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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.5 no.2 São Leopoldo dez. 2012

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2012.52.06 

ARTIGOS

 

Assédio moral: a percepção e vivência dos trabalhadores

 

Mobbing: the perception and experience of employees

 

 

Martina Dillenburg Scur; Mary Sandra Carlotto

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Partenon, Porto Alegre, RS, Brasil. martinascur_psico@yahoo.com.br; mary.sandra@pucrs.br

 

 


RESUMO

O Assédio Moral é um tipo de violência que expõe as pessoas a situações ofensivas e humilhantes. Este estudo buscou compreender a vivência do Assédio Moral em seis trabalhadores. O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada com seis questões norteadoras: caracterização da situação de Assédio Moral; início e duração do Assédio; percepção de colegas; reações frente ao Assédio; perfil do assediador; consequências pessoais e profissionais para o trabalhador. Os dados foram analisados de acordo com a Análise Textual Discursiva. De acordo com os relatos, parece que a vivência de Assédio Moral tem como pano de fundo o assédio organizacional. Verifica-se a presença de sofrimento psíquico, adoecimento, desmotivação, insegurança e problemas na vida familiar. O estudo pode contribuir para repensar as práticas de gestão organizacional, valores organizacionais, assim como um melhor esclarecimento sobre os direitos do trabalhador vítima de violência e humilhação no trabalho.

Palavras-chave: assédio moral, violência no trabalho, trabalhadores.


ABSTRACT

Mobbing is a form of violence that exposes people to offensive and humiliating situations. This study sought to understand the experiences with workplace mobbing of 6 (six) workers. The research tool used was a semi-structured survey with six guiding questions: characterization of the mobbing they experienced, the onset and duration of the bullying, perceptions from colleagues, reaction to the mobbing, profile of the mobbing, work environment in the organization. The data was analyzed following the Discursive Textual Analysis. Based on the interviewee's accounts, we can infer that they have experienced workplace bullying in the context of organizational harassment. We find evidence of psychological trauma, physical sickness, low motivation, insecurity, and family problems. This study can contribute to the literature in providing a basis for re-thinking organizational management practices, organizational values, as well as a bett er understanding of the workers' rights who experience mobbing in the workplace.

Key words: mobbing, violence at work, workers.


 

 

Introdução

O assédio moral tem recebido, nos últimos anos, especial destaque por parte de organizações empresariais, sindicais, jurídicas, comunidade científica internacional e nacional. O crescente interesse decorre das importantes repercussões negativas não somente para o indivíduo, mas também para organizações produtivas e para a sociedade (OIT, 2005; Freitas et al., 2008; Garcia e Tolfo, 2011; Pedro et al., 2008; Soboll, 2008). A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiram que essa seria a década do estresse, da depressão, do pânico, da tortura psicológica e de outros danos psíquicos relacionados às novas políticas de gestão na organização de trabalho (OMS, 2002). Com o crescente aumento de casos de violência no trabalho, tem se acentuado a preocupação da OIT (2005) com o assédio moral, tendo em vista ser esse comportamento violento a base de desenvolvimento desse fenômeno psicossocial. O assédio moral é uma das espécies de violência cotidiana, geralmente invisível e silenciosa, à qual estão submetidos muitos dos trabalhadores de todo o mundo (Freire, 2008; Luongo et al., 2011).

O assédio moral no ambiente de trabalho envolve a deliberada degradação das condições de trabalho a partir do estabelecimento de comunicações não-éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição, necessariamente, por longo tempo de duração, de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo. Esse apresenta, como reação, um quadro de debilidade física, psicológica e social duradoura (Leymann, 1996). O fator fundamental é o comportamento intencional e dirigido a uma pessoa, persistentemente, no intuito de levá-la à desestabilização psíquica ou excluí-la do trabalho (Einarsen e Skogstad, 1996). É um processo disciplinador, em que o assediador procura anular a vontade daquele que, para o agressor, apresenta-se como ameaça (Heloani, 2005). Segundo Hirigoyen (2002a, 2002b), assédio moral é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento ou atitude que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando, dessa forma, seu emprego ou degradando o clima de trabalho), praticada para provocar a exclusão da vítima do local de trabalho. Para que isso ocorra, deve existir um desequilíbrio de poder entre as partes, ou seja, a pessoa cotejada deve ter dificuldade em defender a si mesma nessa situação.

Apesar das dificuldades em classificar esse fenômeno, parece ser consensual que o assédio moral possui quatro critérios essenciais: 1) o efeito negativo do comportamento sobre o alvo; 2) a frequência; 3) a persistência do comportamento e 4) o desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (Cantisano et al., 2007; Sauders et al., 2007).

Soboll (2008) faz uma distinção entre o assédio moral e o assédio organizacional, tendo os dois em comum o fato de serem formas específicas de violência no contexto do trabalho. As agressões que ocorrem num contexto de assédio moral são direcionadas tanto para as características pessoais como para o papel profissional do trabalhador, assim afetando a dignidade, a autoestima, a segurança em si mesmo, com prejuízo na identidade profissional e pessoal. No assédio organizacional, se estabelece o terror psicológico, incorporando-o como estratégia de gestão, desse modo estimulando a competição para além da ética. Para a autora, as organizações propiciam o desenvolvimento de relações e condutas agressivas, usando-se de situações de assédio moral para assegurar o controle, a submissão e a exploração dos trabalhadores em prol da produção. Com esse intuito, utilizam atos hostis, de pressões exageradas, de humilhações, de constrangimentos, de exposições degradantes e de premiações negativas. Podem ocorrer particularidades e especificidades, tendo em vista que o assédio é um fenômeno relacionado à cultura, podendo variar as formas de suas manifestações de país para país (OMS, 2004).

A empresa pode ser complacente com certos abusos de poder, o que transforma o ambiente em local ideal para o crescimento de formas de assédio moral, especialmente quando o poder encontra-se nas mãos de indivíduos perversos (Hirigoyen, 2002a). Essa estrutura de trabalho pode ser a explicação para o aumento dos índices de comportamentos abusivos (Barreto, 2003). Fatores organizacionais, como o tipo de clima, liderança e cultura organizacional, têm evidenciado associação com a ocorrência de assédio moral (Glaso et al., 2009).

O quadro atual de desemprego pode ser outro fator determinante para que essas situações ocorram, posto que, não raras vezes, o empregado acaba por admitir comportamentos não adequados advindos de superiores hierárquicos ou colegas para manter seu posto de trabalho (Akl e Akl, 2007). Ele sofre com o medo e com as pressões que, muitas vezes, viram ameaças e até demissões; assim, essas práticas transformam-se em um poderoso instrumento de manipulação (Dejours, 2003), com significativas repercussões sociais.

Do ponto de vista econômico, a vítima passa a arcar com altos custos de tratamentos médicos devido às suas incapacitações e dificuldades de se readaptar ao trabalho, trazendo-lhe uma diminuição de renda (Cassito et al., 2004). Também, a vítima tende a perder participação em projetos e sofre uma queda no seu rendimento profissional (Freitas et al., 2008). Os custos com benefícios previdenciários são altos, pois o indivíduo pode desenvolver enfermidades e doenças diversas (psicossomáticas e psiquiátricas) ou incapacidades (temporárias ou permanentes). Além disso, poderá haver gastos com aposentadorias prematuras, hospitalizações e tratamentos médicos. Para as organizações de trabalho, também, há prejuízos: ausência dos trabalhadores enfermos; aumento de custo com substituições e treinamento de novos trabalhadores; redução da motivação e da satisfação dos funcionários e sua consequente queda de produtividade (Cassito et al., 2004).

O assédio moral no trabalho pode ser considerado a mais grave ameaça à saúde do trabalhador a ser enfrentada neste século. Além de graves sequelas que podem levar a outros problemas relacionados à saúde ocupacional, esse fenômeno psicossocial tem afetado significativamente não somente a saúde mental e física da população ativa, mas, também, a saúde das organizações produtivas (Piñuel y Zabala e Cantero, 2003). Atualmente, estima-se que a prevalência de assédio moral está entre 5% a 15% (Agervold, 2007). Pelo exposto, o presente estudo de delineamento qualitativo buscou compreender a vivência do assédio moral em trabalhadores em situação de desemprego: como percebem, sentem e agem em relação a isso.

 

Percurso metodológico

Participaram do estudo seis trabalhadores, em situação de desemprego, que buscavam recolocação no mercado de trabalho por meio de uma agência de emprego, situada em uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre. O critério de inclusão dessas pessoas foi ter vivenciado, por mais de seis meses, situações consideradas, por eles, como assédio moral. Dos seis entrevistados, dois eram do sexo masculino; um tinha o Ensino Médio completo, tendo os outros Ensino Superior completo ou cursando. Os dois entrevistados do sexo masculino ocupavam função técnica (auxiliar administrativo e técnico em equipamentos). As mulheres exerciam funções de secretária executiva, gerência e auxiliar de recursos humanos, sendo uma estagiária de arquitetura. Uma das participantes trabalhava em uma universidade, uma na construção civil e duas em empresa de consultoria. Em relação aos homens, um desenvolvia suas atividades em uma indústria e o outro, em uma empresa de tecnologia. Somente uma das empresas era de pequeno porte, as outras de médio (duas) e de grande (três) porte. Em relação à idade dos entrevistados, a grande maioria concentrou-se na faixa etária de 20 a 30 anos, sendo somente um com 51 anos.

Para a coleta dos dados, foi utilizada a entrevista semiestruturada que, segundo Queiroz (1988), supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador, dirigida com os objetivos de estudo. A entrevista semiestruturada parte de alguns questionamentos básicos, apoiados por teorias que interessam à pesquisa, podendo, no decorrer dela, surgirem outras interrogativas (Triviños, 1992).

A entrevista possuía seis questões norteadoras: 1) situação de assédio moral; 2) início e duração do assédio moral; 3) percepção de colegas quanto ao assédio moral; 4) reações frente ao assédio moral; 5) perfil do assediador; 6) consequências do assédio moral para a vida pessoal e profissional do assediado. As categorias foram selecionadas a priori (Bardin, 1980; Moraes, 1999, 2003), sendo elaboradas a partir do referencial teórico sobre o tema. As entrevistas foram realizadas nos meses de março e abril de 2009, com duração média de 30 min. Essas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra, de forma literal. Os textos passaram por correções linguísticas, porém sem eliminar o caráter espontâneo das falas.

Os dados foram analisados de acordo com a Análise Textual Discursiva (Moraes, 2003), método que utiliza as categorias como formade focalizar o todo por meio das partes. É um processo auto-organizado de produção de novas compreensões em relação aos fenômenos que examina. Segundo o autor, quando se conhece de antemão os temas da análise, ou seja, as categorias a priori, basta separar as unidades de sentido de acordo com os temas.

No primeiro momento da análise textual qualitativa, realizou-se a separação, o isolamento e a fragmentação de unidades de significado. Após, foi realizada a descrição na análise textual a partir das categorias estabelecidas. A descrição foi desenvolvida a partir da ancoragem dos argumentos em informações retiradas dos textos. Na sequência, foi efetivada a interpretação dos dados, que se consistiu em um processo de contraste com teorias e autores representativos do referencial já existente. Nesse sentido, procurou-se ampliar a compreensão do fenômeno investigado, estabelecendo pontes entre os dados e suas teorias de base.

Os recortes das unidades de significado foram encaminhados a dois juízes, psicólogos pesquisadores com conhecimento do tema em estudo, para posterior cálculo de concordância, ou seja, para verificação da fidedignidade da seleção realizada pelas pesquisadoras, a fim de evitar possíveis vieses (Belei et al., 2008). Houve ajuste na categoria repercussões para a vida pessoal, com desdobramento em vida pessoal e profissional.

O projeto tem aprovação do Comitê deÉtica e Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, tendo sido realizados todos os procedimentos éticos, conforme resolução nº.196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com seres humanos (Ministério da Saúde, 1997). Cada um dos participantes recebeu um nome fictício por preceitos éticos visando a manter a confidencialidade: Antônio, Ana, Alice, Álvaro, Anita, Adélia.

 

Resultados e discussão

Situações de assédio moral

O assédio moral apresenta uma grande variedade de comportamentos. Alice identifica o assédio no comportamento de seu chefe, que começou a retirá-la de determinados eventos, sonegar informações e recusar-se a dialogar conforme referido a seguir.

Ele começou, a partir de um período, a me retirar de certos eventos, certos afazeres, não me passava informações importantes para que o processo não andasse. Isso acontecia diariamente, por um bom tempo, eu me frustrei muito porque sempre fiz de tudo pela empresa.

[...] não me deixava falar, pois sempre me interrompia quando eu tentava falar alguma coisa; às vezes me deixava plantada na porta da empresa durante uma hora até ele chegar, aí ele dizia 'ah!, esqueci de ti!'.

Percebe-se, nas falas, o comportamento por parte da chefia voltado para a deterioração proposital da autoestima do trabalhador e de suas condições de trabalho. A sonegação de informações foi utilizada para que o trabalhador realizasse suas atividades de forma a cometer erros, ocasionando sentimentos de frustração e impotência.

As condutas abusivas, realizadas de forma repetida ou sistemática, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, com intuito de provocar a saída da vítima do local de trabalho, são típicas do assédio moral. Esses atos ocorrem em situação de desequilíbrio de poder entre as partes, nesse caso, trabalhador e chefia. Hirigoyen (2002a, 2002b) refere que os comportamentos de assédio moral podem deteriorar propositalmente as condições de trabalho, retirando do trabalhador tarefas, autonomia e ferramentas essenciais para a execução de sua atividade; isolamento e recusa de informações; atentado contra a dignidade com gestos de desprezo; violência verbal, física ou sexual (ameaça de violência, comunicação aos gritos, invasão da vida privada, desconsideração pelos problemas de saúde, assédio sexual). Essas quatro dimensões serão referências para a análise dos casos em estudo.

O atentado contra a dignidade é expresso em outras falas da entrevistada, conforme se pode observar em seus relatos, reforçando aspectos presentes na literatura. Na maior parte das vezes, é contra as mulheres que se revelam a maioria das ocorrências de relações assimétricas e de abuso de poder (Barreto, 2003; Salin, 2003). Elas são vítimas com maior frequência e assediadas de forma diferenciada, geralmente, com conotações sexuais ou machistas (Hirigoyen, 2002b).

Quando fazia alguma tarefa, alguma planilha de orçamento incorreta, ele ria da minha cara, falando que eu só poderia ser gaúcha mesmo, me ofendia e fazia referência às pessoas gaúchas como burras, que não possuíam cérebro.

[...] com aquele jeito paulista, ele disse: ah!, mas o que essas vagabundas estão pensando de mim, hein? Ele dizia vou por ordem no galinheiro, sou eu quem manda aqui agora.

No entanto, é, na dimensão de violência física e verbal que emerge a maior parte das experiências dos entrevistados. Nessa, o agressor avança fisicamente contra a vítima; mesmo que de leve, essa é empurrada; fecham-lhe a porta na cara; falam com ela aos gritos, invadem a sua privacidade com ligações telefônicas ou cartas; seguem-na na rua; é espionada; não levam em conta seus problemas de saúde e é agredida sexualmente. Parte das ações apontadas é identificada pelos entrevistados, conforme se observa nas seguintes falas:

É isso aí, o cara gritava e gritava. Era tudo com grito, com xingamento, é seu merda, seu bosta, e tu tem que ouvir, baixar a cabeça e ficar quieto (Antônio).

[...] ele me humilhava perante os outros, batia com uma caneta na minha cabeça sempre que passava por mim, dizia que eu não fazia nada que os outros não poderiam fazer. Gritava comigo, batia na mesa com a mão e depois dizia baixinho: eles (os da sala do lado) devem pensar que tu estás apanhando de mim (ria sarcasticamente) (Alice).

Fui fazer um trabalho pra ele na rua e, quando eu voltei, minha mesa estava toda bagunçada, coisas rasgadas em cima da minha mesa. Meu relatório estava rasgado, folhas de pagamento também. Aí uma das gurias me falou que o R. tinha sentado e disse que ele queria ver o que eu estava fazendo (Anita).

Ele me ligava, pelo menos, duas vezes por dia para me cobrar alguma coisa, para questionar algo que ele sabia que não tinha como eu ver ou saber. E quando eu não atendia ao telefone, ele perguntava o que eu estava fazendo, por que não atendi no momento que ele ligou, queria saber onde eu estava, o que eu tinha feito e isso era em qualquer horário! Teve casos até de ele me ligar às 21h. Era horrível! (Álvaro).

Nos relatos, percebe-se uma desqualificação dos problemas de saúde do trabalhador. Observa-se claramente isso no relato a seguir.

Ah, se tu estás doente ou precisa de uma licença, alguma coisa do gênero ele (o chefe) dizia "toma uma aspirina" ou "ah, te cortou? Passa uma pomadinha ali" e azar é o meu. Isso aí não é nada, não precisa de médico, pra que médico? Isso aí é bobeira. E se tinha alguém na sala junto com ele e alguém entrava pedindo algo do tipo, ele depois falava pelas costas. Ah, esse aí quer matar serviço, esse não quer trabalhar. A hora que der oportunidade, vamos botar pra rua (Antonio).

No adoecimento, o trabalhador é percebido como preguiçoso e, na situação de assédio, ameaçado de demissão (Barreto, 2003). Verifica-se a ocorrência de práticas de gestões equivocadas e arcaicas, as quais, segundo Davel e Vasconcelos (1997), evidenciam os resquícios culturais de nosso contexto: concentração de poder; personalismo; postura de espectador; impedimento de conflitos; lealdade às pessoas; formalismo; flexibilidade; e impunidade. Esse tipo de gestão, também, ficou conhecida por gestão da injúria, sendo notada por todos os empregados que são maltratados (Hirigoyen, 2002a). Esse estilo de liderança pode estar relacionado a questões culturais. Davel e Vasconcelos (1997) referem que lideranças brasileiras não estão habituadas a negociar e a desenvolver técnicas gerenciais para interação e integração dos trabalhadores. Ao contrário, suas respostas são sempre obtidas por meio do autoritarismo e pela imposição do estilo próprio de administrar. Isso explica o atraso das formulações gerenciais brasileiras e a desumanização das relações de trabalho em algumas organizações. Segundo Soboll (2008), essas práticas são propícias à ocorrência do assédio moral.

Percepção sobre o início do assédio

Geralmente, o assédio moral nasce com pouca intensidade, como algo inofensivo, pois as pessoas tendem a relevar os ataques, entendendo-os como uma brincadeira; depois, propaga-se com força, e a vítima passa a ser alvo de um maior número de humilhações e de brincadeiras de mau gosto (Heloani, 2003). A vítima, ao deixar passar as insinuações e as chacotas, vê multiplicarem os ataques, passando a sentirse acuada, colocada em estado de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes por longos períodos (Freitas, 2001).

Alice relata que levou um tempo até perceber que estava sendo vítima de uma situação de violência.

Olha, no início, eu não sabia que era tão ruim, pensei que fosse normal os chefes agirem assim, mas, com o tempo, fui vendo que com os outros era diferente, não sei se era porque eu era nova e inexperiente, mas ele sabia me dominar e me manipular de forma que eu não conseguia sair da situação, nem falar mais, nem bater boca. Mas foi com o tempo, quanto mais eu contava para meus amigos, mais eu me dava conta de que eu era a vítima.

Segundo Hirigoyen (2002a), o assédio pode ocorrer de forma insidiosa, a ponto de nem mesmo sua vítima ter certeza se o que sofre ou sofreu é mesmo assédio moral. Verificam-se, inicialmente, tentativas de lidar com a situação à medida que o assédio vai sendo identificado. No entanto, essas vão aos poucos sendo abandonadas por uma atitude de resignação e submissão.

No assédio organizacional, as estratégias de gestão são degradantes e exageradas e visam a aumentar a produtividade e manter o controle da organização, valendo-se de atos hostis, pressões exageradas, humilhações, constrangimentos e exposições degradantes (Soboll, 2008). Em vários casos, o assédio moral percebido pelos entrevistados foi ativo e constante, com importantes indicativos de estar relacionado a um estilo de gestão.

Ah, desde que eu tinha entrado na empresa, ele agia dessa forma, acho que foi nas primeiras semanas de trabalho e foi até o fim. Sempre com o mesmo tratamento, ele nunca mudou nem para melhor nem para pior. Só quando ele estava muito estressado ou quando baixava o serviço e aí ficava um pouquinho pior ainda (Antonio).

Nossa, desde o início ele me tratava mal. As pessoas me contavam como ele tratava a outra estagiária de arquitetura que eu substituí. Logo depois, ele ficou diferente comigo também (Ana).

Já na primeira semana, desde o início. Sabe, eu comecei na segunda feira e, na terça-feira, já iniciou o momento de afronta, um dos primeiros contatos com ela já foi de humilhação (Adélia).

A forma de gerenciamento depende das características individuais dos gestores, no entanto, o limite da prática autoritária ou democrática é dado pela estrutura organizacional e pela forma como o trabalho está organizado (Faria, 2004). Embora aspectos pessoais, como características de personalidade da chefia, também sejam determinantes para a ocorrência da violência psicológica, ela somente ocorre na medida em que a organização incentivar e for conivente com as práticas equivocadas de suas lideranças (Soboll, 2008). Os relatos parecem revelar consentimento organizacional para a prática do assédio, tendo em vista o comportamento estar presente desde o ingresso do trabalhador. O estilo de liderança nesse contexto de gestão permite comportamentos abusivos. Em organizações pouco transparentes, bastante hierarquizadas, com predomínio de valores como a competitividade e rendimento a qualquer preço, são produzidos com maior facilidade comportamentos abusivos (Cantisano et al., 2007).

Percepção dos colegas

O assédio organizacional é visto por algumas organizações como um aspecto motivacional, acreditando que os comportamentos de controle, pressão psicológica e ameaças de retaliação e expulsão aumentem a produtividade. No entanto, são nas atitudes de retaliação que os funcionários percebem as relações de trocas como insatisfatórias e sofrem com a falta de restauração da percepção de justiça por meio das atitudes do agressor. A vítima costuma checar com colegas a situação vivenciada como forma de confirmar ou não a existência de assédio (Cantisano et al., 2007). Como esse tipo de agressão é extremamente sutil e perversa, já que se trata de um comportamento premeditado, executado segundo uma estratégia minuciosamente preconcebida (Guimarães e Rimoli, 2006), a percepção de colegas pode ser um recurso importante para diferenciar o assédio moral das más práticas gerenciais. Isso foi o que dois participantes relataram ter feito.

A maioria do pessoal sofre a mesma pressão, só que já que eu estava dentro do escritório eu que levava as piores massacradas. O pessoal perguntava pra mim: cara o que tu fez para o cara te odiar tanto? O que tu fez? Tu agrediu ele, roubou ele? (Antonio).

Eles entendiam ou percebiam da mesma forma que eu, lamentavam o comportamento do engenheiro comigo [...] mas, enfim, todos acham ele muito cruel comigo (Ana).

Segundo Ferreira et al. (2006), é possível que os trabalhadores que assistam ao colega ser assediado também se sintam fragilizados e incapazes de tomar atitudes em defesa da vítima, uma vez que temem serem os "próximos da lista". O assediador, geralmente, é temido e, por isso, a possibilidade de a vítima receber ajuda dos que a cercam é remota.

Einarsen (2000) distingue dois tipos de assédio. Um deles é o assédio moral direto, que se refere à situação na qual há uma evidência atual e externa de assédio, ou seja, é percebida a violação dos direitos, há condutas verbais e controle nas ações, e o outro é o assédio moral indireto, que ocorre por meio de insinuações e fofocas. O assédio direto é representado pelorelato de Álvaro.

Eles achavam um absurdo, achavam que ele estava exagerando ou que ele tinha realmente algum problema pessoal comigo. Outros colegas até vieram perguntar o que eu tinha feito com ele, se eu tive um dia algum desentendimento feio com ele, ou alguma coisa do tipo, pois parecia que ele estava de implicância com a minha pessoa.

A percepção dos colegas revela-se importante não só para o auxílio da avaliação e caracterização do assédio, mas como elemento de apoio, permitindo à vítima dividir com seus pares sua vivência e sofrimento. Segundo Guimarães e Rimoli (2006), essa situação afeta também as pessoas que, sem serem as vítimas diretas, testemunham e observam episódios de assédio em seu local de trabalho.

Reações frente ao assédio

Soboll (2008) refere que, embora os gestores de uma empresa estabeleçam o modo de organização do trabalho e regule diversos aspectos da vida organizacional, não conseguem realizar um controle total. Os trabalhadores elaboram estratégias que definem seus posicionamentos no âmbito das relações de poder no trabalho. A autora refere três modos de posicionamento do trabalhador diante da violência de natureza psicológica: a passividade frente a necessidade de manter o emprego, reações emocionais e as reações de adoecimento. O primeiro, a passividade frente à necessidade de manter o emprego, é a situação que se verifica nos relatos de Antônio, Adélia e Alice.

Isso abala um pouco tua autoestima, tu perde a vontade de trabalhar. Eu não saí de lá antes porque precisava do emprego. Ele sabia que eu precisava e dependia do emprego, eu tenho uma casa para sustentar, eu faço faculdade, então, não poderia me dar o luxo de abandonar a empresa.

Tu te acostumas a ser maltratada, mas eu não podia retrucar, só baixar a cabeça, pois sabia que, se fosse o contrário, poderia gerar uma demissão.

Eu ficava quieta, não falava nada e só pedia o necessário, às vezes nem perguntava para não ouvir gritos do tipo 'tu não sabe'?

Essas reações revelam estratégias para lidar com o assédio de forma solitária, evidenciando resignação em prol de outros ganhos considerados mais importantes que a saúde mental e a perda da qualidade de vida no e do trabalho. Essa sujeição, além de danos à vítima, tende a perpetuar o comportamento do assediador, que percebe ter um trunfo em suas mãos: a sobrevivência do trabalhador. Esses sentimentos de desvantagem e entrega podem levar à banalização do abuso e violência no trabalho. Esse comportamento, no atual contexto de desemprego, é reforçado pelo conceito de que ter um trabalho é o mais importante, e outras questões são secundárias e devem/podem ser relevadas.

O segundo são as reações emocionais, nas quais se verifica, nas vivências de três participantes, uma constante tentativa de contenção emocional no trabalho, podendo essa ser a base da reação seguinte, a do adoecimento.

No início, procurava ignorar, ou me mostrar indiferente a qualquer agressão. Mas com o passar do tempo, ficava bastante triste com as situações, chorava (Ana).

Nunca fui de falar as coisas, sempre sofri calada. No final dos dois anos, eu comecei a me soltar, falar as coisas, mas outras eu não conseguia segurar, às vezes, soltava as 'patas' em quem não deveria, mas foi uma reação minha (Alice).

É, foi bem difícil, muitas vezes, eu voltava pra casa revoltada, outras vezes, eu chegava a chorar até ficar em depressão (Anita).

O terceiro modo é a reação de adoecimento. A situação de violência faz com que o corpo reaja como última chamada por meio do adoecer, como fica claro nos relatos a seguir.

Eu me sentia muito mal, até eu sair da empresa eu engordei quase 10kg. Comecei a ter gastrite, meus níveis de cortisol, colesterol e triglicerídeos aumentaram muito (Adélia).

E isso foi me causando doenças psicossomáticas,gastrite e estresse (Álvaro).

Tehrani (2002) refere já existirem estudos que comprovam os efeitos negativos do assédio para a saúde psicológica e física de suas vítimas, sendo também responsável pelo absenteísmo e aumento expressivo do pedido de licenças médicas e afastamentos por doença. As reações dos participantes ao assédio moral são variadas, mas todas apresentam em comum certa resignação e sentimento de não poder ou não conseguir enfrentar a situação. Essa questão pode estar relacionada ao medo de perder o emprego que, segundo estudo realizado por Ferreira et al. (2006), aliado às condições altamente competitivas do mercado de trabalho, à queda de ofertas de vagas em outras empresas e à sensação de falta de proteção social, pode ser a razão pela qual os trabalhadores aguentam sofrimentos e humilhações.

Perfil do assediador

Indagar os motivos que levam o assediador a agir de forma tão violenta remete aos caminhos da ética e da moral. O assediador é essencialmente um indivíduo destituído de ética e de moral. Ele age por impulsos negativos e sem nenhuma nobreza de caráter, revelando seu lado perverso ao verificar sua vítima sucumbir, aos poucos, diante de sua iniquidade (Paroski, 2007). Os agressores possuem traços narcisistas e destrutivos; estão frequentemente inseguros quanto à sua competência profissional e podem exibir, às vezes, fortes características de personalidade paranoica, pela qual projetam em seus semelhantes aquilo que não conseguem aceitar em si mesmos (Heloani, 2005).

Ele era uma pessoa fria, que dedicava todo seu tempo para o trabalho. Não tinha amigos, namorada e também não saía para se divertir. Tinha uma expressão muito fechada, cara de 'poucos amigos' (Anita).

O agressor também pode ser uma pessoa que está aparentemente muito satisfeita com ela mesma e raramente se questiona sobre suas atitudes, sendo incapaz de sentir empatia, disfarça uma baixa autoestima que traz insegurança, tornando difícil a vida dos que são capazes de trabalhar melhor do que ele (Schmidt, 2002).

Ele sempre é o bom, o dono da verdade, o dono do mundo, Deus o livre achar que ele está errado, ele diz: 'por que, tu estás me chamando de burro? Por que tu achas que eu sou burro?' (Álvaro).

Ele tem olhar expressivo, muitas vezes de raiva e insignificância. Fica, a todo momento, se elogiando, dizendo que se surpreende com ele mesmo pelas atitudes, diz que eu deveria ser igual a ele (Anita).

Todo o tempo, ele achava que ele era o cara, de que ele podia tudo. É uma pessoa rude, uma pessoa asquerosa (Adélia).

Relatos como esses confirmam o perfil do assediador identificado na literatura, que o descrevem como uma pessoa "perversa", com uma personalidade narcisista que ataca a autoestima do outro, transferindo-lhe a dor e as contradições que não admite em si mesmo (Gué e Rodrigues, 2006). Lideranças denominadas de destrutivas desenvolvem esse tipo de comportamento (Einaesen et al., 2007).

Tentativas para resolver a situação

Przelomski (2002) aponta que a reação do assediado em relação ao processo de dominação perversa depende da forma como a situação é representada no íntimo e alcança significação em seu imaginário. O lado psicológico, a história de vida e a construção da personalidade têm fortes influências na forma como as pessoas interpretam situações da vida e reagem a ela. Os relatos de Antônio e Ana, consecutivamente, apresentam formas semelhantes de enfrentar a situação.

[...] eu já tentei sentar e conversar com ele, mas não chegou a dar em nada. Aí quando tu conversa com ele, tu escuta e depois ele te manda embora, e tu acaba não conseguindo falar nada. Ele diz: vai fazer tuas coisas.

Tentei conversar sobre o que ele dizia, mas quando vi que isso não estava adiantando em nada, comecei a ignorar quando ele me xingava. Pensava na minha família, nos meus amigos, numa praia linda [...] isso quem me deu a dica foi minha mãe.

Depoimentos como esses podem ser relacionados à ideia de poder, de impossibilidade de discussão e resolução de conflitos, típico do assédio moral (Sauders et al., 2007). A vítima, muitas vezes, já fragilizada, desiste de tentar resolver o conflito. Para Alice, a forma de se livrar do assédio foi sair da empresa.

Olha, nenhuma, pois nunca tive aliado dentro da empresa. Eu tentei sair de lá, foi a única maneira de me livrar.

Postura diferente, de enfrentamento e de confrontação, relata Anita:

Eu chegava pra ele e perguntava 'cara, o que está acontecendo? e ele dizia: não, não está havendo nada. Eu é que estou te sentindo mais tensa, mais agressiva.

Essa estratégia permite ao assediador, quando questionado, afirmar não haver intencionalidade, não assumir seus atos, possibilitando a troca de papéis, isso é, coloca-se na condição de vítima, acusando o assediado de estar paranoico, o que é uma atitude extremamente perversa (Silva, 2006). Verificam-se tentativas individuais para a resolução do assédio. Essas, sem sucesso, conduzem o trabalhador à desistência de enfrentamento e desenvolvimento de mecanismos para suportar a tensão. Não há referências de mobilização do grupo, de conhecimento e luta por seus direitos, enquanto trabalhadores e cidadãos. Esse ainda é considerado um problema que se resolve solitariamente. Guimarães e Rimoli (2006) referem que o enfrentamento do assédio deve contemplar o nível global e sistêmico que sincronize, em primeira instância, os esforços individuais, organizacionais e sociais.

Repercussões da vivência do assédio para a vida pessoal

Segundo Silva (2006), a princípio, o assédio moral traz repercussões extremamente negativas na vida do trabalhador, refletindo na esfera física, psicológica, social e econômica. Frequentemente, vítimas de assédio apresentam problemas de saúde, tais como depressão e estresse pós-traumático e, por vezes, comportamento violento (OIT, 2005). Suas consequências podem ser vistas claramente no relato de Antonio.

Eu acabei ficando mais agressivo, eu não conseguia dormir, eu não tinha vontade de ver as pessoas, de conversar com ninguém, acabei me isolando, brigava muito com todo mundo, tenho que me conter a ponto de quase chegar a uma agressão física. Eu ficava sem vontade de comer, é como se tu se conformasse em cair na rotina, tu não se preocupa se amanhã vai ser melhor ou não, amanhã é mais um dia e tu não se importa o que tem pra fazer, e muito menos ir para a faculdade. Eu não tinha vontade nem de sair da cama.

O assédio no trabalho provoca danos à identidade e à dignidade do trabalhador e, por consequência, aumenta a ocorrência de distúrbios mentais e psíquicos (Barreto, 2003). Para Olmedo (2005), a vítima de assédio é acometida por uma enfermidade da alma, que apresenta um sofrimento de caráter intimista. Alice relata sua reação por meio de seu sentimento em relação ao assédio.

Sofria muito com isso e, durante muito tempo, voltava pra casa chorando, estava sempre de mau humor, e depressiva [...]. Nos últimos meses, eu fiquei sem fome, até teve um dia que passei o dia vomitando.

Heloani (2003) refere que o assédio moral é uma "violência invisível", na medida em que, paulatinamente, faz com que as vítimas acreditem ser exatamente o que seus agressores pensam ou desejam que sejam. A constante desqualificação a que são submetidas as levam a pensar que merecem o que lhes aconteceu. Com isso, ocorre um deslocamento da responsabilidade pelo assédio, passando a vítima a se sentir culpada pelo que lhe acontece. O trabalhador moralmente assediado internaliza sua culpa e acredita que tem uma efetiva participação nessa situação. Essa etapa, difícil de ser rompida, coincide com as radicais tentativas de solucionar o problema (Hirigoyen, 2002a).A fala de Álvaro mostra o efeito do assédio na culpabilização da vítima:

Eu ficava muito mal, me achando um inútil, uma pessoa que faz sempre tudo errado e não tem capacidade, ou intelectualmente é muito ruim. Isso acaba deprimindo, deixando muito triste.

Ah! a gente tende a se isolar. No começo, eu fiquei meio retraída para conversar com as pessoas, pois eu tinha a expectativa de que a qualquer momento alguém iria gritar comigo ou se a pessoa te olha com a testa mais franzida eu já achava que ela está fazendo cara feia, que a coisa não está boa e que fiz algo de errado [...].Vivia sempre estressada, e levava os problemas da obra para casa, ficando sempre preocupada com as coisas que eu tinha para resolver no outro dia. Nunca desligava, sabe? Sempre estava a mil com a cabeça. Nem consegui mais estudar direito, ou fazer as coisas de aula [...] e acabava também tratando mal as pessoas do meu convívio, não tinha paciência (Ana).

Repercussões do assédio moral para a vida profissional

A repercussão dessa forma de violência no trabalho, o assédio moral, é intensa e ultrapassa os limites do ambiente de trabalho. Apresenta sério impacto na vida social do assediado, na sua saúde, na autoeficácia, no nível de motivação e na produtividade.

Não tinha vontade de trabalhar, já que fazia tudo errado, pra que tentar fazer sempre o melhor? Aí tu não sente vontade de fazer mais nada. Vai pra empresa só pra sentar lá e esperar o teu dinheiro entrar no final do mês. Eu comecei a me sentir impotente e incapaz, não sabia se quando eu saísse de lá iria conseguir um emprego (Antonio).

Me desmotivei muito, não sabia direito o que fazer, já que foi o meu primeiro trabalho. Eu acabei perdendo a vontade de trabalhar nessa área, fiquei meio traumatizada com essa vida profissional (Ana).

Nesses dois anos, pude perceber que eu estacionei no sentido de relacionamento profissional, acho que não cheguei a regredir, mas parei no tempo. Isso afetou muito psicologicamente, pois fiquei com muito receio de participar de um novo momento de seleção e pensar como poderia ser minha nova chefia, será que vai ser igual? (Adélia)

Verifica-se o quanto a organização e o trabalho passam de estruturantes da identidade e da saúde mental a espaços e mecanismos de produção de sofrimento e adoecimento. Porém, para Alice, as consequências do assédio foram percebidas como positivas. Percebe-se o alívio pelo rompimento do sofrimento gerado pela situação de tensão ocasionada pelo assédio.

Para minha vida profissional, graças a Deus, não tive grandes efeitos, pois tive muita gente fora do meu ambiente de trabalho que me apoiou a procurar um novo emprego. Faz 3 meses que estou desempregada, mas muito feliz, pois passei dessa fase para melhor! (Alice).

Os entrevistados experimentaram uma desestabilização relativamente duradoura com diferenciados graus e formas de sofrimento psíquico. Percebe-se que o assédio deixa marcas importantes, como sentimentos de desvalorização, desconfiança, perplexidade, que levam à fragilidade, à insegurança, ao temor e à descrença. A vivência provoca uma ruptura no percurso de vida e projeto profissional. O que poderia/deveria ser uma experiência de crescimento e gratificação dá lugar a uma vivência de sofrimento e desistência.

 

Considerações finais

O assédio moral é um fenômeno profissional marcado pela desumanização das relações laborais cuja subjetividade não lhe tira os aspectos objetivos (Peixoto e Pereira, 2005). Mesmo que ocorra há muito tempo, seu reconhecimento e diagnóstico ainda é motivo de intenso debate por parte de especialistas no tema, tendo em vista a dificuldade em separar aspectos profissionais e pessoais (OIT, 2005), assim como suas características culturais (OMS, 2004).

Percebe-se, no estudo, que a dimensão de violência física e verbal é a mais evidente e recorrente. Há a naturalização do assédio; o temor, por parte da vítima, de perder o emprego; o adoecimento; ocorrência de testemunhas mudas, os colegas; a diminuição da autoestima e a queda no desempenho e motivação para o trabalho. Essas questões conduziram a consequências para a vida pessoal e profissional. No entanto, o que mais chama a atenção e é transversal à maior parte das questões formuladas é a solidão da vítima não só em identificar o assédio, como lidar com ele, seja pela falta de conhecimento de seus direitos, seja pelo temor do desemprego.

Pelos graves efeitos produzidos em todos os atores envolvidos, trabalhadores, organizações de trabalho e sociedade, o assédio moral deve ser evitado por meio de medidas preventivas, não só pelas empresas - com novas estratégias de gestão de pessoal, mas também pelo Poder Público (como, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério da Saúde), fiscalizando e educando para a prevenção de adoecimentos relacionados ao assédio moral e a outras práticas de violência no ambiente de trabalho (Freire, 2008).

As reflexões e estudos sobre a violência no local de trabalho, nos últimos anos, têmse intensificado. Os meios de comunicação e, principalmente, as entidades sindicais têm pautado o assunto de forma bastante incisiva. No entanto, ainda existem muitas questões a serem esclarecidas e divulgadas para a grande massa de trabalhadores que sofrem esse tipo de violência cotidianamente, sem, ao menos, terem consciência do que está acontecendo.

Há diversos estudos empíricos que têm identificado dois tipos de modelos causais; uns enfatizam as características demográficas e de personalidade das vítimas, e outros, as condições do ambiente de trabalho. No entanto, ainda não há conclusões consistentes quanto a esses resultados (Cantisano et al., 2007). No estudo realizado, verifica-se uma interação de fatores que concorrem para a ocorrência de comportamentos violentos que conduzem ao assédio moral.

É importante destacar que o estudo buscou compreender a vivência do assédio moral em trabalhadores, isto é, como percebem, pensam, sentem e agem de acordo com a experiência considerada pelo trabalhador como assédio moral. Apesar disso, verifica-se a presença de aspectos importantes que configuram tal fenômeno psicossocial, em especial a constatação de que os contextos laborais e práticas de gestão têm favorecido seu surgimento. Assim, é importante que as organizações possam rever suas práticas e identificar os gestores com caráter autoritário e perverso e afastá-los desses locais, visto que o assédio moral acaba por prejudicar as empresas, uma vez que há perda de potencial dos trabalhadores e desmotivação para o trabalho, além de ser a causa de vários afastamentos do trabalho.

Os resultados sugerem a necessidade de aprofundamento sobre a temática, tendo em vista que a linha entre o assédio moral, o assédio organizacional e a gestão por injúria é bastante tênue, devendo ser profundamente investigada para que possam subsidiar intervenções adequadas às diversas situações e contextos. Por fim, cabe destacar que, apesar de as categorias pesquisadas serem significativas de acordo com o referencial teórico apresentado, não esgotam as possibilidades do tema em estudo.

 

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Recebido: 02/03/2012
Aceito: 26/04/2012