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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.4 no.1 São Leopoldo June 2011

 

ARTIGOS

 

Aspectos transgeracionais da gravidez na adolescência na perspectiva de mães e filhas residentes em Parobé e Taquara (RS)

 

Transgenerational aspects of teenage pregnancy from the perspective of mothers and daughters living in Parobé and Taquara (RS, Brazil)

 

 

Vanessa dos Santos CunhaI; Maria Isabel WendlingII

IAcadêmica do Curso de Psicologia da Faccat - Faculdades Integradas de Taquara. Av. Oscar Martins Rangel, 4500 (RS 115), 95600-000, Taquara, RS, Brasil. vcunha@hotmail.com
IIProfessora da Faccat Faculdades Integradas de Taquara. Av. Oscar Martins Rangel, 4500 (RS 115), 95600-000, Taquara, RS, Brasil. mariaisabel.wendling@gmail.com

 

 


RESUMO

A transmissão transgeracional constitui-se em aspectos relevantes para se compreender as famílias no decorrer do tempo e identificar as influências transmitidas através das gerações. Estas podem perpetuar ou modificar comportamentos e são fortemente percebidas, atualmente, no que diz respeito ao fenômeno da gravidez na adolescência. Este estudo é, então, decorrente de uma pesquisa que objetiva investigar aspectos transgeracionais da gravidez na adolescência em jovens, de 12 a 19 anos, e suas mães, com o critério de que ambas tivessem suas primeiras gestações na adolescência. Foi realizada uma entrevista semiestruturada, com três duplas de mães e filhas, nos municípios de Parobé e Taquara (RS). Os dados coletados foram analisados pelo método da análise de conteúdo de Bardin (1977). Os resultados desta pesquisa mostram que os aspectos transgeracionais ficaram evidenciados na gravidez dessas adolescentes e de suas respectivas mães, através dos modelos e repetições vivenciadas por ambas e na busca de experiências diferentes. Neste estudo, observou-se que o apoio da família/companheiro é um importante alicerce para o desenvolvimento dessas jovens e de seus filhos, sendo que o mesmo perpassou as gerações, manifestando-se de diversas formas. O estudo demonstra que as entrevistadas possuem uma percepção positiva e otimista em relação à sua condição e ao futuro, sendo que a gravidez mudou a forma de elas perceberem o mundo e a si mesmas.

Palavras-chave: adolescência, gravidez, transgeracionalidade.


ABSTRACT

The transgenerational transmission constitutes in relevant aspects for understanding families during a time period and identifying the influences transmited through generations. These may perpetuate or change behavior and nowadays they are strongly noticed in the phenomenon of teenage pregnancy. This study is the result of a survey that aims to investigate transgenerational aspects of teenage pregnancy in young people, from twelve to nineteen years old, and their mothers, with the criterion that both have had their first pregnancies during adolescence. We performed a semistructured interview with three pairs of mothers and daughters, in the municipal districts of Parobé and Taquara (RS, Brazil). Later, the collected content was analyzed according to Bardin's analysis system (1977). The results of this research showed that the transgenerational aspects were found in the pregnancy of these adolescent girls and their mothers, through the models and repetitive behavior both experienced and also by their search for different experiences. This study showed that family and partner support is an important foundation for the growth of these adolescent girls and their children. This support has passed over generations and it has shown itself in various ways. The study shows that the respondents have a positive and optimistic perception about their condition and their future, indicating that pregnancy has changed the way they perceive the world and themselves.

Key words: adolescence, pregnancy, transgeneration.


 

 

Introdução

Sabe-se que, atualmente, há dados que confirmam um aumento relativo de nascimentos, cujas mães são adolescentes com idades de até 19 anos, segundoa dados do IBGE (2003). Esse fenômeno é motivo de preocupação para diversos segmentos da sociedade e traz consigo a necessidade de dispensar atenção a diferentes profissionais e áreas de atuação, a fim de compreender, cada vez mais, o contexto da gravidez na adolescência. Segundo Clerget (2004), o número de gestações entre as jovens aumenta, apesar das divulgações e da popularização da informação sobre métodos contraceptivos.

Dessa forma, o ciclo que se estabelece no decorrer das gerações, bem como a repetição dos modelos familiares, são fatores que preocupam. Como referem Wagner et al. (2005b), há um aumento nos índices de jovens que engravidam, nos dias atuais, e que carregam o histórico de gravidez adolescente, também, por parte de suas mães. A perpetuação dessa herança psíquica da transgeracionalidade pode ser percebida desde as primeiras interações do indivíduo, é ela que irá construir a identidade do sujeito, revelar as expressões da família e trazer à tona os sentimentos que atravessaram gerações.

Sendo assim, o presente estudo tem como problema de pesquisa: Que aspectos transgeracionais da gravidez na adolescência estão presentes em jovens adolescentes e suas mães, residentes nos municípios de Parobé e Taquara (RS)? Para tanto, investigou-se a percepção sobre suas vivências acerca da gravidez na adolescência, visando a uma melhor compreensão da maternidade nessa fase. Também buscou-se investigar acerca do aprendizado trazido das gerações anteriores, focando a perpetuação desses comportamentos numa abordagem sistêmica.

A adolescência, como refere Aberastury (1980), é um momento crucial na vida do sujeito e uma etapa decisiva no que diz respeito ao desprendimento dele como ser humano. É um período de contradições, confusões, ambivalências em relação ao meio familiar e ao ambiente circundante. Conforme Carter e McGoldrick (1995), essa fase exige mudanças de estrutura e renegociações de papéis nas famílias, as quais envolvem pelo menos três gerações de parentes. Percebe-se que esse período não é caracterizado apenas pelo momento cronológico, mas por um aglomerado de transformações de ordens biológica, psicológica e também social.

A adolescência e a gestação são momentos que se constituem como integrantes de um processo natural do desenvolvimento humano feminino (Maldonado, 2002). Entretanto, quando sua ocorrência se dá simultaneamente, acaba por potencializar crises, tornando mais complexa a passagem por essa fase da vida.

Levandowski et al. (2008) constatam que, muitas vezes, a falta de alternativas educacionais, profissionais e afetivas motiva para a maternidade. Então, parcialmente, a aceitação da gravidez, no contexto social menos favorecido, é explicável por esses meios.

Durante todo o ciclo vital, o papel da família é imprescindível para os sujeitos e, especialmente em momentos de crise, ela exerce o suporte para as elaborações, as superações e as transformações que ocorrem nos seres humanos. Falcke et al. (1997) referem que é na família que se manifestam as mais genuínas experiências de diferentes sentimentos (angústias, medos, prazeres, etc.) que favorecem o mais inesquecível dos aprendizados. Integrar todas as demandas da fase adolescente num contexto em pleno processo de transição e de mudanças significa, muitas vezes, deparar-se com um agravamento das crises inerentes à adolescência e ao ciclo evolutivo da família.

Assim como o processo de adolescer, a família também se encontra permeada pelas mudanças ocorrentes atualmente na sociedade, constituindo-se como um reflexo dela. Eizirik et al. (2001) referem que há características do processo adolescente e das interações familiares próprias do nosso tempo. Vivemos um momento singular em nossa cultura em que um novo panorama está sendo desenhado. Podese pensar, nesse momento, que novos modelos familiares vêm sendo delineados.

Osório (1996) refere que a "família está em crise", o que pode ser caracterizado como um ponto de mutação necessário e até indispensável ao desenvolvimento de instituições e de indivíduos, pois a família é um laboratório de relações humanas que tem dado origem a novas formas de configurações familiares, adequando-se às demandas atuais existentes.

Para Carter e McGoldrick (1995, p. 9), "a família compreende todo o sistema emocional de pelo menos três, e, agora, quatro gerações". Podemos refletir a partir disso que uma geração vem permeada pelas vivências e emoções de gerações anteriores e/ou subsequentes, que vão se mantendo, se desenvolvendo e evoluindo. Correa (2003) indica que o processo de transmissão psíquica entre as gerações solicita um trabalho psíquico inconsciente e constante de elaboração e de transformação. A transmissão transgeracional é, além de construtor da identidade da família, também uma explicação acerca das particularidades, das peculiaridades e dos processos que caracterizam o funcionamento familiar (Wagner e Falcke, 2005). Por outro viés, segundo Gomes (2005), "transgeracional" é aquilo que se refere a um material psíquico, uma carga que não foi transformada nem simbolizada pelo indivíduo, apresentando intervalos no momento da transmissão.

Portanto, percebe-se a relevância deste estudo, numa tentativa de compreender melhor a dimensão do problema, bem como de investigar algumas razões pelas quais a gravidez é concebida, sejam elas conscientes ou inconscientes.

 

Método

Esta pesquisa é qualitativa e de caráter exploratório. Segundo Dias (2000), pesquisas desse cunho almejam aspectos mais pontuais e profundos acerca do assunto de interesse, determinando, devido à sua característica mais subjetiva, um envolvimento maior do pesquisador com o pesquisado.

Participantes

As participantes deste estudo constituem-se em três adolescentes (mães) de 12 a 19 anos e suas mães (avós). Como critério para a participação, as mães-avós deveriam também ter passado pela primeira gestação no período da adolescência. Participaram deste estudo uma dupla selecionada no Projeto Prá-Mamãe, em Parobé (RS) e outras duas duplas selecionadas por critérios de conveniência, na cidade de Taquara (RS). Optou-se por modificar o local da coleta em função do não aparecimento de sujeitos que preenchessem os critérios necessários para a pesquisa, tendo em vista que os novos indivíduos não modificariam o foco da investigação nem o padrão da coleta.

Instrumentos

Foram utilizadas duas entrevistas semiestruturadas, realizadas com as adolescentes mães e suas mães, separadamente, com o objetivo de investigar, na opinião dos pesquisados, aspectos relativos à transmissão entre gerações de aspectos da gravidez na adolescência.

Como refere Roesch (1996), o modelo semiestruturado de entrevista vai captando os principais pontos de interesse que surgem no discurso do pesquisado, mantendo sempre o foco do estudo, mas possibilitando a fala livre, mediante perguntas flexíveis.

Procedimentos para coleta de dados

Posterior a avaliação e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faccat, foi feito o primeiro contato com os responsáveis pelo Projeto Prá-Mamãe a fim de solicitar autorização para utilização desse espaço para a coleta de dados. Foi acordado que seria feita uma triagem por um profissional de Enfermagem do local, juntamente com os processos de praxe da consulta das pacientes, acerca da ocorrência ou não de gravidez na adolescência, por parte da jovem e de sua mãe. Dessa forma, após passarem pelos procedimentos iniciais, as jovens eram direcionadas a uma nova sala, a fim de realizarem a pesquisa. Esse procedimento foi adotado, tendo em vista a inviabilidade de localizar registros nos arquivos do local para prévia análise dos entrevistados. Considerando que foi possível entrevistar apenas uma dupla, devido a critérios de tempo e de disponibilidade de sujeitos, seguiu-se para uma nova procura de indivíduos que preenchessem os requisitos necessários. Após indicação, foi marcada visita ao domicílio de duas duplas de participantes da pesquisa, baseada em fatores de conveniência.

Após o consentimento dos sujeitos, para minimizar a possibilidade de se perderem informações relevantes, todas as entrevistas foram gravadas e transcritas.

Procedimentos para análise dos dados

A análise dos dados resultantes da pesquisa se deu mediante a Análise de Conteúdo de Bardin (1977), que é dividida em pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Por meio dessa metodologia, é possível analisar os significados e a comunicação, ao extrair aspectos importantes do conteúdo do material em análise mediante uma leitura flutuante, dando sentido às informações, construindo impressões variadas e atingindo o conhecimento de determinada realidade.

Foram criadas categorias decorrentes do conteúdo que emergiu das entrevistas. Dessa forma, foi possível salientar as falas e seus aspectos mais relevantes, agrupando-os em categorias pertinentes ao estudo, distintas e excludentes. Após categorizar os dados, com o uso de inferência e interpretação, construiu-se uma análise do conteúdo coletado, de forma a realizar uma síntese com o referencial teórico pesquisado até então, comparando, confirmando e contrapondo os achados de forma qualitativa.

 

Resultados e discussão

Para uma melhor caracterização da amostra pesquisada, será apresentado, inicialmente, o perfil sociodemográfico das mães (avós) e das filhas (adolescentes mães). Posteriormente, serão expostas as categorias correspondentes às mesmas, considerando que os nomes são fictícios para preservar o caráter ético da pesquisa. Buscando maior entendimento, cabe salientar que as duplas entrevistadas são compostas pelas mães Ana, Beatriz e Cristina e suas filhas Amanda, Bianca e Camila, respectivamente.

Os aspectos transgeracionais não foram nomeados nem categorizados, pois observou-se, no decorrer da pesquisa, que são aspectos que perpassam todo o estudo e não são percebidos pelas entrevistadas de forma explícita. Sendo assim, estarão abordados por meio de inferências e de interpretações acerca do conteúdo.

Observando os perfis das seis entrevistadas, pode-se perceber que as mães (avós) tiveram, em geral, gestações mais precoces do que suas filhas (adolescentes). A média salarial de todas as entrevistadas, que possuem trabalho formal, varia de um a dois salários mínimos, considerando que uma mãe e uma filha são do lar, portanto, não possuem renda individual. Em relação à escolaridade, nota-se que cinco delas têm, no mínimo, o Ensino Fundamental completo e apenas uma mãe teve seus estudos somente até a 6ª série. Esta é a mesma que acolheu a filha solteira e os netos em sua residência, após a notícia da gravidez, sendo que a jovem é a única entrevistada da amostra que não é casada.

 

Tabela 1

 

 

Tabela 2

 

Sabe-se que, atualmente, muitos lares estão organizados sem a presença de um dos pais. Entretanto, neste estudo, constatou-se a forte presença do modelo familiar tradicional. Segundo Minuchin (1990), é possível observar nas sociedades contemporâneas a existência de diversos modelos familiares que estão sujeitos a transformações psicológicas, sociais, políticas, econômicas e culturais, porém índices do IBGE do ano de 2003 revelam que o padrão familiar prevalente ainda é o da família nuclear original (pai, mãe e filhos).

A literatura indica que, nos Estados Unidos, por exemplo, as mães adolescentes que moram com seus pais estão mais sujeitas a retornarem à escola e se graduarem, a receberem assistência nos cuidados com a criança e a alcançarem um melhor nível de renda salarial do que aquelas que moram por conta própria, ou com seus companheiros (Falcão e Salomão, 2005). Isso vai ao encontro do ciclo que poderia se estabelecer caso essas jovens não conseguissem resgatar e dar continuidade aos estudos. Decorrente da falta de escolaridade, há menor qualificação, chances reduzidas de competir no atual mercado de trabalho, bem como poucas condições de melhorar a situação na qual se encontram. Mantendo-se o mesmo nível socioeconômico, é possível que as jovens da próxima geração tenham as mesmas condições e dificuldades da geração anterior (Oliveira, 1998). Tendo em vista que as jovens entrevistadas mencionam querer dar continuidade aos estudos e retomarem planos antigos relativos ao futuro, pode-se considerar de grande valia o apoio familiar para proporcionar o suporte necessário ao retorno a essas atividades.

Analisando as categorias encontradas juntamente com o aporte teórico pesquisado, observamos que a primeira delas, Gravidez, no que diz respeito ao impacto da notícia para mãe e filha, as reações são distintas entre as pesquisadas. Ocorrem desde o choque e a percepção de que tudo seria horrível até o relato de não saber o que fazer, ou de não ser nenhuma surpresa a gravidez. Pode-se pensar, a partir disso, que o impacto esteja relacionado com o contexto total da situação, com as lembranças das vivências experimentadas pelas mães e com as expectativas que as mães carregam em relação ao futuro dos filhos, como pode ser visto na fala de Ana: "Ai, a gente não esperava, né? A gente nunca espera, assim como minha mãe não esperava a minha! Eu também não esperava a gravidez dela".

 

Tabela 3

 

 

Tabela 4

 

No caso das jovens, também na categoria Gravidez, na subcategoria Impacto da notícia, Bianca diz que: "Depois foi uma felicidade sem tamanho, primeiro o susto só! Tinha o medo do que os outros iam dizer, né? De como eu ia fazer agora. Mas depois eu parei pra pensar... e fiquei feliz, nossa, muito feliz". Isso mostra que, embora o impacto inicial tenha sido chocante, as reações seguintes foram de felicidade.

As filhas (adolescentes), na subcategoria seguinte, Percepção da mãe sobre a gravidez da filha, demonstram ter se tranquilizado, quando perceberam que receberiam apoio da família de origem. Camila refere: "Achei que a mãe ia me matar, mas não, ela no fim até me apoiou". O comportamento que a mãe teve foi diferente do esperado pela filha, pois estas acreditavam que sofreriam represálias e ficariam desamparadas, em contrapartida, as mães demonstraram compreensão, apesar do descontentamento inicial.

Em momentos como esse, ao receber uma notícia desse porte, o apoio da família é o esperado, sendo que ela deveria ser continente para as ansiedades existenciais dos indivíduos e a superação das "crises vitais", fornecendo, indubitavelmente, um adequado suporte familiar (Osório, 1996). Deve-se salientar também que o fato de a gravidez não se constituir em nenhuma surpresa pode depender da esfera social à qual a jovem está submetida, sendo a gestação percebida como um evento natural, não considerado problemático, aceito normalmente dentro de suas normas e costumes vigentes (Necchi, 1998).

Em relação à subcategoria Vivências, pela visão da mãe, as entrevistadas trouxeram aquilo que viveram na sua gestação na adolescência e se percebeu a dificuldade em se acomodar à nova situação. Sentimentos como medo e privação, bem como as dificuldades no acúmulo de funções estiveram presentes no discurso dessas mães e ilustram algumas das vivências. Ana relata: "Passei um trabalho que Deus o livre, parei de brincar de boneca pra brincar com um bebê de verdade. Nossa, um horror, foi muita dificuldade, ainda mais com quatorze anos, bem criança mesmo". Vitalle e Amancio (2001) afirmam que, dada imaturidade e labilidade emocional da adolescência, podem ocorrer importantes alterações na esfera psicológica, gerando dificuldades em adaptarse à sua nova condição de mãe, e enaltecendo alguns sentimentos presentes antes da gravidez, como ansiedade, depressão e hostilidade.

Cabe destacar que não foram mencionados aspectos positivos como lembranças da própria gravidez na adolescência. Apenas aspectos relativos às dificuldades e aos medos dessa fase estiveram presentes no discurso das mães. Pode-se pensar, inclusive, que, em função desses aspectos, visando a vivências diferentes das suas, essas mães tenham dado mais apoio às filhas. Isso revela o que esperavam para si mesmas quando engravidaram, demonstrando também uma percepção mais otimista acerca do futuro dessas jovens.

Dentro da subcategoria Vivências, as adolescentes relataram que viveram momentos tranquilos e tiveram bons pensamentos sobre a gestação e a saúde da criança. "Nossa, bem tranquilo. Passei bem, não tive nenhum problema. Não tive medo, não. Depois do choque, a gente começa a ficar feliz, começa a acompanhar no médico, começa a entender", segundo Amanda. Foi possível observar o cuidado e a preocupação das jovens com a saúde e com bem-estar na gravidez, pois todas frequentaram o pré-natal e adaptaram-se à nova rotina.

Na segunda categoria, Influências para engravidar, relativa à subcategoria Família de origem, buscou-se compreender qual o peso e o papel da família no que diz respeito às influências exercidas na gravidez adolescente da mãe (avó). Os relatos trazem, muito fortemente, o desejo de sair de casa, em virtude de um relacionamento ruim com a família, exemplificado pela fala de Beatriz: "Acho que, inconscientemente, queria sair de casa. Nosso relacionamento não era bom... hoje penso que achava que gravidez seria válvula de escape". Segundo Oliveira (1998), o contexto familiar pode influenciar na ocorrência da gravidez, quando há ausência de laços afetivos fortes com as figuras parentais, falta de atenção aos problemas emergentes e sentimento de abandono e solidão.

Essa subcategoria, pelo relato das filhas, referiu-se ao quanto a mãe e a família serviram de exemplo e lhes forneceram suporte. Bianca revela: "A mãe me ensinou tudo, ela é meu exemplo. Aliás, toda a família é. E poder contar com eles me dá mais calma no dia a dia. Apesar de eu querer ser mãe, não sei tudo direito, né?". Essa fala também está presente no discurso de Camila em relação à sua mãe: "Eu aprendi com ela como fazer tudo, como ser mãe!". Carter e McGoldrick (1995) referem que, embora haja exceções, a regra é de que, de fato, as filhas aprendem a ser mulheres com suas mães. Não devemos desconsiderar que os adolescentes encontrem e estruturem seus papéis frente ao relacionamento com o ambiente, a família, os pares e a rede social, construindo a sociabilidade e a identidade (Wachelke, 2005).

Constatou-se que, se, por um lado, as mães manifestam o desejo de abandonar algo "não tão bom" (como o relacionamento intrafamiliar), as filhas alegam que a influência da família de origem se dá na intenção de construir algo "tão bom, ou melhor" do que viveram nas famílias (como a harmonia percebida e os bons exemplos que vivenciaram). Enquanto há o afastamento numa geração, há a aproximação da família de origem na geração seguinte.

Outro aspecto relevante é o desejo de construir uma família, conforme percebido no discurso de Cristina: "O que me fez engravidar foi querer ter a minha própria família, desde muito nova queria ser mãe". Desde cedo, as adolescentes já exercitam o seu instinto maternal e seu desejo pela maternidade, que estarão diretamente ligados à formação da identidade, e é possível que o crescente número de gestantes adolescentes possa estar atrelado a isso (Clerget, 2004). Cristina refere: "Minha filha, desde pequena, brincava de boneca e dizia querer ter muitos filhos e ser dona de casa que nem eu era. Foi o que ela viveu, talvez, por isso, tenha tido a vontade de fazer igual".

No caso das adolescentes, essa categoria também foi contemplada nos relatos das jovens, entretanto, esse discurso foi unânime, sendo categorizado separadamente (subcategoria Desejo de ter família). Segundo a fala de Bianca, "a harmonia que eu tinha dentro da minha casa sempre fez com que eu quisesse uma família. Sempre quis construir uma família. Tinha a ideia de construir minha vida, com meu marido, minha casa, minhas coisas, desde pequena". Amanda complementa: "A minha família sempre foi tudo. Na hora que a mãe veio me ajudar, me dar apoio, eu vi que família é o mais importante mesmo. Nessas horas dou graças a Deus por ter construído tudo isso e poder ter minha casa e meus filhos". Dessa forma, pode-se pensar que a família, segundo Osório (1996), é o modelo natural que assegura a sobrevivência da espécie e, simultaneamente, a matriz para o desenvolvimento psíquico e a aprendizagem das interações sociais, constituindo-se a célula primordial de toda e qualquer cultura. O autor também afirma que a função primordial da família, como responsável pela construção dos projetos de vida do adolescente, dos seus valores e crenças, se dá considerando que ela é a base em que se realizam as primeiras vivências do sujeito.

Na subcategoria Falta de cuidados preventivos, Beatriz relata que a falta de informação acerca dos métodos contraceptivos se deu em decorrência da ausência de diálogo na família: "Acho que na minha época não se tinha esse tipo de diálogo. Não se conversava sobre sexo, na verdade, pouco se falava com os filhos". Cristina complementa: "Minha mãe sempre foi muito severa e nós nunca conseguimos conversar absolutamente nada com ela. Tudo o que a gente aprendia era na rua, porque com ela não se falava um 'ai'. Era outra época, tudo que eu descobri foi com amigos". A falta de diálogo percebida em muitas famílias pode ser decorrente de resistências e ambivalências em relação ao desenvolvimento e ao adolescer dos filhos, e esta dificuldade em aceitar a maturação sexual e intelectual destes pode trazer a ideia de que a adolescência é um período difícil do ponto de vista parental (Aberastury, 1980). Como além da jovem, nesse momento, a família também passará por transformações estruturais, alterando sua estrutura interna e seus padrões de relacionamento, modificando papéis e acolhendo exigências evolutivas do momento, pode haver a percepção de que a adolescência seja um período complexo do ponto de vista do relacionamento (Eizirik et al., 2001). Percebeu-se, nessa categoria, que as entrevistadas, na época, não estavam totalmente desinformadas sobre sexualidade, entretanto, esse diálogo ocorria no meio social, geralmente através de amigos, já que a família não adotava essa postura mais liberal.

Algumas mudanças em relação à adolescência, à sexualidade e aos métodos contraceptivos se deram ao longo dos anos, sendo que se vive hoje um novo panorama. Atualmente, a sociedade já está sendo obrigada a se reorganizar para amparar a nova ordem familiar e o novo desenho que se mostra em relação às configurações familiares. A instituição familiar está se adaptando aos novos tempos, assumindo um perfil mais voltado às relações e ao afeto entre as pessoas, o que transforma o contexto familiar, nos últimos tempos (Pereira, 2003). Podemos inferir, inclusive, que essas mudanças ocorrentes ao longo do tempo tenham afetado a forma de se comunicar entre as famílias, tornando mais amplo o acesso às informações e possibilitando mais formas de diálogo e entendimento intragrupal.

Embora a comunicação entre as famílias possa ter evoluído positivamente, ainda assim o uso de métodos contraceptivos está bem abaixo do esperado em nossa sociedade. Na subcategoria relativa aos métodos contraceptivos das adolescentes, foi possível perceber que elas não faziam uso de camisinha, nem de comprimidos anticoncepcionais.

Segundo Clerget (2004), o número de gestações entre as jovens aumenta, apesar das divulgações e da generalização da informação sobre os métodos contraceptivos. Ilustrando isso, podemos referir Amanda: "a gente nunca pensa que vai acontecer com a gente, né? Eu nunca achei que ia engravidar. Não me cuidei. Não queria filho, mas também não me cuidei direito". O alto índice de ocorrência da maternidade adolescente, segundo Cavalcante (2006), pode estar relacionado a uma teoria de que os jovens possuem o que se convencionou chamar de "pensamento mágico", que está completamente ligado ao imaginário de que nada irá incidir sobre eles, dessa forma, prevenir-se se torna desnecessário.

Nota-se que, em relação à falta de uso dos métodos contraceptivos, como camisinha e anticoncepcional, no caso das mães, há a alegação de que isso tenha ocorrido em função do difícil acesso às informações e do restrito diálogo com as famílias, nas suas épocas. Por outro lado, as jovens mencionam esse descuido em decorrência do pensamento de que a gravidez não ocorreria com elas e, por isso, a precaução teria sido deixada de lado. Embora se enumerem diferentes justificativas, inconscientemente, o desejo de ser mãe se perpetuou mais uma vez, caracterizando novamente o mesmo comportamento e o mesmo ciclo nas duas gerações.

A próxima categoria refere-se às comparações e percepções das mães (avós) acerca da gestação dela e da filha. As diferenças (primeira subcategoria) existentes entre as duas gestações vão além do caráter temporal. Segundo Benincá e Gomes (1998), antigamente, a gravidez na adolescência também ocorria, entretanto, nessa fase, as jovens já estavam casadas. Hoje em dia, a faixa etária de ocorrência da gravidez é a mesma, mas o contexto difere, pois a minoria está casada quando a criança é concebida. O fato de poder, ou não, contar com o apoio da família/companheiro foi mencionado como diferença entre as gerações, pois, em anos anteriores, as jovens sofriam maiores dificuldades nesse sentido. Duas das adolescentes uniram-se aos pais da criança, mas todas as seis entrevistadas contaram com o apoio da família. As três mães relatam que, hoje em dia, não sofrem as dificuldades financeiras existentes na época em que elas engravidaram, sendo que foi possível fornecer um melhor suporte a filhas e netos.

Em relação à acolhida recebida por essas jovens, o apoio do pai aparece como algo frágil, podendo ser mais bem entendido como apenas "assumir o filho", não dando conta da carga real que esse comportamento acarreta. Pode-se questionar essa postura, buscando entender o quanto o relacionamento entre o casal era instável no momento da gravidez, não fornecendo subsídios para uma união sólida entre os dois. Essa informação confirma o que é trazido por Godinho et al. (2000), que refere que, nesse momento da vida da adolescente, em que é preciso tolerar mudanças e driblar a vulnerabilidade, o pai pode não trazer um apoio efetivo à mãe, até mesmo porque, raras exceções, o pai da criança também é adolescente e não está preparado para tal. O pensamento positivo que a jovem tem da gestação pode estar sendo influenciado pelo papel ativo da família de origem, como auxiliares e cuidadores, podendo possibilitar à jovem um certo distanciamento das reais dificuldades que ser mãe adolescente traz.

Na subcategoria Semelhanças, as mães entrevistadas trazem a gravidez como um evento muito positivo, apesar das adversidades. Beatriz diz que sua filha e ela mudaram muito com a maternidade: "Ela ficou muito responsável, aprendeu muita coisa. Comigo também foi assim. Eu também me transformei, sempre digo isso. Hoje sou realizada com a minha família". Cabe ressaltar que, socialmente, a gravidez representa realização, maturidade para as mulheres, saúde, fertilidade e feminilidade e, considerando os contextos nos quais é difícil atingir essa realização de outras formas, tornar-se mãe acaba cumprindo essas funções (Levandowski et al., 2008).

Na próxima categoria, Mudanças após a gravidez, na subcategoria Relacionamento entre mãe e filha, foi possível perceber a melhoria na forma do relacionamento entre as duas. Todas comentam que começar a perceber a filha como mulher adulta e responsável trouxe maior proximidade entre ambas as partes. Ana relata: "Acho que o que mudou é que agora ela é mulher, ela é responsável que nem eu, ela entende as coisas que eu digo pra ela. O que mudou é que nós vivemos as mesmas experiências na vida. São duas mulheres agora". Falcão e Salomão (2005) discorrem que a maternidade pode representar um momento de criação de novos papéis e de uma nova identidade para a mulher, a qual, além de exercer o papel de filha, passa a exercer o de mãe, e isso faz com que redefina a relação que possui com sua própria mãe, percebendo uma nova situação e posição dentro da família. Baseado nisso, podese dizer que a relação que se estabelece entre iguais é decorrente dessas novas definições na dinâmica familiar.

Schiller (1994) indica que o fenômeno da gravidez pode ser uma tentativa de reconciliação entre mãe e filha, um resgate e uma repetição da história da mãe, agora vivida pela filha adolescente. Ilustrando esse dado, temos a fala de Camila na categoria Mudanças, subcategoria Relacionamento: "Nossa relação melhorou muito. Na verdade a gente voltou a se falar, pedimos desculpas uma para a outra. Eu tava morando com meu pai quando fiquei grávida, ela me ofereceu pra voltar pra casa e voltamos a conversar, ela me apoia muito. A gravidez mudou a nossa vida". Amanda, porém, diz que a relação entre mãe e filha se modificou, pois se veem como iguais: "Agora ela não me trata mais que nem criança. Agora eu também mudei, né? Hoje ela sabe que eu me viro, que sou mais responsável e cuido dos guris". Isso confirma os relatos das mães (avós), no que diz respeito a um relacionamento mais maduro entre as partes.

Na subcategoria seguinte, relativa à transição de papéis de mãe para avó, há uma mudança na forma de ver a família e viver esses contextos. Ana relata: "Agora eu sou 'mãe com açúcar' (risos). Sei que a gente precisa forçar os netos a terem disciplina, a seguir aquilo que é correto, mas a gente consegue aproveitar um outro lado, um lado que ser mãe não mostra".Segundo Falcão e Salomão (2005), há muitos estudos enfatizando a importância dos avós, especialmente na gravidez na adolescência, favorecendo a educação das crianças e o suporte emocional também às suas filhas adolescentes. Os avós se veem numa posição adquirida através da experiência de vida. A chegada dos netos e a convivência com uma nova família modificam e intensificam sentimentos, proporcionando ensinar e auxiliar a jovem mãe a desenvolver suas funções, trazendo harmonia e realizando os avós como sujeitos em novos papéis. Beatriz relata: "Ser avó mudou minha forma de ver a minha família, estou completamente feliz. Sou uma avó satisfeita com a vida."

No que diz respeito à transição de papéis de filha para mãe, as adolescentes referem que muitas mudanças ocorreram, entretanto, hoje, sentem-se felizes com a nova condição. Bianca faz um comentário acerca de sua transformação: "Hoje fico pensando em como fui capaz de fazer certas coisas, em como a vida me ensinou a ser diferente. Eu mãe? Impressionante, nunca achei que saberia o que é isso". Camila demonstra seu contentamento com a maternidade e os seus planos para o futuro: "... mas hoje, se eu resumisse tudo isso, eu ia dizer que ser mãe é a melhor coisa do mundo! Claro que eu penso nos planos que eu tinha. A gente sempre quer estudar mais, melhorar de vida... mas eu não tô deixando nada pra trás, eu só tô adiando, quero voltar a estudar".

Nessa categoria, observou-se que a transição de papéis se deu de forma distinta entre as duas gerações. As mães mencionam uma mudança na dinâmica e na rotina familiares e relatam estarem vivendo a situação através de um ângulo diferente do que já havia sido experimentado por elas. Porém, as jovens demonstram mudanças no que diz respeito à imagem enquanto mulher, à transformação a nível individual e à força adquirida para retomar os estudos e conquistar melhores condições financeiras, mencionando sempre não estarem mais sozinhas no mundo e terem se constituído novas pessoas diante da condição completamente nova em que se encontram.

 

Considerações finais

A partir deste estudo, constatou-se que as questões relativas à transgeracionalidade estiveram presentes no discurso dessas jovens pesquisadas e de suas mães (avós). A exemplo disso, temos os modelos e ensinamentos que perpassam gerações. Muitas mulheres tentam não seguir o exemplo de suas mães, e a própria cultura, ou o momento pode estimular modelos contraditórios ao modelo materno (Falcão e Salomão, 2005). Nota-se, no discurso das mães (avós), que a falta de diálogo era algo prejudicial ao relacionamento intrafamiliar, entretanto, esse aspecto parece, de certa forma, estar superado na geração atual, pois as mães possuem uma postura diferente da que as suas tinham, na época de sua adolescência. Hoje em dia, o diálogo faz parte da dinâmica familiar, trazendo beneficios. Isso pode estar relacionado à evolução advinda da crise, ou à tentativa de negar o passado, pois não é raro encontrarmos pais que tentam não repetir os padrões educativos recebidos da família de origem, no desejo de não reeditar os erros recebidos pela educação que tiveram (Wagner et al., 2005a).

Existem progressos e esta reformulação ao longo das gerações pode ser vista como um aprendizado trazido da família de origem. Entretanto, percebe-se que, atualmente, o leque e o caminho até as informações estão ampliados, mas se pode inferir que as jovens e suas mães ainda não mantêm um diálogo adequado, considerando que há um aumento dessa liberdade entre a família, mas não a nível preventivo, pontuando que a falta de métodos contraceptivos permanece, e a gravidez na adolescência continua ocorrendo.

Neste estudo, constatou-se que tanto as mães quanto as filhas obtiveram modelos de suas famílias de origem, mas umas buscaram vivências diferentes e outras, a repetição dessas vivências, respectivamente. No caso das mães, houve um distanciamento do exemplo recebido da família de origem, ao passo que, no das filhas, emergiu o desejo de construírem a sua própria, aproximando-se e repetindo a história observada.

É notável que as jovens tragam consigo os valores aprendidos na família, como a harmonia percebida, o apoio e o modelo de família, a força de vontade, entre outras crenças e legados carregados ao longo dos anos. Essas transmissões ocorrem, apesar do não dito nas palavras, mas no desejo daqueles que transmitem. Nota-se, então, que isso se dá pelo acordo e acomodação entre a geração atual e as gerações seguintes, na mutualidade da assistência, das obrigações, das expectativas e do afeto trocados entre os membros da família (Benincá e Gomes, 1998).

Na condição de adolescentes, conforme o relato de duas das entrevistadas, os filhos sempre acabam por fazer suas próprias tentativas, embora os pais tentem aconselhá-los e orientá-los por caminhos considerados mais adequados. Os pais preocupam-se com a transmissão dos seus valores e, por outro lado, os filhos querem construir os seus, utilizando-se de estratégias compatíveis com o contexto e com o momento em que vivem. Encontra-se aí um problema, pois há a diversidade nos valores e comportamentos e a luta entre gerações pela construção da identidade. Os contrapontos e semelhanças existentes entre as gerações constituem-se como reflexo desse processo de transmissão transgeracional (Benincá e Gomes, 1998).

Diante disso, é possível inferir que as jovens adolescentes e suas mães criaram afinidades ao longo dos acontecimentos, adversidades e passagens por diferentes crises. O amadurecimento possibilita a troca de experiências entre iguais, assim como a compreensão pelo sentimento do outro, o entendimento mútuo relativo às vivências e o apoio concedido.

Em relação ao suporte recebido, percebe-se que, na época em que as mães (avós) engravidaram, o apoio da família não foi tão efetivo. Em contrapartida, o apoio recebido na geração dessas adolescentes ocorreu de forma adequada, em todos os casos, e possibilitou maior confiança e persistência frente às novas vidas. Nota-se, através dos relatos das adolescentes, que os dois companheiros que assumiram a gestação não prestam a assistência esperada por elas, sendo que o verdadeiro suporte (ajuda nas tarefas e apoio psicológico) é fornecido pela família de origem, especialmente a mãe (avó). Independentemente de a gravidez ter sido planejada ou não, esse apoio da família de origem/companheiro, manifestado de diferentes formas, sempre ocorreu nos sujeitos pesquisados.

Outra questão relevante desta pesquisa é o fato de que, em função dos aspectos transgeracionais se darem de forma inconsciente, o planejamento, ou não, da gravidez acaba não sendo o mais importante, quando se considera o comportamento em si, tendo em vista que, de ambas as formas, a gestação acaba ocorrendo no período da adolescência e perpetuando o modelo da maternidade adolescente. Os exemplos advindos da família de origem devem ser considerados, quando se fala em transgeracionalidade, pois o desejo de construir um lar, ser mãe e ter modelos nas gerações anteriores podem estar influenciando a perpetuação desse comportamento, geração após geração.

Apesar da gravidez e da adolescência, concomitantes ou não, caracterizarem-se em eventos complexos, foi possível perceber que todas as entrevistadas possuem uma visão positiva sobre o fato, trazendo consigo o aprendizado adquirido do modelo familiar e a repetição deste. Além do apoio da família de origem, o meio social também possibilitou que essas meninas/mulheres adquirissem uma nova posição e novos papéis perante todos. Em todas as pesquisadas, a gravidez surge como evento transformador e realizador, como algo maior que perpassa os percalços que possam existir, ressignificando suas vidas e resgatando o conceito de felicidade.

Diante de todas as informações oriundas da pesquisa, considerando que a herança psíquica atravessa diversas gerações, perpetuando ou modificando comportamentos, sugere-se um estudo que possa investigar mais amplamente a ocorrência da maternidade adolescente também em outros membros da família. Em contrapartida, averiguar o fato de algumas jovens não terem repetido essa vivência. Isso poderia elucidar as razões pelas quais esse ciclo se rompe ou torna a ocorrer, trazendo maior compreensão desse fenômeno e conhecimento mais amplo em relação à carga trazida e transmitida inconscientemente por muito tempo entre as famílias.

Observa-se que muitos aspectos transgeracionais estão presentes nessas jovens mães. O papel desempenhado pela família de origem, as crenças e os comportamentos trazidos dela, o suporte recebido pela rede social dessas jovens, o planejamento de uma gravidez e a projeção do futuro de uma nova família, bem como as consequências e transformações que ocorrem na gravidez estão permeados pela transgeracionalidade. Isso mostra que o legado transmitido pelas gerações constitui o ser humano, sua posição e papel dentro de um sistema, revelando muito sobre diferentes gerações de uma mesma família. Nesse sentido, percebe-se que o presente trabalho conseguiu alcançar seus objetivos iniciais de verificar os aspectos transgeracionais existentes na gravidez na adolescência, trazendo à luz considerações importantes sobre o contexto clínico e de pesquisa sobre o fenômeno estudado.

 

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Submetido: 30/11/2010
Aceito: 31/03/2011

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