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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.2 no.1 São Leopoldo June 2009

 

ARTIGOS

 

Comportamentos de mães em interação lúdica com seus filhos pré-escolares que apresentam comportamento opositor

 

Mothers' behavior into the play interaction with their oppositional children

 

 

Annie Catharine W. Bueno; Cynthia Borges de Moura

Universidade Estadual de Londrina, Centro de Ciências Biológicas. Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento. Campus Universitário, Caixa Postal 6001, 86051-990, Londrina, PR, Brasil. cmoura@uel.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo caracterizar o comportamento de mães em interação com filhos em idade pré-escolar os quais apresentam comportamento opositor, a partir de uma situação lúdica arranjada no Laboratório de Estudos do Comportamento Humano da Universidade Estadual de Londrina - PR. Participaram da pesquisa 35 mães com idade entre 21 e 56 anos e seus respectivos filhos com idades entre 3 e 6 anos. Todas as crianças apresentavam padrão de comportamento opositor, sendo 89% do sexo masculino. O procedimento consistiu na realização de uma gravação em vídeo, de uma sessão lúdica com cada dupla mãe-criança. As mães foram instruídas a brincar livremente com seus filhos, com os brinquedos disponíveis na sala, durante vinte minutos. Registrou-se a frequência de quatro comportamentos de interesse: elogios descritivos, elogios genéricos, ordens e críticas. Os resultados mostraram que as mães estudadas apresentaram alta frequência de críticas à criança e ao seu comportamento (0,74 respostas por minuto) e baixa frequência de elogios, tanto genéricos quanto descritivos (0,25 elogios por minuto). Assim, observou-se que o padrão de interação das mães consistia no uso três vezes maior de críticas, quando comparado aos elogios. Esse dado tem relação direta com a queixa das mães quanto ao comportamento opositor de seus filhos, uma vez que estilos parentais altamente punitivos e exigentes estão correlacionados, na literatura da área, com problemas comportamentais das crianças, como constatado na amostra estudada.

Palavras-chave: comportamento opositor, pré-escolares, situações lúdicas.


ABSTRACT

The aim of this study is to characterize the mothers' interaction behavior with their preschool-age children who presented oppositional behavior, into a play set in the Laboratory of Human Behavior Studies located in Londrina State University. The participants in this research were 35 mothers with ages ranging from 21 to 56 years-old and their children, with ages ranging from three to six years-old, 89% male. All children presented oppositional behavior's problems. The procedure consisted in recording on video a play session with each dyad mother-child. The mothers were instructed to play freely with their children using the available toys in the set for twenty minutes. The frequency of four behavior was registered: descriptive praises, generic praises, orders and critiques. The results indicated that mothers showed high frequency of critiques to the children and their behavior (0,74 responses per minute) and few praises, as generic as descriptive (0,25 responses per minute). Thus, it was observed that the mothers' behavior consisted in the use of three times more critiques than praises. This data presents the direct relation of the mothers' complaints to the oppositional behavior of their children, once highly punitive and demanding parents' styles are correlated in the literature with children's behavior problems.

Key words: oppositional behavior, preschool children, play set.


 

 

Os pais são os primeiros agentes reforçadores no ambiente dos filhos e são eles que consequenciam inicialmente a maior parte dos comportamentos das crianças. Dessa forma, os genitores têm grande importância na formação e no desenvolvimento dos repertórios infantis (Skinner, 2003; Staats e Staats, 1973).

Socialmente, espera-se que os pais sejam capazes de desenvolver repertórios em seus filhos que possibilitem a eles um convívio social adequado, como fazer amigos, resolver problemas, e realizar tarefas de auto-cuidado etc. Para cumprir esse papel, os pais se utilizam de diversas estratégias, as quais alguns autores denominam de práticas parentais (Alvarenga, 2001; Salvador e Webber, 2005).

No entanto, nem sempre essas estratégias são utilizadas de forma adequada em relação ao comportamento que se deseja suprimir e, se, forem assim empregadas, além de não atingirem os resultados esperados, contribuem para agravar o problema. Dessa forma, os pais, em sua interação diária com seus filhos, podem contribuir para aquisição e/ou manutenção dos comportamentos inadequados destes; de um lado, por inabilidade em lidar com problemas relacionados à faixa etária e, por outro, pelo deficit nas habilidades implicadas no uso adequado de extinção, punição e de reforço positivo (Olivares e García-López, 1997).

Autores como Huang et al. (2003), Sidman (2003) e Skinner (2003) apontam que as melhores estratégias são as não coercitivas como: (i) a atenção dirigida ao comportamento adequado; (ii) o uso de instruções diretas e claras, elogios, recompensas etc. De acordo com esses autores, o uso de punições não ensina o que deve ser feito, restringe-se a ensinar o que não fazer, além de acarretar diversas consequências negativas para as crianças, como fuga e esquiva, e de ser modelo para o comportar-se coercitivamente.

Afora as consequências já mencionadas, o uso de práticas coercitivas pode agravar um padrão de comportamento inadequado, se o comportamento punido for também reforçado pela atenção. Isso ocorre, ainda que a atenção seja dada de forma negativa, principalmente se esse for o único meio pelo qual as crianças recebem atenção dos cuidadores (Wahler, 1976). A manutenção do uso de práticas coercitivas por parte dos pais provavelmente se dá em razão de que essas práticas geralmente fazem com que o comportamento punido cesse imediatamente após a punição, o que pode funcionar como reforço para o comportamento dos cuidadores.

Alvarenga (2001) aponta que os problemas de comportamentos externalizantes, como a agressão, a hiperatividade, a desobediência e o comportamento delinquente, estão diretamente relacionados com o uso de estratégias coercitivas. Segundo esta autora, a atenção somada a uma prática educativa não-coercitiva por parte das mães está relacionada à ausência de problemas de comportamento infantil. Já as estratégias coercitivas e a ausência de um envolvimento positivo da mãe são preditoras de problemas de comportamento na infância.

O treinamento de pais tem se mostrado como umas das abordagens mais efetivas no tratamento de crianças com problemas comportamentais. Tanto os problemas externalizantes, como desordens de conduta, comportamento opositor e agressividade (Azar e Wolf, 1989; Brestan e Eyberg, 1998; Kadzin, 2003; Nixon, 2002), quanto os problemas internalizantes, como depressão, ansiedade e isolamento social (Treadwell e Kendall, 1996), confirmaram a responsabilidade que os pais têm na persistência do comportamento inadequado dos filhos.

A observação da interação de mães e filhos em uma situação lúdica pode se mostrar importante para a caracterização do perfil de interação das mães e seus filhos com comportamento opositor, pois interações lúdicas são incompatíveis com interações coercitivas. Com isso, criam-se melhores condições para que os pais consequenciem adequadamente o comportamento de seus filhos mediante interações positivas e diminui-se a probabilidade de que ajam de forma coercitiva. No entanto, se um padrão punitivo for observado nessas interações lúdicas, é mais provável que seja também esse o padrão comportamental desses pais em outros ambientes, fato que pode contribuir para manter o padrão opositor de seus filhos.

Entender e descrever esse padrão de interação pode levar à proposição de programas focais e eficazes para essa clientela. Crianças em idade pré-escolar, provavelmente, sejam as mais adequadas para a pesquisa sobre o efeito das práticas educativas parentais no seu comportamento, já que, nessa idade, os pais ainda são os maiores agentes reforçadores na vida dos filhos.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é caracterizar, a partir de uma situação lúdica, o padrão de comportamento de mães em interação com filhos em idade de dois e seis anos com problemas de comportamento opositor. Para tanto, realizou-se uma análise descritiva do comportamento verbal da mãe com base na frequência de ocorrência de quatro comportamentos: elogio genérico, elogio descritivo, crítica e ordem. A hipótese central do estudo é a de que, mesmo em uma situação lúdica, mães cujos filhos apresentam comportamento opositor podem fazer uso de estratégias coercitivas e, assim, a condição arranjada de laboratório pode ser uma estratégia efetiva de análise diagnóstica da interação pré-intervenção, por se apresentar como uma amostra funcional do comportamento materno.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa trinta e cinco díades mãe-criança cujos filhos, em idade pré-escolar, apresentavam comportamentos opositores. Para a seleção das díades, foram utilizados os seguintes critérios: mães com depressão mínima e com ajustamento marital, de acordo com o Inventário Beck de Depressão (Cunha, 2001) e Escala de Ajustamento Marital (Locke e Wallace, 1959) respectivamente, e filhos com comportamentos opositores de acordo com o resultado do Child Behavior Checklist (Achenbach e Rescorla, 2000).

As características gerais dos participantes estão contidas na Tabela 1. Observa-se que 46% das mães tinham idade entre 31 e 40 anos, 94% eram casadas, 51% tinham ensino superior completo ou incompleto.

Local de realização da pesquisa

As várias etapas de condução deste trabalho foram realizadas no Laboratório de Estudos do Comportamento Humano e nas salas de atendimento da Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.

Instrumentos

Inventário Beck de Depressão

O Inventário Beck de Depressão é composto por vinte e dois itens derivados de observações, sumarizados a partir de atitudes típicas e sintomas apresentados por pacientes psiquiátricos. Durante a aplicação do instrumento, solicita-se que o respondente informe sobre a intensidade dos sintomas, com base em como se sentiu na semana que passou, incluindo o dia das respostas das informações, numa escala crescente de severidade que varia entre 0 e 3. Os escores para a versão em português (Cunha, 2001) são de (0-11) para a depressão mínima; (12-19) para a depressão leve; (20-35) para a depressão moderada e de (36-63) para a depressão grave.

Escala de Ajustamento Marital

Esse instrumento tem por objetivo avaliar a satisfação conjugal (Locke e Wallace, 1959). As concordâncias e discordâncias entre o casal são avaliadas em várias áreas do relacionamento, tais como manejo das finanças, assuntos de lazer, demonstração de afeto, amigos, relações sexuais, ideais e objetivos etc. A pontuação de corte nesse instrumento é 100; valores acima desse indicam satisfação conjugal, e abaixo indicam insatisfação do indivíduo com o casamento.

Child Behavior Checklist - Versão 1 a 5 anos

Essa versão do CBCL (Child Behavior Checklist) (Achenbach e Rescorla, 2000) é específica para avaliar questões da faixa etária pré-escolar. O instrumento permite a obtenção de taxas padronizadas de problemas comportamentais de crianças de 1 a 5 anos de idade, a partir do relato dos pais. É composto por 99 itens destinados à avaliação dos problemas comportamentais da criança. O informante é orientado a quantificar os comportamentos apresentados pela criança nos últimos dois meses, numa escala 0-1-2 pontos que indicam, respectivamente: (i) item falso ou comportamento ausente; (ii) item parcialmente verdadeiro ou comportamento, às vezes, presente; (iii) item bastante verdadeiro ou comportamento frequentemente presente. O instrumento avalia as seguintes síndromes: reatividade emocional, ansiedade/depressão, queixas somáticas, problemas de atenção, comportamento agressivo e problemas de sono. Por meio da análise dos itens dessas síndromes, também se obtém uma caracterização da criança como clínica, normal ou limítrofe, quanto ao seu Funcionamento Global e nos perfis Internalizante e Externalizante. Em razão dos objetivos desta pesquisa, foram utilizados apenas os escores referentes ao Funcionamento Global, Perfil Externalizante e Comportamento Agressivo. A avaliação do instrumento é feita por meio de software específico. Os valores para análise dos escores em Funcionamento Global, Perfil Internalizante e Perfil Externalizante são: limítrofe - escores entre 60 e 63; clínico - escores superiores a 64; normal - escores inferiores a 60. Para as síndromes, os escores limítrofes são entre 65 e 69 e para o clínico, acima de 70.

Child Behavior Checklist - Versão 4 a 18 anos

O Child Behavior Checklist - Versão 4 a 18 anos faz parte de um conjunto de avaliações formuladas por Achenbach (1991), destinado à obtenção de taxas padronizadas de problemas comportamentais de crianças e adolescentes de 4 a 18 anos de idade, a partir do relato dos pais. É composto por 138 itens. Desses, 20 são designados para a avaliação de competência social e 118 para a avaliação de problemas de comportamento. O informante é orientado a quantificar os comportamentos apresentados pela criança ou adolescente, nos últimos seis meses, numa escala 0-1-2 pontos, de forma idêntica ao já descrito na versão para pré-escolares. Oito síndromes comportamentais são avaliadas: Isolamento, Queixas somáticas, Ansiedade e Depressão, Problemas Sociais, Problemas no Pensamento, Problemas de Atenção, Comportamento Delinquente e Comportamento Agressivo. Também se avalia a criança como clínica, normal ou limítrofe para seu funcionamento Global e nos perfis Externalizante e Internalizante, por meio de uma análise computadorizada. Os valores dos escores em Funcionamento Global, Perfil Internalizante e Perfil Externalizante são: limítrofe - escores entre 60 e 63; clínico - escores superiores a 64; normal - escores inferiores a 60. Para as síndromes, os escores são dois: (i) limítrofe, entre 66 a 70 (ii) e clínico, acima de 71.

Categorias para Análise das Interações

As Categorias para Análise das Interações foram definidas conforme descrição abaixo para padronização dos comportamentos a serem observados.

Categorias parentais: (i) elogios descritivos: referiam-se às verbalizações das mães dirigidas à criança, as quais expressavam apreciação/aprovação e descreviam especificamente a resposta que a criança tinha emitido, por exemplo: "gostei que você fez bolinhas bem redondinhas"; (ii) elogios genéricos: referiam-se às verbalizações maternas dirigidas à criança que expressavam apreciação/aprovação, mas eram inespecíficas quanto à resposta a que se referiam, como, por exemplo, "isso", "muito bem", "que legal"; (iii) críticas: verbalizações que salientavam erro numa atividade ou característica da criança, por exemplo: "você não sabe brincar"; (iv) ordem: verbalização (pedido ou sugestão) que indicava qual comportamento era esperado da criança, por exemplo: "coloque todas as peças aqui neste canto".

Categorias infantis: (i) obediência: quando a criança respondia ao direcionamento parental cumprindo a ação requerida. Qualquer grau de obediência, desde a aproximação à ação até a consecução completa do ato requerido, era levado em conta. Também foram considerados obediência, o seguimento da instrução, ordem ou pedido após os pais repetirem uma única vez, e as respostas imediatas para as perguntas dos pais, também após uma única repetição; (ii) não obediência: quando a criança não respondia ao direcionamento parental, ignorando-o. Incluiu-se nessa categoria apenas comportamentos não vocais, como, por exemplo, ocorrências em que a mãe pedia que a criança pegasse o brinquedo e esta continuava fazendo sua atividade isoladamente, mesmo com a repetição do pedido ou da instrução.

Folha para Registro dos Comportamentos Parentais e Infantis

Elaborada pela segunda autora deste estudo, Cynthia B. Moura, a Folha para Registro dos Comportamentos Parentais e Infantis é composta por duas partes onde se registra a frequência das categorias de interesse da mãe e da criança, na situação de interação lúdica gravada em vídeo. Cada parte está subdividida em quatro intervalos de cinco minutos. Há, também, campos para anotar tanto a frequência total de cada uma das categorias e a identificação da díade em interação quanto o nome do observador.

 

Procedimento

A pesquisa foi desenvolvida conforme as etapas descritas abaixo:

Etapa 1 - Avaliações do comportamento infantil

As mães com filhos em lista de espera da clínica escola da Universidade Estadual de Londrina foram chamados a responder individualmente o Child Behavior Checklist a fim de se estabelecer a intensidade e generalidade dos problemas comportamentais da criança. Foram selecionadas as crianças que apresentaram escore clínico mais alto para problemas externalizantes, mesmo que apresentassem escores clínicos para problemas internalizantes, e cuja síndrome externalizante de maior escore fosse comportamento agressivo.

Etapa 2 - Coleta de dados observacionais

Sessões lúdicas de vinte minutos em situação de brincadeira livre foram gravadas em vídeo, para a mensuração dos comportamentos parental e infantil. As gravações realizaram-se nas salas do Laboratório de Estudos do Comportamento Humano ou em uma das salas de atendimento da Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, nas quais permanecia apenas a díade (mãe-filho). As salas eram amplas e os poucos móveis eram afastados para que um tapete (2m x 1,5m) fosse colocado no chão com três brinquedos (Lego, Tapa-certo e Lousa Mágica). A câmera acoplada ao tripé foi posicionada em frente ao tapete. A mãe e a criança eram conduzidas até a sala e era solicitado à mãe que permanecesse com a criança sentada no tapete para que ambas brincassem livremente com os materiais disponíveis. Ao final dos vinte minutos, interrompia-se a brincadeira.

 

Análise dos dados

Dois observadores assistiram, posteriormente, ao vídeo e realizaram um registro de frequência das respostas verbais da mãe e das respostas de interesse da criança, tanto vocais quanto não vocais, durante todo o tempo de interação. A mensuração das categorias de comportamento foi realizada a partir da contagem do número de ocorrências de cada uma das categorias de interesse, durante os vinte minutos. O índice mínimo de concordância entre observadores era de 85%. Quando o índice de concordância não era atingido, um terceiro observador assistia ao vídeo e registrava a frequência de respostas das categorias. Os comportamentos registrados foram: (i) elogios genéricos e elogios descritivos (categoria parental) e (ii) obediência e não obediência (categoria infantil).

 

Resultados

A Figura 1 apresenta a frequência média total de elogios e críticas emitidas pelas mães em relação ao comportamento dos filhos nos vinte minutos de interação registrada em vídeo.

 

 

Como mostram os dados da Figura 1, houve uma média de 5,1 emissões de elogios para 14,9 críticas em 20 minutos de gravação com as mães estudadas, o que corresponde a um padrão de emissão de críticas três vezes maior do que a de elogios. Na Figura 2 é exibida a média total de respostas por minuto para elogios e críticas.

 

 

Pode-se observar, na Figura 2, que houve uma alta emissão de críticas (0,74 respostas), aproximadamente três críticas a cada quatro minutos; e uma baixa emissão de elogios (0,25 respostas), aproximadamente um elogio a cada quatro minutos.

 

Discussão

A análise descritiva dos dados referentes à caracterização das mães participantes do estudo mostrou que maior parte, eram casadas, tinham ensino superior completo ou incompleto, e eram mães de apenas um filho (o encaminhado). Esse último dado é interessante porque justifica, em parte, a busca pelo atendimento. A literatura sobre este tema aponta, já há algum tempo, que a variável "inexperiência da mãe em cuidar do primeiro filho", somada ao desconhecimento sobre características do desenvolvimento infantil e sobre práticas educativas efetivas pode contribuir para o desenvolvimento e a manutenção de comportamentos inadequados das crianças (Bee, 1996; Kerr et al., 2007).

A procura maior por atendimento clínico para crianças do sexo masculino também é um dado importante que corrobora com os estudos da área. Silvares (1998) estudou os prontuários de 766 pacientes abaixo de 15 anos que procuraram atendimento na Clínica de Psicologia da IP-USP e constatou que 71% dos encaminhamentos eram de meninos e apenas 29% de meninas. Além disso, uma das queixas mais frequentes entre os meninos era a agressividade. Seiffge-Krenke e Kollmar (1998), também encontraram maior incidência de comportamento agressivo em crianças masculinas pré-escolares, tanto quando avaliadas pelos pais quanto pelas mães.

Somando-se os dois fatores, mãe de uma única criança, cujo sexo é masculino, pode-se supor que, devido à inabilidade dessas mães em lidar com crianças pela falta de experiência prévia, os meninos ficam mais expostos às coerções e às sanções maternas, em função de suas características típicas, principalmente a da agitação motora e a do comportamento exploratório (Wahler, 1976, 1997). Assim, num primeiro momento, as mães podem se mostrar mais tolerantes com tais comportamentos, por acreditar serem adequados ao sexo da criança. No entanto, em um momento posterior, esses mesmos comportamentos, outrora reforçados, passam a ser alvo das queixas das mães, por terem se tornado inconvenientes.

Uma outra hipótese, ligada apenas à inabilidade das mães, segue resultados das pesquisas desenvolvidas por Wood-Shuman e Cone (1986) e Wahler e Dumas (1984). Esses autores constataram, em seus estudos, que mães que experimentam problemas com seus filhos falham em discriminar acuradamente comportamentos infantis positivos e negativos. Em ambos os estudos, as mães com dificuldades de manejo com seus filhos assistiam a vídeos de seus próprios filhos e de outras crianças e eram questionadas a respeito da adequação ou não das respostas apresentadas pelas crianças. As mães, ao assistirem aos vídeos, taxavam o comportamento da criança como problemático, enquanto os observadores treinados o viam como inócuo. Diante de tais constatações, os estudos concluíram que as mães falhavam em discriminar acuradamente os comportamentos infantis positivos e negativos, respondendo a ambos como se fossem provenientes da mesma classe de estímulos.

No presente estudo, as mães emitiram poucos elogios aos comportamentos adequados do filho e, quando o faziam, frequentemente era por meio do uso de elogios genéricos, o que não deixa claro à criança, principalmente à criança pequena, qual o comportamento que está sendo elogiado. Em contrapartida, as mães emitiram muitas críticas, aproximadamente três a cada quatro minutos, provavelmente dando mais atenção ao comportamento inadequado do que ao comportamento adequado. Isso nos faz supor que, além de fornecerem atenção ao comportamento inadequado, as mães podem também responder negativamente a comportamentos que não requereriam punição. Nesse sentido, Ullmann e Krasner (1975) afirmam que, se as crianças só recebem atenção dos pais quando choram ou chutam, por exemplo, ao invés de obtê-la ao comportar-se de modo apropriado, é bastante provável que passarão a emitir essas últimas respostas, visto que choro e agressividade levaram ao resultado desejado.

Destacando que o estudo foi realizado dentro de uma situação lúdica arranjada em laboratório, o padrão de interação das mães estudadas pode ser considerado bastante punitivo. Isso ocorre porque a situação de brincadeira deve ser ocasião para a emissão de alta frequência de elogios e baixa frequência de críticas ao comportamento do filho, justo o contrário do que foi observado. Se a mãe, num contexto favorecedor de interações positivas, apresenta comportamento coercitivo, pode-se supor que esse padrão se apresente de forma semelhante ou mais acentuada nos contextos da vida diária.

Estilos parentais altamente punitivos e exigentes estão correlacionados na literatura da área com problemas comportamentais das crianças (Weber, 2005). É possível que a criação de programas de orientação a pais que ensinem, por exemplo, o uso de reforço diferencial - elogiar o comportamento adequado e ignorar o comportamento inadequado - seja crítico para a modificação do comportamento parental. Isso acontece, pois, do mesmo modo como os pais colaboraram para a aquisição do repertório comportamental inadequado de seus filhos, também podem se tornar agentes efetivos de mudança e promover, em primeiro lugar, a alteração de seu próprio comportamento.

Por fim, salienta-se que esse estudo tem suas limitações em função do recorte escolhido para a pesquisa: análise de apenas quatro respostas maternas, e avaliação realizada num contexto lúdico em laboratório. Paradoxalmente, o, recorte tem suas forças e fragilidades, pois, por um lado, garante um maior rigor e objetividade nos procedimentos de coleta e análise de dados e, por outro, permite apenas supor uma similaridade funcional entre os ambientes de laboratório e doméstico. Embora alguns estudos atuais estejam voltados para o modo de planejar avaliações observacionais que permitam fidelidade diagnóstica (Wakschlag et al., 2005), o procedimento de observação em laboratório, como ferramenta clínica padronizada para a tarefa de avaliação dos padrões de interação mãe- criança, é ainda apenas promissor.

 

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Submetido em: 19/01/2009
Aceito em: 13/04/2009

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