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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.4 no.2 São Leopoldo dez. 2011

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2011.42.02 

ARTIGOS

 

Emoções de mães de bebês prematuros: a perspectiva de profissionais da saúde

 

Emotions of mothers of premature babies: the perspective of health professionals

 

 

Elza Francisca Corrêa CunhaI; Margarida Maria Silveira Britto de CarvalhoI; Ana Carolina Melo MendonçaII; Maria Mércia dos Santos BarrosII

IUniversidade Federal de Sergipe. Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos. Av. Marechal Rondon, s/n, Jardim Rosa Elze, 491100-000, Sergipe, Brasil. elzafrancisca@gmail.com, margaridabritto@bol.com.br
IIBolsista da PROEX/PIBIX, Universidade Federal de Sergipe, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos. Av. Marechal Rondon, s/n, Jardim Rosa Elze, 491100-000, Sergipe, Brasil carolina.mmendonca@hotmail.com, mmerciabarros@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo analisou aspectos emocionais de mães de prematuros e as interações mãe-bebê a partir das falas de profissionais da saúde de uma maternidade pública. Cinco integrantes do Programa Canguru, foram submetidos a um roteiro de entrevista, durante a hospitalização dos bebês. Das falas, três categorias foram analisadas: Emoções maternas diante do nascimento do filho, na qual os participantes perceberam o nascimento prematuro como estressante e ansiogênico para as mães, gerando susto, medo, ansiedade e desesperança face à fragilidade e à instabilidade do bebê. Na segunda, Aspectos emocionais maternos durante a hospitalização do bebê, emergiram sentimentos como ansiedade, medo, insegurança e superação de dificuldades. Para os entrevistados, nesse período, as mães vivenciam um processo emocional que oscila da ansiedade e da insegurança a um estado de esperança e segurança. Por fim, na categoria Interações entre a díade mãe-bebê no método canguru, todos os participantes afirmaram que esse método facilita tais interações.

Palavras-chave: equipe de saúde, mães de prematuros, método canguru.


ABSTRACT

This article analyzed the emotional aspects of mothers of premature babies and the mother- baby interactions from the testimonials of health professionals of a public maternity. Five participants of the Kangaroo Program underwent a series of interviews, during the hospitalization of the babies. From what was said, three categories were analyzed- mother's emotions concerning the time when the baby was given birth, in which the participants realized how stressing giving birth to a premature baby can be and how anxious mothers feel, also scared and hopeless when faced to such frailty and instability of the baby. Secondly, emotional aspects of mothers during the hospitalization of the baby, emerged feelings of anxiety, fear, insecurity and overcoming dificulties and to the interviewed, in this period, mothers go through an unstable mood that varies from an anxious and insecure personality to a hopeful and secure one. Finally, in the category of interactions between mother-baby in the Kangaroo mother care method, all the participants afirmed that this method facilitates such interactions.

Key words: health staff, mothers of premature babies, Kangaroo mother care method.


 

 

Introdução

O período do puerpério é caracterizado como um momento de crise para a maioria das mulheres que o vivencia, tornando-se ainda mais delicado quando ocorre o nascimento prematuro do bebê. Nesse caso, autores como Moreira et al. (2009) e Ferrari e Donelli (2010) sinalizam para o surgimento de sentimentos e emoções de culpa, medo e insegurança por parte das mães. Segundo Fraga e Pedro (2004), essa é uma situação difícil para a mãe que pode sentir-se culpada diante do nascimento prematuro, o qual, muitas vezes, envolve implicações patológicas.

Ao discutirem aspectos da personalidade das mães que têm filhos nascidos precocemente, Botelho e Leal (2007) lembram que, quando a espera por esse bebê é interrompida, ocorre prematuridade da díade. Furlan et al. (2003) acreditam que a culpa pela interrupção da gravidez e o fato de não poderem levar o bebê saudável para casa, associada à impossibilidade de visitarem o filho ou por terem que deixá-lo aos cuidados dos profissionais, as deixam em dúvidas quanto ao cumprimento de seu papel materno. Por outro lado, à medida que a criança vai se desenvolvendo e passa a ser cuidada pela mãe, esta começa a sentir-se mais segura visto que incorpora tarefas maternas à sua rotina, relaciona-se com o bebê e, assim como ela, consegue deixá-lo também mais seguro.

Alguns autores concordam com a existência do luto dos pais devido ao nascimento do filho pré-termo. Klaus et al. (2000), por exemplo, afirmam que os pais necessitam conciliar a imagem idealizada de bebê que possuíam com a de um recém-nascido pálido, magro e com aparência enfraquecida, alertando que isso pode, inclusive, comprometer a expectativa familiar de um desenvolvimento saudável do filho. De acordo com tais ideias, Brazelton (1988, 2005) menciona que "o luto dos pais, depois do nascimento prematuro, é inevitável. Os pais não somente demonstram essa reação pela perda do bebê perfeito que esperavam, mas também lamentam o bebê que produziram, culpando-se consciente ou inconscientemente" (Brazelton, 2005, p. 463).

Em países em desenvolvimento, cuja realidade socioeconômica tem sido um fator de influência no relevante número de nascimentos prematuros, uma alternativa de cuidados neonatais para essas crianças é, segundo alguns estudiosos, o método Mãe-Canguru (MMC).1 Esse tem sido indicado por diversos autores, como Nirmala et al. (2006). No Brasil, esse método insere-se na Política Nacional de Humanização e fundamenta-se em programas cujo principal objetivo é humanizar as práticas de cuidados no Sistema Único de Saúde. Alguns estudos assinalam que o método Canguru não requer grandes investimentos financeiros; é considerado simples, prático e tem boa aceitação entre membros da equipe de saúde, mães e familiares (Rao et al., 2008). Para Moreira et al. (2009, p. 479), ele possibilita à mãe a segurança básica necessária à construção da maternagem.

Ainda a respeito desse método, um estudo de revisão bibliográfica realizado por Corrêa-Cunha et al. (2008) evidenciou que a maioria das pesquisas enfocava questões do desenvolvimento dos bebês prematuros. Sinalizou ainda para um reduzido percentual de comunicações abordando aspectos emocionais das mães dessas crianças. Nesse sentido, vale destacar que, ao longo de nossa experiência clínica junto a essas mães, tivemos a oportunidade de investigar seus sentimentos e emoções sob seus próprios olhares (Corrêa-Cunha et al., 2009). No presente estudo, ainda nessa direção, nossa proposta foi a de investigar tais questões, mas a partir de relatos de profissionais da equipe de saúde e, sobre isso, Scochi et al. (2003) afirmam que a compreensão do estado emocional dessas mães, por parte de profissionais que cuidam dos seus bebês, torna-se importante na medida em que favorece a implementação de procedimentos que atenuem seu sofrimento.

Esta pesquisa originou-se a partir de algumas experiências decorrentes de projetos de extensão, de pesquisa e de estágio curricular para alunos do curso de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. O objetivo foi analisar aspectos emocionais de mães participantes do método Canguru, bem como suas interações com o bebê, no período de hospitalização da criança, sob a perspectiva dos profissionais que compõem a equipe de saúde.

 

Método

Participaram da pesquisa cinco profissionais de saúde de uma maternidade pública do estado de Sergipe. A equipe adota, desde outubro de 2002, o projeto nacional conhecido como Método Canguru (MC) no tratamento de bebês prematuros. A maternidade em questão é considerada referência regional no atendimento a uma clientela de baixa renda e caracterizada como de alto risco, composta por gestantes, parturientes, bebês prematuros e nascituros com má formação.

Devido à variedade de formas de aplicação do referido método, vale ressaltar, resumidamente, algumas características metodológicas adotadas na referida instituição. O Programa Canguru envolve uma equipe interdisciplinar e se desenvolve em três etapas: (i) logo ao nascer, os bebês vão para a incubadora, onde recebem o tratamento necessário; (ii) quando se estabilizam clinicamente, são colocados na posição canguru (geralmente entre os seios da mãe ou de outro parente disponível), durante o máximo de tempo possível; e (iii) após a alta hospitalar, os bebês são acompanhados em uma segunda unidade médica, durante 2 anos. Ressalta-se que a maioria das mães permanece na maternidade durante a hospitalização do filho. Foram entrevistadas pessoas das seguintes categorias profissionais: médico, enfermeira, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e psicóloga. Utilizou-se um roteiro de entrevista com questões abertas, no qual os profissionais puderam descrever sua percepção a respeito das emoções e dos sentimentos vivenciados pelas mães no nascimento e no período de internação dos seus filhos, bem como as interações entre mãe e filho.

A coleta de dados foi realizada na própria maternidade, no período de internação dos bebês, entre 30 de março e 1º de maio de 2009, seguindo os princípios que regem as normas do Comitê de Ética para Pesquisa com Humanos. O projeto de pesquisa que gerou este artigo foi aprovado no CAAE, sob o nº 4247.0.000.107-08. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos os participantes. As entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente.

 

Resultados

Das falas dos profissionais, emergiram elementos para construção de algumas categorias, das quais três foram selecionadas para serem analisadas neste artigo: Emoções maternas diante do nascimento do filho, Aspectos emocionais maternos durante a internação do bebê e Interações da díade mãe-bebê no método Canguru.

A pesquisa foi conduzida segundo uma metodologia qualitativa, sendo que as falas obtidas das entrevistas foram tratadas por meio de análise do discurso (Rocha-Coutinho, 1994). Nesse sentido, foram realizados recortes nas falas, das quais emergiram temas que definiram as três categorias apresentadas a seguir.

1ª categoria: Emoções maternas diante do nascimento prematuro do filho: essa categoria aglutinou as falas dos entrevistados ao se referirem aos sentimentos e às emoções das mães diante do nascimento do filho. Os depoimentos revelaram que, sob a perspectiva dos profissionais, as mães apresentam sentimentos e emoções de susto, medo, ansiedade e desesperança, conforme suas falas:

Acho que são mães sensibilizadas, mães fragilizadas pela condição de seu bebê ser prematuro (fisioterapeuta).

Emocionalmente elas estão abaladíssimas [...] é como se elas tivessem frágeis (médico).

São mães temerosas pela possibilidade da morte desses bebês. Primeiro eu acho que vem a questão do susto, porque ninguém espera uma gravidez interrompida pelo nascimento prematuro. [...] Há todo um misto do medo de perder aquele bebê e o susto, porque nasceu antes da hora e você não tem nenhuma preparação, nenhum enxoval nem nada (terapeuta ocupacional).

No começo ficam ansiosas, com medo (enfermeira).

Ela [a mãe] não tinha muita expectativa no início antes de saber como era que tava a saúde do bebê, do projeto, não tinha esperança desse bebê vingar por ser prematuro (psicóloga).

2ª categoria: Aspectos emocionais maternos durante a internação do bebê: categoria definida a partir das falas dos profissionais ao descreverem as emoções e os sentimentos das mães no período de internação dos bebês. Para a maioria dos investigados, a mãe, no período de hospitalização do prematuro, passa por um processo em que se observam, por um lado, a ansiedade, o medo e a insegurança e, com o passar do tempo, a esperança e a confiança, como revelam os depoimentos:

No começo tem aquela ansiedade de não saber cuidar, porque é muito pequeno, tem aquele medo... elas ficam assim ansiosas querendo ir pra casa, ansiosa pra que o bebê ganhe peso logo (enfermeira).

As mães ficam ansiosas e têm receio de cuidar, dar a dieta, dar banho [...] Elas se tranquilizam no dia-a-dia justamente porque elas reconhecem, de fato que a equipe inteira está próxima. Com isso elas vão ganhando mais força para passar por esse processo e depois vem o medo e a preocupação de saber se ela é capaz de cuidar daquele bebezinho tão pequeno (terapeuta ocupacional).

É um processo. Cada dia é um tipo de emoção, de humor diferente, a mãe insegura, a mãe deprimida... algumas ficam sem receber visitas, fragilizadas, então o estado emocional da mãe muda diariamente ... existe a insegurança pelos cuidados, de ser o primeiro contato dela. Mas existe também uma esperança de que logo ela vai sair, ela não tinha esperança desse bebê vingar por ser prematuro. Mas, à medida que o tempo vai passando, é uma mãezinha, que o humor, o emocional dela vai melhorando, que ela tá vendo que o bebê tá se recuperando, que ela tá dando conta desse bebê em cuidar, se preparando para quando sair daqui ir pra casa sem a equipe tá ajudando e sabendo cuidar direito (psicóloga).

3ª categoria: Interações da díade mãe-bebê no método Canguru: categoria que relacionou os depoimentos dos profissionais entrevistados ao se referirem as relações entre mãe e filho participantes do método Canguru. Observa-se, nas falas a seguir, que todos os investigados afirmaram que o método Canguru facilita a interação entre o bebê e sua mãe:

É uma interação boa [...] o canguru é uma escolinha onde essa mãe vai aprender a lidar com esse bebê, a cuidar dele, que já começa na UTI, cria um vínculo maior, então, assim, existe uma interação maior da mãe (psicóloga).

O método em si, a posição que o bebê fica já favorece bastante a proximidade, já aproveita ter preferência por rosto [...] fica próximo da mãe ouvindo, quando eles fixam o olhar eles olham muito pouco, mais na amamentação, que é quando a gente consegue estar acordando ele ou quando coloca na posição canguru (terapeuta ocupacional).

Com o canguru, ele tá sentindo o calor da mãe. O carinho, às vezes elas ficam muito estressadas por tá muito tempo aqui, então às vezes também passa um pouquinho pro bebê... essas coisas o bebê também sente... esse contato de mãe bebê é importante e influencia até o ganho de peso, tudo (enfermeira).

Bebês mais velhos realmente interagem mais, mas os bebezinhos menores (de 10 dias com 33 semanas) é um bebê muito molinho, muito hipotônico e, assim, o bebê dorme mais ou menos 20h/dia, a interação dele com a mãe praticamente não tem [...] uma das coisas legais do Projeto Canguru é o vínculo da mãe com o bebê; tá ali na posição canguru, ela tá conversando com ele, ela tá acariciando ele, tudo é estímulo que aos pouquinhos vai estabelecendo mais esse vínculo que mais pra frente sim esse bebê vai, com certeza, responder a esse estímulo (fisioterapeuta).

 

Discussão

Como descrito na seção de resultados, na primeira categoria, Emoções maternas diante do nascimento do filho, os membros participantes percebem que, para a mãe, esse momento é permeado por emoções e sentimentos, dentre os quais se destacam susto, fragilidade, sensibilidade excessiva e ansiedade, atribuídos ao nascimento prematuro e às condições iniciais de fragilidade e instabilidade do bebê, cuja vida depende de instrumentos e procedimentos dolorosos e invasivos. Os estudiosos têm assumido que o nascimento prematuro - o qual se verifica antes de 37 semanas completas de gestação e bebê com peso abaixo de 2.500 g - apresenta altos índices de morbidade e letalidade perinatal. Segundo a World Health Organization (WHO, 2010), nos nascimentos prematuros, os bebês apresentam uma série de alterações decorrentes de sua prematuridade orgânica, tais como baixo peso e necessidade de auxílio respiratório, além de um alto riscode morte neonatal. É consenso entre os estudiosos, como Guimarães e Moticelli (2007), que os procedimentos especializados, as tecnologias modernas e a assistência da equipe de saúde têm contribuído para o aumento da sobrevida dos neonatos, especialmente daqueles que nascem com baixo peso.

A respeito das condições emocionais maternas, observam-se, nos depoimentos dos profissionais investigados, referências à fragilidade, susto diante da prematuridade, estado de extremo abalo, medo diante da possibilidade de morte do bebê. Tal processo, segundo Souza et al. (2009), inclui emoções e sentimentos ambíguos que se alternam, desde o susto e a insegurança iniciais, ao se depararem com o recém-nato fragilizado e diferente, chegando à aceitação do bebê tal com ele é. Acrescentam essas pesquisadoras que "o nascimento de um filho prematuro causa nas mães reações de choque tanto pelo nascimento inesperado e, mais frequentemente, pelo aspecto frágil de um bebê diferente da imagem que foi construída durante a gravidez. Essa percepção é geradora de insegurança para a família" (Souza et al., 2009, p. 732).

Ferrari e Donelli (2010) analisam algumas dificuldades maternas que permeiam o nascimento de bebês prematuros, especialmente quando estes requerem cuidados de grande complexidade, muitas vezes impossibilitando o toque e o olhar de suas mães. Nesse caso, essas autoras mencionam algumas situações referidas pelas mães, entre as quais destacamos:

O nascimento pré-termo faz com que a mulher enfrente uma série de dificuldades que não eram até então consideradas. Lidar com um bebê que pode não sobreviver, lidar com um bebê que não pode ser reconhecido como seu, lidar com a destituição da tarefa materna de cuidar do seu filho, lidar com a interposição da tecnologia e do saber médico sobre os cuidados maternos (Ferrari e Donelli, 2010, p. 109).

A respeito da segunda categoria, Emoções e sentimentos maternos no período de internação dos filhos, os profissionais relataram um processo de crescimento em que se repetem, a cada nova fase, ansiedade, insegurança e medo, seguidos de esperança e segurança. Dessa forma, após o susto do parto prematuro e a partir das tarefas de alimentação e asseio que as mães assumem junto aos filhos, elas vão se sentido mais seguras e mais esperançosas na recuperação dos bebês. Tal percepção pode ser observada a partir das palavras da psicóloga e da terapeuta ocupacional, ao descreverem as etapas do processo pelo qual a mãe passa durante a hospitalização do filho.

Silva e Silva (2009, p. 114), referindo-se a mães de bebês prematuros hospitalizados, ressaltam o processo de contínua avaliação por elas vivenciado:

A mãe do bebê prematuro vivencia continuamente um processo de avaliação, tanto de suas condições de manter a lactação e amamentação como das condições de saúde do filho, por meio das manifestações do comportamento dele, quando avaliam os riscos e benefícios para ambos durante esse processo.

Araújo et al. (2008) recomendam um diálogo efetivo entre profissionais da equipe de saúde e pais e mães de prematuros no sentido de favorecer a redução de sua ansiedade e estresse gerado pela internação do bebê. Afirmam que "para cuidar de um bebê prematuro os pais necessitam trilhar um caminho de incertezas, medo, insegurança, sensação de impotência e inabilidade num processo de conhecer para cuidar" (Araújo et al., 2008, p. 181).

Em relação à hospitalização do filho prematuro, a literatura evidencia, por parte das mães, um misto de sentimentos com conotações positivas e negativas. Correia et al. (2008) referem que as oscilações e ambivalências de sentimentos decorrem de situações inesperadas, como as vivenciadas pelas mães de bebês prematuros. Os sentimentos maternos aos quais os entrevistados atribuíram conotações positivas, como os encontrados nas falas da enfermeira, da terapeuta ocupacional e da psicóloga ("o humor, o emocional vai melhorando", "ela tá vendo que tá dando conta desse bebê", "elas vão ganhando mais força para passar pelo processo", respectivamente) podem ser justificados pela mudança e pelo otimismo da mãe a partir do ganho de peso do filho, pela confiança que a família deposita na sobrevivência do bebê, pelas mudanças na aparência e na alimentação do prematuro e até mesmo pelo comportamento da mãe (menos estressado, mais adaptado à rotina hospitalar) e da equipe em relação à mãe (Bengozi et al., 2010). Ainda no que se refere aos aspectos com conotação positiva, Pinto et al. (2009) lembram que o otimismo expresso pelas mães é um elemento facilitador no enfrentamento das dificuldades relacionadas à prematuridade.

Dentre os fatores desencadeantes dos sentimentos negativos, Fraga e Pedro (2004) citam a frustração diante do nascimento de um filho diferente daquilo que imaginavam ou gostariam, os cuidados com o recém-nascido e o desejo da alta hospitalar. Os participantes da pesquisa também mencionaram a ansiedade das mães visando à alta hospitalar. Segundo a terapeuta ocupacional entrevistada, essa fase final da hospitalização gera preocupações, como já mencionado, face às suas dúvidas em realizar, sozinha, os cuidados com o seu bebê, visto que, até então, era auxiliada pela equipe médica.

No que diz respeito tanto ao nascimento como à internação de prematuros, Andreani et al. (2006) referem que a prematuridade constitui-se em um momento de crise aguda, ansiogênico e desgastante para os pais devido à preocupação quanto à sobrevivência e à normalidade do bebê. Esses relatos são corroborados por Corrêa-Cunha et al. (2009), os quais, ao investigarem as condições socioemocionais de mães de bebês prematuros, afirmaram que, além do susto inicial diante do nascimento prematuro do filho e da sua hospitalização, esse período, agravado pela separação mãe-bebê, é muito crítico para todos os envolvidos, especialmente para a mãe. Além da separação do filho, as mães também se queixaram de seu afastamento do contexto familiar e social.

Quanto à 3ª categoria, Interações da díade mãe-bebê no método Canguru, os profissionais investigados confirmaram as respostas motoras e emocionais do bebê aos apelos da mãe, como pode ser observado em alguns fragmentos de falas apresentados durante os resultados da pesquisa. As respostas dos bebês foram associadas aos estímulos das mães, os quais seriam, segundo os entrevistados, propiciados pelo método Canguru. Esses depoimentos são confirmados por alguns autores, entre eles Moreira et al. (2009), ao concluírem que o Programa Canguru facilita a construção do vínculo mãe-bebê prematuro. Essas pesquisadoras acreditam que a fragilidade do bebê dificulta seu vínculo com a mãe; porém, sinalizam para um aspecto positivo decorrente dessa fragilidade: de certa forma, move a mãe para interagir com a criança. Nesse sentido, vale mencionar a longa citação das pesquisadoras:

O contato pele a pele, permite, no Programa Canguru (PC), no caso das mães, a elaboração de um evento que ocorreu de forma tão brusca e violenta capacitando-a a lidar até mesmo com a fragilidade existente na criança e dar continuidade ao luto da criança imaginária [...] No PC as condições da maternagem no interior da prematuridade é algo muito complexo, pois é ultrapassado pela vivência do trauma, da culpa e do medo de perder o bebê, pela visão da fragilidade da criança, mas, apesar dessas feridas, o PC possibilita sim a conexão entre mãe e bebê. No momento em que a mãe pode sentir o bebê junto ao seu seio, seu calor e sua presença, ela pode investir nessa criança e apostar no seu crescimento. Ou seja, aceitar que, apesar de todos os obstáculos da prematuridade, o bebê possui potencial próprio para o amadurecimento (Moreira et al., 2009, p. 480).

Moreira et al. (2009) também assinalam, no que diz respeito à análise da interação mãe-filho, o choque entre o filho real e o imaginário. Segundo as autoras, todas as mães necessitam fazer o luto do filho imaginado, pois, ao nascer, o bebê preenche um espaço que, na realidade, era preenchido por fantasmas. Entretanto, no caso da mãe do bebê prematuro, a distância entre as fantasias e a realidade mostra-se mais cruel, pois o bebê comumente pesa gramas, não consegue respirar sem equipamentos e é quase sempre um bebê em construção.

A partir de suas observações, Gomes (2004) relata vários fatores que concorrem para dificultar a relação da mãe com seu filho pré-termo desde o nascimento, entre eles o extremo sofrimento dessas mães e as condições de fragilidade e instabilidade clínica dos bebês. No entanto, essa autora nos alerta para que o atual desenvolvimento tecnológico, que, de fato, tem contribuído para o aumento da sobrevida dos bebês, não venha a se constituir em um entrave para o estabelecimento das relações entre mãe e filho, à medida que impõe a separação física, técnica e emocional da díade.

Ferrari e Donelli (2010) acreditam que os fatores que acompanham o nascimento prematuro dificultam muito o estabelecimento da relação inicial, tão fundamental para o estabelecimento do processo constitutivo do bebê. Tais fatores impõem à mãe uma série de restrições quanto à apropriação dos cuidados cotidianos do bebê. A esse respeito, afirmam as autoras: "tais limitações, muitas vezes, dificultam o ato de nomeação tão importante para a sobrevivência subjetiva do bebê. Esse distanciamento pode dificultar o reconhecimento de características familiares no corpo do bebê" (Ferrari e Donelli, 2010, p. 109).

Rios (2007), ao estudar as possibilidades de vínculo mãe-bebê em condições de prematuridade extrema, ressalta que nas primeiras horas após o nascimento, a interação da díade mãe-filho se construirá a partir das possibilidades de ambos e dependerá das condições emocionais da mãe, de sua aceitação do filho e de tudo o que está acontecendo, incluindo o ambiente, a equipe de profissionais e o contexto hospitalar. Assim, afirma: "eles [mãe e filho] terão de descobrir um caminho de aproximação e contato o que promoverá a constituição e o desenvolvimento do bebê enquanto sujeito" (Rios, 2007, p. 26).

Em síntese, os dados obtidos nos mostram que, para os profissionais investigados, o nascimento e a internação do filho prematuro constituem-se em período no qual as mães se apresentam estressadas e ansiosas, evidenciando oscilações de sentimentos e emoções com conotações positivas e negativas. Além disso, esses profissionais afirmam que o método Canguru favorece as interações da mãe com o bebê.

Podemos afirmar que, nos encontros realizados entre as pesquisadoras e as mães dos bebês prematuros internados, em diversas oportunidades elas próprias ressaltaram a importância dos profissionais da equipe de saúde no fortalecimento de sua segurança e na orientação para as tarefas do Programa Canguru. A recorrência dessas falas e a proximidade das mães com os mencionados profissionais despertaram nosso interesse em ouvi-los a respeito dos aspectos emocionais dessas mães. Acrescentamos que as funções da equipe de saúde têm se mostrado como de fundamental importância para elas, não apenas durante a internação do filho, mas, principalmente, para que assumam um papel ativo junto ao desenvolvimento da criança, processo esse que, com a alta hospitalar do bebê, passa a ser quase totalmente de sua inteira responsabilidade. Acreditamos ainda que a percepção desses profissionais sobre o tema abordado pode propiciar melhor compreensão desse período difícil para as mães, bem como pode levar os membros de toda a equipe envolvida a uma reflexão a respeito das próprias práticas.

Essa investigação também nos trouxe, além dos dados apresentados, a percepção de algumas lacunas que, à luz de novos dados, poderão contribuir, de forma mais efetiva, com os achados expostos, os quais, em parte, foram corroborados teoricamente.

Assim, sinalizamos para a necessidade de que a relação dos aspectos emocionais entre mães de prematuros e mães de bebês a termo, por ocasião do nascimento dos filhos, seja mais investigada. Além disso, parece importante o estudo da relação entre as condições emocionais de mães de bebês prematuros, segundo sua própria percepção, e aquelas percebidas pela equipe de saúde que as assiste.

 

Agradecimentos

À Pró-Reitoria de Extensão que, por meio do Programa PIBIX, tem financiado e apoiado as pesquisas relacionadas a esse projeto de extensão desde agosto/2009

À Direção, supervisores, corpo técnico e participantes da pesquisa pertencentes à Equipe de Saúde da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, por nos permitir adentrarmos em sua dinâmica institucional, possibilitando ao nosso grupo de pesquisa, a realização dos projetos, desde 2009.

 

Referências

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Submetido: 16/02/2011
Aceito: 05/05/2011

 

 

1Nome atribuído ao método, quando de sua criação, pelos doutores Rey Sanabria e Edgar Martinez. Atualmente as equipes de saúde no Brasil passaram a chamá-lo de Método Canguru, reconhecendo a importância da participação dos familiares.

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