos seus pensamentos, com o objetivo de limitar a proliferação significante. Essa condensação, segundo Miller, se daria em três tempos. Em primeiro lugar, há a repetição dos significantes e associações importantes para o sujeito, pela qual se pode achar uma constante. Assim, em vez de prolongar a cadeia significante em linha reta até o infinito, a repetição delineia aos poucos um percurso circular em torno de um ponto fixo. É disso que trata a convergência dos enunciados do sujeito a um enunciado essencial, o segundo tempo da operação-redução, que pressupõe que em cada volta do espiral a distância entre os termos diminui. Esse enunciado essencial corresponde ao efeito primordial da marca significante sobre um sujeito.

Se a repetição e a convergência operam no nível do Simbólico, reduzindo o discurso aleatório e abundante do paciente a formas simbólicas elementares, a evitação – terceiro tempo da operação-redução – opera no nível do Real. A evitação diz respeito àquilo que não pode aparecer, como se a cadeia significante o contornasse. A contrapartida da repetição em torno de um centro é justamente a evitação do encontro com esse núcleo. Na verdade, o que se repete de mais importante na análise é a evitação. É que essa “pedra preciosa” – ou, para manter a aproximação, esse cristal – não pode ser vista diretamente a olho nu. Não se toca a pedra de uma análise, apenas se tropeça nela.

 

O percurso de uma análise em torno do cristal

Se foi possível traçar alguns paralelos entre o percurso de uma análise até seu “osso” e a convergência dos circuitos atual-virtual em direção ao cristal de tempo, agora podemos nos arriscar a fazer uma passagem do tempo do a posteriori ou après-coup para o tempo do ato analítico, demonstrando a interdependência entre eles na prática analítica.

Vimos como não se pode falar em causalidade linear quando se trata das formações inconscientes de um sujeito. É claro que na análise busca-se entender o porquê da formação de um sintoma, por exemplo. De tal forma, cria-se em análise, por meio da associação livre, uma série de re-significações a posteriori, que vêm criar, retroativamente, um passado para cada construção simbólica, o que oferece uma espécie de explicação. Entretanto, mesmo somando as predisposições, os fatores genéticos, os desencadeantes, todos os possíveis fatores causais, não se chega a dar conta do sintoma, algo escapa.

Aqui podemos introduzir o grande texto de Lacan sobre o ato, “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada” (1945), mais especificamente seu apólogo sobre os prisioneiros que têm de tomar a decisão de sair da prisão. É a partir dele que Lacan constitui sua concepção sobre o ato, antes de se ocupar explicitamente do tema no Seminário, livro 15.

Lacan inicia seu texto apresentando um problema de lógica: o diretor de um presídio chama três detentos e lhes oferece uma prova pela qual eles teriam que passar para se beneficiar de uma medida liberatória. São distribuídos três discos, um para cada sujeito, de cores indeterminadas, dentre um total de três discos brancos e dois pretos. Ninguém sabe a cor de seu próprio disco, uma vez que foi colado em suas costas, mas pode ver a cor dos demais. O diretor distribui três discos brancos e afirma que a conclusão deve ser fundamentada em motivos de lógica. A solução do problema é descrita por Lacan nas palavras que se seguem:

Depois de se haverem considerado entre si por um certo tempo, os três sujeitos dão juntos alguns passos, que os levam simultaneamente a cruzar a porta. Em separado, cada um fornece então uma resposta semelhante, que se exprime assim: “Sou branco e eis como sei disso. Dado que meus companheiros eram brancos, achei que, se eu fosse preto, cada um deles poderia ter inferido o seguinte: ‘Se eu também fosse preto, o outro, devendo reconhecer imediatamente que era branco, teria saído na mesma hora, logo, não sou preto.’ E os dois teriam saído junto, convencidos de ser brancos. Se não estavam fazendo nada, é que eu era branco como eles. Ao que saí porta afora, para dar a conhecer minha conclusão” (LACAN, 1945, p. 198).

A partir da conclusão do apólogo, Lacan cria uma divisão entre três movimentos lógicos do tempo: o instante do olhar, o tempo para compreender e o momento de concluir. No caso de existirem dois discos pretos, por exemplo, a conclusão ‘sou branco’ seria toda condensada no instante do olhar. Mas, não sendo o caso, é preciso um certo tempo para compreender, que teria implícita a suposição de que ‘se eu fosse preto, os dois brancos que estou vendo não tardariam a se reconhecer como sendo brancos’. Pergunta-se, então, qual o limite de duração do tempo para compreender? E é aqui que se apresenta a urgência do momento de concluir, sob a forma da seguinte asserção sobre si: “apresso-me a me afirmar como branco, para que esses brancos, assim considerados por mim, não me precedam, reconhecendo-se pelo que são” (Ibid., p. 206). Fica claro que a divisão entre esses três tempos não é cronológica, mas lógica.

Assim, podemos dizer que, se o momento de concluir se baseia em uma urgência, a elaboração do tempo para compreender lhe é logicamente posterior, pois “é na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita simultaneamente seu juízo e sua saída, (...) na tendência ao ato que evidencia aos outros que o sujeito concluiu” (Ibid.; grifo nosso). Sua asserção será posta à prova, mas ele só poderia verificá-la se a atingisse, primeiramente, como certeza.

Neste ponto, passamos à discussão sobre o ato. Segundo Lacan, o juízo assertivo que é a conclusão do sofisma manifesta-se aqui por um ato. E o aspecto acima de antecipação da verdade do ato à sua certeza é sua principal definição. É justamente porque a verdade sempre escapa que é preciso usar o ato, como uma certeza antecipada. Isto está de acordo com a ideia de que o ato se mostra necessário quando as interpretações no sentido de ressignificações não dão mais conta da análise de um sujeito. O final da exposição do diretor do presídio ao apresentar o problema se dá nas seguintes palavras: “(...) fica convencionado que, tão logo um de vocês esteja pronto a formulá-la, ele transporá esta porta, a fim de que, chamado à parte, seja julgado por sua resposta” (Ibid., p. 198). Cruzar a porta tem a ver com o conceito de ato, pois implica um movimento, uma travessia, um ato conclusivo que deverá ser fundamentado. O mesmo ocorre em uma análise, em que há sucessivos movimentos e uma travessia final, dependente diretamente desses movimentos, já que são os sucessivos movimentos de redução que vão permitir que se delineie um “osso”, para que, a partir dele, a travessia se torne possível.

Outro aspecto muito importante do ato é que, uma vez que se inicia, já gera mudanças, de modo que, quando termina, o sujeito nunca é o mesmo. No instante em que o prisioneiro ultrapassa a porta, por exemplo, ele já não é mais o mesmo, pois “terá sido” sempre aquele que cruzou a porta primeiro, para o bem ou para o mal. Devemos apontar aqui para outro aspecto importante do ato analítico: o fato de que ele faz crer que aquilo que ele cria como diferença já estava lá. A lógica retroativa se reinstaura através do “terá sido ou terá feito isso” e da verdade antecipada da premissa, que só poderá ser percebida posteriormente. Por isso, o “tempo lógico” de Lacan implica sempre nas duas dimensões do tempo, interdependentes – o a posteriori e o ato.

Uma outra característica importante do ato analítico é seu aspecto de surpresa. O ato se faz uma só vez, diferentemente da repetição sintomática. Isso está de acordo com a descrição da operação-redução de Miller, pois as inúmeras repetições convergem para um único núcleo, e é desse núcleo que se parte para o ato analítico. O corte da sessão, por exemplo, assunto tão controverso no mundo da psicanálise, tem a ver com essa lógica de acontecimento, de evento único do ato. O corte com efeito de interpretação deve fazer com que o sujeito se surpreenda com suas próprias palavras. Se a sessão curta é terminada toda vez aos dez minutos, por exemplo, não há nenhuma diferença entre isso e um tempo padrão de cinquenta minutos, pois não há imprevisibilidade. No próprio “Tempo Lógico” de Lacan, o que inquieta e provoca a pressa dos prisioneiros em tomar uma decisão é justamente o fato de não haver um tempo fixado previamente. O diretor da prisão não lhes diz que terão pouco tempo, nem dez nem cinquenta minutos. Diz-lhes que terão todo o tempo de que necessitem, e é por isso que a pressa e a urgência convocam ao ato.

Após inúmeras ressignificações simbólicas que se dão por meio de construções a posteriori ao longo da análise, um hiato surge como um impasse para o qual não há explicação possível. O lugar desse hiato é primordial, delineado aos poucos a partir da convergência daquilo que é essencial nas repetições do analisante. O ato analítico, pela antecipação da verdade sobre o hiato inexplicável, é um salto que depende de uma decisão, uma travessia que implica necessariamente em mudanças. Onde não há mais saber a ser buscado abre-se lugar para o novo e para a diferença através da invenção.

O ato analítico inventa um novo sujeito, com uma nova atualidade à qual uma nova virtualidade corresponde. Ele surge exatamente do ponto de indiscernibilidade, do núcleo da análise, gerando estas bifurcações atual-virtual. Nesse sentido, pode ser comparado ao cristal por ser uma condensação de todas as possibilidades da vida de um sujeito a partir da análise. Pelas inúmeras possibilidades de refração do cristal, o sujeito poderá se inventar a partir de uma bricolagem própria entre os diversos circuitos atual-virtual pelos quais passou em sua análise.

 

 

Referências bibliográficas

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MILLER, J.-A. (1998) O osso de uma análise. Seminário proferido no VIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano e II Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise. Salvador – Bahia – 17 a 21 de abril de 1998.         [ Links ]

PEREIRA DE MELLO, S. (1978) Limite, filme de Mario Peixoto. Rio de Janeiro: FUNARTE.         [ Links ]

 

 

Artigo recebido em: junho de 2009
Aprovado para publicação em: agosto de 2009

 

 

1 Este artigo surgiu a partir do trabalho de conclusão do curso de Psicologia da PUC-RJ (2006), orientado pelo professor Marcus André Vieira, a quem muito agradeço.
2 Essa expressão se refere ao cinema inaugurado pela Nouvelle Vague, o Neo-realismo italiano, o Expressionismo alemão e, no Brasil, o Cinema Novo. Deleuze diferencia o cinema clássico, em que predominaria a imagem-movimento, do cinema moderno, em que predominaria a imagem-tempo.
3 Um bom exemplo do uso dessa expressão por Lacan encontra-se em “Radiofonia”. Comentando um jogo de palavras que faz com os verbos falloir (ser necessário/ preciso, convir, importar, mas também faltar, em algumas acepções) e faillir (falir, falhar, faltar, pouco faltar para, enganar-se, cair em erro etc.), cujas flexões apresentam alguns pontos coincidentes, ele explica: “Pois entendam que brinco com o cristal da língua para refratar do significante aquilo que divide o sujeito” (LACAN, 1970, p. 425; grifos nossos).
* Graduada em Psicologia pela PUC-RJ. Dois anos de estudos no ICBA (Instituto Clínico de Buenos Aires), da EOL (Escuela de Orientación Lacaniana), Buenos Aires – Argentina. Coordenadora do “Espaço Psi Infantil”, clínica interdisciplinar de atendimento à criança e ao adolescente. E-mail: isabelcrbarros@yahoo.com.br

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