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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.1 no.2 São Leopoldo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Representação social do psicólogo em uma clínica-escola do município de Taquara/RS

 

Psychologist's social representation at a university clinic in the city of Taquara/Rio Grande do Sul State

 

 

Camila Roberta LahmI; Mariana Gonçalves BoeckelII

IAcadêmica do Curso de Psicologia da FACCAT. Rua Primeiro de Maio, 2670, 95600-000, Taquara, RS, Brasil. camilalahm@yahoo.com.br
IIDocente do Curso de Psicologia da FACCAT. Av. Oscar Martins Rangel, 4500 (RS 115), 95600-000, Taquara, RS, Brasil. mariana_boeckel@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O termo Representação Social (RS) é designado como um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originadas no cotidiano, reconhecidos como o conhecimento do senso comum, partilhado nas relações entre as pessoas. A partir dessa definição, este estudo teve como objetivo identificar as Representações Sociais do profissional de Psicologia por pacientes da área Clínica de um Centro de Serviço-Escola do município de Taquara/RS. Para realização do estudo foi utilizada uma abordagem de natureza qualitativa, já que se buscou focalizar o fenômeno mediante a metodologia da Análise de Conteúdo, com a aplicação de 22 questionários junto aos pacientes que realizaram triagem no Centro de Serviços em Psicologia - CESEP. O questionário usado na coleta de dados compreende questões abertas que indagam sobre a significação do papel do(a) psicólogo(a), com o objetivo de reunir informações acerca das concepções sobre esse profissional e seu trabalho. As informações coletadas foram analisadas por meio de leitura flutuante e apreciação do material, do qual se extraíram elementos que configuraram as categorias correspondentes às representações sociais do(a) psicólogo(a) nesse contexto. Os resultados evidenciaram aspectos relacionados à função de entender, ajudar, orientar, escutar e auxiliar na resolução de problemas/ conflitos em diferentes âmbitos da vida dos indivíduos. Essas considerações, relacionadas a aspectos positivos, corroboram com os achados de estudos anteriores e servirão de mote para estudos posteriores no âmbito das Representações Sociais (RS) em diferentes contextos.

Palavras-chave: representação social, psicólogo, clínica-escola.


ABSTRACT

The term Social Representation is defined as a set of concepts, assertions and explanations originally taken from a daily routine, seen as common sense knowledge, shared among human relationships. Based on this definition the present study aims to identify the Social Representation of Psychology professionals from the patient's perspective, having as contributors the users of a University Clinic, in the city of Taquara/RS. A qualitative approach research was used adlouring to a deep compreension of the phenomenon. For this study, a content analisys was conducted in 22 questionaires completed by people that arrived for the first interview at the center of psychology services -CESEP. The applied questionnaire was composed of open questions inquiring about the meaning of the Psychologist role, targeting a compilation of issues concerning the professional of Psychology field and their work. Both float reading and appreciation were applied over all the gathered information to extract elements that would join a set of categories corresponding to the Social Representation of the psychologist professional in this context. Results evidenced aspects related to understanding, guiding, listening, and orientation in the resolution of problems or conflicts over different arenas of ones lives. These considerations, regarding positive aspects, corroborate previous findings and will be used to guide future studies in various contexts of Social Representation.

Key words: social representation, psychologist, university psychology clinic.


 

 

O conceito de Representação Social (RS) designa um conhecimento específico do senso comum, relacionado a uma forma de pensamento social, produzido e partilhado nas relações que as pessoas estabelecem entre si. Conforme afirma Moscovici (2003), o pioneiro nos estudos sobre Representação Social, esta é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas que possibilita aos homens tornarem inteligíveis suas realidades física e social.

Atualmente, a análise das RS figura como um tema de extremo interesse para as Ciências Humanas. Confirmando essa perspectiva, Carvalho (2005) menciona que muitos estudos foram realizados com intuito de entender de que forma os indivíduos vêem, pensam e utilizam a Psicologia como ciência e como vêem, pensam e utilizam o serviço de saúde disponível à população. Dessa forma, o objetivo central do presente trabalho foi conhecer e analisar as representações sociais do psicólogo junto às pessoas que buscaram atendimento no Centro de Serviços em Psicologia - CESEP, no Município de Taquara/RS. A relevância dessa investigação reside no fato de a mesma oportunizar o embasamento da prática do psicólogo que atua na prestação de atendimento psicológico à população local.

Almeida et al. (2000) referem que o estudo da teoria da RS possui como principal objetivo a compreensão do processo de construção social da realidade. Essa afirmação explicita o fato de que pesquisar as RS implica a leitura científica do conhecimento construído pelos indivíduos, e possibilita verificar o modo como eles representam socialmente o profissional da Psicologia e o significado que atribuem ao seu papel. Nesse sentido, pode-se mencionar que uma investigação das RS que os indivíduos da comunidade taquarense possuem acerca dos profissionais de Psicologia e do trabalho que eles desempenham pode contribuir significativamente para a compreensão do processo de construção social dessa realidade.

Conforme lembra Wachelke (2005), as RS são explicadas pelas características do grupo e não pelos mecanismos cognitivos individuais. Isso sugere que os dados trazidos neste estudo servirão de subsídio para caracterização das RS de uma demanda específica, ou seja, os indivíduos que procuram o serviço clínico de atendimento psicológico de um Centro de Serviço-Escola (CESEP), no município de Taquara.

Diante do exposto, esta pesquisa centrou-se na seguinte pergunta: quais as Representações Sociais do profissional da Psicologia e de sua prática junto aos clientes/usuários do Serviço-escola da FACCAT? Como questões norteadoras da investigação, mencionam-se as seguintes indagações: (a) quais as Representações Sociais do(a) psicólogo(a) e de sua atuação engendradas por indivíduos que procuram atendimento clínico e psicológico no CESEP?; e (b) qual a relação das representações aferidas na pesquisa de campo com os conhecimentos acadêmicos e postulados encontrados na pesquisa bibliográfica?

 

Representações sociais

A teoria das Representações Sociais foi criada na França, por Serge Moscovici, no final dos anos 50, que inovou, ao tratar o conceito na perspectiva de um saber compartilhado, originado no âmbito dos grupos, por meio de processos cognitivos individuais, mas concretizado, essencialmente, nas atividades sociais que envolvem uma experiência de elaboração e adaptação de idéias estranhas ao universo dos sujeitos em uma realidade consensual. Pioneiro nesse campo de estudos, Moscovici versou sobre a Representação Social da psicanálise na população parisiense da época (Dantas e Chaves, 2007).

Jodelet (in Veloz et al., 1999), esclarecendo sobre as funções das RS, menciona que elas servem para agir sobre o mundo e sobre os outros. Conforme os postulados de Moscovici (2001), a representação produz e determina comportamentos. Além disso, o autor sugere que essas representações penetram e influenciam a mente dos indivíduos e são constantemente (re)pensadas, (re)citadas e (re)apresentadas (Moscovici, 2003).

Para Zanotto e Maito (2005), as RS inserem-se na inter-relação dos sujeitos, no fenômeno e no contexto que os rodeia, têm implicações no cotidiano, pois influenciam o comportamento e a comunicação. Dessa forma, o profissional da Psicologia, visto como sujeito integrado à comunidade, contribui com e para essas interrelações, bem como para o estabelecimento de Representações Sociais acerca de seu papel e de sua prática.

Sabe-se que a Psicologia Social centra seus estudos na interação e utiliza o método científico de investigação. Segundo Rodrigues (1988), a interação humana constitui a unidade de análise dessa área da Psicologia, e sua abordagem concentra-se nas relações entre os indivíduos, entre categorias (grupos sociais) ou entre simbólico-cognição (Representação Social).

Nesse sentido, Moscovici (2001) menciona que a Psicologia Social deve compreender como os modos de pensamento se transformam e como novos conteúdos são criados entre os indivíduos nas comunidades, a partir do advento dos meios de comunicação de massa e da difusão de teorias técnico-científicas. Tavares (2008) indica que as RS norteiam a compreensão da vida cotidiana, uma vez que dão forma a novas condutas impostas pela sociedade controlada pelo desenvolvimento tecnológico. Para Moscovici (2003), a tarefa principal da Psicologia Social constitui-se no estudo das Representações, de suas propriedades, das suas origens e do seu impacto.

Wagner (2000) define as RS como o saber do senso comum e, segundo ele, surgem com o intuito de atender necessidades de cunho prático, decorrentes de modificações nas condições sociais de vida da população, o que ocasionaria a reelaboração dos objetos sociais. Corroborando com essa idéia, Jovchelovitch (1998) aprofunda a questão da construção dos saberes sociais e define que a teoria das RS está centrada em saberes produzidos no e pelo cotidiano.

Ainda conforme Jovchelovitch (1998), a construção simbólica constitui-se em um elemento essencial para o entendimento da sociedade na qual vivemos, uma vez que o sujeito constrói e reconstrói continuamente sua realidade, em um processo dinâmico e constante. Nesse sentido, Wachelke (2005) ressalta que é por meio de representações, que se expressam os elementos culturais, os quais envolvem uma gama de conteúdos, como os de ordem cognitiva e afetiva, compartilhados socialmente.

No que tange à estrutura e função das Representações Sociais, os estudiosos da temática atribuem-lhe, como aspecto essencial, a capacidade de transformar o que não é familiar em algo próximo e prático. Corroborando com essa idéia, Abric (2000) e Veloz et al. (1999) apontam que a função das RS relaciona-se com a tentativa de representar uma realidade, atribuindo significado ao novo e visando torná-lo conhecido, passível de entendimento. Pontuam, como demais funções, a identitária, que possui relação com a imagem do grupo e suas especificidades; e a função justificadora, que agrega os valores que possibilitam a diferenciação de um grupo entre os demais.

Ainda versando sobre as funções das RS, cabe citar Moscovici (2003), que refere a propriedade prescritiva, segundo a qual as representações se impõem sobre nós com a força que combina uma estrutura presente, antes mesmo que comecemos a pensar, e uma tradição que decreta o que deve ser pensado. Essa declaração explicita a força que as representações possuem em nossa vivência individual e nas inter-relações grupais. No tocante à maneira como se dá a transmissão desses significados elaborados na interação dos indivíduos e grupos sociais, Tavares (2008) afirma que, entre as muitas formas de comunicação possíveis, a linguagem, em especial, possibilita o intercâmbio, a modificação e a ampliação das representações.

Ibañez (1988) trata do conjunto de elementos de natureza muito diversa - processos cognitivos, inserções sociais, fatores afetivos, sistemas de valores - que compõem a realidade social expressa no conceito de representação. Para esse autor, as RS são constituídas a partir de materiais provenientes do fundo cultural acumulado na sociedade ao longo de sua história, que circulam sob a forma de crenças amplamente compartilhadas. Reforçando essas definições, Sá (1996) menciona que a RS é uma construção e uma expressão do sujeito.

Conforme Veloz et al. (1999), as RS apresentam dois aspectos indissociáveis: o figurativo e o significante. Sob o ponto de vista do estudo da dinâmica das RS, o aspecto figurativo situa-se em nível do processo de objetivação, que transforma noções abstratas, tais como loucura, saúde, envelhecimento, em elementos quase tangíveis e visíveis no âmbito da vida cotidiana. A objetivação envolve certas operações simbólicas e estruturantes, pelas quais se dá uma forma ao aspecto significante, configurando o conhecimento prático acerca da realidade que é objeto da representação.

Com relação a esses processos de construção das RS, Moscovici (2003) sugere três hipóteses que explicam o porquê dessas representações. A primeira delas é o que o autor chamou de desiderabilidade, mediante a qual se procuram criar imagens para construção de sentenças que podem tanto revelar como ocultar intenções. Segue-se a esta a hipótese de desequilíbrio, segundo a qual as ideologias e concepções de mundo são compensações imaginárias, ou seja, meios para atenuar tensões psíquicas ou emocionais ocasionadas pelo fracasso ou pela falta de integração social. Por fim, a hipótese de controle, a qual supõe que os grupos criam as RS com intuito de filtrar a informação proveniente do meio e, assim, controlam o comportamento individual.

Segundo Jodelet (in Veloz et al., 1999), a RS é a operação que permite a materialização da palavra e a reabsorção dos significados pelos quais uma realidade é representada. Conseqüentemente, de todas as palavras que representam um assunto, aquelas frações que melhor o descrevem por imagens constituem os núcleos figurativos (Moscovici e Hewstone, 1985).

Por intermédio do processo de ancoragem, o sujeito atribui significado aos objetos, utilizado para nomeá-los e compreendê-los. Carvalho (2005) destaca que, por meio de um mecanismo de objetivação, o conhecimento socialmente representado transforma-se numa realidade material que constrói uma metáfora ou um ícone capaz de explicar o fenômeno, a idéia ou o objeto.

Conforme Praça e Novaes (2004), a teoria das RS reside na idéia de que os sujeitos buscam explicações, criam teorias próprias sobre uma série de assuntos que prendem a atenção e a curiosidade, demandando compreensão e pronunciamentos cotidianos a respeito de temas sociais contemporâneos como a escola, a religião, a política, a cultura, a saúde, a doença, a violência, entre outros. Tais explicações não são simples opiniões, mas possuem uma lógica própria, baseada nas mais diferentes informações e em julgamentos valorativos, originados de diferentes fontes. Além disso, fundamentam-se, também, em experiências pessoais e grupais. Importa ainda assinalar que as RS, na forma como aqui são entendidas, são criadas para possibilitar a comunicação entre sujeitos, configuram-se como mediações sociais e permitem que saberes estranhos se tornem familiares.

Considerando que a profissão de psicólogo é recente no Brasil, visto que sua regulamentação data de 1962, muitos estudos foram conduzidos com o intuito de conhecer as visões acerca desse profissional. Alguns desses estudos sugerem que a Representação Social do psicólogo envolve a percepção de um profissional que fornece ajuda e orientação às pessoas com problemas de ordem emocional. Confirmando essa hipótese, More et al. (2001, p. 96) constataram que a RS do Psicólogo é a de um profissional "que lida com problemas emocionais, que ajuda, orienta e conversa", e sua prática está associada a uma variedade de dificuldades. Conforme lembram Praça e Novaes (2004), historicamente, a profissão de psicólogo surgiu ligada às demandas de um regime disciplinar que visava adequar, ajustar, adaptar. Nesse regime, o psicólogo aplicava testes com o intuito de selecionar o funcionário certo para o lugar certo, para classificar o escolar numa turma que lhe fosse adequada, para treinar o operário, para programar a aprendizagem etc.

Em uma pesquisa com psicólogos, Motta et al. (1995) encontraram uma RS reducionista acerca do profissional da Psicologia, que o compara ao psiquiatra, ao psicanalista e ao professor. O predomínio pela área clínica é flagrante, e a psicanálise figura como aporte teórico mais referenciado tanto no início da formação do profissional quando no período de sua inserção no mercado de trabalho.

Entre estudantes universitários da área das ciências exatas e licenciaturas, Souza e Ferreira (in Wallig e Souza Filho, 2007) encontraram evidências de RS da Psicologia associadas a temas como estudo da mente, ajuda profissional, análise do comportamento e entender o outro. A atuação clínica é mencionada por 57% dos participantes e características como saber ouvir, ter paciência, entender as pessoas, ser louco e ser crítico são elementos importantes ao profissional da área.

Leme et al. (1989) realizaram pesquisas acerca das RS neste âmbito em uma amostra composta por alunos ingressantes no curso de psicologia. Os resultados aferem que as RS constituíam-se em dimensões positivas e negativas: a valoração negativa tem o psicólogo sendo representado como um profissional elitista, charlatão e visto com descrédito; a valoração positiva faz referência à uma imagem do psicólogo que se aproxima de três categorias: profissionais, guias espirituais e confidentes. No tocante à prática do psicólogo, a imagem predominante é a capacidade de resolver problemas, mas os adjetivos pessoais elencados foram: paciente, seguro e digno de admiração.

Santos (1989), em seu estudo junto aos estudantes iniciantes na graduação em Psicologia, encontrou elementos que apontam para uma imagem fortemente associada à atuação clínica. No contexto do referido estudo, os participantes da pesquisa evidenciaram um desconhecimento generalizado acerca dos recentes campos de atuação, desconhecendo também a realidade da formação, do exercício profissional e a função social do psicólogo. No estudo de Praça e Novaes (2004) sobre a RS do trabalho do psicólogo, com acadêmicos do penúltimo ano de graduação na área da saúde (psicologia, medicina, nutrição, fisioterapia, biologia, educação física, odontologia), encontraram RS que atribuíam uma função assistencialista à Psicologia, como a capacidade de melhorar, mudar e resolver a vida e as relações estabelecidas. Os autores salientam a urgência de uma reflexão sobre a responsabilidade social e ética do psicólogo.

 

Método

A investigação constituiu-se numa pesquisa de natureza qualitativa, realizada mediante um estudo exploratório em profundidade, desenvolvido junto ao CESEP - Centro de Serviços em Psicologia, situado no bairro central do município de Taquara-RS. Os apontamentos coletados no aporte teórico visam atender ao objetivo que norteia os estudos de orientação qualitativa, servindo como referencial para confronto com os elementos trazidos a partirda aplicação dos instrumentos de pesquisa na tentativa de confirmarem-se as hipóteses levantadas inicialmente.

 

Participantes

Os sujeitos da presente investigação foram 22 indivíduos que buscaram atendimento junto ao CESEP, no município de Taquara-RS, realizando o processo de triagem no período de agosto a setembro de 2008. Cabe ressaltar que, dentre os participantes, houve o predomínio absoluto de mulheres (100% da amostra), dado que configura uma especificidade do estudo. As participantes possuem entre 24 e 64 anos, com filhos, e o estado civil predominante (70%) é o de casadas/morando junto, seguido ao de separadas (20%) e ao de solteiras (10%), de acordo com o número total de cada variável. Dentre as demais variáveis de caráter sócio-demográfico, as atividades profissionais compreendem variados segmentos de atuação, alcançando renda mensal de um a quatro salários mínimos.

Cabe ressaltar que mais da metade das participantes já tiveram contato com profissionais de Psicologia anteriormente. Dentre os encaminhamentos mencionados pelos sujeitos, cerca de 60% referem ter buscado os serviços por conta própria, e os demais dizem ter sido encaminhados para atendimento psicológico por médicos, psiquiatras, por intermédio de escolas e empresas, pela assistência social e por indicação de amigos.

 

Instrumentos

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário contendo perguntas semi-estruturadas cujo foco estava na opinião dos entrevistados acerca do profissional da Psicologia. As perguntas foram as seguintes: para você, o que significa psicólogo?; o que você acha que faz um psicólogo?; já teve contato com um(a) psicólogo(a)?; qual sua opinião sobre o trabalho do psicólogo?; na sua opinião, por que as pessoas deveriam procurar um psicólogo?

 

Procedimentos éticos e de pesquisa

Inicialmente, o projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FACCAT. Posteriormente, com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que formaliza a adesão à participação no estudo e assegura os cuidados de cunho ético, os questionários foram disponibilizados junto ao CESEP e entregues aos usuários dos serviços de atendimento psicológico antes de participarem da triagem.

Quanto à finalização da coleta de dados, cabe ressaltar que o fechamento do número de participantes foi definido segundo o critério de exaustividade e saturação das informações, mediante análise preliminar realizada no transcorrer da coleta, que estabeleceu 22 questionários.

 

Procedimentos para a análise dos dados

A partir da aplicação do instrumento de pesquisa, como fechamento das etapas metodológicas, foi realizada uma análise de conteúdo para elaboração das categorias e subcategorias (Bardin, 1977; Olabuénaga, 1999). Esta técnica trata da análise de comunicação (no caso específico desta pesquisa, o conteúdo trazido pelos participantes ao responderem aos questionários), para chegar aos indicadores que permitam conhecer determinada realidade (a caracterização da Representação Social do psicólogo e de sua prática na comunidade local).

Bardin (1977) afirma que se faz uso desta técnica quando o interesse é conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça, ou seja, é uma busca de outras realidades através das respostas expressas nos questionários. A primeira fase da análise de conteúdo compreendeu a leitura geral das informações do questionário, de modo a destacar e selecionar aspectos mais relevantes relacionados aos objetivos da pesquisa: após uma pré-análise, prepararam-se as informações para a etapa seguinte. Logo após, fez-se um estudo exploratório do material levantado, separando as informações em termos de unidades de análise de acordo com os conteúdos temáticos, e selecionando trechos mais significativos para compor as categorias.

Dando continuidade à análise, as unidades de registro foram inventariadas e agrupadas de acordo com o tema e núcleo de significação das palavras entre as categorias, constituindo assim um conjunto se subcategorias. Por fim, realizou-se a análise e a interpretação das informações categorizadas. Segundo Spink (1998), a leitura flutuante do material coletado, mapeando temas emergentes, atentando para características que podem dar pistas valiosas quanto à natureza da construção é de extrema importância para a análise dos dados.

Depois disso, foi necessário retornar aos objetivos da pesquisa e definir claramente o objeto da representação. Em síntese, o material coletado nesta investigação foi analisado qualitativamente, explorando os elementos trazidos nas pesquisas de campo, a fim de relacioná-los com os achados bibliográficos, interpretar os dados e compor os resultados.

 

Resultados e discussão

No que se refere à significação das unidades de análise de conteúdo dos questionários, foram criadas quatro categorias, que correspondem às quatro questões compreendidas no instrumento de coleta de dados. Partindo dessas categorias, formularam-se subcategorias de acordo com os conteúdos expressos. Os resultados, então, são apresentados com excertos representativos, relacionando algumas respostas elucidativas dos participantes à caracterização das categorias. A Tabela 1 destaca as referidas categorias e subcategorias resultantes do processo de análise dos questionários.

A partir dos dados obtidos nos questionários, descritos através das categorias e subcategorias na Tabela 1, assim como das informações colhidas na revisão bibliográfica, a seguir será apresentada a discussão dos resultados. Os elementos destacados compreendem o tratamento de dados à luz do aporte teórico que fundamenta esta investigação.

No tocante aos estudos acerca do tema Representações Sociais, Moscovici (2001) postula que estas recebem especial atenção na prática da pesquisa atual, nas tentativas de descrever mais claramente o contexto. Nesta abordagem, vários são os temas investigados, abrangendo a doença mental, a violência, o grupo, o trabalho, os conflitos sociais, as relações intergrupais e ainda os grupos ou as categorias sociais como a criança, a mulher, os psicólogos e a Psicologia. Isso evidencia a gama de possibilidades para compor a caracterização de saberes sociais, a forma como são construídos e como influenciam a sociedade e seus sujeitos (Moscovici, 2003; Sá, 1996).

Jodelet (2005), em seu estudo sobre a RS da loucura, versou sobre a questão da inserção social da loucura, analisando a construção de RS sobre a doença mental. Em suma, pode-se dizer que as RS são elaboradas nas interações e comunicações no interior dos grupos sociais, refletindo a opinião dos indivíduos no que diz respeito aos assuntos que são objeto do seu dia-a-dia. Heider (1970), em seus estudos dos fenômenos de atribuição, postula que existe uma tendência a se atribuírem núcleos unitários de significado nos processos de percepção social. Considerando os apontamentos elencados anteriormente, no que trata da representação enquanto constituinte de um universo de opiniões, destaca-se a explicitação de sua significação através de núcleos centrais, em torno dos quais se agrupa um conjunto de informações, de atitudes e de crenças e um sistema de categorização. Em razão disso, estes aspectos foram considerados para a composição das categorias e subcategorias.

Mostazo e Kirschbaum (2003) colocam que o sujeito constrói significados para o tratamento de acordo com os sentidos ou símbolos atribuídos pela história social. Quando solicitados para descrever o que significa psicólogo, alguns participantes do estudo apontaram expressões como "abençoado" (sic) e "um anjo" (sic), alguém que encontra "coisas ocultas que só ele consegue chegar, entender" (sic). Segundo Praça e Novaes (2004), cabe observar a roupagem onipotente com que se veste a Psicologia e, conseqüentemente, aqueles que trabalham com ela. Para estes autores, a idéia da Psicologia como uma ciência capaz de mudar, melhorar, resolver a vida e as relações estabelecidas contribui fortemente para que o profissional da área (e o estudante também) tenha o estereótipo comum e antigo de adivinhar o que os outros pensam.

A segunda categoria (O que faz o Psicólogo) evidencia que os participantes percebem a atuação deste profissional relacionada ao auxílio em diversos âmbitos e a situações vivenciadas, acrescida de elementos que sugerem expectativas quanto à compreensão, ao entendimento e à resolução de problemas/conflitos. Nota-se, novamente, que a percepção dos sujeitos diz respeito ao psicólogo com relação a elementos de ajuda/auxílio, aspecto que pode facilitar o engajamento destes no estabelecimento de vínculo, bem como no transcorrer do tratamento.

Outras percepções com relação ao significado do psicólogo fazem alusão ao profissional da saúde, que lida com o emocional, que fornece suporte, estuda (a mente, o comportamento) ou ainda é visto como sinônimo de "terapia" (sic). Estes significados ficam evidenciados também na categoria O que faz o psicólogo quando se refere "ajuda em nossa caminhada de vida" (sic) ou ainda "ajuda a entender melhor os acontecimentos" (sic); "ajuda a resolver conflitos"(sic).

Assim, como afirma Wagner (1998), no campo de pesquisa em RS, observam-se usos distintos do conceito de representação, que dependem do interesse explicativo e do procedimento de avaliação do pesquisador. O nível de avaliação que abrange o sistema de conhecimento de indivíduos de grupos específicos implica que o pesquisador se remeta à questão individual, mas envolvendo uma amostra composta por vários indivíduos. Nesse caso, segundo Wagner (1998), o ponto de interesse em tais estudos é o conjunto de elementos constantes em uma representação, que se constitui dos elementos comuns do conhecimento produzido pelos sujeitos das investigações: no grupo de participantes deste estudo, os elementos apontados nas categorias descritas refletem o agrupamento de aspectos que configuram o conhecimento destes indivíduos, no que tange a sua representação sobre o psicólogo.

Considerando que a totalidade de participantes do estudo compreende sujeitos do sexo feminino, vê-se que este fato ratifica dados de outras investigações em relação à prevalência de pacientes mulheres na busca por psicoterapia (Jung et al., 2007). Em uma pesquisa para caracterização da clientela em clínicas-escola de Psicologia, é apontado o predomínio de pacientes do sexo feminino, observando uma variação do gênero de acordo com a faixa etária. Entre pacientes de 5 aos 9 anos, faixa etária que compreende o período de ingresso na escola e do processo de alfabetização, 53,3% dos pacientes são do sexo masculino, entre 15 e 19 anos, predominam sujeitos do sexo feminino (63,6%), enquanto na população atendida a partir dos 20 anos, o predomínio do sexo feminino teve percentual de 76,2% (Romaro e Capitão, 2003; Enéas et al., 2000).

Em seu estudo para caracterização dos pacientes das clínicas-escola de cursos de Psicologia da região metropolitana de Porto Alegre, Campezatto e Nunes (2007) reconheceram a similaridade dos achados com a grande maioria dos estudos neste âmbito, permitindo-se a inferência de um perfil típico do paciente que busca atendimento em clínicas-escola no Brasil: crianças, do sexo masculino, encaminhadas por escolas devido a dificuldades de aprendizagem/comportamento, e mulheres jovens, que buscam atendimento espontaneamente devido a conflitos relativos ao comportamento afetivo. A exemplo dos achados desta investigação, no que tange ao perfil das participantes, Carvalho e Telles (2001), analisando as queixas de sujeitos em triagem em uma clínica-escola, constataram que o perfil dos pacientes neste contexto foi caracterizado por mulheres adultas, jovens, solteiras, que buscam atendimento psicológico espontaneamente, por distúrbios de ordem afetiva e de relacionamento.

No levantamento da demanda de atendimentos clínicos do Centro de Serviços em Psicologia - CESEP -, em seu primeiro ano de atividades junto à comunidade local, Boeckel e Pereira (2008) constataram que a maior demanda compreende a população adulta, seguindo da infantil e, por último, a adolescente. Ademais, as autoras destacam o que vem sendo discutido acerca da diferença da procura por atendimento quanto ao gênero nas diversas faixas etárias: enquanto a demanda infantil e de adolescentes equilibra-se entre os dois gêneros, entre os adultos há maior prevalência do público feminino. Percebe-se, assim, que, ainda hoje, as mulheres procuram de forma mais intensa as soluções para os problemas emocionais, aspecto historicamente e socialmente construído (Boeckel e Pereira, 2008).

Dutra et al. (2006) salientam que é de extrema relevância considerar as maneiras como os elementos sociais e culturais se articulam na vida dos indivíduos, nas suas RS. Sá (1996) explica que isto se dá através de um processo denominado ancoragem, quando se integra cognitivamente o objeto representado a um sistema de pensamento social pré-existente. Com base nestes elementos explicitados, vê-se que é flagrante o fato de os indivíduos que buscam atendimento psicológico depositarem certa expectativa com relação ao mesmo. Esta inferência é percebida em expressões como "espero que reverta meu estado emocional" (sic) e em todas as colocações que referem a esperança de resolução de conflitos e problemas, como pode ser visto nos elementos que compõem a categoria Opinião sobre o trabalho do Psicólogo.

Indo ao encontro desta interpretação, Jovchelovitch (2008) coloca que a hiper-representação é tida como parte do poder simbólico da Representação, visto que o simbólico compreende a esfera onde se aplica a lei do "faz-de-conta". Nesse viés, o fenômeno da hiperrepresentação seria uma faceta do processo representacional que desempenha um papel crucial na hiperconstrução, pois gera uma série de expectativas distorcidas.

Ainda com relação à terceira categoria, de um modo geral, houve a tendência de caracterizar o trabalho do psicólogo como muito importante, indispensável. Para Praça e Novaes (2004) observa-se, então, que as RS tratam de fornecer um enquadre que contextualiza os sistemas de categorização de uma sociedade. Quando o leigo diz que o psicólogo é maluco, isso deve ser entendido a partir de uma rede de significações provenientes das representações sociais sobre o psicólogo.

A outra subcategoria diz respeito à Opinião sobre o trabalho do psicólogo, que traz elementos centrais positivos, nos quais há a qualificação da atuação deste profissional como "muito bom, se todos que precisam tivessem acesso" (sic) e "muito importante nos dias de hoje" (sic). Também a subcategoria de intensa expectativa aparece como elemento representativo do trabalho do psicólogo, possivelmente pelo fato de os sujeitos pesquisados terem buscado atendimento como forma de ajuda e manejo para suas demandas pessoais. Na referida subcategoria, aparecem núcleos centrais como "ajuda nas causas que pensamos estar perdidas" (sic) e "compreende sentimentos que não compreendemos" (sic).

Percebe-se ainda uma representação que pode estar relacionada à visão da Psicologia associada às demais áreas da saúde, muitas vezes confundida com a psiquiatria, formada, no senso comum, com base num conhecimento produzido socialmente. Esta concepção pode ser percebida quando os pacientes se reportam ao médico por ser aquele que prescreve a medicação e enunciam o psicólogo como "um médico que resolve problemas emocionais sem medicação" (sic) ou, como na colocação feita por uma das participantes, "assim como quando você tem uma dor de dente vai ao dentista, quando não está bem consigo mesmo vai ao psicólogo" (sic).

A categoria Por que procurar psicólogo, que faz alusão à motivação para busca de atendimento psicológico, aponta como subcategorias características associadas a ajuda/auxílio, entender, auto-conhecimento, desconforto emocional e solução mágica. Esses aspectos mencionados podem ser entendidos como parte do contexto atual vivenciado em sociedade e ao conjunto do processo psicoterapêutico. De acordo com esta categoria, a maioria das respostas revela uma imagem relacionada à ajuda, à orientação e ao entendimento. Essa representação evidencia-se em expressões como: "ajuda a resolver problemas e conflitos" (sic), "entende, estuda a mente e comportamento" (sic); "faz entender problemas" (sic); "para entender-se, se aceitar, compreender-se" (sic). Para Pereira et al. (2007), a psicoterapia é um contexto significativo que acolhe o sujeito, onde pode visualizar o que o aflige, elaborar e operar mudanças no seu modo de sofrimento.

O que se pode depreender nos elementos coletados é que, para os participantes, também a representação de cura (resolução de conflitos, reversibilidade do estado emocional, entre outros) se mantém presente como expectativa na busca pelo tratamento psicológico. De acordo com Mostazo e Kirschbaum (2003), a possibilidade de cura através desse tratamento se ancora no tratamento moral, para o qual sua função foi destinada e isso se codificou na representação das pessoas. Segundo estes autores, no século XIX, a prática em saúde mental objetivava a cura como característica central, divulgando a necessidade de um tratamento para os loucos, resultando em uma atitude transformadora de sintomas e de alterações morais.

Hartmann (1999) acredita que a relação interpessoal desenvolvida no processo psicoterapêutico ocorre entre dois seres distintos (de um lado, o paciente e, de outro, o profissional) e que essa relação é permeada por conteúdos imaginários - mágicos ou trágicos - símbolos e mecanismos de defesa que influenciam o tratamento dos pacientes e a eficácia do processo. Nesse sentido, expectativas mágicas relacionadas à cura, ao esbatimento de sintomas ou resolução de conflitos e problemas de diferentes ordens podem estar associadas a esses tipos de conteúdos imaginários, símbolos e mecanismos de defesa.

Torna-se pertinente retomar a primeira categoria, com relação ao que significa psicólogo, na qual algumas colocações, como referido anteriormente, fazem menção ao psicólogo com capacidades mágicas, conforme apontado por Hartmann (1999). Ademais, cabe mencionar que os achados estão em consonância com estudos nos quais se aborda o significado do psicólogo como um profissional que "lida com problemas emocionais, ajuda, orienta e conversa" (More et al., 2001) e como assinalam Leme et al. (1989), nas categorias de valoração positiva, fazendo referência a uma imagem deste como guia espiritual e confidente. No tocante à prática do psicólogo, estes autores referem que predomina a capacidade de resolver problemas.

Diante das questões sobre a atuação do psicólogo (expressas nas categorias O que faz; Por que procurar), os sujeitos declararam pontos comuns a todos os questionários aferidos, no que tange ao reconhecimento de aspectos positivos associados ao papel do profissional da Psicologia. Alguns excertos ilustrativos desse dado encontram-se em "ajuda, orienta, entende, escuta, conversa". Para Pereira et al. (2007), o sujeito pede para ser escutado numa relação de ajuda a fim de que seja possível colocar em palavras seu sofrimento e angústias. Corroborando com os achados identificados a partir da análise dos dados coletados, Mostazo e Kirschbaum (2003) concluíram, em seu estudo sobre as representações de usuários do Centro de Atenção Psicossocial, que ao psicólogo é atribuída a característica profissional de ouvir e de conversar.

Hartmann (1999), em pesquisa centrada nas RS e realizada entre profissionais de saúde, constatou que 50% destes participantes acreditam interferir sobre o paciente ou sobre seu processo saúde-doença. Os profissionais consultados valem-se de verbos como ajudar, facilitar, contribuir, permitir, procurar e resgatar (formas de ações positivas), evidenciando a compreensão da realidade e o sentido construtivo de suas condutas frente ao processo terapêutico desenvolvido junto ao paciente.

Sem dúvida, torna-se fundamental a integração de aspectos relacionais, psicológicos e sociais no entendimento desse fenômeno. Entender a RS do profissional da Psicologia em um Centro de Serviços da área, considerando um entorno social em constante mudança, onde os indivíduos se apropriam de significados a partir de suas inter-relações, possibilita a compreensão de fenômenos importantes que permeiam este contexto.

Devem ser ressaltados aspectos de cunho assistencialista, revelando a RS da Psicologia como aquela que pode dar ajuda incondicional ao outro (Praça e Novaes, 2004). Elementos desta natureza podem ser notados em colocações como: "o psicólogo ajuda a resolver os problemas/conflitos" (sic), "compreende os problemas" (sic), "soluciona conflitos" (sic), "ajuda no auto-conhecimento" (sic), "tenta resolver o que não está no meu alcance" (sic), "espero que reverta meu estado emocional" (sic), "ajuda nas causas que achamos estar perdidas" (sic).

No entanto, o mergulho no processo de auto-conhecimento implica revisitar fatos e resignificar acontecimentos (Pereira et al., 2007). Nesse sentido, os autores referem que a clínica é o contexto que fornece esta possibilidade, uma vez que liga o sujeito a outro que o escuta e o confirma no mundo a partir de sua revelação, numa atitude incessante de enfrentamento e mudança no modo de existir.

Magalhães et al. (2001), em estudo realizado sobre a escolha vocacional na perspectiva dos ingressantes no Curso de Graduação em Psicologia, constataram que a maior parte das declarações expressa o desejo de ajudar o outro associado a interesses por assuntos psicológicos (a mente humana, gênese da psique) e seu desenvolvimento. Embora a ajuda apareça como elemento central da RS dos participantes da presente investigação, um dos sujeitos refere, entre os significados do(a) psicólogo(a), "o estudo da psique e do comportamento humano", demonstrando ter conhecimento do objeto de estudo deste profissional.

O estudo de Praça e Novaes (2004) revela altos índices percentuais (89,3%) para o item ouvir como instrumentos reconhecidos como psicológicos. Este apontamento corrobora os elementos trazidos em muitos dos questionários, segundo os quais os participantes do estudo citam a escuta como elemento significativo do trabalho do psicólogo.

Na investigação conduzida por Cenci (2006) sobre a RS da psicologia em um bairro periférico de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, os psicólogos são entendidos como algo distante destes moradores e, por esta razão, difícil de ser representado. As falas referem uma Representação Social ligada a "alguma coisa mental", ao profissional que desenvolve um trabalho mais ligado às crianças em idade escolar com problemas adaptativos ou aos adultos com problemas. Neste sentido, pode-se pensar que nos diferentes contextos sócio-econômico-culturais coexistem distintas RS com características próprias acerca do/a psicólogo/psicologia. Ou seja, as informações coletadas na pesquisa de campo compreendida neste artigo, abarcam os elementos constituintes da RS de um contexto específico: indivíduos que buscam atendimento clínico em um Centro de Serviço-escola do Município de Taquara.

Outra pesquisa realizada por Souza e Trindade (1990), na cidade de Vitória - ES, objetivando identificar a RS do psicólogo e de suas atividades profissionais em dois segmentos sociais distintos (classe baixa e classe média), indica que o modelo clínico de atuação profissional serve como elemento básico na produção de representações dos dois segmentos investigados. Nesta pesquisa, a maioria dos participantes de classe baixa (73,3%) não possuía qualquer representação do que fosse um psicólogo. Por outro lado, todos os participantes da classe média demonstraram algum tipo de informação sobre o profissional da psicologia, apontando, novamente, que o psicólogo serve para aconselhar e orientar.

Cenci (2006) menciona que a atuação do psicólogo está voltada tradicionalmente para a clínica particular ou para o trabalho fora dela, mas, neste último caso, ainda assim o profissional segue orientado por uma perspectiva individual, como ocorre na primeira situação. Atualmente, os psicólogos deparam-se com a necessidade de buscar novas formas de ação profissional, envolvendo diferentes clientelas e diferentes realidades sociais. Esse contexto exige deles um conhecimento desta nova realidade para possibilitar uma ação profissional que prime pela responsabilidade.

Em consonância com os achados do presente estudo, Ribeiro e Sarriera (1997) encontraram uma imagem do psicólogo visto como solucionador de problemas individuais, considerado um profissional muito importante e indispensável no âmbito da saúde, evidenciando atitudes de respeito para com a profissão, associado à competência, seriedade, ética. Corroborando com os elementos do presente estudo, na investigação conduzida por esses autores, o psicólogo é procurado pelas pessoas para que ajude, auxilie, oriente, analise, aconselhe e interprete. O trabalho deste profissional é descrito como aquele que ajuda as pessoas e orienta o comportamento humano.

Dentre as características do porquê da busca por atendimento psicológico, houve a referência à solução de muitas coisas, resolve dilemas da atualidade e problemas familiares/ pessoais/interiores. Estes aspectos podem ser vistos como uma importante ânsia pela ajuda no entendimento do que se passa com o sujeito, mas também com a resolução das demandas experenciadas em sua vida no contexto em que está inserido.

Também Weber (1991), no intuito de identificar a imagem do psicólogo e da psicologia com pessoas provenientes de diversos níveis culturais e sócio-econômicos da cidade de Curitiba, constatou que os entrevistados possuem um conhecimento maior sobre a atuação do psicólogo na área clínica. A maioria dos entrevistados indicou a Psicologia como o estudo da mente, referindo o psicólogo como um solucionador de problemas em geral e não necessariamente como alguém que trata problemas de loucura.

Ribeiro e Sarriera (1997) referem que o psicólogo, ao trabalhar sob influência do modelo médico, determina o tipo de RS referente ao fazer da Psicologia. Nos dados coletados, a expressão "um médico que resolve problemas emocionais sem medicação" (sic) elucida a caracterização do psicólogo nesse viés interpretativo.

Por fim, é importante destacar que alguns aspectos atribuídos ao psicólogo podem estar relacionados ao fenômeno da desejabilidade social, no qual os participantes respondem com elementos positivos associados ao que é socialmente esperado/aceito, uma vez que todas as colocações feitas dizem respeito a aspectos positivos (Aronson et al., 2002). Esta inferência poderia também estar relacionada ao que Abric (2000) denomina de "zona muda das Representações Sociais", que compreende uma região consciente da mente na qual os sujeitos escondem seus preconceitos, estereótipos, enfim, tudo aquilo que eles sabem que é politicamente incorreto e que não convém expressar naquele contexto específico.

 

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo inicial de identificar e analisar as Representações Sociais do psicólogo, pode-se considerar que as referidas RS estão fortemente ligadas ao ato de ajudar, entender, conversar, orientar. Os principais resultados do estudo apontam que os sujeitos pesquisados atribuíram ao profissional da psicologia um conjunto de habilidades que podem ser sintetizadas nas capacidades de analisar e de entender os comportamentos, sentimentos e problemas. Nesse sentido, a RS do psicólogo junto aos usuários da área clínica do Serviço-escola é configurada por uma visão deste profissional como alguém que fornece ajuda, orienta, entende/compreende e auxilia na resolução de conflitos e problemas (na vida escolar, familiar, social).

Considerando que o principal pressuposto dos estudos em RS diz respeito à compreensão do processo de construção social da realidade, vê-se, através dos elementos trazidos pelos participantes deste estudo, que a atuação do psicólogo encontra-se vinculada a atendimentos individuais com ênfase no aspecto curativo. Essa situação tem contribuído para uma consolidação da RS do psicólogo marcada exclusivamente pelo seu caráter terapêutico/ clínico, dificultando a construção de uma visão em que o profissional da psicologia possa atender em diferentes âmbitos, como o institucional e comunitário.

Desta forma, é premente a necessidade de identificar as Representações Sociais dos pacientes assistidos na clínica, bem como nos diferentes contextos nos quais se dá a atividade do psicólogo, com o intuito de subsidiar sua ação junto a diferentes segmentos. Vê-se, então, que estudar a RS do psicólogo pode contribuir para o entendimento do contexto no qual o profissional exerce seu trabalho. Segundo Spink (1988), os limites da atuação do psicólogo são socialmente estruturados e dependem não apenas dos modelos de prática adotados, mas das demandas e expectativas da população.

Pretendia-se captar as percepções que os indivíduos possuem acerca dos profissionais de Psicologia. Nesse sentido, os conteúdos trazidos representam que, diante da recente inserção dos estagiários de Psicologia do CESEP no atendimento à comunidade taquarense, o presente estudo mostrou-se importante por oportunizar uma interpretação desta realidade e dos fenômenos subjacentes neste segmento de Ciências Humanas. Em síntese, no contexto estudado - Centro de Serviço-Escola -, o que se pode perceber é que o psicólogo se mantém por meio de uma Representação de conotação positiva, socialmente compartilhada, que possivelmente auxiliará na adesão ao tratamento psicoterápico. No que se refere à definição do papel do profissional de Psicologia, são primordialmente citados aspectos como auxílio na resolução de conflitos/problemas, além de ações como entender/compreender e conversar.

Diante de tais resultados, estudos posteriores poderão ser conduzidos com o intuito de contrastar as RS dos sujeitos que buscam atendimento na área clínica junto ao CESEP com aqueles que terão os serviços disponibilizados nos projetos de extensão comunitária implantados pelo referido centro. Para Guareschi (2000), pesquisas acerca das RS são muito importantes na atuação em comunidades, pois se constituem em saberes práticos, mas, para investigá-las, deve-se valer das práticas cotidianas, uma vez que o campo representacional será desvelado através da relação entre fala e ação. Bergman e Luckmann (2004) também enfatizam a importância de conhecer as formas de produção do conhecimento como principal fonte da ação humana na sociedade, pois esta se refere àquilo que os indivíduos conhecem como real na vida cotidiana e orienta as práticas humanas no mundo.

 

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Submetido em: 09/10/2008
Aceito em: 03/11/2008

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