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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.2 no.2 São Leopoldo dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Concepções de mindfulness em Langer e Kabat-Zinn: um encontro da ciência Ocidental com a espiritualidade Oriental

 

Concepts of mindfulness in Langer and Kabat-Zinn: an encounter of Western science with Eastern spirituality

 

 

Luc VandenbergheI; Alysson Bruno AssunçãoII

IPontifica Universidade Católica de Goiás. Rua 232, 128, 3º andar, Setor Universitário, Goiânia, GO, Brasil. luc.m.vandenberghe@gmail.com
IIPetróleo Brasileiro S.A. Gestão Corporativa de Abastecimento. Av. República do Chile, 65, 20º andar, sala 2002, 20031-912, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. alyssonassuncao@petrobras.com.br

 

 


RESUMO

O conceito de mindfulness se tornou importante na clínica contemporânea. É herdeiro de duas distintas tradições de pensamento. A primeira emergiu da pesquisa de Ellen Langer em psicologia experimental. A segunda iniciou-se com o trabalho de Jon Kabat-Zinn, que introduziu a meditação budista na prática clínica. Dessa maneira, uma prática espiritual milenar que respira a filosofia oriental confluiu com um corpo de conhecimento estabelecido pelas estratégias da ciência objetiva ocidental. O artigo apresenta uma ampla revisão teórica das formas em que esse conceito foi articulado na literatura psicológica, a partir das duas fontes supracitadas. A definição de mindfulness e as suas bases empíricas são revisadas para sustentar uma contextualização no pensamento contemporâneo. O conceito contribuiu para o referencial teórico de diferentes modelos cognitivos e comportamentais na área clínica atual. Como exemplos citam-se a terapia comportamental dialética e a prevenção de recaída para clientes que já foram depressivos e encerraram com sucesso uma terapia cognitiva. O conceito também se tornou relevante no estudo de relacionamentos. Este artigo discute algumas aplicações no campo da terapia de casal e no manejo da relação terapêutica. Argumenta-se que a prática de mindfulness de origem budista é altamente compatível com a tradição de pesquisa experimental sobre mindlessness. Apesar das suas origens distintas, as duas abordagens compartilham um entendimento do sofrimento humano, além de promover soluções similares para as vivências problemáticas trazidas à terapia pelos clientes. Além disso, aponta-se que as duas abordagens trazem considerações similares, tanto para o aprimoramento pessoal quanto para o trabalho terapêutico no consultório.

Palavras-chave: mindfulness, terapia cognitivo-comportamental, budismo.


ABSTRACT

Mindfulness has become a salient concept in today's clinical psychology. It descends from two distinct traditions of thought. The first emerged from research in experimental psychology done by Ellen Langer. The second began with the introduction, by Jon Kabat-Zinn, of Buddhist meditative practices in behavioral medicine. Thus, a millenary spiritual practice that emanates oriental philosophy merged with a body of knowledge established by the strategies of Western objective science. The present article reviews the ways in which this concept, starting from its two distinguished sources, has been articulated in the psychology literature. The definition of mindfulness is explored as well as its empirical foundations and contemporary thinking. This concept contributed to the theoretical framework of different cognitive and behavioral models of present day therapy. Examples are dialectical behavior therapy and relapse-prevention for clients who successfully completed a treatment of depression with cognitive therapy. The concept also contributed to the study of relationships. We discuss some of its applications in the field of couple therapy and in work on the therapist-client relationship. We argue that the tradition that originated in Buddhism and the one that was developed in experimental research are highly compatible. They share a valuable understanding of human suffering and its origins. They sustain similar solutions for the experiential distress clients bring to therapy. And finally, the article discusses how both approaches suggest similar considerations for personal development as well as for treatment.

Key words: mindfulness, cognitive-behavior therapy, Buddhism.


 

 

Aprender a lidar com emoções é um motivo que leva muitas pessoas a procurarem auxílio da psicologia. Dentro do contexto dessa necessidade, o conceito de mindfulness ganhou destaque nas terapias comportamentais e cognitivas nas últimas duas décadas. O interesse dos clínicos pelo conceito nasceu da confluência entre duas tradições. A primeira delas, ligada ao nome da psicóloga Ellen Langer, é baseada em quatro décadas de pesquisa empírica, de acordo com os preceitos científicos Ocidentais. A outra é a tradição meditativa milenar do Oriente, introduzida na prática clínica por John Kabat-Zinn. A intenção deste artigo é descrever e caracterizar esses dois caminhos, a partir das suas articulações na literatura psicológica.

 

Mudanças de primeira e segunda ordem

No cenário internacional, o advento dos modelos cognitivos se anunciou no quadro de uma renovação nas práticas clínicas e nos princípios teóricos subjacentes a esses. O movimento cognitivo-comportamental introduziu importantes mudanças. Se os primeiros tratamentos empiricamente sustentados para transtornos psicológicos eram baseados em tecnologia pautada em princípios de extinção pavloviana (Eysenck e Rachman, 1965), a nova onda foi marcada por técnicas argumentativas. Não se tratava mais de trabalhar diretamente emoções disfuncionais, mas de questionar e debater crenças subjacentes (Beck, 1970; Ellis, 1964).

Mesmo assim, a terapia cognitivo-comportamental manteve certa continuidade com a primeira onda da terapia comportamental. Ambos os movimentos privilegiaram, nessa época de pioneirismo, estratégias que modificam conteúdos específicos. Estes conteúdos poderiam ser respostas emocionais inadequadas a serem eliminadas por meio de técnicas de exposição (extinção pavloviana), ou crenças irracionais que devem ser testadas, debatidas e adaptadas (reestruturação cognitiva). A esta abordagem que visa à modificação direta dos conteúdos problemáticos, denomina-se mudança de primeira ordem.

Uma inovação mais radical ocorreu logo depois. Apareceram propostas terapêuticas que colocaram mais ênfase na vivência subjetiva do que na análise racional. Seguimos, neste artigo, uma corrente de clínicos que busca a mudança de segunda ordem - corrente dentre do qual o interesse para o papel de mindfulness se desenvolveu de maneira mais abrangente. Enquanto a mudança de primeira ordem é definida como modificação de conteúdos, a de segunda ordem objetiva uma revisão da perspectiva em que são vivenciados estes conteúdos. A proposta clínica passa a ser, então, a de transformar a perspectiva que produz significado em relação a uma crença ou um sentimento. Ao invés de modificar os conteúdos de pensamentos e suposições irracionais, a terapia consiste em rever o contexto socioverbal que os alimenta. Na terapia, o cliente aprende a diferenciar a si mesmo dos conteúdos presentes nos seus pensamentos e sentimentos. Descobre, por exemplo, que ele não é o que pensa sobre si, mas sim alguém que pensa algo sobre si (Hayes e Gregg, 2002).

A mudança de primeira ordem consiste, portanto, em reestruturar os conceitos que o cliente tem de si, e as de segunda ordem, em aprender a ver esses conceitos como nada mais do que conceitos. Conforme critica Hayes (1987, 2004), não importando quão racionais pareçam ser, conceitos abstratos não podem captar com plenitude o fluxo dinâmico da vivência. Esta crítica se apoia numa análise filosófica que rejeita a ênfase excessiva que a cultura moderna põe na racionalidade. A pessoa que vive a partir de análises conceituais de sua realidade arrisca-se a ficar alienada da sua vivência real. Não enxerga mais o que não se encaixa nos seus conceitos. O autor contende que, além de tornar a análise conceitual do cliente mais adequada, a reestruturação cognitiva promove o papel central dos conceitos na vivência do mesmo. Entretanto, como viver a partir de conceitos tende a ser alienador, a solução não é aperfeiçoar o que envolve os problemas, mas subvertê-los como um todo.

Por outro lado, rejeitar o domínio da cognição e privilegiar a vivência emocional pode expor o sujeito a outros problemas. Se uma situação for abordada pela "lente" das emoções por ela evocadas, a informação obtida será filtrada e deturpada por ela. A melhor solução consiste, então, em buscar uma perspectiva que permita ao cliente transcender tanto os conceitos racionais quanto as emoções. Em uma perspectiva transcendente, torna-se possível enxergar que as cognições e as emoções são função da história de vida e do contexto em que ocorrem (Linehan, 1993; Hayes e Gregg, 2002). Uma emoção negativa pode oferecer informações sobre algum problema que ocorre no cotidiano do indivíduo e indicar opções que precisam ser reconsideradas em sua vida. Por isso, os sentimentos negativos devem ser acolhidos como fontes de sentido, da mesma forma que os positivos. Tal abordagem permite que o cliente explore e torne explícitos seus valores (Hayes, 1987; Linehan, 1993).

 

Ellen Langer e a tradição ocidental

Antes de desenvolver sua noção de mindfulness, Langer (1989) dedicou a maior parte de sua carreira a estudar o fenômeno que foi chamado por ela de mindlessness. A autora define esse termo como um modo de funcionar em que a pessoa vive como se fosse guiada por um piloto automático, usando referências prontas - um modo de ação muito comum na vida cotidiana. Trata-se de uma maneira de pensar e agir em que o indivíduo confia em categorias previamente estabelecidas e olha o mundo a partir de uma única visão.

 

Fontes de mindlessness

Uma das muitas fontes de mindlessness consiste em viver de acordo com hábitos. Padrões de comportamento bem treinados podem funcionar melhor quando a pessoa não pensa. Por exemplo, quando um motorista experiente começar a refletir criticamente sobre cada ato que pratica ao volante, será bem mais provável que ele bata o carro do que confie nas suas reações habituais. O mesmo vale para automatismos intelectuais que têm seu desempenho prejudicado quando a pessoa pensa enquanto os executa. Esse fenômeno se mostra particularmente significativo em tarefas de rotina que já foram dominados e automatizados há muito tempo. Por outro lado, a reflexão crítica não tende a prejudicar o desempenho em novas tarefas (Langer e Weinman, 1981). Entretanto, quando a pessoa aprende que é melhor confiar em procedimentos e maneiras de pensar já adquiridos, hábitos intelectuais podem tomar conta de áreas importantes da sua vida. Ela pode funcionar de maneira confortável, mas sem ter uma noção clara do que está fazendo.

Outra fonte de mindlessness é o compromisso cognitivo precoce (Chanowitz e Langer, 1981). Esse conceito descreve o efeito de informações antigas, mas nunca examinadas criticamente, sobre comportamentos que ocorrem em situações novas. Tais informações podem ter sido aceitas sem reflexão, no passado, por não terem sido relevantes e não valer a pena pensar sobre elas. Com o passar do tempo, a pessoa continua usando essas informações de maneira não reflexiva, mesmo quando está diante de novas situações nas quais aquela informação se tornou muito relevante e deveria ser avaliada cuidadosamente.

Uma terceira fonte de mindlessness é constituída pela utilização de regras rígidas e obsoletas que especificam quais recursos devem ser preservados e quais objetivos devem ser conquistados. Isso acontece, por exemplo, quando não se percebem as necessidades reais que existem por trás dos nossos alvos superficiais (Langer, 1989). Alguém pode monopolizar todo o trabalho no seu projeto, evitando que outra pessoa se envolva neste por defender o projeto contra cópia por concorrentes mal intencionados; mas, depois de ter o projeto divulgado, por que continuar a excluir pessoas que podem contribuir?

A adoção de conceitos socialmente convencionados como corretos, sem que haja prévio questionamento, é considerada uma quarta fonte de mindlessness. Um exemplo é a adoção de uma visão linear do tempo e da causa dos eventos, em vez de considerar que a realidade é socialmente construída. Colocar ênfase desproporcional nos resultados e desvalorizar o processo, segundo o qual as coisas ocorrem, pode levar o sujeito a desconsiderar importantes aspectos da vivência (Langer, 1989).

Comparar-se frequentemente com outras pessoas é um comportamento que pode se tornar um automatismo. Quando isso ocorre sem motivo especial é uma fonte de mindlessness. A comparação automática, muitas vezes, envolve uma descontextualização de si e do outro. Vieses têm livre jogo na seleção dos comportamentos a serem comparados e tende-se a considerá-los como representativos e preditivos de comportamentos futuros da pessoa. A comparação geralmente desconsidera que, na realidade, não se sabe o que o comportamento do outro significa e quais são os seus motivos. Finalmente, se a comparação é feita, pessoas tendem a generalizar as conclusões sobre si, desconsiderando a complexidade de si e das atribuições que fizeram (Djikic e Langer, 2007).

 

Efeitos de mindlessness

Segundo Langer (1989), adotar conceitos lineares, seguir regras ou informações acumuladas no passado e confiar em hábitos são estratégias que facilitam e simplificam a navegação do nosso ambiente social. Por outro lado, a autora aponta que tal simplificação pode ser prejudicial em diversas situações. Um exemplo disso ocorre quando indivíduos são respeitosos em relação a uma autoridade em um momento em que precisavam protestar.

Uma oportunidade perdida pode ser compreendida diferentemente, se considerado o amplo processo em que o evento ocorreu. Quando se seguem cegamente regras rígidas, persistindo em avaliações convencionadas, tais aspectos da vivência são facilmente desconsiderados. Pode-se esquecer, por exemplo, que um relacionamento deu sentido a uma época da vida, mesmo quando não teve resultado permanente. Mindlessness promove uma visão de si limitada por conceitos descritivos e papéis. O indivíduo forma um conceito de si baseado em regras rígidas, desconsiderando possibilidades que estão ao alcance, mas que não condizem com tal conceito formado.

Viver no piloto automático potencialmente leva os indivíduos a cometerem injustiças ou crueldades, sem haver tal intenção, como nos casos de atos preconceituosos e aplicação de estereótipos às pessoas (Langer e Abelson, 1974). Comparações de si com outras pessoas, quando ocorrem frequentemente e de modo automático, promovem inveja, culpa e atitudes defensivas desnecessárias que tornam ainda mais rígido o conceito de si (White et al., 2006). Sem uma noção clara do que se está fazendo, corre-se o risco de desconsiderar dimensões éticas importantes do comportamento.

Somando todas essas desvantagens discutidas acima, mindlessness gera restrições desnecessárias em relação à variedade de soluções que poderiam ser utilizadas para resolver problemas cotidianos. Não prestar atenção plena ao contexto e não integrar novas informações em nosso olhar pode conduzir a erros importantes de julgamento (Langer, 1989).

 

As fontes e os efeitos de mindfulness

Langer (1989) define mindfulness pela negação das características de mindlessness. Assim, mindfulness é caracterizado, em um primeiro momento, pela criação contínua de novas categorias para interpretação das vivências, prestando atenção plena à situação e ao contexto. É também resultado de uma abertura a informações novas e de um foco sobre os processos complexos. Entretanto, não se trata simplesmente de acatar novas informações, pois elas podem inadvertidamente ser distorcidas e encaixadas em velhas regras. Algumas estratégias conscientes são necessárias para evitar que ocorra tal erro.

A consideração simultânea de diferentes pontos de vista é uma importante fonte de mindfulness. O indivíduo que pode vir a entender a mesma situação de diferentes perspectivas consegue enxergar sentidos que lhe escapariam se vivesse a partir de um só ponto de vista. Pesquisas com pacientes que sofrem de dor crônica pós-cirúrgica indicaram que reenquadrar a dor pode reduzir o uso de medicação e acelerar a recuperação (Langer, 1989).

Langer (1989) argumenta que, em uma crise vivencial ou em uma psicoterapia, esse tipo de recategorização está mais propenso a ocorrer. Durante o processo psicoterapêutico, a pessoa pode enxergar seu cotidiano de outras formas e encontrar novos quadros de referência para interpretar eventos atuais e elementos de sua história ou, ainda, encontrar diferentes maneiras de entender a mesma vivência. Assim, ela é capaz de perceber os eventos como parte de um processo e compreender que não faz sentido julgá-los isoladamente. Tomando consciência do processo, a pessoa julga a si mesma conforme seus próprios valores.

Em um experimento clássico, Perlmuter e Langer (1979) testaram a hipótese de que pessoas que prestam mais atenção as suas escolhas cotidianas tendem a ter um melhor funcionamento psicológico. Num primeiro grupo, foi solicitado que cada participante monitorasse diariamente uma mesma atividade sua. Os participantes do segundo grupo foram requisitados a monitorar uma atividade diferente, selecionada a cada dia pelos pesquisadores. O grupo três recebeu a mesma tarefa que o grupo dois, mas, para cada atividade monitorada, os participantes deveriam relatar como realizaram a atividade e indicar três outras alternativas formas de executar a atividade. O grupo quatro recebeu a mesma tarefa que o grupo três, mas os participantes (e não os experimentadores) escolheram quais atividades monitorar.

Esse delineamento permitiu ao primeiro grupo uma visão focada em resultados: eles relatavam seu desempenho em uma determinada atividade. O quarto grupo era obrigado a prestar mais atenção no processo. Os pesquisadores aplicaram medidas de depressão, independência, confiança, atenção concentrada e diversificação das atividades (criatividade). A comparação das medidas antes e depois da intervenção mostrou que o quarto grupo teve os maiores ganhos nos pontos avaliados. O terceiro grupo teve melhores resultados que o segundo grupo, que, por sua vez, alcançou melhores escores que o primeiro.

Promover uma perspectiva flexível aumenta a habilidade de se adaptar ao seu ambiente de uma maneira que faz sentido para a pessoa. Tal flexibilidade permite que o indivíduo seja mais autêntico, veja os benefícios de erros cometidos e entenda que avaliações e comparações sociais são relativas. Esses fatores favorecem a aceitação de si pelo indivíduo (Carson e Langer, 2006), um maior envolvimento no momento presente e uma consciência mais abrangente das relações entre suas ações e as respectivas consequências (Langer e Moldoveanu, 2000).

 

Jon Kabat-Zinn e a tradição oriental

Kabat-Zinn (1982) se baseou na sua experiência pessoal com a meditação, quando trouxe as práticas budistas para a medicina comportamental. Essa contribuição ocorreu no momento em que surgia, no espectro das terapias cognitivo-comportamentais, um campo teórico e filosófico fértil, pronto para recebê-la. A nova tendência na clínica era favorável a esse encontro com a meditação, porque apresentava aspectos muito semelhantes aos do budismo: ensinava que sensações e emoções negativas não devem ser combatidas, mas aceitas de um ponto de vista transcendental; valorizava emoções positivas, atitude de vida de compaixão e um desprendimento dos conteúdos conceituais (Hayes, 1987; Linehan, 1993).

 

Origens históricas e absorção na terapia cognitivo-comportamental

A visão de progresso espiritual no budismo (Davis, 1969) atingiu diretamente o trabalho de Kabat-Zinn. Nesta tradição espiritual, os pensamentos, emoções e sentimentos são compreendidos como produções de cada indivíduo. Por isso, não são tomados como representações confiáveis de um mundo real. O praticante budista, assim como o cliente em terapia, aprende a suspender o julgamento imediato de pensamentos e sensações e encerra a luta contra os mesmos. A partir daí, um estilo de vida é construído: deve ser marcado por compaixão, uma atitude benevolente a respeito de sentimentos, mesmo que sejam estes desagradáveis, e por determinação, ou seja, por ações que seguem os valores mais profundos da pessoa.

Para várias correntes do budismo, o sermão de Benares, dado por Buda no início do seu ministério na cidade de peregrinação Hindu de Benares (hoje Vispasana), resume a essência de seu ensino. Esse sermão desenvolve quatro grandes ideias ou noções: (i) a vida é sofrimento; (ii) a origem do sofrimento é o desejo; (iii) o fim do sofrimento é a aceitação; e (iv) a libertação passa por oito correções: da atenção, da concentração, da intenção, da opinião, da fala, da ação, do esforço e do caminho de vida (Davis, 1969).

O conceito de mindfulness, de acordo com os ensinamentos orientais, é uma perspectiva que consiste em (i) prestar atenção, (ii) intencionalmente, (iii) no momento atual, (iv) sem julgar e (v) na vivência enquanto esta desabrocha (Kabat-Zinn, 1990). Essa posição é definida em oposição ao piloto automático, descrito por Langer (1989), caracterizado pelo viver sem prestar atenção ao momento, baseando-se em julgamentos feitos previamente e em conceitos categóricos. Mindfulness precisa ser adquirido por intermédio de intensa prática, mas, paradoxalmente, consiste em fazer uso de ferramentas que estão à disposição. Para alcançar essa meta é necessário concentrar-se em dados sensoriais, no presente, sem recorrer a julgamentos ou conceitos prontos (Kabat-Zinn, 2005).

 

Treino de redução de estresse

O treino de mindfulness foi inicialmente introduzido por Kabat-Zinn (1982) como tratamento para dor crônica, mas se mostrou eficaz para outros problemas, como, por exemplo, diversos transtornos de ansiedade (Kabat-Zinn et al., 1992). Esse tratamento consiste em práticas de meditação formal e informal, as quais são baseadas no ensino dos mestres budistas (Kabat-Zinn, 1990, 2005). As primeiras atividades formais incluem exercícios de varredura corporal (body scan) e respiração consciente. O participante aprende a focar intencionalmente sua atenção na vivência imediata, guiada principalmente pelos dados sensoriais concretos, e a aceitar as vagarias da sua atenção durante os exercícios. Cada vez que uma preocupação, julgamento ou lembrança se impõe, ele a saúda, deixa que ela vá embora e volta novamente a dedicar atenção plena ao exercício. A varredura corporal é feita com o corpo imóvel. A atenção é focada nas sensações em diferentes partes do corpo, ponto por ponto. O praticante fica em silêncio e permite que sensações se apresentem, sem tentar controlá-las.

O exercício de meditação com foco na respiração é realizado em três fases: (i) a pessoa observa, de olhos fechados, o que acontece dentro dela naquele momento; (ii) observa a respiração; e (iii) aceita as sensações do corpo, colocando todas, agradáveis e desagradáveis, sem discriminação, no mesmo nível. Na meditação com foco nas percepções externas, as mesmas fases são repetidas, mas a observação da respiração é substituída pela concentração em ruídos ambientais. Outro exercício para iniciantes consiste numa rotina de alongamentos feitos diariamente. O objetivo não é melhorar a flexibilidade corporal ou sentir-se melhor, mas entrar plenamente em contato com as sensações (tanto as agradáveis quanto as desagradáveis) do próprio corpo e aceitar a vivência como ela é (Kabat-Zinn, 1990).

Os exercícios informais consistem em fazer algo com plena atenção, sem julgamento e sem elaboração intelectual, estando realmente presente em cada aspecto do próprio ato. Começa com práticas simples, como comer uma uva passa, mas prestando plena atenção a todos os seus aspectos, incluindo cheiro, variações de cor, textura, sabor. Posteriormente, mindfulness pode ser treinado pelo indivíduo enquanto faz caminhada, escova os dentes ou conversa ao telefone. Não importa a atividade, pois a maneira de realizá-la é denominada mindfulness; os exercícios são apenas pretextos (Kabat-Zinn, 2005).

 

Terapia comportamental dialética

O conceito de mindfulness foi integrado de forma abrangente à terapia comportamental dialética, desenvolvida por Linehan (1987). A visão teórica que orienta o tratamento considera que a realidade é constituída por oposições, e a vivência é inevitavelmente contraditória. A melhor opção não é viver sempre de acordo com as emoções, nem usar a razão friamente todo o tempo. Essas ideias são inspiradas na filosofia oriental que Linehan (1993) integrou no seu trabalho, tanto por influência de Kabat-Zinn quanto por sua própria prática de meditação Zen. Na terapia comportamental dialética, o cliente aprende a aceitar vivências classificadas como ruins para poder agir de forma a promover mudanças mais profundas. A aceitação e a mudança funcionam como prérequisitos uma para a outra.

Linehan (1993) descreve mindfulness em seis habilidades. Três delas são definidas em termos de "o que fazer?": observar, relatar/descrever para si mesmo e participar. As outras habilidades envolvem um "como fazer?": sem julgar, com plena atenção e em consonância com seus valores ou alvos de vida. Na terapia comportamental dialética, essas habilidades são treinadas em um grupo que se reúne semanalmente durante um ano e realiza atividades que incluem muitos exercícios formais e informais, sem padronização e atuando, concomitantemente, com outras atividades de regulação emocional. Durante o funcionamento do grupo, os participantes também estão em terapia individual.

 

Prevenção de recaída na depressão

Em 1991, Teasdale, Segal e Williams foram solicitados por uma fundação de pesquisa a desenvolver uma adaptação da terapia cognitiva que pudesse ser usada para prevenir recaída na depressão. Esta adaptação precisaria responder ao problema de recaída que ocorre em muitos pacientes depressivos que foram tratados com sucesso pela terapia cognitiva. Teasdale et al. (1995) perceberam que pessoas que já passaram por episódios de depressão têm uma tendência de reagir a sentimentos negativos com respostas cognitivas irracionais que, durante os episódios depressivos, foram associadas a tais sentimentos. Para essas pessoas, sentimentos negativos, normalmente inofensivos, resultam em pensamentos automáticos, os quais, por terem sido tão habituais, reiniciam os padrões de ruminação mental e as espirais de pensamento depressivo.

O grupo de Teasdale cogitou que a terapia cognitiva continha um elemento que poderia prevenir a recorrência da depressão; a saber, a descentralização ou o distanciamento. Estes dois termos sinônimos descrevem uma maneira desprendida de se relacionar com seus pensamentos. O enfoque tradicional da terapia cognitiva consiste em mudar o conteúdo de cognições negativas. Mas, durante o trabalho de reestruturação cognitiva, a pessoa pode observar seus pensamentos e suas crenças de uma maneira mais desprendida e descobrir que os mesmos não são representações confiáveis do mundo real, perdendo assim o lugar central na vivência do cliente. Na terapia cognitiva, esta mudança de perspectiva já havia sido descrita (Beck et al., 1979), mas recebeu pouca atenção na prática clínica. Os pesquisadores hipotetizaram que a exploração desse elemento poderia evitar recaídas.

Teasdale e seus colegas foram auxiliados por um estudo empírico sobre o tratamento de pessoas com o transtorno de personalidade borderline. Chamou a atenção de Teasdale que o tratamento usou a prática de mindfulness (Linehan et al., 1991) para promover a descentralização. Então, Teasdale et al. (1995) propuseram um programa em que o cliente aprende primeiro, a partir da abordagem de Linehan, a prestar atenção no que ocorre no momento presente. Especificamente, ele aprende a identificar os pensamentos negativos enquanto são formulados, antes que iniciem a espiral de ruminação que leva à recaída depressiva. Uma vez que o cliente aprende a identificar os pensamentos negativos precocemente, o distanciamento é promovido usando as técnicas de reestruturação cognitiva de Beck.

Críticas dirigidas a essa primeira tentativa levaram os pesquisadores a reexaminar a proposta. O contato posterior com o trabalho de redução de estresse de Kabat-Zinn esclareceu para Teasdale e seus colegas que esse tratamento não incluía reestruturação dos conteúdos cognitivos, mas buscava promover um tipo de tolerância benévola em relação aos mesmos. Integrando essa característica ao tratamento, o grupo de Teasdale evoluiu para uma nova forma de terapia cognitiva baseada em mindfulness, na qual o participante aprende, por meio da prática em grupo, a permitir que pensamentos ocorram e não se esforça para mudá-los, apenas observa a natureza real deles enquanto eventos passageiros.

O tratamento desenvolvido por Teasdale et al. (2001) e Segal et al. (2002) conseguiu reduzir a probabilidade de episódios depressivos. As pessoas com quem o programa tem os melhores resultados são as com histórico de muitas recaídas e as que têm uma tendência forte de reagir com cascatas de pensamentos automáticos a uma emoção negativa. Pacientes que já tiveram mais do que dois episódios depressivos anteriores, normalmente têm um prognóstico de 78% de uma nova recaída. O tratamento reduziu este índice a 36% (Ma e Teasdale, 2004), além de reduzir os sintomas residuais de depressão, principalmente aqueles relacionados com ruminação mental (Kingston et al., 2007).

 

Mindfulness em relacionamentos

Depois de ser introduzido na área clínica, o estudo de mindfulness contribuiu também para uma nova abordagem dos relacionamentos interpessoais. Algumas referências são discutidas a seguir. Dois campos em que este assunto é particularmente relevante para o terapeuta são o relacionamento íntimo de casais que procuram tratamento para problemas conjugais e o relacionamento entre o próprio terapeuta e o cliente, que consiste no processo central por meio do qual a terapia ocorre. Em ambos os campos, trabalhos inovadores foram desenvolvidos.

 

O relacionamento de casal

Fruzzeti e Iverson (2004) traduziram o conceito de mindfulness - como cultivado na terapia individual - para o tratamento de problemas de casal. O "mindfulness relacional" ocorre no casal quando cada parceiro (i) está atento ao contexto das suas interações, aos alvos em longo prazo e aos valores relevantes para o relacionamento; (ii) participa plenamente no momento, escutando o outro sem fazer julgamentos (também nos momentos de conflito); e (iii) valida o comportamento do parceiro. Segundo os autores, validar as ações do outro envolve (a) escutar prestando atenção real, sem deixar que suas próprias reações contaminem sua escuta; (b) reconhecer o que está acontecendo com o parceiro; (c) resumir e clarificar a perspectiva do parceiro; (d) mostrar-se vulnerável quando o outro se vulnerabilizar; e (e) demonstrar que a auto-revelação do outro foi aceita.

Burpee e Langer (2005) constataram que o grau de satisfação com o relacionamento de casal se relacionou altamente com o grau de mindfulness (ambos verificados por questionários) dos parceiros. O grau de mindfulness se mostrou mais importante do que qualquer variável demográfica verificada neste estudo, e também mais importante do que a similaridade entre os parceiros em vários aspectos.

Estudos de James Carson et al. (2004a), Brown e Ryan (2003), Barnes et al. (2007) e Wachs e Cordova (2007), baseados no conceito de mindfulness, da forma proposta por Kabat-Zinn, trouxeram resultados similares.

Shelley Carson et al. (2004b) mostraram que a prática de mindfulness por casais não apenas melhorou vários aspectos do funcionamento pessoal de cada uma das partes, como também aumentou o nível de aceitação do parceiro, assim como a sensação de intimidade, a proximidade emocional e diversos parâmetros da qualidade do relacionamento. Numa análise aprofundada de conteúdos de auto-observações feitas diariamente, os autores demonstraram que a prática de mindfulness durante determinado dia geralmente produzia, por vários dias consecutivos, uma maior satisfação com o relacionamento e melhor coping em relação ao estresse dentro e fora do relacionamento.

Existe literatura que usa uma situação de discussão sobre conflitos entre o casal, para verificar experimentalmente quais mudanças pessoais concretas podem influenciar o relacionamento por meio das mindfulness. Brown e Ryan (2003), por exemplo, mostraram que mindfulness aumenta a abertura para o outro, a clareza na percepção da relação com o outro e o grau de proximidade emocional. Mudanças no nível pessoal, que são o resultado de mindfulness e que, por sua vez, favoreçam o relacionamento, incluem aumento de afeto positivo e satisfação com a própria vida. Barnes et al. (2007) identificaram que mais mindfulness leva a níveis mais baixos de emoção negativa e a uma percepção mais positiva do parceiro durante situações de conflito.

Resumindo os estudos acima, o maior grau de mindfulness está relacionado com uma resposta de estresse mais branda a conflitos relacionais, e isso leva a menor ansiedade e hostilidade depois de uma discussão. O grau de mindfulness (durante a discussão) é relacionado com a qualidade da comunicação (incluindo menor agressão verbal, menor expressão negativa e menor ocorrência de recuos pelos parceiros), o que, por sua vez, prediz maior bem-estar no relacionamento de casal.

Mindfulness promove algumas habilidades que podem influenciar a qualidade do relacionamento, como, por exemplo, melhor tomada de perspectiva concernindo ocorrências (tanto eventos positivos quanto negativos) em relacionamentos e comportamentos mais cooperativos (Brown e Ryan, 2003). Barnes et al. (2007) mostram que mindfulness está relacionado com maior capacidade de intimidade e maior capitalização de investimento pessoal numa relação romântica. Wachs e Cordova (2007) mostraram que saber identificar emoções e saber expressá-las com plena atenção em um contexto de conflito ou de ira é um fator capaz de predizer a qualidade do relacionamento.

Todas essas habilidades ajudam o casal a atravessar vivências negativas e negociar necessidades e sentimentos. A intimidade do casal contém muitos desafios emocionais. Maior atenção para o momento atual permite melhor interação emocional, porque possibilita enxergar o outro com menos julgamento e ser mais responsivo a ele ou ela. Estar interessado na vivência do outro facilita a tomada de perspectiva, ao invés de olhar as coisas de um único ponto de vista. Identificar as próprias emoções no momento em que elas desabrocham permite uma comunicação mais clara e uma resposta mais empática. A habilidade de diferenciar as próprias emoções e a habilidade de comunicá-las tende a aumentar a intimidade no casal (Cordova et al., 2005; Mirgain e Cordova, 2007).

 

O relacionamento terapeuta-cliente

Carson e Langer (2004) abordam a importância de mindfulness para profissionais de saúde mental. As autoras apontam para o perigo existente no fato de o clínico atuar a partir de categorias prontas adquiridas na sua formação ou durante anos de prática. Elas descrevem como tal atuação pode reduzir sua eficácia contextual. Um experimento antigo de Langer e Abelson (1974) mostrou que clínicos diagnosticam o mesmo comportamento de forma diferente quando a pessoa que o emite é rotulada como paciente ou não. O comportamento é descontextualizado e interpretado a partir da categoria conceitual "paciente". Treinar terapeutas a entender os efeitos de rotulação diminui essa distorção.

O ato de categorizar comportamentos como sintomas e sintomas como algo que precisa ser eliminado leva o clínico a desconsiderar o contexto em que estes comportamentos tem sentido (Carson e Langer, 2004). As autoras propõem que o clínico considere as informações diagnósticas sempre como algo fluido e relativo e fique atento a como interesses e posições influenciam indevidamente seu modo de categorizar os problemas do cliente. Ficar preso no papel de terapeuta e forçar o outro no papel de paciente tende a ser pouco eficaz, já que ser capaz de descobrir novas perspectivas sobre os problemas do cliente é imprescindível.

Em terapias que privilegiam o relacionamento interpessoal com o cliente como instrumento terapêutico, o terapeuta deve estar plenamente aberto a sentimentos, sensações e pensamentos que o cliente evoca nele, sem fazer julgamentos e sem usar categorias pré-existentes (Kohlenberg et al., 2004). Assim, o conceito relacional de mindfulness, como descrito por Fruzzet i e Iverson (2004) no relacionamento de casal, se aplica também à atitude que o terapeuta precisa ter no seu relacionamento com o cliente. Kohlenberg (2006), nesse ponto, se refere tanto ao trabalho de Langer (1989) quanto à visão oriental e propõe uma meditação de saudação para o terapeuta antes da sessão. As instruções para a meditação são as seguintes:

Sua (seu) cliente está na sala de espera, te esperando. Você está no consultório. (i) Sente-se numa posição confortável, dedique um momento para perceber sua respiração. (ii) Imagine-se de frente para o fluxo de sua história que modelou quem você é. Estas vivências incluem o que ocorreu uns minutos atrás, os eventos de ontem, sua formação, sua infância. Agora esteja consciente da sua (do seu) cliente, na sala de espera, que também está de frente para o seu próprio fluxo de vivências que modelaram quem ela (ele) é, o que vai fazer e sentir hoje. Lembre-se que ela (ele) sofre, que tem esperanças e sonhos, que vem até você acreditando que você pode ajudar. Lembre-se como sua consciência de comportamentos clinicamente relevantes pode ser poderosa e curativa. Esteja consciente da formulação de caso. Tente construir um ambiente terapêutico que aumente sua consciência de progressos ao vivo, que os evoca e os nutre. Vocês duas (dois) estão no momento de se encontrar. (iii) Levante-se, vá até sua (seu) cliente e cumprimente-a (o). (iv) Crie sua própria meditação de saudação pré-sessão. Modifique esta meditação frequentemente1 (Kohlenberg, 2006, p. 1).

Os estudos sobre mindfulness trouxeram uma nova visão a respeito do papel do terapeuta. Desenvolveu-se um estilo mindful de conduzir a terapia, caracterizado pela relação de igualdade entre terapeuta e cliente, pois o próprio terapeuta deve praticar o que ensina nas sessões. Ele assume que não tem as soluções para os problemas do cliente no nível das mudanças de primeira ordem. Em contraste com as terapias tradicionais, o terapeuta também não deve seguir regras estritas sobre como deve se comportar. As intervenções são baseadas nas perguntas e nos comentários do cliente, concernindo suas vivências, e não na teoria do terapeuta. Ele deve vivenciar o relacionamento terapêutico com atenção para o momento presente, sem julgar, e deve estar consciente dos seus valores (Kohlenberg et al., 2004).

Crane e Elias (2006) enfatizam a importância de que o terapeuta tenha abertura para as vivências do próprio corpo e esteja disposto a explorá-las, de modo a permanecer mais focado na vivência da sessão enquanto esta desabrocha. O terapeuta deve estar plenamente atento a qualquer deslize na tonalidade emocional da sessão, para que seja capaz de captar mudanças sutis na maneira em que o cliente o afeta e para que possa reagir com eficácia terapêutica. Quando o profissional se dispõe a vivenciar a sessão sem forçar o que ocorre em categorias antigas, ele se permite estar plenamente presente na vivência de tristeza ou dor profunda pela qual passa o cliente. Assim, o terapeuta não está traduzindo uma teoria ou um registro normativo para o cliente, mas está em contato com o que realmente ocorre.

A prática de mindfulness pelo terapeuta aumenta o senso de similaridade com a vivência do cliente (Crane e Elias, 2006). Já que o terapeuta também se permite sentir as angústias e as limitações da sua existência, ele terá maior facilidade em mostrar empatia pela experiência do cliente. Será mais fácil para ele aceitar o momento como este se apresenta e adquirir uma melhor perspectiva sobre seu papel e as implicações que este tem.

A prática de mindfulness pelo terapeuta permite que ele se aproxime mais da vivência direta, ao invés da interpretação teórica dessa vivência. Assim, manter-se plenamente consciente no momento em que está se sentindo entediado com o cliente, sem julgar este sentimento e com sensibilidade ao contexto em que ele desabrocha, traz algumas vantagens. A atitude benévola frente a um sentimento negativo permite que o terapeuta mantenha a curiosidade e abertura em relação ao desconhecido. O terapeuta não deve tentar evitar ou ignorar sentimentos negativos que são evocados nele pelo cliente. Ele pode se permitir senti-los plenamente e explorá-los. Pode se perguntar o que está ocorrendo entre ele e seu cliente que evoca tal sentimento e se isso diz algo sobre o cliente. Ele pode verificar o que o cliente faz para lhe evocar tal sentimento; pode, ainda, descobrir se o cliente age das mesmas formas em outros relacionamentos e se há relação com seus problemas do cotidiano.

Tal medida é diferente da de usar categorias fechadas, como "este cliente não colabora, farei algo para motivá-lo"; ou, ainda, "este paciente não esta querendo nada com a terapia, vou encaminhá-lo". O uso de categorias prontas libera o terapeuta da responsabilidade de aprofundar o que a vivência significa e mostra, muitas vezes, a indisposição do terapeuta em aceitar uma situação que ameaça sua autoconfiança como terapeuta, ou simplesmente incomoda sua rotina.

 

Integração das perspectivas ocidental e oriental

Langer (1989) ressalta similaridades entre as duas tradições discutidas neste artigo. A autora aponta que a meditação promove um processo de desautomatização cognitiva comparável com as estratégias que ela propõe. Categorias antigas, pelas quais a pessoa costumava viver, são também rompidas pela meditação, e o indivíduo não está mais preso em uma visão unidimensional da realidade. Assim, nas duas tradições, o desenvolvimento de mindfulness significa maior sensibilidade ao contexto e ao sentido da vivência, permitindo que a pessoa esteja mais apta a agir com plena consciência.

Mesmo assim, Langer (1989) enfatiza mais as diferenças. Na tradição oriental, mindfulness tem implicações morais e éticas na vida do praticante e é resultado de prática espiritual. A autora aponta que seu conceito de mindfulness está ligado a objetivos mais mundanos, como a melhora da eficácia pessoal, e é promovido por estratégias derivadas da psicologia científica. À primeira vista, a autora tem razão em diferenciar seu trabalho desta forma da tradição oriental. Os programas de Teasdale et al. (2001) e Kabat-Zinn (1990) se apoiam em uma disciplina de prática meditativa. Também é verdade que Kabat-Zinn (2005) descreve a promoção, via mindfulness, das responsabilidades do indivíduo para com a sustentabilidade e ética social. Terapeutas comportamentais adeptos de Kabat-Zinn consideram a espiritualidade, a busca da harmonia, o comprometimento com os valores e a ética como aspectos centrais da saúde mental (Dimidjian e Linehan, 2003).

A teorização de Langer (1989) a esse respeito, porém, não se distingue tanto da tradição oriental quanto a autora parece sugerir. A autora também trata de implicações morais, quando aponta a crueldade não intencional que a mindlessness pode promover. Quinze anos mais tarde, quando ela volta a afirmar a distinção entre o conceito por ela proposto e o conceito proveniente da tradição budista, a distinção fica ainda menos convincente. A principal diferença reside no fato de que o conceito da autora não está relacionado à prática de meditação (Carson e Langer, 2004).

Por meio da trajetória delineada pela literatura, observa-se que as duas tradições partilham um entendimento do sofrimento humano e suas origens (usar conceitos fechados, manter uma perspectiva estreita, agir sem prestar atenção). Ambas promovem soluções similares (reconhecer e assumir as próprias escolhas, ampliar a percepção de contextos, estar aberto à vivência do momento como ela é, tomar perspectiva). Além disso, trazem considerações semelhantes para o trabalho terapêutico, tanto em relação à abordagem dos problemas do cliente quanto para o aprimoramento da sua própria eficácia pessoal e profissional. Por esses motivos, é sugerido que o clínico se beneficie das duas literaturas para a sua atuação, sem reservas.

 

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Submetido em: 22/06/2009
Aceito em: 04/09/2009

 

 

1 Tradução por Luc Vandenberghe, Rafaela Luiza Silva Silvestre e Alysson Bruno Assunção.

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