SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue2Dating violence primary prevention: a literature reviewDelinquent adolescents and family: a systematic review of the literature author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.6 no.2 São Leopoldo Dec. 2013

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2013.62.06 

ARTIGOS

 

Processos de intervenção para crianças e adolescentes com Síndrome de Asperger: uma revisão de literatura

 

Intervention procedures for children and adolescents with Asperger Syndrome: a literature review

 

 

Isabella Soares Barreto; Caroline Greiner de Magalhães; Daniela Teixeira Gonçalves; Aline Abreu e Andrade

Universidade Federal de Minas Gerais. Rua Timbiras, 1936, Sala 401, 30140-061, Belo Horizonte, MG, Brasil. isa_barreto17@hotmail.com, carolinegreinermagalhaes@gmail.com, danitg6@gmail.com, aline_abreu_andrade@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

A Síndrome de Asperger (SA) se enquadra dentro dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e é caracterizada, segundo o DSM-IV, por um prejuízo severo e persistente na interação social e pelo desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a eficácia da intervenção de treinamento de habilidades sociais em crianças e adolescentes com SA. Foram consultadas as bases de dados: ME-DLINE, PsyInfo, Psyarticles, Academic Search Premier e Web of Science. Foram selecionados oito artigos e os resultados indicaram que as intervenções propostas surtiram efeito positivo nas habilidades das crianças portadoras de SA em comparação com o grupo controle, sendo eficazes na promoção do desenvolvimento social. Desta forma, são sugeridos possíveis estudos futuros com medidas mais acuradas e com amostras maiores para a melhor compreensão dos programas de intervenção em crianças e adolescentes com SA.

Palavras-chave: Síndrome de Asperger, intervenção, treino de habilidades sociais.


ABSTRACT

Asperger Syndrome (AS) is an Autism Spectrum Disorder (ASD) and is characterized, according to DSM-IV, by a severe and persistent impairment in social interaction and by the development of restricted and repetitive patterns of behavior, interests and activities. The aim of this study was to systematically review the literature on the effeectiveness of the intervention of social skills training in children or adolescents with AS. We used as databases: MEDLINE, Psyinfo, Psyarticles, Academic Search Premier and Web of Science. Eight articles were selected and the results indicated that the proposed interventions produced positive effeects on the skills of children with SA compared with the control group, being effeective in promoting social development. Thus, possible future studies are suggested with more accurate measures and larger samples for a better understanding of intervention programs in children and adolescents with AS.

Key words: Asperger Syndrome, intervention, social skills practice.


 

 

Introdução

Os Transtornos do Espectro Autista (TEA) são caracterizados por comprometimentos severos e persistentes em pelo menos uma das seguintes áreas: interação social, comunicação e/ou comportamentos estereotipados. Os sintomas podem variar por uma vasta combinação dessas três áreas, com gravidade variando de leve a grave (American Psychiatric Association, 2000). Dentre os TEA, estão a Síndrome de Asperger (SA), o Transtorno Autista e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação (Nozomi, 2009).

A presença de déficit profundo em habilidades sociais é uma característica fundamental subjacente aos TEA (White et al., 2007), o que parece ser decorrente de déficits em três processos cognitivos: teoria da mente (Baron-Cohen et al., 1985), reconhecimento de emoções (Boraston et al., 2007) e funções executivas (Ozonoff et al., 2004). Exemplos de habilidades sociais incluem: sorrir e fazer contato ocular, perguntar e responder a perguntas sociais, elogiar e reconhecer elogios durante uma interação (Beidel et al., 2000). Habilidades sociais na infância têm sido associadas a resultados positivos no desenvolvimento, incluindo aceitação pelos pares, realização acadêmica e saúde mental (Hartup, 1989).

Contrastando com indivíduos com TEA, indivíduos com SA não apresentam atrasos significativos na linguagem e são caracterizados por prejuízo severo e persistente na interação social e no desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (American Psychiatric Association, 2000; Camargos Jr., 2013). Esses indivíduos com SA sofrem consequências relacionadas aos déficits na interação social (White et al., 2007). O comprometimento das habilidades sociais pode levar os indivíduos com SA a apresentarem comportamentos socialmente problemáticos, como agressão física ou verbal, a se tornarem socialmente isolados e a serem excluídos pelos colegas (Bauminger et al. 2003), o que, por sua vez, abala negativamente a qualidade de vida desses indivíduos e, mais tarde em suas vidas, pode causar problemas de ansiedade e de humor (Rogers, 2000).

Recentemente, uma variedade de estratégias de intervenção tem sido apontada como eficaz em promover a linguagem e o desenvolvimento, diminuindo comportamentos desadaptativos e melhorando os sintomas autísticos (Nozomi, 2009). Essas intervenções recomendam, frequentemente, o treinamento de habilidades sociais (Solomon et al., 2004) que pode ser individual (e.g. Gena et al., 1996; Kamps et al., 2002; Morrison et al., 2001; Pierce e Schreibman, 1995, 1997) ou em grupo (e.g. Bauminger et al., 2003; Hadwin et al., 1996; MacKay et al., 2007; Marriage et al., 1995; Ozonoff e Miller 1995). Os programas de intervenção são diversos e diferem em uma multiplicidade de fatores: a idade dos indivíduos envolvidos, o comportamento-alvo da intervenção, o tipo de parceiro social envolvido (um par ou um adulto) e a estratégia de intervenção utilizada.

A maioria das pesquisas publicadas utiliza a abordagem comportamental, envolvendo definição dos comportamentos a serem adquiridos, aumentados ou diminuídos, determinando os antecedentes e as consequências dos comportamentos, medindo a aquisição e a manutenção do comportamento em condições naturais e a generalização para outros contextos, pessoas e comportamentos (Rogers, 2000). Tendo isso em vista, o objetivo desse estudo é examinar os programas de treinamento de habilidades sociais em crianças ou adolescentes com SA baseando-se em uma revisão sistemática de literatura sobre a eficácia dos estudos existentes, destacando áreas que necessitam de pesquisas futuras.

 

Método

Foram consultadas as bases de dados MEDLINE, PsyInfo, Psyarticles, Academic Search Premier e Web of Science para a seleção dos artigos. A busca foi realizada entre os dias 10 a 17 de julho de 2012 e se restringiu a publicações em inglês disponíveis nas bases de dados. Foram escolhidos como descritores Asperger Syndrome, social, skills e intervention. A seleção desses termos se baseou nas palavras-chave utilizadas em artigos examinados previamente.

Considerou-se como critérios para inclusão do artigo: (i) a amostra em estudo ser constituída por crianças e adolescentes com Síndrome de Asperger (SA); (ii) ser um estudo de intervenção; (iii) o estudo ter como um dos seus objetivos investigar o treino de habilidades sociais; (iv) possuir grupo controle. Realizou-se a leitura do resumo de todos os artigos encontrados de modo a avaliar a sua adequação aos critérios de inclusão. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra, analisados e separados segundo os seguintes tópicos: Amostra, Instrumentos de Coleta de Dados, Tipo de Intervenção e Resultados (Diagrama 1).

 

Resultados

Foram encontrados, ao todo, 351 artigos, sendo 82 repetidos, resultando em 269 artigos. A partir da leitura de seus resumos, 262 foram excluídos, de acordo com a ordem estabelecida nos critérios de exclusão (Figura 1).

Os sete artigos restantes foram incluídos na revisão. A partir das referências de Beaumont e Sofronoff (2008), foi encontrado mais um artigo que preenchia os critérios de inclusão (Silver e Oakes, 2001). Todos os estudos selecionados encontram-se descritos na Tabela 1.

A maioria dos artigos encontrados apresenta resultados de intervenções realizadas em grupo. Destes, apenas três (Silver e Oakes, 2001; Bock, 2007; Beaumont e Sofronoff, 2008) utilizam-se de intervenção individual, sendo que na metodologia de Bock (2007) e de Beaumont e Sofronoff (2008) há dois momentos, um individual e outro em grupo. Em todos os estudos, o grupo de intervenção foi pareado ao grupo controle por idade, mas outros critérios também foram utilizados pelos autores de cada artigo. Os tipos de habilidades treinadas na intervenção variam desde treino de contato ocular, atenção compartilhada e reconhecimento de faces até resolução de problemas e comunicação verbal e não-verbal. No entanto, há uma variação e uma sobreposição dessas habilidades nos modelos de intervenção propostos nos artigos encontrados. Os programas descritos treinam mais de uma habilidade e não há um padrão dos itens de treinamento.

Silver e Oakes (2001) intervieram individualmente no reconhecimento de expressões faciais em 11 crianças com Autismo ou Síndrome de Asperger através do programa de computador Emotion Trainer. O programa é dividido em 5 sessões, e, em cada item das sessões, aparece, na tela, uma fotografia, uma pergunta curta e dois a quatro botões de respostas. Nas duas primeiras sessões, há quatro botões de resposta: feliz, triste, raiva e medo. Na primeira parte, os itens consistem de uma fotografia em preto e branco e a criança deve apertar um dos botões de resposta, já na sessão dois, aparece uma foto e uma legenda a qual indica uma situação que desencadeia uma emoção. Na terceira sessão, aparece uma foto do que o personagem do programa deseja e outra com o que ele realmente ganhou, e a criança deve responder "feliz" ou "triste". A quarta sessão assemelha-se à segunda, mas expressões de estados mentais são utilizadas na legenda que descreve a situação. No quinto e último nível, a criança deve optar pela resposta "satisfeito" ou "decepcionado" para uma situação cujo objeto principal é mostrado anteriormente, e é dito se o personagem gosta ou não dele. A criança só avança para a sessão seguinte após acertar 20 itens da sessão anterior. As respostas corretas são reforçadas e as incorretas são seguidas da mensagem "tente novamente", e o programa oferece ajuda para a resposta adequada. Os resultados indicaram ganhos do grupo experimental em relação ao grupo controle nas três medidas de reconhecimento de emoções utilizadas.

Beaumont e Sofronoff (2008) também utilizaram recurso computacional no programa de intervenção. Observa-se que a utilização de tal recurso é uma estratégia comum na intervenção de pacientes com TEA (Swettenham, 1996; Bölte et al., 2002; Silver e Oakes, 2001; Golan e Baron-Cohen, 2006). No estudo de Beaumont e Sofronoff (2008), 26 crianças com idades entre 7,5 e 11 anos foram submetidas a uma intervenção com o Junior detective computer game e sessões de grupo, nas quais eram ensinadas mais habilidades, bem como se treinava o que foi aprendido no jogo. O Junior detective computer game consiste em uma simulação da realidade em 2030, em que o personagem principal do jogo é um agente secreto. A criança deve, em um primeiro nível, identificar o que os suspeitos estão sentindo. Para tanto, ela deve reconhecer expressões faciais, postura corporal e prosódia. No segundo nível, o jogador deve decifrar sentimentos em diferentes situações, utilizando pistas não verbais e ambientais e, na terceira etapa, a criança deve cumprir algumas missões. Além disso, os pais também participaram do processo de intervenção, a fim de compreender o procedimento realizado com o filho e ajudá-lo a generalizar as habilidades aprendidas.

Já no estudo de Bock (2007), quatro crianças que tinham idades entre 9 anos e 3 meses e 10 anos e 6 meses receberam treinamento individualizado de teoria da mente um ano antes do início do estudo. A intervenção proposta consistia em treinar as crianças para que aumentassem o tempo de participação em (i) atividades cooperativas, (ii) jogos organizados em equipes e (iii) visitas durante o horário do almoço. Para tanto foram realizadas sessões de instrução utilizando histórias que ensinam como se deve proceder em determinadas situações, baseando-se na metodologia SODA (S - stop;O - observe;D - delibarate;A - act). A intervenção possibilitou aos participantes aumentarem a porcentagem de tempo nas atividades-alvo monitoradas, e os resultados foram mantidos mesmo após o término do treinamento.

Nos demais estudos, apenas a intervenção em grupo foi utilizada. Solomon et al. (2004) criaram um currículo com base nas três hipóteses de déficit em crianças com Transtorno do Espectro Autista: o reconhecimento de emoções, a Teoria de Mente e as Funções Executivas. Os 18 sujeitos desse estudo foram submetidos a uma hora e meia de intervenção semanal durante 20 sessões de grupo dividas em dois módulos de 10 sessões. Na primeira parte, a dinâmica e as regras do programa foram apresentadas e iniciou-se o treinamento de consciência para as emoções e postura corporal. Nas últimas 10 sessões, o foco era na conversação e no ensino de resolução de problemas. Na etapa final, os participantes também deveriam criar um nome para o grupo e planejar uma festa que seria realizada na última sessão. Como no estudo de Beaumont e Sofronoff (2008), os pais das crianças também participaram do projeto frequentando sessões de treinamento de pais, nas quais eles eram instruídos sobre como ajudar as crianças. Os resultados indicaram que a intervenção promoveu melhorias nas medidas de consciência emocional e de leitura de expressões faciais bem como diminuíram os escores de depressão tanto nas crianças quanto em seus pais.

Outro estudo analisado foi o de Owens et al. (2008), que submeteram 31 crianças com diagnóstico de Síndrome de Asperger ou Autismo de alto funcionamento a programas de treinamento de habilidades sociais. Neste estudo, 16 participantes receberam a intervenção denominada LEGO e 15 foram submetidos ao modelo de intervenção SLUP. No primeiro modelo, a criança participava de sessões colaborativas de jogo de LEGO, que, em alguns momentos, eram estruturados e, em outros, não, apesar de em ambos existirem regras que deveriam ser cumpridas. O objetivo era treinar atenção compartilhada, troca de turno, resolução de problemas em conjunto e habilidades gerais de comunicação social. Já o SLUP consiste em ensino direto de contato ocular, prosódia, troca de turno, entre outras habilidades, utilizando histórias, atividades em grupo e jogos. Os resultados indicaram que as dificuldades sociais diminuíram significativamente na intervenção LEGO, o que não aconteceu com o grupo SLUP e o grupo controle. Além disso, ambos os grupos de intervenção apresentaram redução nos comportamentos desadaptativos e demonstraram potencial para ajudar as crianças com SA e autismo de alto funcionamento a melhorarem seus comportamentos sociais.

A utilização de técnicas comportamentais foi a estratégia utilizada por Stichter et al. (2010) para intervir nas habilidades sociais de crianças e adolescentes com Autismo de alto funcionamento e Síndrome de Asperger. O programa de intervenção que esse estudo descreve tem um currículo dividido em cinco módulos com quatro lições de uma hora e denomina-se Social Competence Intervention (SCI). A primeira unidade do currículo é dedicada às expressões faciais, a segunda, ao compartilhamento de ideias e a terceira, à troca de turno. Já os dois últimos módulos trabalham com habilidades mais complexas; a quarta unidade enfoca os sentimentos e as emoções e o último, a resolução de problemas. Os participantes tiveram melhora significativa das habilidades sociais, no funcionamento executivo, em tarefas de reconhecimento de faces, teoria da mente e resolução de problemas.

Lerner et al. (2011) descreveram a intervenção mais longa entre os estudos descritos. Foram 145 horas de tratamento ao longo de 29 sessões com base no programa Socio-Dramatic Affective-Relational Intervention (SDARI), o qual enfoca a pragmática social. Jogos de improviso e treinamento dramático são alguns dos instrumentos utilizados na intervenção, e os resultados foram positivos para a melhora do funcionamento social em relação aos controles.

O estudo de Castorina e Negri (2011) utilizou o programa Social Skills Program, que treina habilidades discretas e pistas sociais não verbais, tais como contato ocular, linguagem corporal, tom de voz e expressão facial. Além disso, um diferencial desse estudo foi que os irmãos de algumas das crianças foram incluídos no programa e, de acordo com os professores das crianças com Síndrome de Asperger, o grupo que participou com os irmãos manteve mais os resultados ao longo do tempo do que o grupo que participou do estudo sozinho. Alguns pesquisadores têm demonstrado que a utilização de parceiros no modelo de intervenção é uma boa estratégia para promover a generalização (Matson et al., 2007; Kamps et al., 2002).

 

Discussão

Os estudos revisados apontam o treino de habilidades sociais como sendo eficaz em crianças e adolescentes com SA. Todos os estudos mostraram melhorias na maioria dos comportamentos-alvo dos participantes após a intervenção, quando comparados ao grupo controle. No entanto, é importante lembrar que as medidas que avaliaram a eficácia dos tratamentos têm limitações, já que, em sua maioria, consistiram de questionários respondidos por pais e professores, que podem ter sido influenciados pelas expectativas em relação ao tratamento. Novos estudos, com medidas mais precisas e amostras maiores devem ser realizados para melhor compreensão dos programas de intervenção em crianças e adolescentes com SA. Vale reiterar que um dos critérios de inclusão dos artigos para nossa revisão foi os estudos possuírem grupo controle e, segundo Cappadocia e Weiss (2011), poucos estudos por eles revisados possuíam um grupo de comparação ou eram experimentos controlados e randomizados, o que pode ter diminuído o número de artigos dessa revisão.

Além disso, dos oito artigos selecionados para leitura completa, apenas três se referem exclusivamente a jovens com SA (Bock, 2007; Beaumont e Sofronoff, 2008; Castorina e Negri, 2011). Assim, os dados encontrados não podem ser avaliados como específicos para a SA, mas se referem a diferentes níveis de manifestação do transtorno, o que, mais uma vez, sublinha a importância de mais estudos que avaliem essa população específica. Alguns pesquisadores brasileiros se interessam por estudos com sujeitos com autismo de alto de funcionamento e SA, tentando preencher uma lacuna presente na literatura brasileira, mas essa é ainda uma empreitada pioneira, o que reitera a pobreza desse campo (Camargos Jr., 2013).

A partir da revisão, percebeu-se que ainda não existe consenso em relação à melhor forma de avaliar o procedimento de intervenção. Não existe uma padronização para as formas de avaliação, assim, se as intervenções são avaliadas de formas diferentes, torna-se mais difícil fazer uma comparação entre elas. Não existe consenso também em relação à forma de intervenção mais eficaz, visto que nenhum dos artigos revisados propõe um protocolo de intervenção. Alguns autores (Krasny et al., 2003; Howlin et al., 1999; Attwood, 2004) propõem protocolos de intervenção baseados na terapia cognitiva para crianças e adolescentes do espectro autista, e autores brasileiros sugerem um protocolo de intervenção baseado nessas propostas, que tem se mostrado efetivo na prática clínica em pacientes com SA e autismo de alto funcionamento no Brasil (Camargos Jr., 2013).

A utilização de recursos lúdicos (Owens et al., 2008) e computacionais (Silver e Oakes, 2001; Beaumont e Sofronoff, 2008), segundo a revisão da literatura, mostrou-se uma forma eficaz de intervenção e tem se mostrado uma estratégia comum na intervenção em pacientes com TEA. Algumas hipóteses que podem ser levantadas a esse respeito seriam que o próprio recurso lúdico ou computacional pode ser mais atrativo para essa população, o que aumenta o engajamento dos jovens nas ativi-dades. Além dos estudos revisados, Lorenzo et al. (2013) propuseram uma intervenção que utiliza a realidade virtual, um recurso mais complexo do que os utilizados nos demais trabalhos, como ferramenta para melhorar as habilidades sociais e as funções executivas dos participantes, que se mostraram extremamente motivados com as tarefas. Resultados positivos foram encontrados com essa intervenção, e os ganhos obtidos foram transferidos para o ambiente escolar das crianças e dos adolescentes. Apesar desses resultados, temos que levar em conta que, no contexto do recurso computacional, o paciente interage com a máquina, assim, outras formas de intervenção que o auxiliem a generalizar o que é aprendido para os demais ambientes devem ser utilizadas, como a participação e o treinamento dos pais (Beaumont e Sofronoff, 2008; Solomon et al., 2004), assim como a participação de pares e de irmãos nas atividades (Castorina e Negri, 2011). Cappadocia e Weiss (2011) reiteram a necessidade de um número maior de pesquisas que avaliem a promoção da transferência das habilidades aprendidas para outros ambientes.

Podemos perceber que a maioria dos estudos realizou o processo de intervenção em grupo. Apenas três (Silver e Oakes, 2001; Bock, 2007; Beaumont e Sofronoff, 2008) utilizam-se de intervenção individual, sendo que dois deles (Bock, 2007; Beaumont e Sofronoff, 2008) utilizaram também procedimentos em grupo. Uma hipótese para esse padrão encontrado é que, para jovens com SA, a interação entre os pares deve ser sempre incentivada, e a realização da intervenção em grupo pode auxiliar essa aproximação entre os pares, que pode se tornar um facilitador para uma melhor interação. Sendo assim, na literatura, percebeu-se uma tendência de se trabalhar em grupo com crianças e adolescentes com SA.

Outra hipótese que pode ser levantada sobre a preferência de procedimentos de intervenção em grupo seria a importância da generalização para jovens com SA, visto que essa forma de intervenção auxilia nesse processo, já que intervenções individuais requerem maior repertório de generalização para outros ambientes, repertório este que é pequeno em jovens com SA. Tendo isso em vista, percebe-se a necessidade de se avaliar a manutenção dos comportamentos adquiridos ao longo do tempo. Dos estudos revisados, apenas três (Beaumont e Sofronoff, 2008; Bock, 2007; Castorina e Negri, 2011) avaliaram se as habilidades treinadas foram aprendidas somente no ambiente do estudo ou se foram generalizadas para osdemais ambientes que os jovens habitam. É importante ressaltar que, nesses três estudos, os ganhos com a intervenção focada nas habilidades sociais foram mantidos ao longo do tempo e os comportamentos aprendidos foram generalizados, mostrando, mais uma vez, a eficácia desse tipo de intervenção.

A partir da revisão, percebeu-se uma prevalência da abordagem cognitiva (Silver e Oakes, 2001) e comportamental (Stichter et al., 2010) para se trabalhar com crianças e adolescentes com SA. Uma hipótese para a preferência dessa abordagem para se trabalhar com crianças e adolescentes com SA seria que a maioria dos déficits dessa população, ou seja, déficits nos processos cognitivos da teoria da mente, reconhecimento de emoções e funções executivas pode ser estimulada por intervenções que se baseiam nessas abordagens. Pesquisadores sugerem formas de intervenção baseadas nessas abordagens que têm se mostrado efetivas no trabalho com essa população (Howlin, et al. 1999; Roantree e Kennedy, 2012). Conclui-se que essas abordagens são adequadas para se trabalhar com essa população, visto que todos os estudos encontrados tiveram efeitos positivos e utilizaram, de alguma maneira, uma ou outra abordagem.

 

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 2000. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4ª ed., Washington, DC, APA, 943 p.         [ Links ]

ATTWOOD, T. 2004. Cognitive behaviour therapy for children and adults with Asperger's Syndrome. Behaviour Change, 21(3):147-161. http://dx.doi.org/10.1375/bech.21.3.147.55995         [ Links ]

BARON-COHEN, S.; LESLIE, A.M.; FRITH, U. 1985. Does the autistic child have a 'theory of mind'? Cognition, 21(1):37-46. http://dx.doi.org/10.1016/0010-0277(85)90022-8         [ Links ]

BAUMINGER, N.; SHULMAN, C.; AGAM, G. 2003. Peer interaction and loneliness in high-functioning children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 33(5):489-507. http://dx.doi.org/10.1023/A:1025827427901         [ Links ]

BEAUMONT, R.; SOFRONOFF, K. 2008. A multicomponent social skills intervention for children with Asperger syndrome: The Junior Detective Training Program. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 49(7):743-753. http://dx.doi.org/10.1111/j.1469-7610.2008.01920.x         [ Links ]

BEIDEL, D.C.; TURNER, S.M.; MORRIS, T.L. 2000. Behavioral treatment of childhood social phobia. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 68(6):1072-1080. http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.68.6.1072         [ Links ]

BOCK, M.A. 2007. The Impact of Social-Behavioral Learning Strategy Training on the Social Interaction Skills of Four Students With Asperger Syndrome. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities, 22:88-95. http://dx.doi.org/10.1177/10883576070220020901        [ Links ]

BÖLTE, S.; FEINEIS-MATTHEWS, S.; LEBER, S.; DIERKS, T.; HUBI, D.; POUSTKA, F. 2002. The development and evaluation of a computerbased program to test and to teach the recognition of facial affect. International Journal of Circumpolar Health, 61:61-68. http://dx.doi.org/10.3402/ijch.v61i0.17503         [ Links ]

BORASTON, Z; BLAKEMORE, SJ; CHILVERS, R; SKUSE, D. 2007. Impaired sadness recognition is linked to social interaction deficit in autism. Neuropsychologia, 45(7):1501-1510. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuropsychologia.2006.11.010         [ Links ]

CAMARGOS, W. 2013. Síndrome de Asperger e Outros Transtornos do Espectro do Autismo de Alto Funcionamento: da avaliação ao tratamento. 1ª ed., Belo Horizonte, Artesã, 400 p.         [ Links ]

CAPPADOCIA, M.; WEISS, J. 2011. Review of social skills training groups for youth with Aspergers Syndrome and High Functioning Autism. Research in Autism Spectrum Disorders, 5:70-78. http://dx.doi.org/10.1016/j.rasd.2010.04.001         [ Links ]

CASTORINA, L.L.; NEGRI, L.M. 2011. The Inclusion of Siblings in Social Skills Training Groups for Boys With Asperger Syndrome. Journal of Autism and Developmental Disorders, 41(1):73-81. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-010-1023-x         [ Links ]

GENA, A.; KRANTZ, P.J.; MCCLANNAHAN, L.E.; POULSON, C.L. 1996. Training and generalization of affective behavior displayed by youth with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 29(3):291-304. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.1996.29-291         [ Links ]

GOLAN, O.; BARON-COHEN, S. 2006. Systemizing empathy: Teaching adults with Asperger syndrome or high-functioning autism to recognize complex emotions using interactive multimedia. Development and Psychopathology, 18(2):591-617. http://dx.doi.org/10.1017/S0954579406060305         [ Links ]

HADWIN, J.; BARON-COHEN, S.; HOWLIN, P.; HILL, K. 1996. Can we teach children with autism to understand emotions, belief, or pretence? Development and Psychopathology, 8(2):345-365. http://dx.doi.org/10.1017/S0954579400007136         [ Links ]

HARTUP, W.W. 1989. Social relationships and their developmental significance. American Psychologist, 44:120-126. http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.44.2.120         [ Links ]

HOWLIN, P.; BARON-COHEN, S.; HADWIN, J. 1999. Teaching Children With Autism to Mind-Read: A Practical Guide for Teachers and Parents. 2ª ed., New York, John Wiley & Sons, 290 p.         [ Links ]

KAMPS, D.; ROYER, J.; DUGAN, E.; KRAVITS, T.; GONZALEZ-LOPEZ, A.; GARCIA, J.; CARNAZZO, K.; MORRISON, L.; KANE, L.G. 2002. Peer training to facilitate social interaction for elementary students with autism and their peers. Exceptional Children, 68(2):173-187.         [ Links ]

KRASNY, L.; WILLIAMS, B. J.; PROVENCAL, S.; OZONOFF, S. 2003. Social skills interventions for the autism spectrum: Essential ingredients and a model curriculum. Child and Adolescent Psychiatry Clinics of North America, 12(1):107-122. http://dx.doi.org/10.1016/S1056-4993(02)00051-2         [ Links ]

LERNER, M.D.; MIKAMI, A.Y.; LEVINE, K. 2011. Socio-Dramatic Affective-Relational Intervention for Adolescents with Asperger Syndrome & High Functioning Autism: Pilot Study. Autism, 15(1):21-42. http://dx.doi.org/10.1177/1362361309353613        [ Links ]

LORENZO, G.; POMARES, J.; LLEDÓ, A. 2013. Inclusion of immersive virtual learning environments and visual control systems to support the learning of students with Asperger syndrome. Computers & Education, 62(3):88-101. http://dx.doi.org/10.1016/j.compedu.2012.10.028         [ Links ]

MACKAY, T.; KNOTT, F.; DUNLOP, A.W. 2007. Developing social interaction and understanding in individuals with autism spectrum disorder: A groupwork intervention. Journal of Intellectual and Developmental Disability, 32(4):279-290. http://dx.doi.org/10.1080/13668250701689280         [ Links ]

MARRIAGE, K. J.; GORDON, V.; BRAND, L. 1995. A social skills group for boys with Asperger syndrome. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, 29(1):58-62. http://dx.doi.org/10.3109/00048679509075892         [ Links ]

MATSON, J. L.; MATSON, M. L.; RIVET, T. T. 2007. Social-skills treatments for children with autism spectrum disorders: An overview. Behavior Modification, 31(5):682-707. http://dx.doi.org/10.1177/0145445507301650         [ Links ]

MORRISON, L.; KAMPS, D.; GARCIA, J.; PARKER, D. 2001. Peer mediation and monitoring strategies to improve initiations and social skills for students with autism. Journal of Positive Behavior Interventions, 3(4):237-245. http://dx.doi.org/10.1177/109830070100300405         [ Links ]

NOZOMI, N. 2009. Intervention and Treatment Methods for Children with Autism Spectrum Disorders. In: J.L. MATSON (ed.), Applied Behavior Analysis for Children with Autism Spectrum Disorders. New York, Springer, p. 67-82.         [ Links ]

OZONOFF, S.; COOK, I.; COON, H.; DAWSON, G.; JOSEPH, R.M.; KLIN, A. 2004. Performance on CANTAB subtests sensitive to frontal lobe function in people with autistic disorder: Evidence from the CPEA Network. Journal of Autism and Developmental Disorders, 34:139-150. http://dx.doi.org/10.1023/B:JADD.0000022605.81989.cc         [ Links ]

OZONOFF, S.; MILLER, J.N. 1995. Teaching theory of mind: A new approach to social skills training for individuals with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 25(4):415-433. http://dx.doi.org/10.1007/BF02179376         [ Links ]

OWENS, G.; GRANADER, Y.; HUMPHREY, A.; BARON-COHEN, S. 2008. LEGO Therapy and the Social Use of Language Programme: An Evaluation of Two Social Skills Interventions for Children with High Functioning Autism and Asperger Syndrome. Journal of Autism and Developmental Disorders, 38(10):1944-1957. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-008-0590-6         [ Links ]

PIERCE, K.; SCHREIBMAN, L. 1995. Increasing complex social behaviors in children with autism: Effects of peer-implemented pivotal response training. Journal of Applied Behavior Analysis, 28(3):285-295. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.1995.28-285         [ Links ]

PIERCE, K.; SCHREIBMAN, L. 1997. Multiple peer use of pivotal response training to increase social behaviours of classmates with autism: Results from trained and untrained peers. Journal of Applied Behavior Analysis, 30:157-160. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.1997.30-157         [ Links ]

ROANTREE, C.F.; KENNEDY, C.H. 2012. Functional analysis of inappropriate social interactions in students with Asperger's Syndrome. Journal of Applied Behavior Analysis, 45(3):585-591. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.2012.45-585         [ Links ]

ROGERS, S. 2000. Interventions that facilitate socialization in children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 30(5):399-409. http://dx.doi.org/10.1023/A:1005543321840         [ Links ]

SILVER, M.; OAKES, P. 2001. Evaluation of a new computer intervention to teach people with autism or Asperger syndrome to recognise and predict emotions in others. Autism, 5(3):299-316. http://dx.doi.org/10.1177/1362361301005003007         [ Links ]

SOLOMON, M.; GOODLIN-JONES, B.L.; ANDERS, T.F. 2004. A Social Adjustment Enhancement Intervention for High Functioning Autism, Asperger's Syndrome, and Pervasive Developmental Disorder NOS. Journal of Autism and Developmental Disorders, 34:649-668. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-004-5286-y         [ Links ]

STICHTER, J.P.; HERZOG, M.J.; VISOVSKY, K.; SCHMIDT, C.; RANDOLPH, J.; SCHULTZ, T.; GAGE, N. 2010. Social competence intervention for youth with Asperger Syndrome and highfunctioning autism: an initial investigation. Journal of Autism and Developmental Disorders, 40(9):1067-1079. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-010-0959-1         [ Links ]

SWETTENHAM, J. 1996. Can children with autism be taught to understand false belief using computers? Journal of Child Psychology and Psychiatry, 37(2):157-165. http://dx.doi.org/10.1111/j.1469-7610.1996.tb01387.x         [ Links ]

WHITE, S.W.; KEONI, K.; SCAHILL, L. 2007. Social Skills Development in Children with Autism Spectrum Disorders: A Review of the Intervention Research. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37(10):1858-1868. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-006-0320-x         [ Links ]

 

 

Submetido: 29/05/2013
Aceito: 17/09/2013