SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número1Entre bruxas e lobos: o uso dos contos de fadas na psicoterapia de grupo com criançasHabilidades sociais e bullying: uma revisão sistemática índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.1 São Leopoldo jun. 2014

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2014.71.05 

ARTIGOS

 

Reabilitação psicossocial de pessoas com transtornos psicóticos: atuação dos psicólogos nos CAPS de Santa Catarina

 

Psychosocial rehabilitation of individuals with psychotic disorders: the role of psychologists in CAPS of Santa Catarina state

 

 

Gabriel Amador de LaraI; Janine Kieling MonteiroII

IPsicólogo. Centro de Atenção Psicossocial, Prefeitura Municipal de Brusque. Rua Hercílio Luz, 257, Centro, 88350-301, Brusque, SC, Brasil. gabrieldelara2@hotmail.com
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, 93022-000, São Leopoldo, RS, Brasil. janinekm@unisinos.br

 

 


RESUMO

Este artigo teve como objetivo levantar dados sobre a atuação do psicólogo na reabilitação de pessoas diagnosticadas com transtornos psicóticos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Santa Catarina, Brasil. Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva e transversal. Participaram 48 psicólogos de CAPS I, II e III. O instrumento utilizado foi um questionário online. Os resultados indicaram: melhora no ensino de graduação para atuação em CAPS e práticas ampliadas dos psicólogos (mais diversificadas e menos focadas no atendimento psicoterapêutico individual). Apesar dos avanços, necessidades de evolução existem como maior foco nos processos externos ao CAPS, na produção de autonomia e desestigmatização. Nos serviços, há necessidade de melhorias na gestão dos recursos financeiros e humanos, na fiscalização dos serviços e no fortalecimento de redes de apoio.

Palavras-chave: Centros de Atenção Psicossocial, psicólogos, psicoses.


ABSTRACT

This article aimed to collect data about the work of psychologists in the rehabilitation of individuals diagnosed with psychotic disorders in the Community Mental Health Services (known as CAPS) of Santa Catarina State, Brazil. This is a quantitative, descriptive and transversal study. A total of 48 psychologists of CAPS I, II and III participated. The instrument was a questionnaire applied online. The results indicated improvement in undergraduate education to work in CAPS and expanded practices of psychologists (more diversified and less focused on individual psychotherapy service). Despite the progress, evolving needs exist, such as greater focus on external processes to CAPS, the production of autonomy and destigmatization. In services, there is a need for improvement of financial and human resources management, of the services monitoring and of support networks.

Keywords: Mental Health Services, psychologists, psychosis.


 

 

A atenção às pessoas que apresentam sofrimento psíquico grave vem sofrendo alterações substanciais nos últimos 40 anos. O modelo de atendimento foi transformado por lutas sociais específicas em diferentes contextos mundiais, que produziram modos diferentes de operacionalizar alterações clínico-política, assistenciais e legais, estando esses aspectos entrelaçados no que se convencionou chamar de Reabilitação Psicossocial (Borges e Baptista, 2008; Nunes et al., 2008). Este artigo tem como foco o estudo da reabilitação psicossocial de pessoas diagnosticadas com transtornos psicóticos praticada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com atenção especial para a atuação dos profissionais de psicologia.

A reabilitação psicossocial pode ser definida como uma estratégia cujo objetivo é proporcionar melhor qualidade de vida possível a sujeitos com vida relacional, laboral e psíquica substancialmente prejudicada, sendo os profissionais mediadores no processo de recuperação da cidadania jurídica, ocupacional, econômica e política (Cases e Gonzalez, 2010). Os objetivos da reabilitação incluem conquistas no campo da autonomia, da socialização e do desenvolvimento de potencialidades, fazendo-se necessários programas estruturados e de qualidade, com ações intersetoriais e suporte nas comunidades locais e nas famílias.

No panorama da literatura de pesquisa internacional sobre reabilitação psicossocial de pessoas portadoras de transtornos psicóticos, predomina metodologicamente o paradigma da pesquisa baseada em evidencias em avaliações quantitativas de serviços. Há grande montante de trabalhos apoiando o uso de intervenções do âmbito cognitivo-comportamental em países Europeus e da América do Norte. Um exemplo é o grupo de pesquisa Psychosis Outcome Research Team (Dixon et al., 2010), que listou as intervenções mais utilizadas dentro da pesquisa baseada em evidências, que incluem: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), treinamento de habilidades sociais, reabilitação vocacional, prevenção de recaída e intervenções familiares. As ações são utilizadas para o reconhecimento e o enfrentamento das emoções, o funcionamento social e laboral e a busca de maior autonomia.

Outras técnicas foram sugeridas no contexto dos serviços comunitários, também com influência da TCC. Dentre elas, pode-se elencar: manejo de ansiedade, reabilitação cognitiva, psicoeducação de famílias para manejo de processos comunicacionais, programas de autocuidado, inserção em atividades de lazer, laborais e de integração comunitária (Cases e Gonzalez, 2010; Giraldez et al., 2010).

Díaz et al. (2010) revisaram as intervenções psicoterapêuticas mais utilizadas em pacientes psicóticos. A tendência atual é de abordagens integradas, com mais aspectos em comum sendo descobertos a cada dia. Nos últimos anos, muitas críticas foram endereçadas às técnicas psicodinâmicas em terapia, o que tem diminuído seu uso. Já as grupoterapias têm sido menos estudadas nesse contexto, mas considera-se que seu verdadeiro benefício acontece quando há uma abordagem eclética e flexível, adaptada às necessidades dos sujeitos, com o uso do setting de socialização do grupo para o fornecimento de apoio, conselhos e técnicas de enfrentamento focadas no aqui e agora. Quando o grupo está mais estabilizado, mais coeso, com boa tolerância à ansiedade e poucas experiências psicóticas, é permitido que se usem técnicas mais terapêuticas, com o modelo no final alcançando características mais psicodinâmicas, sem abandonar o apoio, o enfrentamento e as estratégias interpessoais (García-Cabeza e González de Chavez, 2009).

A farmacoterapia também faz parte dos programas de saúde mental, mas seus efeitos no funcionamento social, em vulnerabilidades e na qualidade de vida têm sido menores. Soma-se a isso o fato de as taxas de não aderência ao tratamento farmacológico serem altas, variando de 50 a 90% (Álvarez-Jiménez et al., 2011; Díaz et al., 2010; Dixon et al., 2010; Escudero et al., 2010). Villeneuve et al. (2010) mostraram, através de meta-análises, que a taxa de abandono de tratamento farmacológico chega a 42%, em comparação a 13% no tratamento psicossocial, indicando a relevância de abordagens psicossociais como parte de um programa de cuidados em psicoses.

Em contexto nacional, a reforma psiquiátrica possibilitou a construção de uma estratégia de atenção psicossocial, dentro da qual vem se erigindo uma proposta de reabilitação para o atendimento aos sujeitos psicóticos, adaptada ao contexto brasileiro e ao Sistema Único de Saúde (SUS). E esta se dá, principalmente, através de seus serviços comunitários, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A clínica praticada nos CAPS é chamada também de clínica ampliada e é considerada uma estratégia de atenção psicossocial, a qual implica se pensar um modelo de atendimento processual, social e complexo, em oposição a um modelo fechado - algo que está passível a transformações e conectado ao movimento constante de mudanças, tensões e conflitos gerados nas relações humanas (Amarante, 2007). Inclui conceber atuações profissionais que superam a suposta neutralidade científica que calca os modelos tradicionais da psiquiatria e admitir que todas as ações estão embebidas em valores éticos, religiosos, políticos e morais. Ao focar o trabalho no sujeito e seus laços sociais e não no seu transtorno, projeta-se um sistema de intervenções mais integrador, pensando o usuário como um indivíduo imerso em suas relações familiares, laborais, de vizinhança, com suas possibilidades e limitações (Alves e Francisco, 2009; Vieira Filho e Rosa, 2010).

As instituições psicossociais e seus profissionais atuam como interlocutores, possibilitando a entrada em cena de relações intersubjetivas mais horizontais, que dão voz e escuta as demandas da população, não sendo apenas o depositário daquilo que é indesejável socialmente no comportamento dos loucos, insanos ou doentes mentais (Costa-Rosa, 2000). Busca-se alcançar a supressão do sintoma que aparece como queixa-demanda, mas isso não se torna a meta máxima do serviço - a lógica é propiciar um novo modo de ser, para além de um dispositivo adaptacionista dos sujeitos e dos corpos às pressões sociais (Yasui e Costa-Rosa, 2008).

Podem-se elencar algumas características centrais que os CAPS, como serviços comunitários e abertos, possuem em sua prática terapêutica: direito do usuário em ser acolhido, rapidez no atendimento, resolutividade frente às situações de crise, trânsito e diálogo dentro de seu território comunitário, levar em consideração as variáveis sociais no processo de adoecimento e participação nas trocas sociais. Tais fatos redirecionam os movimentos dos atores/profissionais para um diálogo frequente com as famílias, os grupos comunitários e o território, buscando uma corresponsabilização no processo saúde/doença mental (Kyrillos, 2009).

O campo da reabilitação no Brasil ainda se mostra com pouca coesão teórica, com experiências heterogêneas em um país de grandes diversidades regionais. Guerra (2004) coloca que três modelos de reabilitação ocorrem atualmente: modelos psicoeducativos, focados na aprendizagem de comportamentos, ora dos indivíduos ora das famílias, pensando na adequação entre individuo, família e comunidade. Os modelos sociopolíticos ou críticos não trabalham com práticas pré-determinadas, sendo a intervenção determinada por realidades locais - são várias redes de atuação, pensando uma cidadania possível para pessoas portadoras de transtornos psicóticos. Por último, há os modelos de orientação clínica, calcados na Psicanálise, que fazem crítica radical ao modelo psicoeducativo, considerando-os homogeneizantes, adequadores e focados na remissão do sintoma.

Guerra (2004) avalia ainda que a operacionalização atual da reabilitação nos serviços comunitários nacionais se dá através de modelos mistos, que não sustentam paradigmas unificados, experimentando e criando novas formas de ação a partir dos resultados obtidos em suas próprias práticas cotidianas. Tal fato pode ser percebido através da pouca literatura científica direcionada à avaliação de resultados de intervenções. A despeito do panorama internacional atual, focado no modelo psicoeducativo, a reforma psiquiátrica no Brasil tem grande influência do campo psicanalítico, que ainda possui certa hegemonia, tanto na compreensão dos sujeitos quanto nas práticas cotidianas (Ferreira, 2008). Cabe ressaltar também a grande influência da reforma psiquiátrica italiana e de autores ligados ao seu modelo, como Franco Basaglia e Franco Rotelli, na reforma brasileira e, consequentemente, nos modelos de estruturação das redes de atenção psicossocial e de reabilitação propostos pela Política Nacional de Saúde Mental atual, impactando diretamente na organização das equipes e na atuação dos profissionais.

Algumas pesquisas foram desenvolvidas com psicólogos de CAPS (Correia, 2007; Figueiredo e Rodrigues, 2004; Sales e Dimenstein, 2009a, 2009b) com a finalidade de investigar práticas e desafios atuais para essa classe, mas, até agora, nenhum teve foco específico no trabalho com as psicoses. Figueiredo e Rodrigues (2004), pesquisando psicólogos de CAPS do Espírito Santo, perceberam que os profissionais privilegiavam o modelo clínico tradicional dando pouco enfoque nos fatores sociais do adoecimento, o que resultava na precária promoção da reinserção social. Parte desses dados foi visualizada também por Correia (2007) em levantamento reunindo os psicólogos dos CAPS de Santa Catarina. Os sujeitos responderam que os CAPS possuem boa estrutura física, mas carência de recursos humanos e financeiros. Na atuação dos psicólogos, predomina a psicoterapia individual e o atendimento em grupo, deixando, em último plano, o atendimento à família e às ações comunitárias.

Em estudo com psicólogos dos CAPS do Rio Grande do Norte, Sales e Dimenstein (2009a, 2009b) concluíram que faltava ação política na transformação de ideias norteadoras da atuação relatada. A maioria dos técnicos colocou a escuta qualificada como característica particular do psicólogo e apontaram defasagem na formação acadêmica em conteúdos de saúde pública e reforma psiquiátrica, sendo esta um entrave ao avanço da reforma.

Os desafios no seio da reforma têm se colocado cotidianamente para os psicólogos, que vêm aprendendo como fazer um trabalho mais condizente com as necessidades coletivas dos usuários dos serviços de saúde mental (Berlinck et al., 2008). Faz-se necessário, nesse momento, o registro dessa aprendizagem narrada pelos próprios protagonistas. Para tanto, essa pesquisa teve como objetivo levantar dados sobre a atuação do psicólogo nessas instituições junto a uma demanda de grande importância para a reforma, a dos sujeitos psicóticos. Além disso, apresenta aspectos sobre características da formação acadêmica e percurso profissional, avaliações pessoais e institucionais, identificação das intervenções clínicas utilizadas, bem como dificuldades e limitações encontradas pelos psicólogos na atenção aos usuários com transtornos psicóticos dos CAPS.

 

Método

Foi realizada uma pesquisa quantitativa de levantamento, de caráter descritivo e transversal. O universo de participantes foi composto por Psicólogos dos CAPS I, II e III de Santa Catarina, Brasil. No momento da coleta de dados, o estado contava com 58 centros dessas modalidades. Foi considerado como critério de inclusão atuar há mais de seis meses em um centro, excluindo profissionais dos CAPS infantis e dos CAPS álcool e drogas.

A amostra se constituiu de 48 sujeitos num universo de 91, resultando num total de 52,7% de taxa de resposta dos questionários enviados. A idade variou entre 24 e 58 anos (M=36, DP=9), sendo 90% do sexo feminino. A média de tempo de atuação no CAPS foi de 3,38 anos (DP=3,07). A maioria dos sujeitos tinha entre dois e cinco anos de formado (40%), eram concursados (66%) e cumpriam carga horária de 40 horas semanais (24%). A maior parte deles (66%) possuía também outro local de trabalho, com destaque para o consultório privado (40%).

O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário contendo 24 questões, construído através da plataforma online Google Docs, investigando quatro eixos temáticos - dados pessoais, formação e atuação profissional e avaliação institucional, dificuldades/limitações e desafios - elaborados a partir da revisão de literatura. O primeiro procedimento foi contatar os coordenadores de cada CAPS para autorizarem a pesquisa e informarem ao pesquisador os profissionais para inclusão no estudo. Todos os coordenadores avalizaram a coleta; no entanto, nem todos os psicólogos concordaram em participar - dos 91 sujeitos aptos à participação, apenas 84 forneceram seu endereço eletrônico. É relevante constar que dois locais contatados não possuíam psicólogos em sua equipe. O período de coleta durou de abril a agosto de 2011.

Os dados foram tratados estatisticamente no SPSS 19.0 através de análises descritivas (média, desvio padrão e frequências) segundo as variáveis de interesse. Já as questões abertas foram submetidas à análise de conteúdo quantitativa (Flick, 2004), tendo suas respostas analisadas e categorizadas a posteriori em grupos e subgrupos por variedade temática. A pesquisa foi realizada dentro dos critérios éticos necessários para pesquisas com seres humanos, tendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (Resolução 10/2011).

 

Resultados

Formação profissional

No quesito formação profissional, as universidades privadas predominaram (92%), sendo 20 instituições citadas de seis estados, com destaque para Santa Catarina (45%). Na avaliação da qualidade da formação de graduação para trabalhar no CAPS, a maior parte qualificou-a como boa (44%), seguida de regular (40%) e ruim (8%). Apenas 17% dos psicólogos não possuíam nenhuma pós-graduação. Quanto à qualificação da pós-graduação para a atuação no CAPS, sobrepuseram-se avaliações positivas, com bom (46%) e excelente (19%).

Quando à orientação teórica para atuação, os dados mostraram uma heterogeneidade, com nenhum campo predominando de maneira absoluta - foram citadas 10 abordagens técnico-teóricas. Em primeiro lugar, destacam-se a Psicanálise e a Terapia Cognitivo-Comportamental (35%), seguidas pela Sistêmica (21%), pela Gestalt-terapia (13%) e pela Humanista/Existencialista (12%). Apenas um participante citou a Clínica da Reabilitação Psicossocial (2%) como arcabouço teórico.

Atuação profissional e avaliação institucional

No que diz respeito ao funcionamento institucional, a avaliação global da qualidade dos centros mostrou números positivos, com 17% de qualificações "Excelente" e 56% "Bom", com apenas três sujeitos percebendo seu CAPS como "Ruim" (6%). Ao apreciar a articulação interinstitucional dos CAPS, a maioria dos serviços atua em conjunto com a sua rede básica de saúde (85%) e com algum Hospital Psiquiátrico (63%). Teve ocorrência média a relação com Hospitais Gerais (48%) e Ambulatórios de Saúde Mental (48%); apenas 6% julgaram que seu CAPS trabalha isolado. O quesito relação de trabalho com a equipe multiprofissional foi qualificado como positivo, sendo 35% "Excelente" e 56% "Boa", com apenas 8% de respostas "Regular".

Sobre as práticas profissionais, no julgamento da formação acadêmica para trabalhar com usuários com quadro psicótico, houve predomínio da resposta "Boa", com 65%, seguida pela "Regular" (29%). No que diz respeito a qual seria o ideal de trabalho a ser feito pelos psicólogos no CAPS com usuários psicóticos (Tabela 1), as respostas foram categorizadas em dois grupos: intervenções clínicas clássicas e clínica ampliada. Uma grande diversidade de propostas de trabalho foi relatada, com maior incidência ligada às intervenções clínicas não clássicas, como familiares (45%), oficinas terapêuticas (43%) e reinserção social (40%). Logo após, vem uma intervenção clássica, a psicoterapia individual (34%), seguida pela grupoterapia (28%), pelo trabalho multidisciplinar (28%) e pelo apoio/suporte clínico (19%).

Quando indagados sobre o quanto se sentiam preparados para prestar atenção à crise, a maioria dos sujeitos respondeu que se considera preparado (60%). Não obstante, uma parcela significativa se sente pouco preparada (25%), dado preocupante visto que o psicólogo é demandado a realizar ações dessa natureza de maneira recorrente no cotidiano dos CAPS.

Foi solicitado que citassem suas intervenções na terapêutica que tem realizado com usuários que apresentam quadro psicótico. O total de 47 respostas foi categorizado em dois grupos: clínica clássica e clínica psicossocial (Tabela 2). Houve amplo predomínio de citações de práticas psicossociais, apesar de a psicoterapia individual ter tido mesma quantidade de referencias (40% dos sujeitos) das oficinas terapêuticas (40%), seguidas pelo trabalho com famílias (34%) e grupoterapia (21%). A escuta também foi citada (17%), além de outras menções como: acolhimento (13%), psicoeducação (11%), articulação à rede de apoio (11%), avaliação clínica (8%), atividades externas ao CAPS (8%) e visitas domiciliares (8%).

Dificuldades, limitações e desafios

Os profissionais também foram requisitados a julgar se sentiam dificuldades na atuação com pessoas portadoras de transtornos psicóticos. A maioria dos sujeitos respondeu que sentia pouca dificuldade (65%), seguidos de 25% que afirmaram não sentir dificuldades. Destaca-se que apenas 10% indicaram ter muita dificuldade. Ao serem questionados no que deveriam melhorar em sua atuação com sujeitos psicóticos (Tabela 3), predominou a necessidade de novas aprendizagens através de cursos, técnicas e teorias, citadas por 44% dos sujeitos, seguida do aperfeiçoamento das intervenções em crise (19%), da necessidade de amparo nos recursos territoriais extra-CAPS (19%), do trabalho com as famílias (17%), e a melhora do trabalho em equipe (12%).

Na avaliação do serviço que seu CAPS oferece aos usuários psicóticos, predominaram avaliações positivas, 48% julgando como bom e 17%, excelente. No entanto, 29% consideram o serviço regular, apontando para a existência de problemas no atendimento. O maior número de comentários sobre a avaliação relacionou-se à equipe reduzida (16%), à necessidade de melhoria técnica (13%) e à falta de recursos materiais e financeiros (13%). Nas avaliações positivas, emergiram a boa qualidade do serviço (13%), bons recursos terapêuticos (11%), boa evolução dos casos (8%) e bom trabalho em equipe (8%).

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi investigar a formação acadêmica e o percurso profissional, avaliações pessoais e institucionais, bem como as práticas dos psicólogos dos CAPS I, II e III de Santa Catarina - especificamente na atenção aos usuários com transtornos psicóticos. Apesar de a taxa de resposta ter sido satisfatória para conferir consistência aos dados recebidos, o número de não respondentes foi elevado (48%), revelando uma cultura ainda precária de pesquisa sobre práticas profissionais e avaliações dos trabalhos realizados. Num dos CAPS II do estado pesquisado, que contava então com cinco psicólogos, todos se recusaram a responder o questionário.

Os resultados revelaram um perfil profissional predominantemente feminino (90%), com carga horária de 40 horas semanais (52%) e vínculo empregatício estável (66% concursados). O perfil feminino se iguala ao de outros estudos de psicólogos de CAPS (Correia, 2007; Figueiredo e Rodrigues, 2004; Sales e Dimenstein, 2009a). Também foi averiguado um alto índice de atuação paralela em consultórios privados (40%), mostrando ainda os profissionais diretamente conectados à identidade de psicoterapeuta, decorrente de sua formação e das demandas e expectativas sociais pelo modelo liberal clássico de consultório privado (Figueiredo e Rodrigues, 2004; Vasconcelos, 2004). Além disso, 67% possuem mais de um local de trabalho, o que pode indicar sobrecarga de trabalho para alguns profissionais. O motivo dessa jornada extensa não foi explorado, mas pode estar ligada à qualidade da remuneração dos profissionais, já descrita como insuficiente em outros estudos (Guimarães et al., 2011; Sales e Dimenstein, 2009b).

Encontraram-se diferenças quanto à orientação teórica dos sujeitos entre este estudo e outras pesquisas, as quais apontaram a psicanalítica como predominante entre psicólogos da rede de saúde mental em outros estados (Ferreira, 2008; Figueiredo e Rodrigues, 2004; Sales e Dimenstein, 2009a, 2009b). A psicanálise também mostra grande enraizamento em Santa Catarina, mas divide seu espaço com a TCC, a Sistêmica e a Gestalt-terapia. O crescimento da TCC no estado pode aproximar a clínica dos CAPS de Santa Catarina a do contexto de práticas de reabilitação internacional, onde é utilizado de maneira substancial o modelo psicoeducativo (Guerra, 2004). No mais, a multiplicidade de sustentações ontológicas e técnicas - mais de 10 orientações - pode vir a enriquecer o trabalho e as discussões sobre uma clínica ainda em construção nos CAPS.

A avaliação de qualidade da formação de graduação para atuar nos Centros foi considerada boa (44%), seguida de regular (40%), o que mostra evolução positiva, no entanto, os dados ainda apontam para problemas na graduação com relação ao ensino da reabilitação psicossocial. Quanto à pós-graduação, sobressaiu a formação em psicologia clínica, seguida pela Saúde Mental, com apenas 17% dos psicólogos não possuindo nenhuma pós-graduação. Os resultados mostraram bom nível de qualificação acadêmica dos profissionais e sugerem que a pós vem suprindo uma lacuna de satisfação técnica para lidar com os desafios cotidianos da clínica psicossocial.

Avaliando sua formação relativa à instrumentalização para a clínica das psicoses, houve amplo predomínio da resposta "boa", reforçando o argumento de uma guinada positiva na formação do psicólogo, visto que, para dar conta da complexidade da atenção às psicoses, é necessária uma formação mais integrada, que direcione o pensamento e o planejamento para intervenções multiprofissionais em rede, considerando as relações dos sujeitos e os dispositivos comunitários que possam ser utilizados para auxiliá-lo na realização de laço social (Alves e Francisco, 2009).

Yasui (2010) entende a equipe como principal agente de produção de cuidados em saúde mental através da disponibilidade para construir vínculos, da pactuação de saberes na construção de um projeto em comum e do encontro de competências técnicas dos profissionais. Sobre a qualidade da relação com a equipe, os números foram positivos e podem estar relacionados com as avaliações globais satisfatórias dos serviços, visto que o cotidiano dos trabalhadores envolve, para além dos recursos materiais e financeiros, a necessidade de convivência colaborativa para o trabalho.

Como recurso metodológico para tratamento dos dados sobre a atuação profissional, as duas primeiras questões foram cindidas em duas categorias: clínica clássica e clínica ampliada ou psicossocial. A clínica clássica tem seu modelo centrado em ações individuais de avaliação psicodiagnóstica e psicoterapia, influenciada pelo modelo médico e pela clínica psicanalítica tradicional, com clientela foco nas classes médias e altas. Já a clínica ampliada ou psicossocial insere-se em meio às chamadas práticas emergentes em psicologia, amplamente diversificadas e em construção, com profissionais ligados a instituições públicas ou Organizações Não Governamentais, com clientela-demanda composta de classes menos favorecidas financeiramente (Ferreira, 2008).

No que diz respeito ao modelo de trabalho a ser feito pelos psicólogos no CAPS com usuários psicóticos, houve maioria ampla de citações às intervenções ampliadas, como as familiares (45%), as oficinas terapêuticas (43%), a reinserção social (40%), a grupoterapia (28%) e o trabalho multidisciplinar (28%). A intervenção clássica mais citada foi a psicoterapia individual (34%), seguida por outras práticas tradicionais da psicoterapia, mas também encampadas como importantes pela clínica psicossocial, como formação do vínculo (15%) e escuta qualificada (11%). Os dados confirmam a tendência já relatada por Ferreira (2008), que afirma estarem em marcha mudanças da clínica na direção de uma perspectiva mais ampliada: a atuação em rede, com dispositivos e profissionais diversos, bem como a percepção do sujeito como cidadão. Os resultados mostraram mudança da percepção sobre o papel do psicólogo na reabilitação das psicoses - com mistura do papel clássico da profissão com intervenções ampliadas.

No entanto, algumas propostas são discutíveis: o treino de habilidades sociais (6%) e a adaptação (4%) não acabam reproduzindo antigos modelos de práticas homogeneizantes e normatizadoras, onde o louco é visto como desviante e em necessidade de enquadramento no mundo dos normais? Ora, não se pode negar a importância da formação do laço social para a cidadania possível do usuário psicótico, mas o trabalho do CAPS também envolve uma dimensão política - auxiliar a população a ter uma postura mais tolerante frente às subjetividades diferenciadas dos sujeitos psicóticos.

No tocante às intervenções que implementam efetivamente, houve predomínio de citações de práticas psicossociais, apesar de a psicoterapia individual ter tido a mesma quantidade de referências (40%) do que as oficinas terapêuticas (40%). Destacam-se, no campo ampliado: o trabalho com as famílias, a grupoterapia e a articulação com a rede de apoio. Esses dados confirmam a tendência de ampliação de práticas na direção da estratégia psicossocial, fato que pode ser atribuído tanto para mudanças na formação acadêmica, quanto pela maior circulação entre os profissionais da iminência de uma nova clínica que seja resolutiva para o modelo aberto e comunitário em vigência (Mielke et al., 2009; Kantorski et al., 2009).

Um dos fatores que sustenta a perspectiva de avanço é o relato de que os profissionais estão se utilizando de diversas técnicas grupais. Quase metade dos sujeitos realiza oficinas terapêuticas, que contribuem para a ressocialização e a capacidade de melhora nos relacionamentos interpessoais, parte essencial da lógica de reconstrução de subjetividades através do coletivo, que é uma estratégia psicossocial (Azevedo e Miranda, 2011). Outro fator, o trabalho com as famílias, listado por vários, incide na alteração do modelo atomista de tratamento individual no qual apenas um dos elos das relações humanas necessita de mudança. Trabalha-se com sistemas familiares não apenas para utilizá-los na corresponsabilização e evitar a fragmentação do cuidado, mas para intervir diretamente na estigmatização do usuário e em possíveis disfuncionalidades na dinâmica familiar que tragam sofrimento para a pessoa e seu contexto (Duarte e Kantorski, 2011).

Um dos momentos mais críticos da atenção em saúde mental é o da crise, ruptura extrema com laços interpessoais e desestruturante psiquicamente, em geral resultando socialmente num alerta de periculosidade que precisa de hospitalização e controle. Na atenção psicossocial, os técnicos necessitam se responsabilizar pela crise e acolhê-la como garantia de direito à singularidade e à diferença (Willrich et al., 2011). Portanto, as respostas totalizando 75% de pessoas que se sentem capacitadas a acolher e manejar crises se mostram favoráveis ao avanço da reforma psiquiátrica nacional. Não obstante, um quarto dos profissionais se sente pouco preparado (25%), fator que pode auxiliar a fragilização dos serviços e reforçar os discursos manicomiais por internações compulsórias e policialização indiscriminada das crises.

Na autoavaliação sobre aspectos que necessitavam melhorar em suas atuações na reabilitação das psicoses, o tema das habilidades emergiu. A necessidade de novas competências através de capacitação bem como de aperfeiçoar as intervenções em crise demonstram lacunas na formação profissional. Destacou-se também a necessidade de amparo nos recursos territoriais extra-CAPS, o que mostra a percepção dos profissionais de que as psicoses necessitam de estratégias de ação dentro da proposta ampliada, envolvendo diversos setores e profissionais para dar conta da complexidade da reabilitação (Figueiró e Dimenstein, 2010).

O julgamento global dos CAPS mostrou predomínio de números positivos, assim como a avaliação específica. Os números globais mostraram um grau de satisfação com a qualidade de seus CAPS. Esse fato não pode ser correlacionado com pesquisas de efetividade do tratamento ou auxílios efetivos para a construção de uma cidadania possível a seus usuários. No entanto, pode sugerir que o processo de reforma vem se consolidando com certa qualidade no estado de Santa Catarina, reconhecido pelos psicólogos neste estudo. Tomasi et al. (2010), em estudo avaliativo sobre a efetividade do cuidado de CAPS de uma cidade do Rio Grande do Sul, mostraram que os CAPS estão cumprindo seu papel substitutivo aos hospitais psiquiátricos, apesar dos problemas organizacionais e de infraestrutura, tendo efeito positivo na redução da ocorrência de crises para todos os usuários e das internações hospitalares para usuários com sintomas mais severos.

Na apreciação do serviço aos usuários com transtornos psicóticos, as avaliações positivas totalizaram 65% das respostas, número este 8% menor do que o índice de satisfação com a avaliação global. Além disso, 29% julgam-no como regular, contra 21% na avaliação geral, e 6%, como péssimo, apontando para a existência de inconsistências e problemas no atendimento dos CAPS. A discrepância de dados significa que os pacientes reconhecidos como psicóticos têm um serviço pior do que os outros usuários? É possível que na responsabilização vinculada às situações de crises do tipo psicótica a demanda seja menor, ou a falta de recursos técnicos e materiais apontados imprimam piora ou mais dificuldade no cuidado, dependendo do tipo de situação que se apresente cotidianamente para os profissionais?

Os comentários sobre a avaliação fornecem indícios do que está sendo funcional e disfuncional na terapêutica dos serviços. Os maiores problemas apontados dizem respeito à falta de recursos humanos e materiais, à necessidade de capacitação e à melhora técnica dos funcionários, além das fragilidades na rede de saúde e intersetorial. Esses pontos já foram catalogados pela literatura anteriormente em diferentes cidades e regiões do Brasil e confundem-se com a fragilidade do SUS como um todo. São diversos locais em que ocorre sobrecarga de funções dos técnicos, impossibilitando-os de cumprir com suas tarefas propostas. Há escassez e má gestão de recursos financeiros e humanos, baixos salários, desconhecimento da legislação em saúde mental, dificuldades em expandir as práticas para fora dos serviços, bem como formação deficitária (Alverga e Dimenstein, 2006; Antunes e Queiroz, 2007; Guimarães et al., 2011; Jardim et al., 2009; Luzio e L'Abbate, 2009; Mondoni e Costa-Rosa, 2010; Nascimento e Galvanese, 2009; Olschowsky et al. 2009; Rezio e Oliveira, 2010).

Por outro lado, as avaliações positivas se referiram a uma boa qualidade do atendimento e do trabalho em equipe corroborando com os detalhes mencionados dos índices de avaliação positiva dos CAPS. As citações que versam sobre o comprometimento dos técnicos e a preocupação com a reinserção social se opõem às mesmas informações referidas nos problemas acima, mas em sentido contrário, indicando que existem desigualdades entre os locais e as equipes. Há transformação no cuidado e nas relações interpessoais em relação ao modelo asilar, com experiências de boas práticas de reabilitação, auxílio e orientação familiar. Percebe-se também capacidade para acolher crises, a prática do técnico de referência, a construção de projetos terapêuticos e um avanço na mudança das concepções de sofrimento psíquico. Surgiram também avaliações positivas dos usuários, que julgaram ser tratados respeitosa e afetivamente, com qualidade, além de sentirem-se valorizados por poder participar nas decisões sobre seu tratamento. Numa pesquisa que englobava CAPS de toda região Sul do Brasil, as equipes se mostraram bastante engajadas e comprometidas com o cotidiano da construção do processo de reforma (Campos e Soares, 2003; Mielke et al., 2009; Kantorski et al., 2009; Nunes et al., 2008; Onocko-Campos et al., 2009).

 

Considerações finais

Os resultados obtidos mostraram fatores em comum e diversificados em relação à literatura da área. Com relação aos parâmetros teóricos e técnicos para a atuação, os psicólogos dos CAPS de Santa Catarina mostraram abordagens teóricas diversificadas, sendo a Psicanálise não hegemônica, igualando-se à Cognitivo-Comportamental. Houve evolução no ensino de graduação para atuação em CAPS, mas ainda existem lacunas sendo preenchidas pela pós-graduação e por práticas cotidianas. Continua necessária uma evolução na formação universitária para o trabalho em saúde mental. Nessa direção, Amarante (2008) sugere algumas modificações: devem-se contemplar outros modelos de atenção, que abarquem experiências internacionais para que se avaliem diferentes pontos de vista sobre sistemas de atenção e redes; deve-se aprender a construir redes de atenção à saúde em geral, e deve-se atuar perante as famílias como agentes catalisadores e seres políticos. O ensino deve implicar os profissionais no auxílio da construção de usuários críticos. Outro fator educacional em saúde se encontra na formação continuada, e este estudo sugere um foco premente: o acolhimento às crises precisa ser aperfeiçoado, a fim de que o processo de mudança de eixo da reforma psiquiátrica, mudando dos hospitais para serviços comunitários, possa se aprofundar.

Este trabalho também mostrou resultados favoráveis sobre o trabalho em equipe, sendo um ponto positivo da atenção aos usuários do CAPS. No entanto, vale atentar para acontecimentos comuns na realidade dos serviços, nos quais se que mantêm um trabalho burocrático, reprodutor das hierarquizações tradicionais no campo da saúde com o saber médico no centro, sendo outras categorias relegadas ao plano secundário. Nesses locais, os trabalhos continuam compartimentalizados em salas individuais, com as agendas cheias de consultas, mantendo-se o psicólogo como realizador de consultas com longas listas de espera. Ainda é problemática a multiprofissionalidade que se apresenta como um somatório de forças diferentes, sem diálogo e cooperação mútua na construção de práticas em comum, que atravessem premissas estanques de formações voltadas ao modelo privado individualista de saúde (Yasui, 2010).

No que diz respeito às intervenções, as práticas evoluíram para um direcionamento ampliado, sendo mais diversificadas e menos focadas no atendimento psicoterapêutico individual. No momento, o avanço necessário se dá no maior foco nos processos externos ao CAPS, na produção de autonomia e desestigmatização através de ações mais efetivas de apoio ao trabalho e geração de renda, e de melhoras nos contatos com a rede intersetorial e de saúde. Nasi e Schneider (2011) reforçam essas ideias, atentando os CAPS para que, com ênfase nos usuários mais crônicos, se ofereçam caminhos para os sujeitos interagirem socialmente, mas que também possibilitem ao usuário não se tornar dependente do CAPS como seu único meio de socialização.

A avaliação sobre a qualidade dos CAPS também teve viés positivo, sendo considerados como instituições que prestam bons serviços. Indica, portanto, evolução dos serviços comunitários abertos nacionais. Tomasi et al. (2010) mostraram, em seu estudo, que os centros são estratégias efetivas e devem ser reforçados no âmbito do SUS, assim como Nasi e Schneider (2011) constataram que o atendimento no modo psicossocial, em especial nos CAPS, vem propiciando que os usuários se insiram socialmente, participem de diversas ações sociais que não aconteciam no modelo hospitalocêntrico. Alguns problemas recorrentes se mantêm, como a necessidade de melhora na gestão dos recursos financeiros e humanos, na valorização profissional, na fiscalização dos serviços, na qualificação técnica, no fortalecimento de redes de apoio comunitário e familiares e na articulação com a rede de saúde.

Algumas questões ficam em aberto neste estudo: Há justificativa para uma clínica diferenciada das psicoses se a inversão epistêmica erigida na reforma psiquiátrica propõe um olhar para o sujeito sem pensar a doença mental como uma entidade separada? Ao se olhar o sujeito em sua singularidade, justifica-se uma clínica da psicose para os CAPS? Ou os modos de sofrimento são diferenciados, e o diagnóstico, seja nosológico, seja fenomenológico ou psicanalítico, é necessário, sendo sustentáculo - em conjunto com outras variáveis psicossociais - para vias específicas de construção dos projetos terapêuticos singulares dos usuários?

Possíveis limitações deste estudo se referem ao fato de ele não incluir a voz de usuários, familiares e outros profissionais sobre a atuação e o papel dos psicólogos nos CAPS. Outra limitação acontece pela pesquisa não ter sido delineada para avaliar a efetividade das ações dos psicólogos. Os questionários fechados podem também carregar intrinsecamente a indução de respostas já esperadas pelos sujeitos de pesquisa, assim como estabelecer um campo possível destas que se relacionam à desejabilidade social, e que não necessariamente correspondem à prática cotidiana dos serviços. Além disso, os questionários não permitem o conhecimento mais aprofundado dos significados atribuídos aos conceitos apresentados, tendo sido estes explorados em fase qualitativa da pesquisa, cujos dados não foram apresentados neste artigo, devido às restrições metodológicas e de espaço hábil, mas que podem ser encontrados em Lara e Monteiro (2012). Sugerimos o possível uso deste estudo para auxiliar no planejamento das ações dos serviços e para os caminhos da formação em Psicologia e saúde mental no país e no estado de Santa Catarina.

 

Referências

ÁLVAREZ-JIMÉNEZ, M.; PARKER, A.G.; HETRICK, S.E.; MCGORRY, P.D.; GLEESON, J.F. 2011. Preventing the Second Episode: A Systematic Review and Meta-analysis of Psychosocial and Pharmacological Trials in First-Episode psychosis. Schizophrenia Bulletin, 37(3):619-630. http://dx.doi.org/10.1093/schbul/sbp129        [ Links ]

ALVERGA, A.R.; DIMENSTEIN, M. 2006. Psychiatric reform and the challenges posed by deinstitutionalization. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 10(20):299-316. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832006000200003        [ Links ]

ALVES, E.S.; FRANCISCO, A.L. 2009. Ação psicológica em saúde mental: uma abordagem psicossocial. Psicologia Ciência e Profissão, 29(4):768-779.         [ Links ]

AMARANTE, P. 2007. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 120 p.         [ Links ]

AMARANTE, P. 2008. Cultura da formação: reflexões para inovação no campo da saúde mental. In: P. AMARANTE; L.B. CRUZ (eds.), Saúde Mental, formação e crítica. Rio de Janeiro, LAPS, p. 6-20.         [ Links ]

ANTUNES, S.M.M.O.; QUEIROZ, M. S. 2007. A configuração da reforma psiquiátrica em contexto local no Brasil: uma análise qualitativa. Cadernos de Saúde Pública, 23(1):207-215. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007000100022        [ Links ]

AZEVEDO, D.M.; MIRANDA, F.A.N. 2011. Oficinas terapêuticas como instrumentos de Reabilitação Psicossocial: percepção de familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 15(2):339-345.         [ Links ]

BERLINCK, M.T.; MAGTAZ, A.C.; TEIXEIRA, M. 2008. A Reforma Psiquiátrica Brasileira: perspectivas e problemas. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 11(1):21-28. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142008000100003        [ Links ]

BORGES, C.F.; BAPTISTA, T.W.F. 2008. O modelo assistencial em saúde mental no Brasil: a trajetória da construção política de 1990 a 2004. Cadernos de Saúde Pública, 24(2):456-468. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200025        [ Links ]

CAMPOS, C.M.S.; SOARES, C.B. 2003. A produção de serviços de saúde mental: a concepção de trabalhadores. Ciência & Saúde Coletiva, 8(2):621-628. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232003000200022        [ Links ]

CASES, J.G.; GONZÁLEZ, A.R. 2010. Programas de Rehabilitación Psicosocial en la Atención Comunitaria a las Personas con Psicosis. Clínica y Salud, 21(3):319-332. http://dx.doi.org/10.5093/cl2010v21n3a8        [ Links ]

CORREIA, V.A.C. 2007. Cenários e Práticas dos Psicólogos nos Centros de Atenção Psicossocial de Santa Catarina. Itajaí, SC. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Itajai, 140 p.

COSTA-ROSA, A. 2000. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: P. AMARANTE (ed.), Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, p. 141-168.         [ Links ]

DÍAZ, N.E.; AVEZUELA, N.R.; MOLINER, M.G.; FRAILE, J.C.F.; GARCÍA-CABEZA, I. 2010. Psicoterapia de la Psicosis: De la Persona en Riesgo al Paciente Crónico. Clínica y Salud, 21(3):285-297. http://dx.doi.org/10.5093/cl2010v21n3a6        [ Links ]

DIXON, L.B.; DICKERSON, F.; BELLACK, A.S.; BENNETT, M.; DICKINSON, D.; GOLDBERG, R.W.; KREYENBUHL, J. 2010. The 2009 Schizophrenia PORT Psychosocial Treatment Recommendations and Summary Statements. Schizophrenia Bulletin, 36(1):48-70. http://dx.doi.org/10.1093/schbul/sbp115        [ Links ]

DUARTE, M.L.C.; KANTORSKI, L.P. 2011. Avaliação da atenção prestada aos familiares em um centro de atenção psicossocial. Revista Brasileira de Enfermagem, 64(1):47-52. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000100007        [ Links ]

ESCUDERO, A.P.; MOLINA, S.G.; CAMACHO, L.P.; GARCIA-CABEZA, I. 2010. Psicofarmacología de la Psicosis: Elección del Fármaco, Adherencia al Tratamiento y Nuevos Horizontes. Clinica y Salud, 21(3):271-283. http://dx.doi.org/10.5093/cl2010v21n3a5        [ Links ]

FERREIRA, J.L. 2008. Práticas Transversalizadas da Clínica em Saúde Mental. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(1):110-118. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000100014        [ Links ]

FIGUEIREDO, V.V.; RODRIGUES, M.M.P. 2004. Atuação dos Psicólogos nos CAPS do Espírito Santo. Psicologia em Estudo, 9:173-181. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722004000200004        [ Links ]

FIGUEIRÓ, R.A.; DIMENSTEIN, M. 2010. O cotidiano de usuários de CAPS: empoderamento ou captura? Fractal: Revista de Psicologia, 22(2):431-446.         [ Links ]

FLICK, U. 2004. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre, Bookman, 312 p.         [ Links ]

GARCÍA-CABEZA, I.; GONZÁLEZ DE CHÁVEZ, M. 2009. Therapeutic factors and insight in group therapy for outpatients diagnosed with schizophrenia. Psychosis, 1(2):134-144. http://dx.doi.org/10.1080/17522430902770058        [ Links ]

GIRÁLDEZ, S.L.; FERNÁNDEZ, O.V.; IGLESIAS, P; FERNÁNDEZ P.I.; PEDRERO, E.F.; PAINO, M. 2010. Bases Clínicas para un Nuevo Modelo de Atención a las Psicosis. Clínica y Salud, 21(3):299-318. http://dx.doi.org/10.5093/cl2010v21n3a7        [ Links ]

GUERRA, A.M.C. 2004. Reabilitação psicossocial no campo da reforma psiquiátrica: uma reflexão sobre o controverso conceito e seus possíveis paradigmas. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 7(2):83-96.         [ Links ]

GUIMARÃES, J.M.X.; JORGE, M.S.B.; ASSIS, M.M.A. 2011. (In)satisfação com o trabalho em saúde mental: um estudo em Centros de Atenção Psicossocial. Ciência & Saúde Coletiva, 16(4):2145-2154. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000400014        [ Links ]

JARDIM, V.M.R.; CARTANA, M.H.F; KANTORSKI, L.P.; QUEVEDO, A.L.A. 2009. Avaliação da política de saúde mental a partir dos projetos terapêuticos de centros de Atenção Psicossocial. Texto & Contexto Enfermagem, 18(2):241-248. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072009000200006        [ Links ]

KANTORSKI, L.P.; JARDIM, V.M.R.; WETZEL, C.; OLSCHOWSKY, A.; SCHNEIDER, J.F.; RESMINI, F.; HECK, R.M.; BIELEMANN, L.M.; SCHWARTZ, E.; COIMBRA, V.C.C.; LANGE, C.; SOUSA, A.S. 2009. Contribuições do estudo de avaliação dos centros de atenção psicossocial da região sul do Brasil. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 1(1):1-9.         [ Links ]

KYRILLOS, F. 2009. Reforma psiquiátrica e clínica da psicose: o enfoque da psicanálise. Aletheia, 30:39-49.         [ Links ]

LARA, G.A.; MONTEIRO, J.K. 2012. Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 64(3):76-93.         [ Links ]

LUZIO, C.A.; L'ABBATE, S. 2009. A atenção em Saúde Mental em municípios de pequeno e médio portes: ressonâncias da reforma psiquiátrica. Ciência & Saúde Coletiva, 14(1):105-116. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000100016        [ Links ]

MIELKE, F.B.; KANTORSKI, L.P.; JARDIM, V.M.R.; OLSCHOWSKY, A.; MACHADO, M.S. 2009. O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Ciência & Saúde Coletiva, 14(1):159-164. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000100021        [ Links ]

MONDONI, D.; COSTA-ROSA, A. 2010. Reforma Psiquiátrica e Transição Paradigmática no Interior do Estado de São Paulo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1):39-47.         [ Links ]

NASCIMENTO, A.F.; GALVANESE, A.T.C. 2009. Avaliação da estrutura dos centros de atenção psicossocial do município de São Paulo, SP. Revista de Saúde Pública, 43(1):8-15.         [ Links ]

NASI, C.; SCHNEIDER, J. 2011. O Centro de Atenção Psicossocial no cotidiano dos seus usuários. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 45(5):1157-1163. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000500018        [ Links ]

NUNES, M.; TORRENTÉ, M.; OTTONI, V.; MORAES NETO, V.; SANTANA, M. 2008. A dinâmica do cuidado em saúde mental: signos, significados e práticas de profissionais em um Centro de Assistência Psicossocial em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 24(1):188-196. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100019        [ Links ]

OLSCHOWSKY, A.; GLANZNER, C.H.; MIELKE F.B.; KANTORSKI, L.P.; WETZEL, C. 2009. Avaliação de um Centro de Atenção Psicossocial: a realidade em Foz do Iguaçu. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 43(4):781-787. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000400007        [ Links ]

ONOCKO-CAMPOS, R.T.; FURTADO, J.P.; PASSOS, E.; FERRER, A.L.; MIRANDA, L.; GAMA, C.A.P. 2009. Avaliação da rede de centros de atenção psicossocial: entre a saúde coletiva e a saúde mental. Revista de Saúde Pública, 43(1):6-22.         [ Links ]

REZIO, L.A.; OLIVEIRA, A.G.B. 2010. Equipes e condições de trabalho nos centros de atenção psicossocial em Mato Grosso. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 14(2):346-354. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452010000200019        [ Links ]

SALES, A.L.L.F.; DIMENSTEIN, M. 2009a. Psicólogos no processo de reforma psiquiátrica: práticas em desconstrução? Psicologia em Estudo, 14(2):277-285. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722009000200008        [ Links ]

SALES, A.L.L.F.; DIMENSTEIN, M. 2009b. Psicologia e modos de trabalho no contexto da reforma psiquiátrica. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(4):812-827.         [ Links ]

TOMASI, E.; FACCHINI, L.A.; PICCINI, R.X.; THUMÉ, E.; SILVA, E.R.; GONÇALVES, H.; SILVA, S.M. 2010. Efetividade dos Centros de Atenção Psicossocial no cuidado a portadores de sofrimento psíquico em cidade de porte médio do Sul do Brasil: uma análise estratificada. Cadernos de Saúde Pública, 26(4):807-815. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010000400022        [ Links ]

VASCONCELOS, E. 2004. Mundos paralelos, até quando? Os psicólogos e o campo da saúde mental pública no Brasil nas duas últimas décadas. Mnemosine, 1(0):73-90.         [ Links ]

VIEIRA FILHO, N.G.; ROSA, M.D. 2010. Inconsciente e Cotidiano na Prática da Atenção Psicossocial em Saúde Mental, Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1):49-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722010000100007        [ Links ]

VILLENEUVE, K.; POTVIN, S.; LESAGE, A.; NICOLE, L. 2010. Meta-analysis of rates of dropout from psychosocial treatment among persons with schizophrenia spectrum disorder. Schizophrenia Research, 121:266-270. http://dx.doi.org/10.1016/j.schres.2010.04.003        [ Links ]

WILLRICH, J.Q.; KANTORSKI, L.P.; CHIAVAGATTI, F.G.; CORTES, J.M.; PINHEIRO, G.W. 2011. Periculosidade versus cidadania: os sentidos da atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial. Physis Revista de Saúde Coletiva, 21(1):47-64.         [ Links ]

YASUI, S. 2010. Rupturas e Encontros: desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 192 p.         [ Links ]

YASUI, S.; COSTA-ROSA, A. 2008. A estratégia atenção psicossocial: desafio na prática dos novos serviços de saúde mental. Saúde em debate, 32:27-37.         [ Links ]

 

 

Submetido: 03/12/2013
Aceito: 18/04/2014

Creative Commons License