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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.5 no.2 São Leopoldo Dec. 2012

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2012.52.01 

ARTIGOS

 

Avaliação do desenvolvimento infantil em enfermaria pediátrica de um hospital universitário1

 

Development evaluation of pediatric inpatients in a university hospital

 

 

Daniella Magalhães Bülow; Mariana Gonçalves Rebello; Indira Yasmini França; Rodrigo Fernando Pereira; Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

Laboratório de Terapia Comportamental. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, 05508-030, São Paulo, SP, Brasil. efdmsilv@usp.br

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo era verificar, na população de um hospital universitário de São Paulo, o quanto as crianças se integram na faixa de desenvolvimento esperada para suas idades. Para isso, 50 acompanhantes (pais e cuidadores) de crianças entre 1 e 60 meses foram entrevistados, respondendo a questionários formados com base nas pranchas de Marie Leiner sobre o desenvolvimento infantil. Esses questionários continham frases relativas a habilidades motoras, sociais e intelectuais que se espera em várias idades, com opções de "sim", "não" e "observações". As habilidades motoras básicas e as intelectuais tiveram o maior índice de "sim", enquanto as habilidades motoras finas e as de linguagem ocorreram em quantidade menor. De modo geral, todas as áreas tiveram um alto índice de desenvolvimento de acordo com o esperado. A idade não teve correlação signifi cativa com nenhuma variável.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, avaliação, hospitalização.


ABSTRACT

The objective of the study was to verify how, in the population of a university Hospital in São Paulo, the children are in the development range expected for their ages. For this, 50 parents or caregivers of children between 1 and 60 months old were interviewed, answering to questionnaires elaborated based on Marie Leiner's boards about the child development. This questionnaire contained sentences about motor, social and intellectual abilities that are expected in several ages, with "yes" and "no" options and "observations". The data collected was analyzed with the SPSS soft ware's aid. The basic motor and intellectual abilities had the higher "yes" rates, while the fine motor and language abilities had a lower frequency. In general, all areas had a high rate of development according to expectation. The age had no significant correlation with any other variable.

Key words: child development, evaluation, hospitalization.


 

 

Introdução

Já é notória na psicologia a correlação entre problemas de saúde mental e exposição a comportamentos de risco no início da vida. Todos os problemas comportamentais, mentais e emocionais pelos quais crianças e adolescentes passam podem ter consequências indesejáveis no futuro. Além disso, eles têm um grande impacto na qualidade da vida da criança, das pessoas que a cercam e da sociedade de maneira geral (Leiner et al., 2007).

Desse modo, é essencial que a criança se desenvolva em um ambiente que desfavoreça o surgimento, a piora ou a manutenção desses problemas. Um ambiente favorável a um desenvolvimento sadio é, antes de tudo, uma questão de sobrevivência, que afeta o futuro da nossa própria espécie. As condições de risco que são impostas à criança na sociedade de hoje comprometem qualitativamente o seu futuro. E a atenção para esse ambiente saudável deve ser uma constante desde o momento em que a criança nasce. Isso porque estudos observacionais com bebês e crianças pequenas, desenvolvidos por pesquisadores de diferentes universidades, revelam a sensibilidade comportamental a arranjos ambientais e estímulos físicos desde muito cedo (Zannon, 1991).

Quanto antes os problemas forem identificados, menor a probabilidade de impactarem negativamente no desenvolvimento infantil. A necessidade de detectar problemas psicossociais e de comportamento tem sido proposta há algumas décadas. Não é incomum que profissionais da área da saúde (médicos, psicólogos etc.) utilizem medidas de avaliação do comportamento da criança, sendo essas principalmente questionários que devem ser preenchidos pelos pais. Existe uma grande variedade de testes gratuitos e simples de se usar, que nem sequer exigem a ajuda de uma especialista para serem aplicados (Leiner et al., 2007).

Porém, existe um problema com esse modelo de avaliação escrito, cujo exemplo são os questionários e inventários. A questão é que há uma grande dificuldade em trabalhar com algumas pessoas dessa maneira, especialmente com pessoas que têm problemas na leitura e na escrita. Esse fator limitante chamou atenção para a necessidade de alcançar essas pessoas de alguma outra forma, seja tanto por meio de pranchas, vídeos, imagens, quanto por meio de outros instrumentos desse tipo (Leiner et al., 2004).

Essa diferente maneira de questionar os pais já se provou bastante eficiente. Em um estudo de Leiner et al., (2004), os autores compararam o quão efetiva é uma mensagem escrita em comparação à mesma mensagem convertida em desenho animado. O resultado foi que um desenho animado bem feito é muito mais eficiente para transmitir uma mensagem do que a comunicação da mesma pela escrita (Leiner et al.,2004).

Outro estudo (Leiner et al., 2007), realizado com 411 mães ou cuidadoras mexicanas com crianças entre 4 e 6 anos, todas frequentadoras de uma clínica de saúde infantil no Texas, Estados Unidos, buscou validar um questionário chamado Pediatric Sympton Checklist. Discorrendo sobre o tema, os autores atribuem uma aparente ineficiência do instrumento até aquele momento mais por conta da forma do questionário do que por qualquer outro motivo. Por isso, ao realizarem sua pesquisa os autores acrescentaram imagens para tornar o questionário mais visualmente atrativo e chamar a atenção dos pais. O resultado foi que o questionário se mostrou eficiente e foi capaz de detectar problemas psicossociais satisfatoriamente (Silvares et al., 2010).

Estudando o desenvolvimento da criança, é possível orientar os pais com o intuito de evitar que problemas de comportamento se instalem ou de minimizar o impacto desses quando já existentes. Sem um estudo prévio, sem esse levantamento que permite conhecer as necessidades específicas das pessoas, a atuação do profissional que se dispõe a intervir fica comprometida.

Pensando no ambiente hospitalar, a atual tendência para encarar as questões do desenvolvimento infantil nesse contexto tem uma perspectiva interacionista (Zannon, 1991). Essa perspectiva aponta a importância das possíveis relações entre condições socioculturais, condições históricas e atuais orgânicas, e o repertório comportamental. Nenhuma dessas três define sozinha o curso do desenvolvimento da criança, pois esse decorre justamente da relação entre elas. O que se passa com a criança é fruto da combinação de condições iniciais e de condições orgânicas e ambientais posteriores à hospitalização. Nesse sentido, estratégias como estimulação de comportamentos, organização ambiental e arranjo de atividades favorecem o desenvolvimento psicológico da criança hospitalizada (Zannon, 1991).

Tendo em vista a multideterminação do comportamental infantil e conhecendo a forma mais eficaz de abordar os pais, o presente estudo se propõe a verificar, dentro de uma população de um hospital universitário da cidade de São Paulo, o quanto as crianças frequentadoras do local estão dentro da faixa de desenvolvimento esperada para suas idades. Espera-se que esse estudo encoraje a realização de mais levantamentos, de forma que futuramente esses conhecimentos solidificados deem base para um trabalho mais eficiente com as crianças dentro do ambiente hospitalar. Os resultados aqui obtidos servem de base também para que se conheça melhor as necessidades das crianças que frequentam especificamente esse hospital. Isso possibilita que os profissionais se ajustem bem às necessidades dessas pessoas e lhes forneçam um trabalho de melhor qualidade.

 

Método

A amostra consistiu de 50 acompanhantes (pais ou cuidadores) de crianças que estavam internadas na enfermaria de um hospital universitário localizado em São Paulo. As entrevistas aconteceram no primeiro semestre de 2012, no período de março a junho, uma vez por semana. A idade das crianças sobre as quais os pais eram entrevistados variou entre 1 e 60 meses, com média de 18,54 meses.

Para entrevistar os pais, foram utilizados questionários baseados nas pranchas de desenvolvimento infantil feitas por Marie Leiner. Os questionários eram compostos por frases descritivas das habilidades motoras, sociais e intelectuais esperadas para determinadas idades (abrangendo 1, 2, 4, 6, 8, 12, 15, 18, 24, 36, 48, 60 meses), com as opções de "sim", "não" e "observações" divididas em três colunas. Informações como idade das crianças, suas iniciais e diagnósticos eram perguntadas aos pais e posteriormente conferidas nos prontuários.

No procedimento, inicialmente os pais eram questionados se havia interesse em conversar sobre o desenvolvimento infantil. Com auxílio de pranchas ilustradas, pedia-se que eles comparassem as habilidades descritas com o que haviam observado no próprio filho, entre elas habilidades motoras, intelectuais e envolvendo a linguagem. De acordo com a idade mais próxima à da criança, o entrevistador perguntava se o pai ou cuidador já havia visto a criança demonstrando determinada habilidade e quando necessário usava exemplos para ilustrar descrições que não ficavam bastante claras.

A partir dos dados coletados retrospectivamente, por meio dos prontuários do hospital, foram feitas análises descritivas utilizando o programa SPSS.

 

Resultados

A Tabela 1 mostra os diagnósticos que levaram as crianças à internação na enfermaria, bem como a frequência em que ocorreram. Verifica-se que a maior parte dos problemas de saúde que levaram à internação são de ordem respiratória.

A Tabela 2 descreve a porcentagem de respostas em que os pais respondiam "sim" em relação aos itens que avaliavam o desenvolvimento de acordo com a área. Ou seja, uma porcentagem maior indica que a criança estava mais próxima do desenvolvimento esperado para a idade segundo o relato dos pais.

Pode-se observar que as habilidades motoras básicas e as habilidades intelectuais foram as que obtiveram maiores porcentagens de respostas "sim", indicando maior índice de desenvolvimento dentro do esperado. As habilidades motoras finas e as habilidades de linguagem tiveram porcentagens menores. Ainda assim, todas as áreas tiveram um alto índice de desenvolvimento de acordo com o desejável para a idade.

Na Tabela 3, os índices de desenvolvimento são comparados dividindo-se a amostra entre crianças do sexo masculino e feminino.

É possível observar que os meninos obtiveram porcentagem maior de desenvolvimento de acordo com o esperado nas habilidades motoras básicas, finas e de linguagem. Nas habilidades intelectuais, as meninas tiveram porcentagem maior. No entanto, a análise estatística mostrou que as amostras não apresentam diferenças entre si, revelando que os índices de desenvolvimento são semelhantes para meninos e meninas nessa amostra.

A Tabela 4 mostra as correlações entre as variáveis estudadas.

É possível verificar que a idade não se correlacionou significativamente com nenhuma outra variável. Houve correlação significativa positiva entre habilidades motoras finas com habilidades intelectuais e com habilidades de linguagem.

 

Discussão

O presente estudo possibilitou a identificação de problemas psicossociais e de comportamento em crianças ainda muito jovens, com média de 18,54 meses de idade, o que, segundo Leiner et al., (2007), favorece menor impacto negativo dos fatores identificados no desenvolvimento das crianças.

A utilização de pranchas com imagens acompanhando as descrições escritas já havia sido relatada por Leiner como facilitadora do entendimento dos comportamentos por parte dos pais, principalmente no que diz respeito à atenção dedicada pelos pais à entrevista. Na pesquisa aqui descrita, as pranchas pareceram auxiliar na compreensão dos pais, muitas vezes sendo possível perceber que eles observavam atentamente as imagens, e até mesmo apontavam para alguma imagem em específico ao tentarem relatar sobre algum comportamento dos filhos. Os exemplos fornecidos pelas entrevistadoras também foram facilitadores no caso de alguns comportamentos difíceis de explicar, como o oferecimento de um prato vazio.

As entrevistas permitiram, além do levantamento dos dados para posteriores programas de intervenção, uma intervenção imediata com os pais entrevistados, pois ao relatarem as dificuldades dos filhos, podiam ser orientados pelas entrevistadoras a estimular alguns comportamentos ou modificar alguma condição ambiental. No que diz respeito a futuros programas de intervenção, por meio das entrevistas é possível pensar algumas intervenções simples que poderiam propiciar um ambiente mais saudável e consequente diminuição dos problemas infantis. Por exemplo, para os pais cujos filhos não articulavam muito bem as palavras, foi sugerido conversar mais com as crianças, articulando as palavras corretamente.

De acordo com os dados obtidos, as crianças do hospital em que ocorreu a pesquisa estão com o desenvolvimento dentro do esperado (Leiner et al., 2007). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes quanto ao gênero das crianças, apesar de terem sido entrevistadas mais mães de meninos do que de meninas. Os entrevistados tinham crianças de idades entre 1 e 60 meses e, apesar disso, também não houve diferenças estatisticamente significantes relacionadas à idade das crianças.

Além disso, as habilidades motoras finas, intelectuais e de linguagem estão relacionadas, de forma que o bom desempenho em uma delas mostrou-se acompanhado do bom desempenho nas outras duas. Os dados também apontam que as habilidades motoras básicas e as habilidades intelectuais apresentaram maior porcentagem de respostas "sim" quando comparados às habilidades motoras finas e as habilidades de linguagem.

 

Referências

LEINER, M.; BALCAZAR; H.; STRAUS, D.; SHIRSAT, P.; HANDAL, G. 2007. Screening Mexicans for psychosocial and behavioral problems during pediatric consultation. Revista de investigación clínica. 59(2):116-123.         [ Links ]

ZANNON, C. 1991. Desenvolvimento psicológico da criança: questões básicas relevantes à intervenção comportamental no ambiente hospitalar. Psic.: Teoria e Pesquisa; 7(2):119-136.         [ Links ]

LEINER, M.; HA NDAL, G.; WILLIAMS, D. 2004. Patient communication: a multidisciplinary approach using animated cartoons. Health Education Research; 19(5):591-595. http://dx.doi.org/10.1093/her/cyg079         [ Links ]

SILVARES, E.F.M.; MIYAZAKI, M.C.O.S.; FERNANDES, L.F.B. 2010. Levantamento de problemas de comportamento infantil no ambulatório de pediatria: subsídios para a implementação de intervenções preventivas. In: M.M.C. HUBNER; M.R. GARCIA; P. ABREU; E. CILLO; P. FALEIROS (org). Sobre Comportamento e Cognição: Análise experimental do comportamento, cultura, questões conceituais e filosóficas. Santo André, ESETec Editores Associados, p. 154-167.         [ Links ]

 

 

Recebido: 04/10/2012
Aceito: 22/10/2012

 

 

1 Trabalho realizado no Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.