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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.1 no.1 São Leopoldo June 2008

 

ARTIGOS

 

A adoção de crianças maiores na perspectiva dos pais adotivos

 

Older children adoption from the perspective of the adoptive parents

 

 

Cristina Maria de Souza Brito DiasI; Ronara Veloso Bonifácio da SilvaII; Célia Maria Souto Maior de Souza FonsecaIII

IProfessora e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco. Coordenadora do laboratório Família e Interação Social. Rua Conselheiro Portela, 130 A, apto 201, 52020-030, Recife, PE. cristina_britodias@yahoo.com.br
IIConcluinte do curso de Psicologia e Bolsista PIBIC/UNICAP. Rua Nelson Castro e Silva, 117, Jardim São Paulo, 50910-440, Recife, PE, Brasil. ronara_veloso@yahoo.com.br
IIProfessora e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco. Rua Edson Álvares, 211/102, Casa Forte, 52061-450, Recife, PE, Brasil. celiasoutomaior@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar a adoção de crianças maiores porque é menos realizada pelos candidatos à adoção. Neste sentido, pretendeu-se compreender, junto aos adotantes, como percebem e vivenciam essa adoção. Foram realizadas quatro entrevistas, conduzidas de forma semidirigida e individual. Os resultados revelaram que a motivação dos pais adotivos esteve relacionada ao puro altruísmo e ao desejo de se realizar enquanto mãe/pai, como também à praticidade e desejo de companhia. Apesar do preconceito sofrido por causa do passado da criança e de algumas dificuldades adaptativas, pode-se concluir que, com amor e ajuda profissional, as adoções estão sendo bem-sucedidas.

Palavras-chave: adoções necessárias, preconceito, cultura de adoção.


ABSTRACT

This research project investigates the adoption of older children, which is considered the most necessary one, since most adopters prefer younger children. In this way, it intends to understand how the adopters understand and experience the adoption process. Four individual and semi-directed interviews were carried out. The results show that the motivation for the adopters is related to pure altruism and to their wish of personal fulfillment as father/mother, as well as to practical reasons and the desire for company. Despite the prejudice experienced by the adopters because of their children's past and of some adaptation problems, one can conclude that with love and professional help the adoptions are successful.

Key words: necessary adoptions, prejudice, culture of adoption.


 

 

Apesar de já há algum tempo ter-se iniciado, em nosso país, a concepção de uma nova mentalidade no que se refere à cultura da adoção, que procura atender à necessidade da criança de ter uma família, o drama da criança brasileira disponível para adoção é intensificado quando ela não corresponde aos requisitos exigidos por nossa sociedade.

Na maioria das vezes, as pessoas que se cadastram nos Juizados da Infância e Juventude preferem adotar crianças do sexo feminino, de cor branca, saudáveis e recém-nascidas (Andrei, E., 2001). Aquelas que não se enquadram nesse "formato" são esquecidas nas instituições como materiais em um depósito, como é o caso das crianças negras, portadoras de necessidades especiais e maiores de dois anos de idade, que são consideradas as adoções mais necessárias. São pessoas sem expectativas de futuro, e isto se reflete de várias formas na vida dessas crianças. O desenvolvimento, por exemplo, é afetado. Weber (1998, p. 86) revela:

O desenvolvimento de uma pessoa é severamente prejudicado num ambiente institucional, onde imperam a falta de identidade e a disciplina massificadora. O abandono sofrido pelas crianças e adolescentes institucionalizados leva ao sentimento de rejeição, baixa auto-estima e expectativas de futuro negativas.

Muitos preconceitos e discriminações ainda permeiam o tema adoção e eles são mais intensos nos casos das adoções necessárias. Diversos fatores contribuem para isso e um deles é a generalização feita de que a adoção traz problema, com base nos casos em que a relação adotante/adotivo se tornou difícil. Também por medo, falta de informação ou pelo fato da adoção ainda ser uma solução procurada por casais inférteis, os adotantes, em geral, optam pela adoção de bebês. Muitos candidatos acreditam que os bebês teriam mais facilidades para se adaptar à família. As crianças mais velhas, em alguns casos, terminam sendo adotadas por estrangeiros ou ficando em instituições e se tornam "filhos da solidão" (Andrei, D., 2001; Weber e Kossobudzki, 1996).

Segundo Weber e Kossobudzki (1996), o preconceito com relação a esse tipo de adoção é muito forte, como se todas as adoções de bebês fossem indicativos de sucesso garantido e todas as adoções de crianças mais velhas já representassem um fracasso. Weber (1998) refere que essas adoções nem sempre trazem problemas, porém elas são diferentes das adoções de bebês, uma vez que a criança mais velha tem um passado que, muitas vezes, deixou suas marcas. Para Decebal Andrei (2001, p. 91), "quanto mais tardia a adoção, mais vivas serão as lembranças do passado e mais enraizadas na sua memória as ilusões, sonhos, desejos e frustrações dos anos de abandono".

Elena Andrei (2001), por sua vez, distingue quatro grupos de crianças adotadas de acordo com a idade, e cada um apresenta suas especificidades: (a) o primeiro grupo engloba as crianças de 2 a 6 anos, que apresentam uma imensa disponibilidade para receber amor, o que leva a uma adaptação mais fácil, "uma vez enfrentadas as sombras e as feridas"; (b) o segundo grupo compreende as crianças de 7 a 10 anos, que já construíram e desconstruíram a esperança, necessitando de muito amor e disponibilidade dos pais para enfrentar a revolta e reconstruir caminhos; (c) o terceiro grupo é o dos pré-adolescentes entre 11 e 14 anos, que até têm sonhos, mas não esperanças, e vivenciaram mais anos de rejeição; sua adaptação depende de profundo senso de responsabilidade e lucidez dos pais para compreender seus problemas e ajudá-los a elaborar o passado; (d) finalmente, o quarto grupo é formado por adolescentes entre 14 e 18 anos. Este é um grupo marcado pelas dificuldades de uma infância abandonada, além das características próprias da idade, o que leva a autora sugerir que o apadrinhamento afetivo pode ser mais eficaz do que a adoção, em alguns casos.

Elena Andrei (2001) também assinala as diferentes fases que, em geral, marcam a inserção da criança adotada na família: a primeira é a do encantamento, onde a criança se sente feliz por ter sido escolhida e tem idéias fantasiosas sobre família, e os pais, por sua vez, estão encantados com ela. O segundo momento é o da raiva e decepção, assinalado pela busca de "marcar território", onde a criança vai exercitar o direito de dizer "não" que lhe fora até então negado. O terceiro momento é da compreensão quando ela se sente disposta a refazer sua vida e pode mesmo regredir, em busca de si mesma. Finalmente, a quarta fase é a do "insight amoroso" no qual ambos, pais e filho, realmente se adotam.

Mesmo que essas crianças, no início, apresentem dificuldades na adaptação à família, "a disponibilidade, o amor, a lucidez e o empreendimento dos pais no cuidar da criança adotada tardiamente potencializam o convívio" (Ferreira, 2003, p. 13). Vargas (2001) também pontua que, num trabalho de preparação com todos os envolvidos (mãe biológica, pretendentes e criança), é possível chegar a uma adequação entre a família sonhada e a família possível, fazendo-os entender que encontrarão alegrias e dificuldades.

Passados alguns anos de trabalho em prol de uma nova cultura da adoção no nosso país, constatam-se a criação dos grupos de apoio, que já somam mais de cem; uma Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD), que congrega esses grupos; a realização de um encontro anual que está no décimo terceiro evento; a publicação de livros, dissertações e teses e a maior divulgação do tema. Apesar dos avanços, muito ainda precisa ser estudado.

Esta pesquisa tem como objetivo compreender, junto aos pais adotivos, como eles percebem e vivenciam a adoção de crianças acima dos dois anos de idade, também denominada adoção tardia. Espera-se que ela possa auxiliar profissionais e pais adotivos, bem como ajudar a diminuir os preconceitos que ainda rondam esse tema.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa quatro pais adotivos, sendo três mulheres e um homem com as seguintes características: Participante 1 - sexo feminino, 40 anos, solteira, possui nível superior, religião batista, adotou um menino com nove e atualmente está com 11 anos; Participante 2 - sexo feminino, 51 anos, casada, possui nível superior, espírita, tem três filhos biológicos e dois adotivos, sendo que a mais nova foi adotada com 3 anos e meio e hoje está com 12; Participante 3 - sexo feminino, 63 anos, solteira, católica, adotou um menino com 3 anos e hoje está com 10; Participante 4 - sexo masculino, 41 anos, solteiro, nível superior incompleto, espírita, adotou um menino com 10 anos e hoje está com 13.

Instrumento

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, cujo foco principal é a experiência dos participantes em relação ao tema, o instrumento utilizado foi a entrevista, conduzida de forma semidirigida e realizada de forma individual por ser, segundo Minayo (2004, p. 107), "a técnica mais usada no processo de trabalho de campo". Cada entrevista foi gravada e posteriormente transcrita. A entrevista continha questões que atendiam aos objetivos da pesquisa, bem como os dados sociodemográficos dos participantes.

Procedimento de coleta dos dados

Os participantes foram contactados através do Grupo de Apoio à Adoção da cidade do Recife. Eles foram informados sobre os objetivos da pesquisa e solicitados a colaborar, sendolhes garantido o sigilo das informações. Após a concordância, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado e a entrevista realizada, em lugar de conveniência do participante. Vale salientar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição que a apoiou, sob o número CAAE 0189.0.000.096-06.

Procedimento de análise dos dados

Para a análise das respostas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. Segundo Minayo (2004, p. 209), ela consiste "em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado". Dessa forma, foram levantados os temas que basearam a entrevista com os participantes e analisados com base na literatura consultada. Assim, foram trabalhados os seguintes temas: motivação para a adoção, adaptação à família, dificuldades enfrentadas, reação dos familiares, sentimentos experimentados, evolução dos filhos, vantagens da adoção de crianças mais velhas e sugestões que dariam para outros adotantes.

 

Apresentação e discussãodos resultados

Motivações para a adoção

Através dos relatos dos quatro participantes, pôde-se observar que a motivação para a realização desse tipo de adoção foi devida, principalmente, ao puro altruísmo e ao desejo de se realizar enquanto mãe/pai, através de uma forma mais solidária de parentalidade. A praticidade e o desejo de ter uma companhia também se destacaram como fatores motivadores. Dois entrevistados adotaram crianças que se encaixam no primeiro grupo referido por Elena Andrei (2001), enquanto dois adotaram crianças bem mais velhas, inseridos no grupo dois, por estarem sensibilizadas com a situação dos menores. Esses resultados reforçam as palavras de Schettini Filho (1998, p. 12), quando diz: "O desejo de adotar se explica das mais variadas formas que estão vinculadas à história e à necessidade do adotante [...] Enfim, as pessoas adotam filhos motivadas por circunstâncias físicas, sociais e emocionais".

Recortes de algumas falas ilustram a motivação:

Eu já tinha vontade de adotar [...] os meninos são mais difíceis de serem adotados; e quanto mais velho, mais difícil [...] Eu procurei um menino que as pessoas não queriam mais adotar (Entrevista 1).

[... ] eu pretendia adotar uma novinha, mas... uma outra novinha... mas aí apareceu a criança, apareceu uma menina e que... eu a conheci e que teve certa dificuldade de encontrar uma família pra ela. Então, aquilo ali me sensibilizou muito [...] (Entrevista 4).

Essas falas confirmam os resultados de uma pesquisa realizada por Ebrahim (2001) que detectou que 51% dos adotantes tardios adotaram mais por se sensibilizarem com a situação de abandono das crianças.

A necessidade de companhia transpareceu na fala do único homem participante:

[...] eu procurei, assim, já uma criança que estivesse numa idade já elevada que pudesse também ser um torcedor do Sport e que juntos pudéssemos ir ao shopping, tudo o que tivesse lazer, certo? Participasse comigo até nas horas de alegrias e de tristezas (Entrevista 4).

Tempo de adaptação

Com relação ao tempo para a adaptação da criança, dependendo da forma como se deu a separação da família biológica, do tempo que passou no abrigo ou em situação de negligência ou de abandono, da ocorrência de outras separações e maltratos, a adaptação a uma nova família pode ficar mais lenta ou difícil (Vargas, 2006). No entanto, ela é possível, pois "o sentimento de família não é um instinto, mas sim uma construção resultante de uma íntima e sadia convivência" (Andrei, D., 2001, p. 93). O sucesso depende também da forma como os pais lidam com as dificuldades.

As respostas quanto a esse tema foram bem heterogêneas: uma relatou que a filha se adaptou muito bem desde o início (ela estava com 3 anos e meio de idade e passou por algumas famílias); uma disse que o filho foi se adaptando aos poucos (adotou um garoto com 3 anos que estava abrigado), e dois participantes disseram que os filhos ainda estão se adaptando (estes foram adotados com 9 e 10 anos e também estavam abrigados).

Foi horrível! No primeiro mês foi um menino maravilhoso; tomava banho todo dia, ia para escola todo dia sem reclamar; uma maravilha, um menino maravilhoso. No segundo mês, quando ele viu que não voltava mais, ele começou a ficar à vontade e aí ele começou, e até hoje, não quer escovar dente, só toma banho quando quer, para ir para escola é a maior dificuldade, às vezes passava dois, três dias sem ir. Hoje em dia é mais difícil ele não ir (Entrevista 1).

No início acho que foi bem complicado. [...] Pensei em colocar ele de volta, acho que num abrigo aí. Em qualquer lugar porque já estava cansando [...] Ainda está se adaptando, muito. De vez em quando tem uns problemazinhos. Quando eu penso que ele já está melhor, ele parece que dá uma regressão e começa a dar 'nó cego'[...] A rebeldia dele, as ignorâncias [...] a brincadeira dele... quando está brincando é só porrada, mordida, empurra [...] Ele agora está bem melhor [...] (Entrevista 4).

O conteúdo destas respostas ressalta o que Vargas (1998) afirmou, baseada em um estudo realizado sobre adaptação de crianças adotadas, no qual observou que, dentre os vários comportamentos que essas crianças podem apresentar, destacam-se os comportamentos regressivo e agressivo. Outro autor complementa: "quando os requisitos básicos da liberdade e da privacidade faltam, e é justamente isso o que acontece nas Instituições, planta-se sem querer as sementes da revolta e da rebeldia, que brotarão na primeira oportunidade" (Andrei, D., 2001, p. 94). Por outro lado, é válido destacar que alguns comportamentos elencados pelos pais (rebeldia, dificuldade com higiene pessoal e escolaridade) fazem parte da fase pré-adolescente em que essas crianças se encontram, não sendo especificidade apenas da adoção.

Em compensação, outra participante fala da facilidade com que a filha se adaptou:

A adaptação dela foi rápida. Acho que em uma hora (risos). Já falava 'mainha', 'painho'. Na verdade, ela estava muito carente, procurando uma família... (Entrevista 4).

Vale salientar que essa participante possuía experiência prévia de criação dos filhos biológicos e uma filha adotada ainda bebê, o que, certamente, lhe forneceu mais condições para lidar com a adoção de uma criança mais velha.

Dificuldades enfrentadas

Os preconceitos, a agressividade e a falta de limites, as dificuldades na escola e de aprendizagem, bem como os conflitos próprios da pré-adolescência foram destacados e dificultaram a convivência. A dificuldade de relacionamento, por sua vez, prejudicou também as relações na escola e a aprendizagem.

[...] colégio, complicado. Da segunda à quarta série eu fui chamado acho que umas cem vezes, lá no colégio (Risos). [...] Fazia gracinhas, perturbava, não fazia as tarefas, mas estou na marcação (Entrevista 4).

Sobre as relações entre adotante e adotado, Ferreira (2003, p. 50) afirma: "Todos os envolvidos direta ou indiretamente nessa chegada da criança passam a viver um processo de adaptação, de ajustamento a uma novíssima situação". Diante disso, é possível compreender que se trata de um processo em que as relações vão se estreitando aos poucos e passando pelas fases, conforme elencadas por Elena Andrei (2001), que vão do encantamento ao comprometimento amoroso.

A maior dificuldade foi nessa parte de educação e de ele ter um pouquinho de agressividade; ele não tinha respeito, se é mãe, se não é, ele queria bater em mim, e vinha para cima de mim. Tive que procurar psicólogo para me ajudar. Eu chorei muito, mas em nenhum momento eu pensei em devolver ou me arrependi (Entrevista 1).

Com relação ao comportamento agressivo, Weber (1998, p. 112) relata que "às vezes, essa criança pode ter tanto medo que em vez de mostrar amor, ela pode fazer tudo ao contrário, pois de maneira não consciente ela pensa: 'eu vou ser abandonada novamente, então é melhor não gostar deles'". Portanto, segundo a referida autora, é preciso que os pais adotivos estejam preparados para lidar com "estas reações, até mesmo certa hostilidade inicial, e serem tolerantes em relação a novos hábitos, costumes e sistemas de valores que a criança traz consigo" (Weber, 1998, p. 112).

Reação dos familiares

Nesse aspecto, foi possível perceber que, de maneira geral, os familiares receberam bem a notícia, com exceção de alguns que não concordaram no início, mas depois aceitaram e passaram a conviver bem com a criança. Recortes de falas destacam bem o que foi vivido pelas participantes:

[...] A família do meu esposo aceitou de uma forma mais rápida, né? A notícia foi mais bem aceita. Mas a dos meus pais não. Houve um pouco de resistência, que era uma menina grande, já pensavam nesses problemas: 'Que vem cheia disso, vem cheia daquilo. Como é que você vai fazer?'. Toda uma resistência. Hoje não, hoje passou o tempo, já acabou essa história [...] (Entrevista 2).

Todo mundo ele chamava de tio, de tia. A mim também, até que foi se acostumando. A família já tem casos de adoção, então aceitaram numa boa (Entrevista 3).

Dias (2006) refere que o preconceito muitas vezes parte da própria família e que a aceitação e o apoio dos amigos e familiares é essencial para o sucesso da adoção. Sendo assim, é necessário que a família extensa seja preparada. A autora pontuou também que a aceitação se dá aos poucos e que a existência de outras adoções facilita a aceitação.

Sentimentos experimentados

Os entrevistados destacaram o sentimento de felicidade por terem se realizado como pai/ mãe, independentemente das características do filho e de alguma dificuldade de relacionamento. Salientaram ainda o sentimento de ser capaz de realizar algo.

Antes eu vivia aquela coisa egoísta, não tinha com quem dividir. Hoje eu me sinto mais capaz, responsável por outra pessoa. Apesar dos momentos difíceis que passamos, não tira a gratificação, a felicidade que eu tenho de estar com ele (Entrevista 1).

Eu me sinto normal, como mãe dele mesmo. Mas, às vezes, sinto-me cansada porque eu tenho que fazer tudo, não tenho empregada (Entrevista 3).

Apenas o entrevistado de número quatro disse que, apesar de estar cada vez mais se sentindo pai, às vezes se sente triste e desvalorizado por seu filho ainda não reconhecê-lo como pai, mas, mesmo assim, sente-se bem com ele. Vale salientar que esta adoção é recente e que ambos parecem estar ainda no processo de reconhecimento.

Hoje eu me sinto bem em estar com ele. Eu me preocupo com ele. Eu já me arrependi muito, mas hoje eu coloco ele em primeiro lugar (Entrevista 4).

Evolução dos filhos

Todos os entrevistados perceberam essa questão de forma bastante positiva. Eles disseram que várias transformações nos campos afetivo, cognitivo e social ocorreram na vida dos filhos depois da adoção.

Ele já evoluiu cem por cento [...] já está na quarta série, aprendeu a ler, já lê direitinho; na escola, apesar de não tirar notas boas, porque ele não estuda mesmo, ele evoluiu bastante na escola. Emocionalmente também. Ele já tem certeza que eu gosto dele, que ele não vai mais embora. Ele se sente mais seguro hoje. Ele já bota para fora os sentimentos dele, nós conversamos muito. Esse momento de agressividade diminuiu muito [...] Ele é muito amoroso, apesar dessa agressividade, que é esporádica, ele é uma criança muito amorosa (Entrevista 1).

O que ela fazia era o normal, pra idade, né? E cresceu saudável, inteligente. Ela sempre foi uma menina muito inteligente, muito... assim, ela tem uma... talvez por experiência dela já ou mesmo que ela é uma pessoa que tem uma inteligência muito aguçada, ela tem 10 anos, mas tem comportamento de uma menina de 15, de 16 anos. Assim, tem uma certa maturidade, compreende exatamente o que você quer [...] (Entrevista 2).

A evolução foi boa, devagarinho, mas foi boa [...] Seis anos e pouco ele aprendeu a ler, a escrever, todo mundo até se admirou [...] Está fazendo pelo segundo ano a terceira série, era para estar na quarta série. Mas a evolução dele a psicóloga disse que é até boa, pra ele que não sabia nem falar com 3 anos. Mas agora ele está indo bem mesmo [...] (Entrevista 3).

No início foi complicado, era muito calado, houve rebeldia, regressão... muito ciúme de uma sobrinha minha, da mesma idade, e de dois afilhados que tenho... Hoje melhorou uns 60% (Entrevista 4).

Diante desses relatos, pôde-se constatar o quanto é importante para a criança que os pais a amem sem medo e que possam lhe oferecer um ambiente seguro. Segundo Weber (1998, p. 112), os pais devem "proporcionar oportunidades para a criança de expressar as suas dores e tristezas, ou até raiva e sentimentos de perda".

Vantagens da adoção de crianças maiores

No que se refere aos ganhos ou vantagens desse tipo de adoção, a praticidade por se tratar de uma criança maior e mais independente e não precisar dos cuidados básicos de um bebê, e o fato de não precisar fazer a revelação sobre a adoção, seriam as principais vantagens.

Sendo solteira, eu trabalho o dia todo, e ele, sendo maior, eu não tenho a necessidade de cuidar dele pequenininho, do básico (Entrevista 1).

[...] eu preferi adotar uma criança com idade... maiorzinho, porque trabalho sempre dá, mas dá menos aquele trabalho de fralda [...] era melhor pra mim[...] Dava trabalho, mas já andava, já... Não ficava muito no braço, porque a gente com essa idade já está com os ossos meio... Entendeu? [...] Tudo com ele foi mais prático, ele maior (Entrevista 3).

Outra vantagem que foi destacada diz respeito a não ter que se preocupar com a revelação da origem da criança, assunto que muito mobiliza pais e filhos. As entrevistadas 2 e 3 disseram, respectivamente:

[...] A adoção de uma criança mais velha tem uma grande vantagem, que é não ter o momento de contar [...]. É que ela já conhece a história dela [...].

Sugestões para outros adotantes de crianças mais velhas

Por fim, sobre as sugestões que eles poderiam dar a outras pessoas que desejam realizar o mesmo tipo de adoção, destacou-se o amor como elemento fundamental para uma adoção bem sucedida. Além disso, sugeriram: uma preparação prévia, como, por exemplo, um acompanhamento psicológico, freqüência aos grupos de apoio, leituras; a reavaliação dos próprios preconceitos; o fato de ter experiências prévias com crianças ou adolescentes; fazer previamente algum apadrinhamento e colocar limites desde o início. Dos quatro participantes, três recorreram à ajuda de psicólogos para si e/ou para os filhos. Apenas a participante dois, que é casada e já tinha experiência com a criação dos próprios filhos e de uma criança adotada ainda bebê, disse não ter procurado ajuda.

Solteira com crianças maiores tem que ter, assim, uma estrutura muito boa. Eu acho ideal para um casal pegar essas crianças maiores [...] E sonha muito com um pai [...] Eu acho que eu deveria ter me preparado mais para ele. Eu queria uma criança. Tudo bem, agora que eu tivesse um acompanhamento psicológico antes para eu tirar aquelas idéias românticas da cabeça, caí na real porque eu entrei na real sem ter tratamento nenhum, foi de choque (Entrevista 1).

Eu acho que vale a pena, sabe? Exceto pra quem vai adotar pela primeira vez e não tem filhos, eu acho que tem restrições. Agora se o casal é amadurecido, é um pessoal que tem vivências, não que tenha filhos, mas que tenha visto sobrinhos, que tenha vizinho novo, que sabe que aquilo é um comportamento natural [...] (Entrevista 2).

[...] eu acho que primeiro é baixar a guarda, tirar esse preconceito porque eu acho que existe uma série de preconceitos [...] (Entrevista 3).

[...] Primeiro seria apadrinhar [...] Depois do apadrinhamento com... com um bom tempo aí você vai saber quem é essa criança, de que forma você trabalharia essa criança [...] também não dar muita liberdade. Limites, logo de imediato (Entrevista 4).

Os participantes, com suas sugestões, corroboram o que vários autores assinalaram em relação ao cuidado que deve se ter em relação à adoção e, em especial, às adoções de crianças mais velhas (Andrei, D., 2001; Andrei, E., 2001; Dias, 2004, 2006; Schettini Filho, 1998; Vargas, 1998, 2001, 2006), ao preparo tanto dos pais quanto dos filhos. Levy (2005) acrescenta a necessidade de uma rede de apoio, especialmente para os que fizeram a adoção sozinhos e que precisam suprir todas as necessidades dos filhos. Dias (2004) pontua que o sucesso da adoção de crianças maiores depende de fatores como: aceitação da criança real e da sua história; respeito ao seu próprio ritmo; não exigir da criança mais do que ela pode dar; serenidade, paciência e equilíbrio, apoio dos familiares e amigos; busca de ajuda profissional e nos grupos de apoio onde os pais poderão conversar com outras famílias. Em suma, o sucesso dependerá muito mais dos pais na condução da adoção.

 

Considerações finais

Pode-se concluir que, apesar dos preconceitos vividos e de algumas dificuldades na adaptação das crianças adotados com mais idade, elas estão sendo bem sucedidas. O amor, a paciência, a compreensão e a maturidade afetiva dos pais para superarem as dificuldades, por um lado, e o desejo das crianças de pertencerem a uma família, por outro, foram alguns dos fatores responsáveis pelo sucesso dessas adoções. A ajuda profissional, como, por exemplo, o apoio psicológico e a busca por conhecimentos relacionados ao tema, também contribuiu. Vale salientar que a maioria freqüenta o grupo de apoio à adoção existente na cidade.

Sem dúvida, como foi referido por vários autores no decorrer do trabalho, trata-se de uma adoção que requer cuidados, porque a criança já traz a marca do abandono inicial e do tempo que permaneceu em instituições, especialmente com os adotantes sem nenhuma experiência com crianças. Isto não quer dizer que não sejam possíveis a superação e a adoção mútua, trazendo alegrias, capacidade de realização e comprometimento. É válido ressaltar também a multiplicidade de situações e de características pessoais dos pais e dos filhos que marcou cada adoção, de forma que não se pode generalizar. Cada família vai se adaptando e criando seu próprio estilo e cultura.

Considera-se de fundamental importância avaliar os próprios preconceitos para que se possa ter uma sociedade mais humanizada e justa. É preciso também que o Estado, através de políticas públicas adequadas, e a sociedade civil, a partir de uma reeducação, se unam na luta contra a dura realidade das crianças institucionalizadas.

 

Referências

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Submetido em: 21/04/2008
Aceito em: 25/05/2008

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