SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue2Delinquent adolescents and family: a systematic review of the literatureWomen with HIV/AIDS: diagnose reaction author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.6 no.2 São Leopoldo Dec. 2013

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2013.62.08 

ARTIGOS

 

Abordagem motivacional para familiar de usuário de drogas por telefone: um estudo de caso

 

Motivational approach by phone for family member of drug user: a case study

 

 

Cassandra Borges Bortolon; Cássio Andrade Machado; Maristela Ferigolo; Helena M.T. Barros

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Rua Sarmento Leite 245/316, Centro, 90050-170, Porto Alegre, RS, Brasil. cassandra.bortolon@gmail.com, cassioandrademachado@gmail.com, mari@ufcspa.edu.br, helenbar@ufcspa.edu.br

 

 


RESUMO

A entrevista motivacional, intervenção colaborativa que estimula as razões à mudança, pode ser utilizada para ajudar os familiares de usuários de drogas a conduzir transformações na sua interação com o usuário. Os familiares podem desenvolver estratégias mal-adaptativas para manejarem esse problema, conhecido como codependência. Assim, os familiares necessitam receber intervenção, pois podem adoecer diante dos conflitos decorrentes dessa interação. Objetivou-se apresentar um modelo de intervenção breve motivacional por telefone para familiar de usuário. Realizou-se um estudo de caso em um serviço de telemedicina. Os instrumentos utilizados foram: protocolo de atendimento ao familiar, escalas Contemplation Ladder e Holyoake Codependency Index. Betânia, 46 anos, ligou para buscar ajuda para o seu marido usuário de álcool e crack. Após 6 meses, Betânia conseguiu perceber suas necessidades pessoais e as consequências de sua mudança na dinâmica da dependência química. A esposa do usuário reduziu a codependência e modificou comportamentos permissivos. Os serviços de telemedicina e as intervenções breves motivacionais podem promover mudanças comportamentais em familiares que necessitam de atenção e cuidados de saúde de uma forma acessível e abrangente.

Palavras-chave: codependência, entrevista motivacional, telefone.


ABSTRACT

Motivational interviewing, a collaborative intervention that stimulates the reasons to change, can be used to help family members of drug users to drive transformation in their interaction with the user. Families of drug users may develop maladaptive strategies for managing this problem, which is known as codependency. Thus, family members need to receive intervention, as they may get sick due to the conflicts arising from this interaction. The goal was to present a model of brief motivational intervention by telephone to the user's family. We conducted a case study of a telemedicine service. The instruments used were: family attendance protocol, Contemplation Ladder and Holyoake Codependency Index. Bethany, 46 years, called to get help for her husband, an alcohol and crack user. After 6 months, Bethany was able to realize her personal needs and the consequences of her change in the dynamics of addiction. The user's wife reduced codependency and modified permissive behavior. Telemedicine services and brief motivational interventions can promote behavioral changes in families that need attention and care in an accessible and comprehensive way.

Key words: codependency, motivational interviewing, telephone.


 

 

Introdução

O modelo transteórico dos estágios de mudança inovou o tratamento da dependência química, bem como ampliou a percepção dos profissionais a respeito de como facilitar o processo de mudança de seus pacientes (Nidecker et al., 2008; Miller e Rollnick, 2009). A partir dessa ótica, a família pode oscilar o seu grau de motivação e o terapeuta apresenta um papel fundamental para estimular e auxiliar o usuário e seu familiar a progredir dos estágios iniciais de mudança para os finais. A avaliação do estágio motivacional orientará as estratégias que devem ser seguidas com o usuário de drogas e seus familiares.

Como uma forma não confrontativa de auxiliar as pessoas a mudar seu comportamento, Miller e Rollnick desenvolveram a Entrevista Motivacional. Esse método emprega uma abordagem breve colaborativa que estimula as razões à mudança, além de fomentar a responsabilidade e a autonomia frente ao tratamento (Rollnick, Miller e Buttler, 2010; Miller e Rollnick, 2013).

Ademais, devido a avanços nas tecnologias de comunicações, diferentes modalidades de intervenções são utilizadas em serviços de saúde. A telemedicina é uma proposta de baixo custo e fácil acesso para a população (Barros et al., 2008).

A dependência química é uma condição relacionada a diversos fatores como neurobiológicos, sociais, psicológicos e culturais (Ribeiro e Laranjeira, 2012). O consumo de drogas interfere sistemicamente na família. A atitude da família do usuário de drogas frente ao problema pode contribuir tanto para a parada do uso como para a manutenção (Denning, 2010). O envolvimento de esposas de usuários de drogas em programas de tratamento evidenciou-se a partir dos grupos de autoajuda para dependentes de álcool na década de 1940. Essas mulheres apresentavam características comportamentais similares como sofrimento expressivo, sentimento de baixa autoestima e responsabilidade em resolver o problema do marido (Peled e Sacks, 2008).

Familiares de usuários de drogas, em sua maioria mães e esposas, permanecem apresentando esses sintomas de codependência, uma vez que, a prevalência nesta população é de 71% (Bortolon et al., 2010). A codependência é entendida como um conjunto de crenças e comportamentos mal adaptativos por parte de familiares de usuários de drogas que pode reforçar o comportamento do uso de drogas (Dear e Roberts, 2005; Noriega e Ramos, 2008).

Características do funcionamento familiar como: sobrecarga emocional, de tarefas e auto-negligência podem estar relacionados à codependência (Bortolon et al., 2010). Assim, intervir nos comportamentos codependentes é fundamental, pois pode induzir transformações na dinâmica familiar envolvida no contexto do uso de drogas. O objetivo deste estudo de caso foi apresentar um modelo de intervenção breve por telefone, alicerçada na entrevista motivacional para familiar de usuário de álcool e crack.

 

Método

Delineamento

Foi realizado um estudo de caso no Serviço Nacional de Orientações e Informações sobre a Prevenção do Uso de Drogas - VIVAVOZ, central telefônica anônima e gratuita.

Participante do estudo

Dentre os familiares que ligaram, foi escolhida uma esposa codependente de usuário de crack e álcool segundo o critério de conveniência: redução no escore de codependência e realização de seguimento de 6 meses.

Procedimentos

A coleta de dados e o acompanhamento foram conduzidos no período de março de 2009 a abril de 2010 por consultores, graduandos da área da saúde, com capacitação em neurociência e entrevista motivacional. Os atendimentos foram supervisionados por pós-graduandos em Ciências da Saúde (Barros et al., 2008).O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre avaliou e aprovou o projeto (nº 339/07).

O acompanhamento para familiares de usuários de drogas por telefone foi construído a partir de escutas telefônicas no VIVAVOZ de familiares que solicitavam ajuda para manejarem o seu familiar usuário de drogas. Também, foi baseado em atendimentos de psicoterapia face a face. Assim, identificaram-se as demandas dos familiares que, posteriormente, foram transformadas em um modelo padronizado de atendimento com seguimento de 6 meses. Este foi fundamentado na entrevista motivacional e no modelo transteórico dos estágios de mudança (Quadro 1).

No início da primeira ligação, solicitou-se ao familiar o consentimento livre e esclarecido a fim de utilizar os dados para pesquisa e agendaram-se 8 ligações de seguimentos: 7, 14º, 21º, 28ºe 35º dia, 2, 4 e 6 meses. Entretanto, o acompanhamento do familiar também pode prolongar-se por tempo indeterminado de acordo com a necessidade.

Existem duas formas de acompanhamento telefônico: reativo, quando o familiar liga para o VIVAVOZ e pró-ativo, quando o Serviço liga para o familiar (Mazoni et al., 2006).

Investigaram-se, em todos os seguimentos, questões relacionadas à saúde como realização de tratamento médico, psiquiátrico e ou psicológico, uso de medicação e participação em grupos de mútua ajuda.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram: protocolo de atendimento ao familiar, que continha dados sociodemográficos, e escala Contemplation Ladder, que avaliou o estágio de motivação para mudança do comportamento do familiar frente ao usuário, por meio de 5 afirmações que identificam o estágio de prontidão para mudança (Biener e Abrams, 1991). A escala Holyoake Codependency Index (HCI) foi utilizada para avaliar a codependência, era composta por 13 itens. O escore varia de 3 a 15 pontos, sendo calculados pela soma dos elementos: foco no outro, autossacrifício e reatividade (Dear e Roberts, 2005). A pontuação > 9,7 indica codependência (Bortolon et al., 2010).

 

Descrição e discussão do acompanhamento

Identificação

Betânia, 46 anos, tem renda familiar mensal de 5 a 10 salários mínimos e ensino superior. Afirmou não utilizar medicação e não ter realizado tratamento médico, psicológico e frequentado grupos de mútua ajuda anteriores ao acompanhamento telefônico. Contatou o serviço em busca de endereços de centros de tratamento para Carlos, marido usuário de crack e álcool, com quem tem um filho de 19 anos. Por questões éticas, os nomes dos participantes do estudo foram alterados.

Relato da primeira ligação

Betânia referiu que estava com problemas conjugais com o marido devido a seu consumo de drogas. Explicou-se que o Serviço VIVA-VOZ oferece acompanhamento para familiares, uma vez que o uso de drogas atinge tanto o usuário quanto a família como um todo. A familiar foi informada de que o acompanhamento ocorreria por ligações reativas semanais por 2 meses e, posteriormente, mensais até completar 6 meses.

Além disso, foi orientada sobre conceitos básicos em dependência química e efeitos agudos e crônicos das substâncias utilizadas pelo marido. Para o modelo psicoeducacional, é importante que as pessoas envolvidas no tratamento conheçam e compreendam a dependência química. O conhecimento por parte do familiar quanto à dificuldade de controle, à compulsão pela busca da droga e à síndrome de abstinência auxilia no entendimento das dificuldades enfrentadas pelo usuário (Fernandes et al., 2013). Além disso, facilita a aquisição de habilidades para o enfrentamento das situações que possam emergir (Ponciano et al., 2010).

Foram fornecidos endereços de serviços de atenção à dependência química como grupos de mútua ajuda e locais de internação. Também orientou-se sobre as datas para as ligações de seguimento e solicitou-se permissão para envio de material informativo.

Na avaliação da codependência (HCI), Betânia apresentou escore de 9,9 e, na avaliação do estágio de mudança, encontrava-se na ação.

 

Relatos das ligações de seguimento

Ligação de seguimento de 7 dias

A premissa básica deste acompanhamento é conhecer o funcionamento da família para que se inicie a construção de um projeto de mudança centrado no familiar.

É essencial que, antes de intervir, se conheça a dinâmica da família e se estabeleça uma relação de empatia e confiança para a composição das metas do acompanhamento (Steinglass, 2009). Informações a respeito de regras, desempenho de papéis, limites, sentimentos de culpa, comportamentos de super proteção, negligência, rigidez e permissividade são essenciais para esse entendimento.

Neste seguimento, foi solicitado que Betânia falasse sobre a sua relação com o marido, além de ter sido encorajada a descrever um dia típico da sua família. Assim, relatou que não residem na mesma cidade e, quando se encontram, conversam pouco. Ele planejava retomar o relacionamento, porém, Betânia não acreditava no que ele falava, não confiava mais nele e não desejava reatar. Entretanto, o marido visitava Betânia frequentemente e passava dias na casa dela, o que denotava que o casal ainda mantinha envolvimento. Todavia, Carlos não contribuía financeiramente "só dorme e come sem se preocupar com nada e ainda rouba nossas coisas"1 (Betânia). Relatou que ele passou alguns dias na sua casa devido à entrevista de emprego. Nessa ocasião, Betânia precisou viajar, deixando-o sozinho em casa. Quando retornou, descobriu que Carlos furtou seu carro, o videogame do filho e um eletrodoméstico. Ela registrou um boletim de ocorrência na polícia. No dia dessa ligação, disse que o marido ainda não tinha voltado e não sabia onde ele estava.

O consultor perguntou quais eram os momentos que Betânia conversava com o marido a respeito do uso de substâncias: "sempre, até mesmo, quando ele está sob efeito" (Betânia). Novamente, foi informado sobre os efeitos do crack e álcool. Betânia reconheceu que Carlos ficava deprimido após o uso e que não deveria conversar com ele acerca desse assunto nessas ocasiões.

Ligação de seguimento de 14 dias

Após o consultor retomar as informações acerca da dinâmica familiar contida no protocolo de atendimento anterior, foi conduzida a intervenção conforme o seu estágio de mudança e os comportamentos permissivos apresentados. Betânia encontrava-se no estágio motivacional de ação. Esse é o momento que o familiar envolve-se em ações direcionadas para a mudança do seu comportamento que pode ser conduzida individualmente ou acompanhada por aconselhamento, psicoterapia e grupo de mútua ajuda (Nidecker et al., 2008).

Betânia relatou o desfecho do episódio do furto do carro. Após dois dias, Carlos voltou para casa com o carro, mas sem os aparelhos eletrônicos: "em estado lamentável" (Betânia). Nesse dia, obrigou-o a sair de casa e disse que não era mais para voltar. Consequentemente, seu marido dormiu na rua por alguns dias. Em uma noite, pulou o muro de casa e dormiu no quintal. Depois disso, Carlos foi morar na casa dos pais em outra cidade e, em seguida, ficou em situação de rua.

A familiar demonstrou preocupação em função de Carlos receber uma possível proposta de emprego na cidade dela. Ela temia que o marido solicitasse o retorno para casa, o que a familiar não queria porque precisava trabalhar para sustentar a casa. Com isso, não teria tempo de cuidar do marido. A familiar pensou em falar com o marido e os pais dele a respeito da decisão de não deixar Carlos entrar em casa.

Betânia solicitou indicações de centros de tratamento, onde Carlos não precisasse ser internado para trabalhar concomitantemente. Expressou, ao consultor, que somente poderia oferecer essa ajuda e nada mais.

Nessa ligação, como solicitado, foram fornecidos endereços de ambulatórios e foi sugerido à Betânia que participasse de grupo para familiares de usuários de drogas. Para a próxima ligação, foi combinado com Betânia que pensasse em comportamentos que ela considerava que precisavam de mudança.

Ligação de seguimento de 21 dias

Nessa ligação, buscou-se trabalhar as metas do estágio de mudança determinação, conforme o modelo da intervenção, convidando Betânia para pensar a respeito dos comportamentos permissivos apresentados. Comportamentos permissivos são ações que podem reforçar o uso de substâncias. O familiar, em determinadas situações, pode assumir responsabilidades por atos do usuário, como o pagamento de dívidas e buscar solucionar os seus problemas (Rotunda et al., 2004).

Foi explicado que a mudança de comportamento de Betânia também era importante, porque, se Carlos não experimentasse as consequências dos seus atos, ele tenderia a repeti-los. Além disso, foi conversado sobre os fatores de risco e proteção para o uso de drogas na família.

Betânia contou que expulsou seu marido de casa definitivamente. Após a última ligação, proibiu-o de voltar para casa, pois estava cansada: "no início foi fácil, pois só conseguia ver e lembrar as coisas ruins e do consumo dele" (Betânia). Porém, no momento, sentia-se sozinha e relatou sentir saudades da pessoa que ele era antes do início do consumo de drogas. Carlos era carinhoso, segundo ela. Betânia, ainda expressou: "agora estou mudada, não aceito mais ele em casa. Não empresto mais dinheiro e não deixo mais de fazer as minhas coisas por causa dele" (Betânia).

A partir deste seguimento, Betânia reduziu a codependência para 7,5.

Ligação de seguimento de 28 dias

Essa ligação teve o objetivo de reforçar as mudanças comportamentais e identificar passos e habilidades necessários para mantê-los. Assim, foi combinado com Betânia o planejamento para a modificação de determinadas condutas, como não permitir que Carlos permanecesse sozinho em casa e não fornecer dinheiro. Foi salientado que a mudança não é fácil, porém, os comportamentos podem ser modificados desde que as metas sejam possíveis de serem realizadas (NIDA, 2012).

Betânia mencionou que seu marido ligou duas vezes durante a semana anterior e, na segunda vez, ele pediu dinheiro e ela recusou. Nesse momento, a familiar sentia receio de ele voltar a procurá-la, mas disse que manteria a atitude de não permitir que ele volte para casa.

Ligação de seguimento de 35 dias

Betânia conseguiu manter os comportamentos planejados e foi parabenizada por seu êxito. Caso a familiar não tivesse conseguido, seria auxiliada a perceber os motivos e as circunstâncias que influenciaram a não execução do planejamento.

A familiar manteve sua decisão de não permitir que o marido fosse a sua casa e procurou não interferir nas questões de trabalho dele. Relatou que ele solicitou que ela ligasse para locais com possibilidade de vagas de emprego, todavia, ela negou-se e disse "se ele consegue dinheiro para comprar drogas também tem dinheiro para comprar um cartão telefônico para fazer suas ligações" (Betânia). Após essa atitude, segundo Betânia, sentiu-se aliviada porque considerou ter feito a coisa certa, o que é bom para ela e Carlos. Além disso, falou que sente falta dele, mas que não iria procurá-lo até que ele melhorasse.

Ligação de seguimento de 2 meses

No atendimento de dois meses, é importante verificar como a familiar está em relação às mudanças de comportamento e a codependência. Além disso, é preciso atendê-la conforme o seu estágio motivacional.

Betânia salientou que mudou e que se sentia melhor por não permitir que ele frequentasse sua casa. Afirmou que, enquanto ele não parasse de utilizar drogas, não reatariam o relacionamento. Comentou: "consigo me ver agora, não só a minha família!" (Betânia).

Betânia permanecia imbuída para buscar recursos para o tratamento de Carlos, mesmo que ele mantivesse comportamentos resistentes frente ao tratamento. Referiu ter conseguido que algumas pessoas custeassem o tratamento dele, mas ele não o aceitou, pois justificou que desejava conciliar trabalho e tratamento.

Ligação pró-ativa de seguimento de 4 meses

Como a familiar não havia realizado contato telefônico conforme as datas combinadas, foi realizada uma ligação pelo Serviço. Teve como o objetivo retomar o acompanhamento e oferecer orientação conforme a demanda de Betânia.

Nas semanas anteriores, Betânia conversou com Carlos apenas por telefone. Ele havia aceitado o tratamento e estava esperando ser chamado. A familiar considerava que ele estava bem, pois, segundo ele, estava consumindo menos álcool e crack. Betânia acreditava que Carlos havia percebido as perdas decorrentes do seu uso: "ele perdeu tudo e assim voltou a sonhar e agora realmente está querendo parar" (Betânia).

A partir desse relato, percebe-se que Betânia ainda apresentava pouca consciência de que a sua mudança poderia ter influenciado a percepção de Carlos em relação ao seu consumo de drogas.

Betânia agradeceu a preocupação do Serviço em entrar em contato e disse que retornaria a ligação.

Ligação de seguimento de 6 meses

Esse seguimento tem a função de verificar como a familiar está em relação às mudanças de comportamento além de identificar a necessidade da familiar e intervir conforme a sua demanda.

Betânia referiu que Carlos estava internado há 41 dias. Ela visitou a clínica e considerou que seu marido estava bem. Segundo a familiar, ele ficaria em tratamento por mais 3 meses e demonstrou sentir medo frente a sua saída. Nesse momento, Betânia foi incentivada a falar sobre esse sentimento, porém, informou que já estava conversando com a psicóloga da clínica sobre esse processo.

O atendimento à familiar com acompanhamento de 6 meses proposto pelo Serviço foi concluído nesta ligação. Ao término da conversa, foi disponibilizado o atendimento para consultas futuras. Ela agradeceu dizendo que ligaria.

Quanto às questões de saúde, desde o princípio do acompanhamento até os 6 meses, Betânia teve contato somente com profissional da psicologia. E, durante todo esse processo, permaneceu a não realizar tratamento médico, psiquiátrico, não utilizou medicação e não frequentou grupo de mútua ajuda.

Betânia concluiu o acompanhamento com escore de codependência 6,3, o que demonstra não apresentar sinais e sintomas de codependência. Vale ressaltar que Betânia apresentou oscilação nos escores durante o acompanhamento de 6 meses.

 

Considerações finais

Betânia representou, neste estudo, os demais familiares de usuários de drogas que ligaram para o VIVAVOZ e, pelo acompanhamento familiar, demonstraram também sofrimento e dificuldades em manejar com os conflitos advindos do consumo de drogas na família.

O modelo de acompanhamento familiar por telefone, delineado de acordo com a demanda e com objetivos definidos para cada seguimento, propiciou que Betânia reduzisse a codependência e modificasse os comportamentos permissivos. Além disso, auxiliou Betânia a ampliar a sua autopercepção diante de suas necessidades pessoais e limites quanto ao seu papel a respeito da dependência química do seu marido.

Essa intervenção delineada, especialmente para o acompanhamento de familiares de usuários de drogas, focada nos estágios motivacionais e na entrevista motivacional, oferece um importante espaço de ajuda. A abordagem da dependência química ainda é focada no tratamento do usuário de substâncias. No entanto, os familiares necessitam também receber intervenção, pois podem adoecer diante dos conflitos decorrentes dessa interação.

Além disso, os serviços de telemedicina e as intervenções breves podem propiciar a psicoeducação em dependência química e a avaliação da codependência e, ainda, ajudar a promover mudanças comportamentais em familiares que necessitam de atenção e cuidados de saúde de uma forma acessível e abrangente.

 

Referências

BARROS, H.M.T.; SANTOS, V.; MAZONI, C.; DANTAS, D.C.M.; FERIGOLO, M. 2008. Neuroscience education for health profession undergraduates in a call-center for drug abuse prevention. Drug and Alcohol Dependence, 98:270-274. http://dx.doi.org/10.1016/j.drugalcdep.2008.07.002         [ Links ]

BIENER, L.; ABRAMS, D. 1991. The Contemplation Ladder: validation of a measure of readiness to consider smoking cessation. Health Psychology, 10(5):360-365. http://dx.doi.org/10.1037/0278-6133.10.5.360         [ Links ]

BORTOLON, CB. 2010. Funcionamento Familiar e Aspectos de Saúde Associados a Codependência em Familiares de Usuários de Drogas. Porto Alegre, RS. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, 112 p.         [ Links ]

BORTOLON, C.B.; FERIGOLO, M.; GROSSI, R.; KESSLER, F.H.; BARROS, H.M.T. 2010. Avaliação das crenças codependentes e dos estágios de mudança em familiares de usuários de drogas que ligaram para um serviço de teleatendimento. Revista da AMRIGS, 54(4):432-436.         [ Links ]

DEAR, G.; ROBERTS, C. 2005. The Validation of the Holyoake Codependency Index. The Journal of Psychology, 139(4):293-313. http://dx.doi.org/10.3200/JRLP.139.4.293-314         [ Links ]

DENNING, P. 2010. Harm reduction therapy with families and friends of people with drug problems. Journal of Clinical Psychology, 66(2):1-11.         [ Links ]

FERNANDES, S.; BORTOLON, C.B.; SIGNOR, L.; MOREIRA, T.C. 2013. Abordagem multidisciplinar da dependência química. Santos, São Paulo, 160 p.         [ Links ]

MAZONI, C.G.; BISCH, N.K.; FREESE, L.; FERIGOLO, M.; BARROS, H.M.T. 2006. Aconselhamento Telefônico Reativo Para Cessação do Consumo do Tabaco: relato de caso. Aletheia, 24:137-148.         [ Links ]

MILLER, W.R.; ROLLNICK, S. 2009. Ten Things that Motivational Interviewing Is Not. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, 37:129-140. http://dx.doi.org/10.1017/S1352465809005128         [ Links ]

MILLER, W.R; ROLLNICK, S. 2013. Motivational Interviewing - Helping People Change. 3ª ed., New York/London, The Guilford Press, 482 p.         [ Links ]

NATIONAL INSTITUTE ON DRUG ABUSE (NIDA). 2012. Principles of Drug Addiction Treatment: a research-based guide. 3ª ed., Bethesda, Maryland, NIH Publication, 76 p.         [ Links ]

NIDECKER, M.; DICLEMENTE, C.C.; BENNET, M.E.; BELLACK, A.S. 2008. Application of the Transtheoretical Model of Change: Psychometric Properties of Leading Measures in Patients with Co-Occurring Drug Abuse and Severe Mental Illness. Addict Behavior, 33(8):1021-1030. http://dx.doi.org/10.1016/j.addbeh.2008.03.012         [ Links ]

NORIEGA, G.; RAMOS, L. 2008. Prevalence of codependence in young women seeking primary health care and associated risk factors. American Journal of Orthopsychiatry, 78(2):199-210. http://dx.doi.org/10.1037/0002-9432.78.2.199         [ Links ]

PELED, E.; SACKS, I. 2008. The Self-Perception of Women Who Live With an Alcoholic Partner: Dialoging With Deviance, Strength, and Self-Fulfillment. Family Relations, 57(3):390-403. http://dx.doi.org/10.1111/j.1741-3729.2008.00508.x         [ Links ]

PONCIANO, E.L.T.; CAVALCANTI, M.T.; FERES-CARNEIRO, T. 2010. Observando os grupos multifamiliares em uma instituição psiquiátrica. Revista de Psiquiatria Clínica, 37(2):43-47. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832010000200002         [ Links ]

RIBEIRO, M.; LARANJEIRA, R. 2012. O tratamento do usuário de crack. 2ª ed., Porto Alegre, Artmed, 567 p.         [ Links ]

ROLLNICK, S.; MILLER, W.R.; BUTLER, C.C. 2010. Entrevista Motivacional no Cuidado da Saúde: ajudando pacientes a mudar o comportamento. Porto Alegre, Artmed, 221 p.         [ Links ]

ROTUNDA. R.; WEST, L.; O'FARRELL, T. 2004. Enabling behavior in a clinical sample of alcohol-dependent clients and their partner. Journal of Substance Abuse Treatment, 26(4):269-279. http://dx.doi.org/10.1016/j.jsat.2004.01.007         [ Links ]

STEINGLASS, P. 2009. Systemic-motivational therapy for substance abuse disorder: an integrative model. Journal of Family Therapy, 31(2):155-174. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-6427.2009.00460.x         [ Links ]

 

 

Submetido: 25/10/2012
Aceito: 05/05/2013

 

 

1 As falas da entrevistada foram transcritas sem alterações ou correções textuais.