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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.1 no.2 São Leopoldo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Avaliação da efetividade terapêutica de um programa de treinamento de pais em uma comunidade carente de Belo Horizonte

 

Effectiveness evaluation of a therapeutic program of parental training in a poor community of Belo Horizonte

 

 

Marimília R. LambertucciI; Hudson W. de CarvalhoII

ILaboratório dos Processos Psicológicos do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Av. Antônio Carlos, 6627, 31270-901, Pampulha, MG, Brasil. lambertuccimr@yahoo.com.br
IIProfessor efetivo na Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG e da Faculdade Divinópolis - FACED. Coordenador do Núcleo de Pesquisa Básica e Aplicada em Psicologia da FACED. hdsncarvalho@yahoo.com

 

 


RESUMO

Este trabalho visa avaliar a efetividade de um programa de treinamento de pais em famílias de uma comunidade carente de Belo Horizonte. O programa foi administrado a 14 pais de crianças com problemas de desobediência e de agressividade, ao longo de oito encontros no período de dois meses. Os resultados do programa foram mensurados pela aplicação de dois instrumentos avaliativos de condutas indesejadas em crianças - o Questionário de Situações Domésticas e o Inventário de Comportamentos Inoportunos - antes do início do programa (situação de pré-teste) e imediatamente após o seu término (situação de pós-teste). O grau de fidedignidade/unidimensionalidade de ambos os instrumentos foi calculado pelo método Alpha de Cronbach, o que produziu coeficientes alpha aceitáveis. Análises estatísticas não-paramétricas - análise descritiva e o teste de Wilcoxon - indicaram uma redução significativa nas condutas-foco do estudo. Os resultados indicam o sucesso terapêutico do programa, no entanto, a limitação e as implicações restritivas do programa também são apontadas.

Palavras-chave: treinamento de pais, eficácia terapêutica, externalização, vulnerabilidade social.


ABSTRACT

The present work aims to assess the effectiveness of a parental training in families from a poor community of Belo Horizonte. The program was administered in a group of 14 parents of children with defiance and aggression problems throughout eight meetings distributed across two months. The effectiveness of the program was evaluated by two measurement tools of defiance and undesirable behaviors in childhood - the Questionnaire of Home Situations and the inventory of defiant behavior - before the onset of the program (pretest situation) and immediately after its end (posttest situation). Reliability was estimated for both instruments using the Cronbach Alpha method which produced acceptable coefficients. Nonparametricstatistics - descriptive statistics and the test of Wilcoxon - indicated that there was a significant reduction within children's oppositional-aggressive problems. Results indicate the program is successful. Limitations and implications of the program are examined.

Key words: parental training, therapeutic efficiency, externalizing, social vulnerability.


 

 

A aprendizagem social (Bandura et al., 1963; Bandura, 1989a, 1989b, 2001) e o desenvolvimento socioafetivo (Hawkins e Weis, 1985; Mussen et al., 2005) são processos psicológicos altamente complexos que envolvem, entre outros, a aprendizagem de estratégias cognitivo-comportamentais de autocontrole, o desenvolvimento de habilidades sociais e a construção do autoconceito por meio de ações educativas em um contexto psicossocial. Nessa linha de raciocínio, Dockrell e McShane (2000) apontam que a situação familiar, tanto em sua dimensão física quanto na relacional, mostra-se como um dos principais fatores de determinação de problemas de ordem socioafetiva e educacional em crianças.

Conforme observam Del Prette e Del Prette (2005), os padrões comportamentais mantidos pelos pais em relação aos próprios filhos são variáveis importantes na caracterização do ambiente familiar, principalmente no que tange à influência que esse ambiente exerce sobre a educação de crianças e de adolescentes. Os autores propõem, ainda, que tanto a análise das práticas de manejo parental quanto o desenvolvimento de modelos interventivos para a família sejam permeados pelo conceito de habilidades sociais educativas (Del Prette e Del Prette, 2001, 2005). O conceito proposto procura sistematizar o repertório comportamental emitido por pais e mães em relação ao manejo da conduta de seus filhos com base no princípio de educação assertiva, na medida em que abrange formas de interação não-coercivas e pró-sociais (Bolsoni-Silva e Marturano, 2002). Um modelo de intervenção familiar deve, portanto, voltar-se para a ampliação e o ajuste do padrão de conduta da família sob a ótica das habilidades sociais educativas.

Dentre as possibilidades de intervenção psicoterapêutica para a família, os modelos de treinamento de pais têm aparecido enfaticamente na literatura especializada (Barkley, 1997; Pinheiro et al., 2002; Kazdin, 2003; Weisz, 2004). Esses modelos de intervenção são de finidos como um conjunto de procedimentos no qual pais ou cuidadores são capacitados a modificarem suas práticas disciplinares e educativas e, conseqüentemente, a atuarem sobre o padrão comportamental indesejado de seus filhos resultante da modificação de contingências relevantes ao ambiente familiar. Os modelos de treinamento de pais atribuem a estes últimos o papel de co-terapeutas e, desse modo, co-responsabilizam-se pelo sucesso dos procedimentos terapêuticos implementados. Podem ser citadas quatro razões que dão suporte aos modelos de treinamento de pais. Como primeira delas, destacamos que os programas de treinamento são voltados, na maioria dos casos, ao tratamento de crianças diagnosticadas com algum transtorno do espectro externalizante infantil que, via de regra, ocasiona conflitos de ordem psicossocial (Barkley, 1997; Gomes e Villanova, 1999; Regalla et al., 2007) e problemas educacionais (Pastura et al., 2005). Em segundo lugar está o acúmulo de evidências acerca da efetividade longitudinal desses programas para modificar as contingências controladoras dos comportamentos e das relações identificadas como disfuncionais (Long et al., 1994; Kazdin, 2003). A terceira razão reside no caráter amplamente reconhecido da determinação recíproca da relação pais e filhos, o que faz com que o desenvolvimento de habilidades parentais assertivas possa modificar o comportamento dos filhos que, por sua vez, reforçam as práticas parentais que foram aprendidas (Barkley, 1997; Mussen et al., 1995). Por último, tem-se a tendência de se reproduzirem os parâmetros educativos assimilados no ambiente familiar quando os filhos estabelecem uma nova família (Oliveira et al., 2002; Papalia e Olds, 2006).

Além dos aspectos levantados, a influência e a importância da qualidade da relação pais e filhos sobre o desenvolvimento das crianças têm sido atestadas por estudos recentes. Gomide (2003) relaciona práticas parentais educativas inconsistentes e agressivas a problemas nos desenvolvimentos cognitivo e social e no desempenho acadêmico dos filhos. Outras pesquisas indicam que crianças em idade escolar com pouca interação com ambos os pais apresentam um desenvolvimento cognitivo abaixo do esperado e uma maior presença de problemas de comportamento (Anselmi et al., 2004; Stocker et al., 2003). A dinâmica familiar também parece ser um importante determinante psicossocial para o desempenho acadêmico dos filhos. Crianças com bom desempenho acadêmico têm, geralmente, pais e mães mais afetuosos que privilegiam o uso de reforços positivos verbais, quando comparados aos pais de crianças que apresentam um desempenho acadêmico insuficiente (Hill e Taylor, 2004; Newcombe, 1999). Camacho e Matos (2007) evidenciam, por meio de um estudo empírico-correlacional, que meninos e meninas, com idades entre 12 e 14 anos, a quem os pais dão mais autonomia e carinho, têm tendência a apresentar melhor rendimento acadêmico, bem como menor predisposição à fobia social.

Com base no que foi exposto, o objetivo central do presente estudo é o de investigar a efetividade de um modelo de treinamento de pais adaptado, a partir de Barkley (1997), por Pinheiro et al. (2002) para um contexto socioeconômico desfavorável. Adicionalmente, pretende-se discutir as implicações da implementação desse modelo para o contexto escolhido.

 

Método

Participantes

Os participantes do estudo foram 30 pais e mães, alocados em dois grupos de 15. Desses 30 participantes, 14 concluíram as seis etapas do programa, perfazendo um total de 13 mães e um pai, com idade média de 30 anos. A idade média dos filhos foi de cinco anos de idade. Os pais que desistiram de participar do programa apresentavam um escore médio (M=27,41) no Questionário de Comportamentos Inoportunos menor que o obtido pelos pais que permaneceram até o final do programa (M=42,8). Tal fato permite supor que a percepção dos pais em relação à baixa incidência de problemas de conduta em seus filhos possa ter motivado a desistência. Quanto ao nível de escolaridade dos participantes, dez pais (um pai e nove mães) tinham o ensino fundamental incompleto; três, o ensino médio incompleto; e uma mãe era analfabeta.

Cada pai foi orientado a aplicar os procedimentos aprendidos ao longo do programa com apenas um de seus filhos, que deveria ser selecionado a partir dos seguintes critérios: a criança participante do programa deveria estar regularmente matriculada na creche, e, havendo mais de uma criança nessa condição, deveria ser selecionado(a) o(a) filho(a) que apresentasse a maior intensidade de manifestação de condutas opositivo-desafiadoras.

Procedimentos

O presente estudo selecionou pais e mães com base em uma reunião que ocorria mensalmente em uma creche situada em uma comunidade carente de Belo Horizonte. Nessa reunião, o programa Relação Pais e Filhos - desenvolvendo uma atenção diferencial - Programa de Orientação Psicoeducacional para Pais (Barkley, 1997; adaptado por Pinheiro et al., 2002) foi pormenorizado; após, os pais foram convidados a participar do experimento. A participação no programa foi condicionada à assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A partir desse primeiro contato, os pais que decidiram aderir à pesquisa foram submetidos a uma entrevista clínica motivacional (Oliveira, 2000) que precedeu à implementação do modelo de intervenção proposto.

 

Contexto e implementação do programa

As intervenções ocorreram em uma sala de reuniões ampla e com disponibilidade de equipamentos audiovisuais (retroprojetor, aparelho de televisão e um videocassete). Os oito encontros foram realizados semanalmente, com duração aproximada de uma hora e trinta minutos. Cada um dos seis passos do programa constituía uma sessão terapêutica.

O primeiro encontro foi destinado à apresentação mútua dos pais, dos terapeutas e dos auxiliares de pesquisa, bem como para informes gerais e para a realização da avaliação psicodiagnóstica precedente à intervenção (préteste). No último encontro, na oitava semana, foi realizado o pós-teste.

A partir do Passo 2, o terceiro encontro, as reuniões se estruturaram em três partes. Na primeira, uma discussão era realizada com o objetivo de relembrar e examinar a tarefa executada pelos pais na semana anterior. O objetivo era o de levantar dúvidas, falhas e sucessos, por meio da mediação do terapeuta. Na segunda parte, um novo passo era detalhado e exemplificado mediante diferentes práticas pedagógicas como, por exemplo, role play, vídeos, pictogramas, entre outras. Na terceira parte, a tarefa que deveria ser realizada no decorrer da semana foi pormenorizada.

 

Descrição do programa de intervenção

O programa de intervenção adotado no presente estudo é baseado no trabalho de Barkley (1997), que foi adaptado por Pinheiro et al. (2002), e cujos passos são descritos a seguir:

Passo 1: por que as crianças se comportam mal?

Esse passo tem como meta ampliar o entendimento dos pais quanto à identificação dos fatores que influenciam o comportamento da criança, ou seja, são levantadas e discutidas as possíveis causas do comportamento desobediente dos filhos. Objetiva-se sensibilizar para o fato de que esse comportamento está, em linhas gerais, relacionado a quatro fatores: (i) características psicológicas da criança; (ii) características dos pais; (iii) conseqüências do mau comportamento; e (iv) eventos estressores da família. São utilizadas vivências com os pais para que eles possam identificar como o comportamento de seu filho é controlado pela atenção que recebe, mesmo no que se refere à punição.

Passo 2: prestando atenção ao bom comportamento de seu filho

O objetivo desse passo é habilitar os pais a diminuírem a atenção sobre os comportamentos de suas crianças que despertam neles reações passivo-agressivas, a fim de ampliarem o uso de formas mais efetivas de atendimento e de apreciação às condutas desejadas de seus filhos, na forma de elogios e de valorização. O objetivo central é, portanto, desenvolver um padrão de reforço diferencial, em que os pais aprendam a prestar atenção e a reforçar o bom comportamento de seus filhos em detrimento das condutas tidas como inadequadas. Para tanto, é ensinada a técnica do "recreio especial", um momento em que os pais devem brincar com seus filhos e deixar a condução da brincadeira para as crianças, além de suspender a apreciação negativa de qualquer conduta, caso seja necessário. É pedido aos pais que reservem de 15 a 20 minutos por dia para a prática do "recreio especial" e que estabeleçam um horário fixo para a atividade. Essa técnica contribui para descontrair o ambiente na família, para aumentar o envolvimento dos pais com a criança, motivando-a a cooperar com eles.

Passo 3: aumentando a brincadeira independente

Os pais são estimulados a participar de ensaios comportamentais, visando ao monitoramento das atividades independentes da criança. São criadas situações de desempenho de papéis, em que os pais aprendem a elogiar a criança quando ela brinca sozinha. Os pais devem começar a executar uma atividade cotidiana e dizer aos filhos que não querem ser incomodados, mas devem parar sua atividade para elogiar o filho por não terem sido interrompidos. Em seguida, os pais devem retomar a atividade e aguardar um tempo maior para novamente elogiarem o filho pela mesma razão. Devem repetir esse procedimento, sempre aumentando o intervalo temporal entre um elogio e outro.

Passo 4: dando ordens eficientes

Neste passo, solicita-se aos pais que observem a maneira como lidam com seus filhos e, subseqüentemente, como dão ordens a eles. Esse momento objetiva promover a aprendizagem do conceito de bidirecionalidade (Mussen et al., 1995), ou seja, a influência recíproca entre o comportamento dos pais, o modo cotidiano de agir e as reações afetivas típicas de seus filhos. Adicionalmente, há o intuito de diferenciar os conceitos de pedido e de ordem, de modo a enfatizar as características e os fatores associados ao cumprimento de uma ordem. Para tanto, pede-se aos pais que reduzam as fontes de distração, antes de dar uma ordem, e que se certifiquem de que a criança prestou atenção ao comando. É também pedido que dêem apenas uma ordem de cada vez, demonstrando seriedade a respeito das conseqüências de seu não cumprimento, não a apresentando sob a forma de pergunta. O atendimento às ordens é importante e valioso na relação pais e filhos. Embora o filho tenha o direito de argumentar, nem sempre possui maturidade para definir certas situações, e cabe aos pais, algumas vezes, definir por eles.

Passo 5: ensinando seu filho a ler o ambiente

A meta central desse passo é permitir, por meio da mediação dos pais, a aprendizagem de leitura do ambiente social pelos filhos. Inicia-se com um treino de observação, no qual se pede aos pais que observem, identifiquem e interpretem expressões de sentimentos e emoções verbais e não verbais (Del Prette e Del Prette, 2001) presentes em fotos, filmes e, principalmente, em dinâmicas. Subseqüentemente, uma discussão mediada pelo terapeuta responsável é realizada com o intuito de ensinar aos pais a leitura do ambiente familiar. Os pais, então, são convidados a apresentar aos filhos as expressões trabalhadas a partir de figuras de revistas, personagens de TV e livros, e, da mesma forma, incentivados a conversar sobre o que essas expressões representam, em que situações ocorrem e quando acontecem com maior freqüência. Essas habilidades recebem a denominação de leitura ou decodificação do ambiente social.

Passo 6: melhorando o contato com a creche/ escola

Nesse passo, estimula-se a livre comunicação e cooperação entre pais, professores e educadores. Os pais são orientados a monitorar as atividades escolares de seus filhos, como, por exemplo, acompanhar diariamente a realização das tarefas de casa e inspecionar a disponibilidade dos materiais escolares, assim como demonstrar interesse pela conduta do filho no ambiente escolar, possibilitando uma parceria entre família e escola. Também é ressaltada a importância que a manutenção das atividades assimiladas durante o programa - como o recreio especial, por exemplo - tem para a profilaxia de problemas comportamentais eventuais.

 

Avaliação do programa

O programa de intervenção foi avaliado por meio de dois instrumentos - o Questionário de Situações Domésticas e o Inventário de Comportamentos Inoportunos, ambos desenvolvidos por Barkley (1997), que verificam, junto aos pais, situações clinicamente relevantes como a agressividade, a desobediência e a presença de condutas de ameaça e manipulação. Tais instrumentos foram aplicados a todos os 14 participantes por meio de uma entrevista prévia no início da intervenção (pré-teste) e logo após sua conclusão (pós-teste).

 

Instrumentos

Questionário de Situações Domésticas (QSD, Barkley, 1997): o QSD é um instrumento que objetiva identificar as diferentes situações familiares nas quais a criança se mostra desobediente, opositiva e agressiva, e mensurar a freqüência e a gravidade dessas ocorrências. As normas existentes para o QSD são para crianças americanas entre 4 e 11 anos. O presente estudo não utilizou as normas para análise dos dados, centrando-se apenas nos escores quantitativos resultantes da somatória dos itens que mensuram a gravidade das condutas.

Inventário de Comportamentos Inoportunos (QCI, Barkley, 1997): o QCI é um instrumento quantitativo cuja meta é mensurar tendências comportamentais que se manifestam por meio de condutas agressivas, manipulativas e impulsivas. Os escores são obtidos por intermédio de uma escala Likert de quatro pontos variando de três a zero: nesta escala, três corresponde a muito freqüente, e zero, a nunca ou raramente. O escore final é calculado a partir da somatória das respostas atribuídas a cada item.

 

Análise dos dados

A análise dos resultados foi realizada com base nos escores brutos obtidos nas situações de pré e pós-teste. A fim de assegurar a consistência dos resultados, calculou-se o coeficiente alpha tanto para QSD quanto para o QCI, com fundamento nos dados obtidos no pré-teste. A existência de diferença significativa entre as condições de pré e de pós-teste foi investigada por meio de um teste não-paramétrico de comparação de médias para amostras dependentes (Teste Wilcoxon). As estatísticas foram realizadas com o emprego da 14ª versão do aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para Windows.

 

Resultados

A análise de consistência interna, medida pelo coeficiente Alpha, indicou que ambos os instrumentos utilizados apresentam índices adequados de unidimensionalidade, de modo que o QSD obteve um coeficiente Alpha equivalente a 0,75, e o QCI, um equivalente a 0,88. Esses resultados conferem confiabilidade ao teste do programa de intervenção, uma vez que os escores desses instrumentos são a base em que se estabelece a comparação das condições de pré e pós-teste.

A análise dos escores médios obtidos no pré e no pós-teste indica que houve diminuição significativa na impulsividade, no oposicionismo e na agressividade medidos. No QSD, a mediana do pré-teste foi de 33 (dp = 24,07), e houve, no pós-teste, uma redução significativa (Z = -2,7, p = 0,02) para 21 (dp = 11,96). Já no QCI, identificou-se uma redução marginalmente significativa da mediana (Z = -2,39, p = 0,06) de 41 (dp= 11,89) para 33 (dp= 4,88). A Tabela 1 traz o detalhamento dos resultados descritivos, a média e o desvio padrão e a mediana, além dos inferenciais, resultantes do Teste de Wilcoxon, nas condições de avaliação da efetividade do programa.

 

Discussão

O contexto familiar em suas dimensões relacional e física configura os fatores diretamente observáveis mais relevantes para o desenvolvimento socioafetivo dos filhos (Dockrell e McShane, 2000). Em um contexto de famílias carentes, os recursos físicos são insuficientes e, muitas vezes, inadequados. Assim, propõe-se que intervenções terapêuticas ou psicoeducacionais enfatizem os determinantes comportamentais da relação familiar, com o objetivo de instalar repertórios de conduta assertiva e pró-social na relação de pais e filhos, além de generalizá-los para os diferentes contextos em que a família se encontra e que se mostram relevantes para os filhos, como a escola. Nesse sentido, avaliou-se a efetividade de um programa psicoeducacional de capacitação de pais como co-terapeutas, que enfoca as relações familiares sob a ótica da bidirecionalidade (Mussen et al., 2005) e das habilidades sociais educativas (Del Prette e Del Prette, 2001, 2005).

Os resultados indicam que o programa é eficiente no que se refere à redução de condutas desobedientes, agressivas e impulsivas manifestadas pelos filhos. Pressupõe-se que tal redução seja devida à mudança comportamental dos pais em resposta à intervenção. Entretanto, não houve um acompanhamento longitudinal a fim de verificar se os ganhos indicados pela análise dos resultados foram suficientes para manter os pais engajados na execução das condutas e das tarefas aprendidas, mesmo na ausência de supervisões.

O conteúdo e a organização do programa mostraram-se simples e facilitaram sua implementação em um contexto de famílias de uma comunidade carente e com baixo grau de escolaridade. Além disso, os instrumentos utilizados para mensurar os efeitos do programa foram psicometricamente avaliados por meio da estimação do coeficiente Alpha, e isso, até certo ponto, assegura confiabilidade aos resultados. Em contrapartida, a ausência de um grupocontrole restringe a validação dos resultados. Conseqüentemente, torna-se impossível verificar se os benefícios identificados estatisticamente são devidos, de fato, ao programa ou ao efeito de uma variável interveniente presente no estudo.

 

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Submetido em: 02/10/2008
Aceito em: 07/11/2008

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