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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.6 no.1 São Leopoldo June 2013

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2013.61.03 

ARTIGOS

 

Terapia Cognitivo-Comportamental para depressão: um caso clínico

 

Cognitive behavior therapy for depression

 

 

Jéssica Camargo; Ilana Andretta

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 936, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. jessicacmrg@gmail.com, ilana.andretta@gmail.com

 

 


RESUMO

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) tem prevalência acima de 10%, sendo uma das principais causas de suicídio nos últimos tempos. Além disso, é uma condição médica comum que pode apresentar-se de forma crônica e recorrente, desencadeando incapacitações biopsicossocias. Frente a isso, passa-se a pensar em intervenções efetivas e duradouras para esse transtorno. A Terapia Cognitivo-Comportamental se propõe a tal com técnicas estruturadas, tendo sua efetividade demonstrada em alguns estudos. O presente artigo objetiva discutir um caso clínico de uma paciente de 31 anos com TDM, atendida em uma clínica-escola, a partir do referencial Cognitivo-Comportamental. Em 20 sessões, foi possível verificar resultados positivos, havendo flexibilização de crenças centrais e aumento do repertório de estratégias de resolução de problemas. Com a diminuição da sintomatologia, a paciente teve mudanças significativas em seus relacionamentos.

Palavras-chave: Transtorno Depressivo Maior, Terapia Cognitivo-Comportamental, caso clínico.


ABSTRACT

Major Depressive Disorder (MDD) prevalence is above 10% and it is one of the main causes for suicide in recent times. Moreover, it is a common medical condition that can present itself in a chronic and recurrent form, triggering biopsychosocial disabilities. In this light, effective and lasting interventions for this disorder are needed. Cognitive-Behavioral Therapy intends to propose interventions with structured techniques, and its effectiveness is demonstrated in some studies. This article aims to discuss a case study of a 31-year old patient with MDD. She was treated in a school clinic with a Cognitive Behavioral referential. After 20 sessions, positive results were obtained with easing of core beliefs and increasing repertoire of strategies to solve problems. With the decrease of symptoms the patient had significant changes in her relationships.

Key words: Major Depressive Disorder, Cognitive Behavioral Therapy, case study.


 

 

Fundamentação teórica

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) como a ocorrência de um ou mais Episódios Depressivos Maiores (EDM), sem histórico de Episódios Maníacos, Hipomaníacos ou Mistos (American Psychiatric Association [APA], 2000). Os EDMs são marcados pela presença de sintomas emocionais, cognitivos, físicos e comportamentais (Khandelwal, 2001).

O primeiro EDM pode ocorrer em qualquer idade e, pelo menos, 60% dos indivíduos apresentam um segundo EDM. Já a possibilidade de um terceiro episódio é de 70% e a de episódios subsequentes é de 90% (APA, 2000). Os sintomas variam quanto à intensidade e à duração e podem desencadear diversas deficiências (Ustun et al., 2004). Quando comparado a outros problemas de saúde, a deterioração da qualidade de vida das pessoas mostra-se mais significativa (Arnow e Constantino, 2003).

O TDM apresenta alta prevalência ao longo da vida, variando de 2% a 15%, sendo classificado como o quarto principal transtorno, dentre os psicológicos e físicos (Ustun et al., 2004). Sem tratamento, tende a assumir curso crônico, recorrente e está associado com o aumento de incapacitações (Solomon et al., 2000). Há projeções de que, depois de doenças cardíacas, o TDM será a segunda maior causa de doenças incapacitantes até o ano de 2020 (Levav e Wolfgang, 2002).

Esse transtorno tem grande impacto tanto na vida do paciente quanto de seus familiares, com interferência nos relacionamentos interpessoais, atividades de lazer e funcionamento psicossocial (Khandelwal, 2001). Muitas vezes, pode levar a pensamentos, tentativas e até mesmo à consumação do suicídio (Wulsin et al.,1999). Sendo assim, faz-se importante a investigação de técnicas que auxiliem na redução dos sintomas.

Existem boas evidências da efetividade de tratamentos farmacológicos e de protocolos de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para o TDM (Dunn et al., 2012; Cuijpers et al., 2010; Cipriani et al., 2009). O tratamento com antidepressivos tende a ser a terapêutica de escolha (Cipriani et al., 2009), porém, meta-análises demonstram que os benefícios dos novos antidepressivos são observados apenas em pacientes com depressão grave (Kirsch et al., 2008; Turner et al. 2008).

Além disso, constatou-se que a TCC é efetiva no tratamento de depressão, tendo efeitos comparáveis aos de antidepressivos (Cuijpers et al.,2008). Em uma série de estudos que avaliam o tratamento do TDM, a Terapia Cognitiva (TC) demonstrou ser mais efetiva que outros tratamentos (Hollon et al., 2006, Jakobsen et al., 2011). Também apresenta custos menores em relação a abordagens farmacológicas (Hollon et al., 2006) e efeito preventivo contra a depressão recorrente, ultrapassando os efeitos obtidos com antidepressivos (Vittengl et al., 2007).

Pacientes em EDM apresentam humor deprimido com foco cognitivo direcionado a aspectos negativos, sendo assim, sua visão a cerca de si, dos outros e de seu futuro é negativa (Beck e Dozois, 2011). O objetivo principal na terapia é produzir mudanças nos pensamentos e nas crenças do paciente para que, com isso, seja possível modificar déficits comportamentais, tornando essa mudança duradoura (Cuijpers et al., 2008). A TC apresenta consistente suporte empírico para tratamento de transtornos mentais (Lemmens et al., 2011; Butler, 2006).

O presente artigo intenciona, através de um estudo de caso, demonstrar os efeitos da Terapia Cognitivo-Comportamental no enfrentamento do Episódio Depressivo Maior. Para isso, foi realizada avaliação de sintomatologia e mensuração recorrente de humor. Também, tem-se como foco apontar processos que auxiliam no processo terapêutico.

 

Introdução ao caso

Ana é uma mulher, solteira, que mora com os pais e trabalha em uma escola diretamente com adolescentes. A paciente foi atendida em uma clínica escolar que tem por objetivo atender à população de baixa renda através de estagiários, alunos de psicologia. O serviço tem por objetivo ampliar o papel do psicólogo através de atividades junto à comunidade e desenvolver formas éticas na formação do aluno (Macedo et al., 2009). O atendimento da paciente descrita foi realizado por uma estagiária de psicologia através do referencial Cognitivo-Comportamental. Esse atendimento foi supervisionado, semanalmente, por uma psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental.

 

Problemas/queixas apresentadas

Ana buscou atendimento por se sentir insegura em seus relacionamentos interpessoais, fato que passou a intervir em vários âmbitos de sua vida. Como Ana mora com os pais, estes a questionavam sobre não estar em um relacionamento sério, pois seus outros irmãos já estavam casados. A paciente dizia estar sendo pressionada e não se sentir bem, porém, por não confiar nas pessoas, obrigava-se a ficar sozinha.

Ao ser questionada a respeito de suas atividades cotidianas, Ana relatava que tinha perdido o interesse por muitas atividades e preferia ficar deitada chorando. Ela relatou que continuava trabalhando apenas para ter como pagar as contas, mas que sua vontade era de não sair de casa. Ana chegou à terapia em Episódio Depressivo Maior.

Seis meses antes de iniciar terapia, a paciente estava obesa, tendo de buscar atendimento endocrinológico. Ela modificou sua dieta alimentar e passou a praticar exercícios, conseguindo reduzir sua massa corporal. Porém, no momento do atendimento, não estava motivada a praticar exercícios e, muitas vezes, descontrolava-se, comendo muitos chocolates.

 

História

Ana nasceu sem complicações em seu parto. Ela foi uma criança tímida, sempre ficava quieta sem falar com os colegas, tendo vergonha de conversar. No colégio, tinha poucos amigos e se sentia muito sozinha, além disso, sofria bullying (chamavam-na de gorda, baleia), fato que a deixava triste.

O pai não a deixava sair, com isso, ela ficava sozinha, pois tinha vergonha de não poder fazer atividades fora do colégio com seus amigos. A partir dos 14 anos, ela passou a ter mais contato interpessoal e afirmou que "[sua adolescência] foi bem melhor que a infância" (sic.). Ela tinha mais amigos e, quando estava com eles, era espontânea e brincava com todos. Foi nessa época que conheceu seu primeiro namorado, que foi infiel. Após esse fato, ela não estabeleceu outros relacionamentos sérios.

O pai é autoritário e aposentado, ele impõe regras em casa, tentando controlar o que cada um faz. Em alguns momentos, ele fala em forma de brincadeiras, sobre ela não ter casado. Ana sente que não tem espaço em casa. Tem dificuldades em estudar, porque o pai liga a televisão com som alto em diferentes momentos do dia. Frente a isso, ela evitava falar com ele, para que não se sentisse "deprimida" (sic.), pois o pai a "rebaixa e diz que não acredita que eu ainda não saí de casa" (sic.).

Recentemente, ela estava "ficando" com um de seus amigos pelo qual se apaixonou, porém, ele não queria namorar, fato que a decepcionou e seu humor ficou deprimido. Em dezembro de 2010, Ana iniciou tratamento com um médico endocrinologista para emagrecer, tendo uma dieta balanceada e realizando atividades físicas frequentemente.

 

Avaliação

O primeiro processo de avaliação pelo qual a paciente passou foi a Triagem, porta de entrada do paciente na clínica-escola. Esse processo tem por objetivo buscar informações acerca do paciente, com o intuito de compreender o motivo de sua busca por atendimento psicológico e assim lhe encaminhar para o atendimento mais adequado, de acordo com sua demanda (Perfeito e Melo, 2004).

Durante o processo psicoterápico, Ana foi avaliada através de múltiplos critérios, sendo eles: (a) entrevista clínica; (b) mensuração através do Inventário Beck de Depressão (BDI-II); (c) verificação de humor a partir de escala analógica, sendo atribuído, pela paciente, um valor de 0 a 10 para seu humor depressivo; e, (d) verificação da presença de sintomatologia descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, DSM-IV-TR, para EDM.

A entrevista clínica ocorreu nos primeiros encontros. Ao longo do processo, a autoavaliação de seu humor e a presença de sintomatologia se mantiveram. O BDI-II foi utilizado em quatro atendimentos, sendo eles: a triagem, a segunda, a quinta e a décima sessão. Esse instrumento, apesar de poder gerar aprendizagem em decorrência da sua reaplicação, teve por objetivo verificar a intensidade dos sintomas de uma paciente psicoeducada quanto ao objetivo do instrumento. Apesar disso, no decorrer das sessões, o resultado do instrumento foi verificado através de relatos da paciente sobre sua semana e seu estado de humor atual.

 

Descrição do tratamento e progresso do caso

No processo de triagem, Ana contou sobre sua insatisfação com seus relacionamentos interpessoais e o quanto se sentia inferior às demais pessoas, frente a isso, ela foi encaminhada para atendimento psicoterápico no referencial Cognitivo-Comportamental, com o intuito de ser auxiliada na identificação de suas distorções cognitivas e consequentes alterações de humor.

 

Tabela 1

 

No presente estudo de caso, foram realizadas 20 sessões, de 50 minutos de duração cada. Na sessão inicial, através de entrevistas, buscou-se por informações sobre os dados pessoais e história pessoal e clínica da paciente. Para que a avaliação fosse consistente, esta ocorreu em três sessões as quais permitiram a identificação do diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior, conforme o DSM-IV-TR (APA, 2000).

Na segunda sessão, a terapeuta valeu-se de dados relatados por Ana para realizar a psicoeducação, utilizando exemplos para demonstrar a manifestação do transtorno, bem como formas de aplicação da técnica. Por exemplo, com o relato: "Eu sei bastante as coisas e sou inteligente, mas se as pessoas souberem, eu vou estar sendo metida" (sic.), a terapeuta questionou se todas as pessoas que sabem algo são metidas por demonstrar seu conhecimento. Ao final da sessão, como tarefa de casa e extensão da psicoeducação, foi solicitado que ela preenchesse o Modelo ABC. Esse modelo tem por objetivo reforçar para a paciente a importância dos pensamentos e o quanto as crenças e os esquemas podem influenciar nas emoções (Leahy, 2006). Cada letra do modelo representa algo. A letra A representa o evento causador, ou seja, algo que desencadeia a reação; a letra B representa o processamento do evento através de crenças, pensamentos e imagens; a letra C são os comportamentos e as emoções decorrentes da forma que a situação (A) foi interpretada (McMullin, 2005).

A partir do preenchimento do modelo ABC, na sessão três, foi retomado o quanto emoções e pensamentos estão relacionados. Após esse encontro, a terapeuta e sua supervisora pensaram sobre a possibilidade de Ana passar a ser medicada para seu humor deprimido, tendo em vista o número de distorções e a desmotivação para suas atividades. Porém, optou-se por esperar mais uma sessão e avaliar o quanto a paciente estava respondendo ao tratamento e motivando-se para realizar as tarefas e focar em sua metacognição.

 

Tabela 2

 

Na quarta sessão, frente às pequenas evoluções que a paciente foi demonstrando e tendo em vista sua motivação para realizar as atividades propostas e melhorar, não foi indicado que a paciente realizasse avaliação psiquiátrica, sendo que a terapeuta continuou monitorando a sintomatologia e a evolução de Ana, não descartando a possível indicação de uma avaliação psiquiátrica. Ela cumpriu a tarefa de casa que incluiu o aumento de atividades que a dessem prazer, e, na sessão cinco, a paciente demonstrava estar pensando sobre suas distorções, empenhando-se em questionar seus pensamentos e a perceber quando seus sintomas estavam ficando mais intensos.

Na sexta sessão, apesar de estar aumentando suas atividades, Ana sentiu-se insegura quanto ao seu relacionamento com um rapaz, visto que pensou "ele não gosta de mim" (sic.). Com questionamentos a respeito de seu pensamento, ela concluiu que estava ativando sua crença e relatou que estava conseguindo refletir sobre o que acontece, porém, ainda queria aprender a resolver algumas distorções. A paciente costumava generalizar e personalizar os acontecimentos, culpando-se pelas atitudes dos demais e acreditando que algo que ocorreu uma vez ocorreria novamente, por exemplo, as pessoas traírem sua confiança.

Na sessão sete, frente a pensamentos deterministas como, por exemplo, "eu sempre me decepciono com as pessoas" (sic.), a terapeuta, insistentemente questionava a paciente, utilizando, por vezes, intenção paradoxal. A prática de atividades prazerosas com outras pessoas continuou sendo indicada, visto que dessa forma trabalhou-se seus contatos interpessoais.

Na sessão nove, Ana apresentou melhora subjetiva, declarando que decidiu cuidar de si, realizando tarefas que há algum tempo não fazia, por exemplo, ir ao shopping e ao cinema. Pode-se perceber que a forma como a paciente resolvia seus problemas, a cada sessão, mostrava-se mais efetiva e, aos poucos, Ana começou a focar em sua metacognição, questionando-se.

As distorções cognitivas passaram a ser trabalhadas com maior intensidade na sessão 10. A paciente demonstrou progressos e suas atividades, que anteriormente não realizava, passaram a ser praticadas com maior frequên cia e prazer. Nas sessões seguintes, durante os encontros, a terapeuta buscava estimular seus comportamentos funcionais e acrescentar novas atividades prazerosas, incluindo outras pessoas, como amigos e familiares.

Na sessão 15, Ana contou para a terapeuta que teve uma recaída, ficando muito triste, porém, conseguiu questionar-se e encontrou estratégias para que não aumentasse o sentimento de tristeza. Ela convidou uma amiga para sair e concluiu que estava distorcendo a situação. Ao final da sessão 16, a paciente relatou o quanto estava feliz por conseguir pensar em aspectos de seu processamento cognitivo que, até então, não havia se questionado, e o quanto isso estava a auxiliando a lidar com seus sentimentos, visto que, a cada sessão, encontrava novas soluções para seus problemas, sendo estas mais efetivas que inicialmente. Pode-se notar que a terapeuta foi ficando mais passiva no decorrer dos atendimentos, sendo um suporte à Ana, que trazia suas soluções e sua forma de pensar as situações e estas estavam sendo efetivas.

Os comportamentos de Ana começaram a ser mais discriminados a partir da sessão dezoito, sendo que ela iniciava um registro de seus comportamentos com o intuito de avaliar o quanto são funcionais ou disfuncionais. Na sessão seguinte, a paciente, além de ter registrado seus comportamentos, os avaliava, conseguindo determinar se era necessária a modificação ou a adaptação desses comportamentos.

Na sessão vinte, a paciente estava sendo sua própria terapeuta, e, ao final dessa sessão, como feedback, Ana relatou que a cada dia conseguia perceber seus pensamentos e comportamentos com maior facilidade, questionando-os e, quando necessário, encontrando estratégias para não sentir-se triste ou com grandes alterações em seu humor. Também, nessa sessão, através de entrevista clínica, a terapeuta constatou que Ana estava sem os sintomas de EDM, tendo remissão completa.

 

Implicações do caso

No caso apresentado, utilizou-se a TCC em seu modelo clássico, ou seja, verificando pensamentos disfuncionais e questionando-os com o intuito de, aos poucos, flexibilizar as duas crenças mais presentes na paciente, desvalor e incapacidade. Com o tempo, aliando-se à estratégias cognitivas, intervém-se de forma comportamental, visto que, além de conseguir identificar seus pensamentos disfuncionais, é importante que a paciente tenha motivação para as demais atividades, não perdendo o foco da terapia.

O atendimento descrito perpassou por algumas dificuldades, sendo que, em alguns momentos da terapia, Ana apresentou recaídas, sendo necessários questionamentos e intervenções mais persistentes. Para isso, a terapeuta utilizou intenção paradoxal como forma de fazer com que a paciente percebesse suas distorções. Essas recaídas ocorreram, principalmente, nas sessões 4, 8 e 10. Na sessão quatro, a paciente relatou estar muito desmotivada, não tendo vontade de sair de casa, nem mesmo para trabalhar, além disso, não conseguia manter a concentração em suas atividades. Na oitava sessão, sua recaída foi decorrente da ativação da crença de desvalor. Na sessão 10, a crença de incapacidade foi mais frequente. Porém, vale destacar o quanto a motivação para a mudança dessa paciente contribuiu para o sucesso do plano terapêutico e para a remissão dos sintomas do EDM. Desde o primeiro contato com a terapeuta, Ana demonstrou o quanto queria mudar, visto que seu estado estava lhe trazendo prejuízos sociais, familiares e profissionais.

Outra dificuldade presente no processo terapêutico são as diversas situações pelas quais a paciente passava. Essas situações, principalmente, quando envolviam seu pai e o julgamento deste, ativavam pensamentos disfuncionais, os quais Ana assumia como verdades absolutas. Esses episódios a deixavam com o humor deprimido, visto que, além de a situação em si ter ativado suas crenças, ao não perceber essa ativação, ela julgava-se como incapaz de realizar o proposto em terapia.

A paciente apresentava dificuldades nos seus relacionamentos interpessoais, não conseguindo manter conversações, evitando estar em contato com seus amigos e colegas, pois via-se como inferior a eles e acreditava que não gostavam dela. Com o decorrer do processo terapêutico, Ana passou a ter mais contato com seus amigos e a perceber o quanto eles gostam dela e que suas ações é que estavam os afastando. Esse fato demonstra o quanto o terapeuta tem de insistir com o paciente para que este não acabe entrando em um funcionamento característico de seu estado de humor. Além disso, não há como controlar situações externas ao consultório, é necessário estar atento para possíveis desfechos não desejáveis ao tratamento, por exemplo, alguém estar estressado e, ao falar com a paciente, ser rude. Ocorreram eventos em que Ana sentiu-se desvalorizada, assumindo para si a culpa por seus colegas não darem a atenção que ela gostaria. E, mesmo com checagem de evidências, por vezes, ela não percebia sua distorção.

O caso descrito permite afirmar o quanto a TCC pode ser uma terapêutica eficaz para o TDM, sendo que a partir de seus pressupostos e técnicas, foi possível notar mudanças no comportamento de uma paciente em cinco meses de tratamento sem a indicação de fármacos. Apesar de Ana apresentar muitas distorções cognitivas, após a psicoeducação, ela mesma passou a se monitorar, elevando os resultados da terapia.

Todo processo de atendimento contou com a participação ativa da paciente, que aderiu ao tratamento, realizando tarefas e colocando em prática técnicas propostas. A aplicação das técnicas cognitivo-comportamentais proporcionou uma mudança no padrão de funcionamento dessa paciente, visto que houve toda uma reestruturação cognitiva, com flexibilização de crenças centrais e aumento do repertório de estratégias de resolução de problemas.

A efetividade da TCC para transtornos mentais é indiscutível e esse Caso Clínico é consistente com os resultados já descritos a respeito dessa terapia. Porém, há um diferencial, esse atendimento foi realizado por uma terapeuta sem experiência prévia e obteve êxito, demonstrando que a combinação de um paciente motivado com técnicas cognitivas e supervisão semanal pode resultar em melhorias rápidas e contínuas dos sintomas. Além disso, as técnicas aqui utilizadas foram escolhidas de acordo com a evolução de Ana, não sendo seguidos protocolos de atendimento.

Frente a cada relato da paciente e a como ela evoluía a cada semana, as técnicas foram sendo adaptadas conforme suas mudanças comportamentais e sua motivação. Essas mudanças, presenciadas no presente Caso Clínico, são gratificantes para a terapeuta visto que a paciente respondeu ao tratamento, obtendo melhoras significativas e nítidas, sem a utilização de medicamentos, ou seja, o processo psicoterápico por si demonstrou ser efetivo, como descrito na literatura.

 

Referências

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Recebido: 27/06/2012
Aceito: 30/04/2013