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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.1 São Leopoldo jun. 2014

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2014.71.10 

ARTIGOS

 

Doença renal crônica: vivência do paciente em tratamento de hemodiálise

 

Chronic renal patient: experience of hemodialysis treatment

 

 

Tânia Rudnicki

Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento. Rua Ramiro Barcelos 910, 90035-001, Porto Alegre, RS, Brasil. Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041, Lisboa, Portugal. tania.rudnicki@gmail.com

 

 


RESUMO

Apesar de todos os avanços tecnológicos nas últimas décadas, os pacientes renais precisam adaptar-se às mudanças emocionais e comportamentais decorrentes da doença renal crônica e de seu tratamento. A presente investigação tem por objetivo identificar o papel do tratamento de hemodiálise no dia a dia dos pacientes renais crônicos. Através da análise de entrevistas, encontraram-se sentimentos de ambivalência relacionados ao tratamento, sintomas depressivos e impotência, predominando o sentimento de dependência, conturbando as atividades diárias dos pacientes. Constata-se que alterações emocionais estão presentes, independentemente da etapa da doença, da idade e do sexo. Pode-se observar a influência do meio, a segurança e a estabilidade advindas da rede de apoio expressos pelos enfermos renais no que diz respeito à aceitação da doença e do tratamento; as características individuais próprias do processo de uma doença e de tratamento crônicos; e os sinais de revolta e aceitação encontrados nos enfermos, que se revelam necessários ao exercício adequado de adaptação e de adesão ao tratamento de hemodiálise.

Palavras-chave: doença renal, hemodiálise, alterações psicológicas.


ABSTRACT

Despite all technological advances in the last decades, kidney patients still need to adapt to emotional and behavioral changes due to chronic kidney disease and its treatment. This paper aims to identify the hemodialysis treatment role on chronic kidney patient's daily life. By means of interviews analyses, ambivalent feelings towards treatment were found as well as symptoms of depression and impotence with prevalence of dependence, which hinders patients' daily activities. Emotional alterations were found to be present, regardless of disease stage, age or gender. Other findings are: the influence of surroundings, with safety and stability stemming from the support network expressed by kidney patients regarding acceptance of the disease and treatment; individual characteristics as a part of the chronic disease treatment process; signs of rebellion and acceptance found in the diseased, which are shown to be a necessary part of the adaptation and adherence process of hemodialysis.

Keywords: renal disease, hemodialysis, psychological changes.


 

 

Introdução

Universalmente, uma doença é um fato que confronta o doente com várias e intensas emoções desde o seu início. Nos últimos anos, a doença crônica tem recebido grande atenção por parte de toda equipe de saúde e das instituições dedicadas ao tratamento e à pesquisa dessa condição humana. Muitos profissionais uniram-se em suas diferentes especialidades a fim de promover novas formas de cuidado e de assistência à pessoa com doença crônica, possibilitando-lhe melhor qualidade de vida (Casado et al., 2009; Andreoli e Nadaletto, 2012; Maragno et al., 2012).

Indivíduos que vivenciam enfermidades crônicas perdem vínculos e controle de sua onipotência. Entre essas perdas, mais comumente, está o sentimento de medo do futuro pela incapacidade de mudar seu rumo. No que concerne ao doente renal crônico em tratamento de hemodiálise, os estudos mostram (Rudnicki, 2007; Paes de Barros et al., 2011; Pupiales Guamán, 2012) que ele sofre desconexão com seu mundo, perde sentimentos de indestrutibilidade, perde a vontade de trabalhar e a plenitude de raciocínio.

A doença crônica se caracteriza como um estado patológico permanente, que produz alterações psicológicas irreversíveis e requer um processo longo de reabilitação, observação, controle e cuidados. Entende-se que a doença causa desarmonia, desencadeando ansiedades na vida de muitos dos indivíduos acometidos (Leyro et al., 2010). Já a doença renal crônica (DRC) se consiste em uma lesão renal com perda progressiva e irreversível da função dos rins, de maneira súbita ou crônica, independentemente da etiologia, provocando acúmulo de substâncias como a ureia e a creatinina, acompanhadas ou não da diminuição da diurese (Casado et al., 2009; Maragno et al., 2012).

Os rins são órgãos que exercem funções vitais, como a filtração do sangue e o equilíbrio hidroeletrolítico (Thomé, 2006), o controle da pressão arterial sistêmica e a sintetização de importantes hormônios (Cabral et al., 2012). São órgãos que têm a função de eliminar substâncias tóxicas do organismo através da urina. Além disso, participam da excreção de água e de sais minerais e do controle do pH do sangue. Quando o indivíduo é acometido por alguma doença crônica que leve à perda de suas funções, diz-se que há insuficiência renal crônica (IRC). Dentre as principais causas da doença estão a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus, as doenças renais e as uropatias, como infecções urinárias de repetição, obstruções e cálculos urinários (Thomé, 2006; Andreoli e Nadaletto, 2012; Maragno et al., 2012; Silva e Sousa Júnior, 2012).

Em sua fase mais avançada, denominada de fase terminal de insuficiência renal crônica, os rins não conseguem mais manter a normalidade do meio interno do paciente. Dessa forma, a DRC é definida como resultado de lesões renais irreversíveis e progressivas provocadas por problemas que tornam os rins incapazes de realizar suas funções. É reconhecida como um problema de saúde pública global e, assim como em outras doenças crônicas, como as cardiovasculares, infecciosas ou câncer, a presença da DRC está associada ao aumento dos riscos de complicações para essas patologias (Fermi, 2010; Bastos et al., 2010; Murugan e Kellum, 2011; Maragno et al., 2012).

As modalidades de tratamento da DRC para substituição parcial das funções renais são: a diálise, subdividida em hemodiálise e diálise peritoneal, mais o transplante renal. Esses tratamentos mantêm a vida, porém não curam a doença (Soldá et al., 2010; Maragno et al., 2012). Um dos principais e mais utilizados métodos de tratamento é a hemodiálise, processo terapêutico capaz de remover resíduos oriundos do metabolismo do organismo e corrigir as modificações do meio interno por meio da circulação do sangue em um equipamento projetado para esse fim. O método consiste na circulação extracorpórea de sangue em tubos ou compartimentos feitos de uma membrana semipermeável, sendo constantemente banhados por uma solução eletrolítica - solução de diálise ou banho, onde os condutores de energia se transformam ao serem colocadas na água. Durante o tratamento, o sangue flui, por tubos, para o dialisador; este filtra os resíduos e o excesso de líquidos; a seguir, o sangue flui por meio de outro tubo e volta para o organismo do paciente (Thomé, 2006; Terra et al., 2010). As vias de acesso utilizadas em hemodiálise são por cateter, fístula arteriovenosa e próteses (Fermi, 2010; Murugan e Kellum, 2011).

Estudos em doenças renais crônicas têm demonstra do a importância dos fatores étnicos, tais como a origem da família do paciente (Maragno et al., 2012); ambientais, como tipo de moradia (Araujo et al., 2009); socioeconômicos (Chan et al., 2011) e psíquicos, modulando a progressão da doença, suas complicações e o prognóstico (Kaptein et al., 2010). Os termos raça e etnia são muitas vezes encontrados em publicações da área médica, sendo que a definição de raça geralmente está baseada apenas em traços fenotípicos externos, particularmente cor de pele. De outra forma, etnia leva em consideração fatores não biológicos que caracterizam determinados grupos ou populações, incluindo música, religião e aspectos culturais transmitidos de geração a geração (Bastos et al., 2009).

Alguns pesquisadores têm focado na associação de fatores socioambientais, estresse, ansiedade e depressão com as doenças renais crônicas (Kaptein et al., 2010; Leyro et al., 2010; Coutinho e Tavares, 2011; Diniz et al., 2012; Pupiales Guamán, 2012), enquanto outros buscam medir adaptações fisiológicas e/ou psicológicas na doença crônica (Nifa e Rudnicki, 2010; Coutinho et al., 2010; Leiva-Santos et al., 2012). Numerosas variáveis psicológicas mostram sua influência no ajustamento à doença crônica, dentre elas ansiedade, depressão, raiva, incerteza, autoconceito negativo e resistência ao tratamento (Paes de Barros et al., 2011).

Com relação às complicações ocorridas durante a hemodiálise, estas alteram a qualidade de vida dos pacientes, que se veem afetados pela gravidade de intercorrências clínicas e/ou complicações paralelas como dor, câimbras, náuseas, vômitos, diarreia ou dispneia e também com a quantidade de medicação exigida para aliviar os sintomas. Poucos tratamentos são livres de efeitos colaterais, e os sintomas que eles induzem podem aumentar ou reduzir o potencial dos benefícios do tratamento (Terra et al., 2010; Maragno et al., 2012; Pupiales Guamán, 2012).

Pesquisas (Jerez Cevallos, 2012; Leiva-Santos et al., 2012) mostram preocupação na comparação entre os vários tipos de tratamentos dialíticos, que têm por finalidade substituir a filtração glomerular e melhorar o controle do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico. Esses estudos mostram aspectos psicossociais da diálise e dos transplantes acompanhando a evolução das abordagens de tratamento da doença renal (Rudnicki, 2006; Soldá et al., 2010; Coutinho e Tavares, 2011; Pupiales Guamán, 2012).

Para um enfermo em tratamento de hemodiálise, o planejamento de novas condições de vida é tarefa difícil que precisa necessariamente ser realizada por ele mesmo (Chan et al., 2011; Paes de Barros et al., 2011). É o doente que vivencia os processos de mudanças inflexíveis que iniciam na área biológica e passam ao campo psicológico e social (Araujo et al., 2009; Kaptein et al., 2010; Chan et al., 2011; Maragno et al., 2012; Pupiales Guamán, 2012).

Desde a década de 1960, a partir dos estudos de Kaplan De-Nour e Levy, os primeiros a se interessarem por uma forma interdisciplinar de atendimento ao doente renal, buscam-se formas adequadas de acompanhamento ao enfermo crônico, sempre caracterizando seu acolhimento junto à equipe de saúde. Dessa forma, justifica-se a realização deste estudo, pois, através das verbalizações, observam-se a influência do meio, a segurança e a estabilidade advindas da rede de apoio como motivos expressos pelos enfermos renais no que diz respeito à aceitação da doença e do tratamento. As características individuais dos enfermos são próprias do processo da doença e do tratamento crônicos; os sinais de revolta e aceitação encontrados nos enfermos revelam-se necessários ao exercício adequado de adaptação e de adesão ao tratamento de hemodiálise. Investigações continuam sendo necessárias, buscando alcançar alternativas terapêuticas que englobem os fatores psicológicos que promovam a atenção à saúde. Assim, o presente estudo tem por objetivo identificar o papel do tratamento de hemodiálise no dia a dia dos pacientes renais crônicos.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, com abordagem qualitativa, utilizando a entrevista psicossocial como instrumento, por se adaptar às variações individuais e de contexto (Clemente Días, 1992). Dentre as questões utilizadas na entrevista estão: O que é estar doente? O que é ser um paciente renal? O que é estar vivenciando um tratamento crônico de hemodiálise? Você se sente como doente? Como você se sente por estar doente? Você considera que ficou mais triste do que era antes da doença renal? Qual a sua percepção acerca de sua vida com a doença e o tratamento renal?

A pesquisa foi realizada numa Clínica de Hemodiálise na cidade de Porto Alegre, e todos os enfermos eram acompanhados por equipe multiprofissional. Do total de nove enfermos adultos em tratamento, quatro deles concordaram em participar da pesquisa. Os demais alegaram não se sentir dispostos a falar, mesmo reconhecendo a entrevistadora como membro da equipe que os recebeu ao iniciarem a terapia dialítica e que os acompanha durante o processo, além de reconhecerem a importância do estudo. Dessa forma, a seleção dos participantes foi por conveniência.

Não houve distinção de gênero, raça ou cor, no entanto, todos tinham idade superior a vinte e um anos. As entrevistas, com duração média de 90 minutos, foram realizadas durante as sessões de hemodiálise e cada participante foi identificado com um nome fictício visando assegurar seu anonimato. Os temas e subtemas emergiram através do conteúdo explicitado nas entrevistas de acompanhamento, sendo a análise procedida por dois avaliadores, ambos psicólogos da Clínica de Hemodiálise. A análise dos dados foi realizada através de uma decomposição do discurso dos pacientes e da identificação das unidades de análise visando à categorização dos fenômenos, a partir da qual se tornou possível a reconstrução dos significados que apresentam a compreensão da interpretação de realidade do grupo em estudo.

Os pacientes assinaram Termo de Consentimento (CEP-ULBRA 2005-054H.), as entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas. Para a análise dos resultados, optou-se por agrupar informações comuns observadas na fala dos participantes, sendo empregado o método proposto por Bardin (2009) em que, a partir da análise das verbalizações, se considera a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou conjunto de características em um determinado fragmento da mensagem. Nessa análise, o texto é um meio de expressão do sujeito, onde o pesquisador busca categorizar as unidades de texto (palavras ou frases) que se repetem, inferindo uma expressão que as representem (Bauer, 2002). A técnica de análise de conteúdo, conforme Bardin (2009), é composta por três grandes etapas: (i) a pré-análise; (ii) a exploração do material; (iii) o tratamento dos resultados e a interpretação. A primeira etapa é a fase de organização, que pode utilizar vários procedimentos, como a leitura flutuante, a formulação de hipóteses e objetivos, e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação. Na segunda etapa, os dados são codificados a partir das unidades de registro. Na última etapa, faz-se a classificação dos elementos segundo suas semelhanças e por diferenciação, com posterior reagrupamento, em função de características comuns. Portanto, a codificação e a categorização fazem parte da análise do conteúdo.

 

Resultados e discussão

Cada um dos participantes, três homens e uma mulher, com idades entre 38 e 67 anos, recebeu um nome fictício por preceitos éticos, visando manter a confidencialidade, os quais foram denominados de Pedro, Manoel, Maria e Jorge.

Pedro, 58 anos, casado, dois filhos e dois netos que são "alegria do meu viver", iniciou tratamento de hemodiálise há oito meses, decorrente de complicações da diabetes mellitus (DM). Tem perda de acuidade visual, devido à doença de base, e sempre apresentou problemas renais, como cálculos e infecções no trato urinário. Fala de uma boa relação com a esposa, dizendo que sempre foram "companheiros". Relata perda de uma irmã também com "problema renal e mesmo tratamento". Sua irmã morreu durante uma sessão de hemodiálise e, conforme ele, "durou pouco no tratamento, não levou nem um mês".

O segundo participante, Manoel, 53 anos, solteiro, estava há três meses em tratamento de hemodiálise. Possui três filhos adultos e estabelecidos. O problema renal teve início agudo a partir de sintomas de inchaço, dificuldade para urinar, dor no peito e vômitos. Foi encaminhado de sua cidade natal para capital com diagnóstico de leptospirose. Avaliado, foi diagnosticado com doença renal aguda além de ser portador de DM, doença de origem familiar materna, "sendo esta a causa da morte da minha mãe".

A única paciente de sexo feminino, Maria, tem 67 anos, casada há 47 anos, sofre de diabetes, sua doença de base "descoberta há quase 15 anos". Seu marido também sofre de outra doença crônica. Iniciou tratamento de hemodiálise há quatro meses. Apresenta problemas de visão decorrentes do DM, que "é a doença da família", e obesidade. Possui três filhos adultos, quatro netos, que, conforme ela, "são a minha única alegria na vida".

Por fim, o paciente Jorge, 38 anos, separado, tem uma filha pequena que vive com a mãe e com a qual tem "pouco contato". Desde sua separação, voltou a viver com seus pais. Descobriu ser hipertenso há dois anos e essa é sua doença de base. Em tratamento há três meses, não mostra adesão e/ou adaptação ao tratamento conforme a equipe, em função de suas faltas às sessões, a variabilidade do peso seco, sempre superior ao esperado, e pelo uso que faz de bebida alcoólica e maconha.

As categoriais e os conceitos norteadores apresentados anteriormente amparam a construção das categorias finais. A constituição final é formada por cinco categorias denominadas: "O paciente frente à doença; Um tratamento penoso: a hemodiálise; A morte e a espera de um transplante; Depressão, desesperança, perdas; Qualidade de vida: viver com qualidade", as quais são exploradas nesta seção. Foram construídas com intuito de respaldar as interpretações e inferir os resultados. As categorias finais representam a síntese do aparato das significações, identificadas no decorrer da análise dos dados do estudo. O Quadro 1 explana a formação das categorias finais.

Na área da nefrologia, as atenções das instituições de tratamento se voltam para a melhora da qualidade de vida do portador de DRC e não apenas para a extensão de sua vida. Isso se deve ao fato de o enfermo conviver com uma doença incurável que o obriga a submeter-se a um tratamento doloroso, de longa duração, que provoca muitas limitações (Andreoli e Nadaletto, 2012; Maragno et al., 2012). No ambiente de diálise, marcado pela especificidade do enfermo renal e pela complexidade de seu tratamento, não basta que os profissionais se preocupem apenas com recursos tecnológicos sofisticados ou com a adequação estrutural do serviço. Tornam-se fundamentais o resgate e a valorização do paciente como pessoa que tem uma forma de pensar, agir e sentir (Araujo et al., 2009; Bastos et al., 2010; Chan et al., 2011). Dessa forma, é necessário e importante auxiliar o enfermo a desenvolver uma imagem positiva, encontrar maneiras novas de viver dentro dos limites que a doença e o tratamento lhe impõem e desenvolver um estilo de vida que lhe permita assumir a responsabilidade por seu tratamento e sua vida, sendo de fundamental importância a colaboração dos familiares (Terra et al., 2010; Coutinho e Tavares, 2011).

A doença traz geralmente isolamento social, perda de emprego, dependência da Previdência Social, perda de lugar no contexto familiar, afastamento dos amigos, impossibilidade de passeios e viagens prolongadas em razão da periodicidade das sessões de hemodiálise, diminuição da atividade física, disfunção sexual, entre outros (Rudnicki, 2007; Kao et al., 2009; Terra et al., 2010; Vanelli e Freitas, 2011). Além disso, o enfermo ainda estabelece uma relação de dependência com a máquina e com a equipe, incluindo a obrigatoriedade de aceitar e assumir um esquema terapêutico rigoroso para manutenção da sua vida.

O paciente frente à doença

O impacto psicossocial de uma enfermidade crônica, como a fase final da doença renal, é intenso e merece atenção enquanto fator estressor. Através das verbalizações dos participantes, os aspectos se tornam relevantes na medida em que nos indicam sua experiência, seus vínculos e sua relação com a doença e o tratamento. No que concerne à vivência, mostram sentimentos ambivalentes em relação à doença e ao tratamento. Sentem-se limitados e incomodados por serem dependentes (Terra et al., 2010; Pupiales Guamán, 2012).

Os pacientes mostraram insatisfação em relação ao tratamento, tendo em vista que não recupera o funcionamento renal, entendendo-o como um prolongamento da vida. Jorge relata: "[...] não me cuidei antes, agora já não adianta mais nada, nem esse tratamento". Pedro, por sua vez, revela: "[...] não consigo mais caminhar, não sirvo para mais nada e a hemodiálise não serve para fazer voltar o rim a funcionar". Os enfermos referem que a razão para esses sentimentos se deve a suas preocupações do período prévio ao diagnóstico. A expressão das emoções e o envolvimento afetivo são elementos que se encontram na literatura sobre o tema (Barbosa e Valadares, 2009b; Pupiales Guamán, 2012).

É uma enfermidade que traz prejuízos psicológicos, além de consequências físicas ao indivíduo que a vivencia, alterando seu cotidiano. Também é caracterizada como problema social e econômico, que interfere no papel que o próprio enfermo desempenha na sociedade (Araujo et al., 2009; Kao et al., 2009; Bellomo et al., 2012). Assim sendo, é estabelecido um longo processo de adaptação a essa nova condição, em que o indivíduo precisa identificar meios para lidar com o problema renal e com todas as mudanças e limitações que o acompanham (Bertolin et al., 2011).

Quando administrada por pessoal competente e com os recursos técnicos indispensáveis, a hemodiálise é um processo terapêutico praticamente isento de riscos para a vida do paciente (Sgnaolin e Figueiredo, 2012). Todavia, algumas complicações podem ocorrer, mesmo quando o tratamento é realizado com a melhor técnica, sendo o tratamento entendido como fator estressor. Nos últimos anos, a partir dos avanços tecnológicos, o tratamento hemodialítico tornou-se um procedimento mais sólido e capaz de manter a vida dos pacientes por longos períodos (Terra et al., 2010; Bastos et al., 2010; Andreoli e Nadaletto, 2012).

O modo como cada paciente vivencia a mesma situação é pessoal e o desenvolvimento de habilidades cognitivas para o enfrentamento é um processo mental particular, em que cada um possui diferentes níveis de capacidade para enfrentar ou responder a esse estressor (Barbosa e Valadares, 2009b). A vivência da nova realidade experimentada permite que o paciente atribua seus próprios significados à doença e ao tratamento (Rudnicki, 2006). Ao serem questionados sobre o modo como suas experiências em relação à doença e ao tratamento os marcaram, suas respostas mostraram consenso em relação a referências e valores - vida e morte, viver com qualidade, sentimento de frustração e perda com a doença e com o tratamento.

Na análise da entrevista de Pedro, observamos toda a sua tristeza frente à doença e a consequente dependência que causa: "[...] viver deste modo é triste, não se tem outra opção, se isso aqui fizesse o rim funcionar novamente... É um sofrimento, infelizmente dependo disto para viver". Da mesma forma, Manoel ao revelar que: "[...] vivo dentro de casa, não posso ir onde gosto... meu dia a dia é péssimo, cada dia que passa me sinto mais limitado, dependente dos outros... faço menos coisas do que gostaria de fazer". Para a paciente Maria: "[...] a dor maior é a de me sentir inútil, só faço hemo porque penso nos filhos, nos netos, no velho que precisa de mim, senão já teria desistido". Para Jorge, a doença e o tratamento são: "[...] uma prisão sem condicional". As verbalizações refletem que apesar dos avanços no tratamento, isso não significa que estão vivendo bem tendo em vista as limitações impostas tanto pela doença em si quanto pelo aspecto emocional vinculado a ela (Coutinho et al., 2010).

As expressões produzidas, as frases significativas, o tom de voz, os sorrisos e as lágrimas dos participantes revelam uma mistura de alegria e de revolta por estarem vivos. Sentem-se limitados e dependentes da equipe, da família, da máquina, mostrando sentimentos ambivalentes em relação ao tratamento. Sua insatisfação, tendo em vista que esse não vai curar sua doença, sendo entendido como um prolongamento inútil da vida, revelando sentimentos de incapacidade, depressão e raiva frente à doença e ao tratamento crônicos (Rudnicki, 2006; Paes de Barros et al., 2011). Os limites impostos pela terapia hemodialítica podem levar os pacientes a enxergar a rotina de seu tratamento de forma negativa, já que comprometem a execução de atividades diárias, impactando especialmente em atividades de trabalho, incluindo o doméstico. Quanto aos fatores psicológicos, na sua maioria, os pacientes referem o sentimento de incapacidade frente à doença e à vida em geral, demostrando raiva e culpa. Existe um grande número de medidas potenciais que pode ser estudado em relação à doença e ao tratamento renal, incluindo a sobrevida, a adequação da adesão à diálise e à dieta, os sintomas depressivos (Barbosa e Valadares, 2009a; Jerez Cevallos, 2012).

O paciente mais novo em termos de idade cronológica verbaliza mais enfaticamente a grande revolta em relação à doença e ao tratamento pelas limitações impostas. "[...] minha vida está difícil, estou bastante revoltado... acho que estou até ficando louco... qual minha perspectiva de futuro agora... tenho de depender desta droga aqui...". Maria, por sua vez, revela seus sentimentos projetados diretamente no esposo: "[...] vejo o velho se queixando de doente, que está sentindo isto e aquilo... ofereci se ele queria trocar de lugar comigo". A qualidade de vida desses pacientes é afetada pela gravidade de sintomas, como as câimbras musculares, náuseas, vômitos, espasmos, inquietação, demência, reações alérgicas, e por intercorrências clínicas ou complicações paralelas como dor, dispneia e pela elevada quantidade de medicação utilizada para alívio dessa sintomatologia. Poucos tratamentos são livres de efeitos colaterais e os sintomas induzidos por esses efeitos podem aumentar ou reduzir o potencial benefício do tratamento (Terra et al., 2010).

Diante disso, a doença pode ser vista como uma intercorrência estressora, seu impacto pode surgir a qualquer tempo e permanecer, alterando o processo de ser saudável de indivíduos ou de grupos (Barbosa e Valadares, 2009b; Chan et al., 2011; Jerez Cevallos, 2012). O dependente de hemodiálise vivencia uma repentina mudança no seu cotidiano, e o modo pelo qual enfrentará a situação é pessoal. A forma como percebe a doença e a importância desta no tratamento, o inter-relacionamento familiar e a sua situação social são fundamentais para um adequado entendimento do paciente renal.

Um tratamento penoso: a hemodiálise

A gama de assuntos psicossociais que é encontrada na prática psicológica clínica em uma unidade renal é bastante numerosa, entre elas, a depressão e a ansiedade. Os participantes mostraram seu jeito de agir, suas atitudes frente à percepção de suas emoções e a tentativa errônea de controlar a doença. Essas atitudes não surpreendem. Pelas verbalizações e pela conduta, dados da história de vida, os entrevistados mostram o boicote, comum entre os pacientes renais, através de frequentes faltas, não seguimento das restrições hídricas e alimentares, além do uso abusivo de bebida alcoólica e drogas ilícitas, como no caso do paciente Jorge. Usam a técnica de negação (Rudnicki, 2006; Barbosa e Valladares, 2009b), bastante comum entre eles, como modo de enfrentar o diagnóstico e o tratamento de uma doença crônica.

São pacientes que precisam conviver com um número significativo de fármacos e de restrições que afetam seu funcionamento fisiológico e psicológico, como Jorge nos revela: "[...] falto muitas vezes, se não estou com vontade, não venho...". Pedro diz: "[...] no início, não aceitei, não quis fazer hemo e fui parar na UTI". Manoel, por sua vez, relata: "[...] levava uma vida normal, trabalhava, agora estou limitado pela cegueira [...]". Maria diz: "[...] temos que conseguir, mesmo que seja com sofrimento e dor... não queria fazer hemo, mas aos poucos acabo vindo... tenho que ter força e não desanimar... a hemo é um vício, quando percebo já estou aqui sentada nesta cadeira".

Maria refere que "[...] isto é uma prova de Deus, meu marido sempre me incomodou muito... me fez sofrer. Hoje tenho a cabeça boa, a dele não funciona, ele tem o corpo bom, e o meu não presta para mais nada. Dou graças a Deus, a gente se complementa". Tendo em vista as dificuldades que se apresentam com a doença e seu tratamento, associadas ao fato das perdas e dos cuidados, exigências do tratamento e da própria doença, a resposta diária transmite sentimento de grande desconforto pessoal (Terra et al., 2010; Murugan e Kellum, 2011; Sgnaolin e Figueiredo, 2012). Em geral, os relatos seguem o esquema do quão penoso é o tratamento, a percepção do sofrimento, tornando alguns deles mais capazes de relativizar seus problemas, comparados com o que visualizam ao seu redor. Manoel revela: "Nunca gostei, ninguém gosta, mas não se tem alternativa". O paciente Jorge diz que "este tratamento é como um suplício". Pedro compara o tratamento como quando "tinha medo do mar, fui entrando aos poucos, até perder o medo". Continua ele revelando sua ambivalência frente ao tratamento: "[...] agora estou vivo de novo, depois da hemo tudo voltou ao que era, quer dizer, em parte... tem dias que tu sai meio ruim". Maria, por sua vez, revela: "[...] isto aqui dói muito, mas a gente leva. Dói tudo, as pernas, o braço da fístula, o peito, a sensação de ser inútil, de estar acabada, os pesadelos seguidos que não me deixam dormir... eu tenho uma dor no ouvido esquerdo, um ruído, como se o sangue estivesse correndo. Ele aumenta quando estou sozinha, principalmente à noite, então escuto rádio, procuro conversar, parece que alivia, é uma sensação ruim. Minha vida aqui é artificial, às vezes não tenho vontade de vir, fico pensando se vale à pena viver assim". Aqui, pode-se observar o enfrentamento e a negação da realidade vivida.

Os sentimentos e os comportamentos de revolta com o tratamento ou perda do estímulo à manutenção do equilíbrio são experimentados. Nesse contexto, os pacientes passam então a enxergar o tratamento como tortura e perda de tempo por não verem uma forma eficaz em direção à cura. O paciente dependente de hemodiálise enfrenta no dia a dia o processo saúde e doença, considerando atitudes, comportamentos e práticas (Barbosa e Valadares, 2009b). Todos pacientes têm necessidades, além da sessão dialítica, como consultas médicas, realização de exames, restrições hídricas e alimentares, definições de atividades rotineiras e ocupacionais e dependência de um suporte para atender suas necessidades. É inevitável que tudo isso desestruture a vida do paciente contribuindo para a diminuição de sua qualidade de vida e para o aumento da propensão à sintomatologia depressiva (Barbosa e Valadares, 2009b; Bertolin et al., 2011).

Entre as doenças crônicas, a associação positiva é mostrada através da satisfação na vida, de contatos sociais, de relacionamentos familiares e do casamento. Manoel, com relação ao tratamento, diz que "do pouco que conheço está bem para mim. Acho isso inútil, têm pessoas aqui com mais de dez anos, sem resultado melhor, estão nas mesmas condições que eu que comecei agora. Isso aqui precisa ser aprimorado, algo está falhando, a pessoa toma muito remédio, se trata para ficar bem, ficar bom, aqui não adianta. Se não fosse pela família eu nem sei como eu estaria, apesar de sentir que os atrapalho". Jorge revela seu sentimento frente à doença e ao tratamento de modo contundente: "[...] é inútil, vamos ficar assim até o fim, até morrer". Suas verbalizações revelam, de algum modo, o quanto se tornaram e se sentem pessoas diferentes por terem uma doença crônica e realizar tratamento de hemodiálise, percebendo-se como pessoas que precisam de cuidados de outros seres humanos, sejam suas famílias ou os profissionais de saúde a sua volta. Na área do tratamento renal, o apoio social contribui para o positivo ajustamento e desenvolvimento pessoal e fornece uma proteção contra os efeitos do estresse frente à doença e ao tratamento (Bertolin et al., 2011).

Depressão, desesperança, perdas

Sintomas depressivos são comuns entre pacientes em tratamento hemodialítico. Na maioria das vezes, a depressão não é a doença principal, sendo normalmente relacionada com desordens e ajustes ao tratamento crônico (Macuglia et al., 2010). Os quadros clínicos mais frequentes entre pacientes com DRC são os transtornos de humor, de ansiedade, adaptativos, sexuais e cognitivos (Macuglia et al., 2010; Paes de Barros et al., 2011).

Uma significativa proporção de sintomas depressivos está relacionada a problemas diretamente associados ao fracasso renal. Nesse sentido, Manoel refere: "[...] tive até vontade de me matar, não é fácil ir perdendo tudo que tem e como era". As relações estabelecidas entre paciente-equipe são fatores potencialmente poderosos que influenciam o ajuste do paciente na diálise, sendo importante o auxílio terapêutico de apoio na sintomatologia depressiva. A depressão simplesmente pode ser um marcador de severidade subjacente da doença orgânica. Alternativamente, os pacientes em depressão podem modificar fatores fisiológicos como: função imunológica, fatores nutricionais, complacência com o tratamento ou dinâmica de família que poderiam afetar o curso de doença (Macuglia et al., 2010; Araujo et al., 2009).

As questões referentes aos aspectos depressivos revelam-se através das verbalizações, dúvidas e queixas relacionadas aos riscos representados pela doença e pelo tratamento. O paciente Manoel revela que: "[...] tem que ter muita força de vontade para não se deixar levar pelas dificuldades". Jorge, por sua vez, diz: "[...] isto aqui é um sofrimento só, infelizmente tu ainda depende da máquina e destas pessoas. Estou cheio de problemas, não aguento mais". A paciente Maria questiona: "[...] com tudo isso aqui, como se faz para não entrar em depressão?". Já Pedro conta que: "[...] tem dia que a gente sai daqui com tontura, pressão alta, câimbra. As reações que isso aqui dá são horríveis e eu acho que estar aqui é péssimo, sou muito infeliz".

A busca pela adaptação a uma doença crônica é um processo complexo, envolvendo vários fatores que irão influenciar a resposta e o posterior nível de adaptação. A paciente Maria revela que tem um "barulho no ouvido direito, o mesmo que faz a máquina... uma dor, uma coisa chata nos ouvidos... na verdade é um barulho que não para nunca, ele só alivia quando estou distraída com alguma coisa. Tudo isto me incomoda, mas aos poucos começo a ver que tem de ser assim". Manoel conta que: "[...] saía, passeava, queria que continuasse assim, não dá mais". Jorge revela que: "[...] me sinto horrível, o cabelo todo arrepiado, estou feio, cansado, amarelo, abatido...". A sensação expressa pelos participantes reflete os sentimentos ambivalentes, mostram assim que ainda estão vivos, necessitam afirmar-se como pessoas, seres humanos com vida. A qualidade de vida do doente está diretamente ligada ao modo como processa cognitivamente a doença e suas consequências (Coutinho et al., 2010; Coutinho e Tavares, 2011; Diniz et al., 2012). A diálise não cura a doença renal. A sobrecarga, e a extensão da doença e do tratamento causam frustração e interferem na vida do doente, repercutindo por meio do sentimento de inutilidade, desvalorização, depressão e a sensação de ser um fardo para a família.

A morte e a espera de um transplante

A tentativa de controle das emoções e o medo da morte estão presentes nos quatro participantes. Defrontar-se com a doença e os sentimentos aversivos, tendo o medo da morte como emoção dominante, sem que o sujeito possa encontrar uma "saída", tem como consequências transtornos de humor, ansiedade, angústias, desafetos (Andersen et al., 2009; Leiva-Santos et al., 2012). A paciente Maria revela que: "[...] hoje não estou bem, estive no Hospital neste fim de semana, passei mal. Nem quero falar, pensei que ia morrer... me assustei...". A partir desses quadros psíquicos, pode instalar-se o desamparo, condição emocional que é a base para a reação depressiva. Esse é um quadro perigoso, um estado psicológico que destrói a motivação, retardando a capacidade de o doente desenvolver estratégias de enfrentamento (Andersen et al., 2009; Camargo et al., 2011; Persch e Dani, 2013).

O transplante renal se apresenta como a melhor alternativa às limitações impostas pelo tratamento de diálise, sendo realizado intervivos (um paciente doa um de seus rins para o outro), ou sendo o órgão proveniente de doadores cadáveres, indivíduos diagnosticados com morte encefálica em que órgãos saudáveis são retirados e transplantados em outros pacientes (Soldá et al., 2010; Camargo et al., 2011; Silva e Souza Junior, 2012). A realização de um transplante é difícil, tendo em vista a longa espera por uma doação, além de um número grande de pacientes ainda experimentar rejeição do órgão, voltando à hemodiálise. A literatura (Ravagnani et al., 2007; Camargo et al., 2011) indica que, para a maioria dos pacientes, o transplante oferece melhores possibilidades de reabilitação, diminuição de restrições e menor custo social, melhoria da qualidade de vida, incremento da capacidade funcional, redução da dor, melhoria do estado geral de saúde, resgate de expectativas e planejamentos, maior integração social e maior força de trabalho. Entretanto, apesar de o transplante renal trazer esperança de uma vida próxima à normalidade, o processo de preparação para a cirurgia é, muitas vezes, demorado, pois envolve uma série de avaliações médicas, cirúrgicas e psicossociais dos candidatos a receptor e a doador (Camargo et al., 2011; Silva e Souza Junior, 2012).

O participante Jorge diz que: "[...] eu era alguém na vida, era normal, vivia igual aos outros, tinha saúde, quando não era doente renal que faz hemodiálise... fazer transplante está fora de cogitação, não gosto de pedir nada para família, não quero dever nada para eles". Manoel refere que "[...] não tenho mais lazer, posso perder a visão total, não posso me arriscar com um transplante. Quem está aqui geralmente se enterra, já perdi amigo e um parente aqui, meu amigo ficou cinco ou seis anos e a minha irmã foi jogo rápido". O suporte emocional é necessário para identificar riscos frente ao estresse pela enfermidade e a adaptação precária ao tratamento como meio de ajuda na motivação desses pacientes para alcançarem adequada reabilitação e participação no tratamento terapêutico (Coutinho et al., 2010; Jerez Cevallos, 2012).

Qualidade de vida: viver com qualidade

A percepção dos participantes sobre sua qualidade de vida é tema que se tornou foco de muitos debates e pesquisas há alguns anos (Vanelli e Freitas, 2011; Leiva-Santos et al., 2012; Pupiales Guamán, 2012), com uma explosão virtual de artigos de pesquisa, textos e de várias notícias, sendo ilimitado o interesse entre profissionais de saúde. Uma maior compreensão do conceito de qualidade de vida e sua interação com saúde pode ajudar pacientes e equipe a enfrentar a doença renal para fazerem melhores escolhas em termos de plano de vida ou opções de tratamento, conforme as circunstâncias de cada um (Barbosa e Valadares, 2009b; Jerez Cevallos, 2012). Embora claramente entendido, preparar o enfermo para a sua trajetória da doença renal dependerá da fase desenvolvimental em que se encontra, pois cada paciente terá um modo de seguir seu caminho. Esse tema pode ser observado através do relato de Manoel: "[...] não posso me queixar, dentro das minhas limitações, do meu tratamento, do meu sofrimento, estou vivendo bem, tenho casa, carro, filhos e se eu puder ajudar, ajudo... não me aposentei mal, minha mulher também trabalha, fico até bem perto dos outros... minha qualidade de vida é boa, dentro das minhas limitações". Pedro contribui: "Com o início da hemo ganhei novos amigos. Esta turma de loucos aqui, até cresceu meu número de amigos. Eu os aturo e eles me aturam. Eu me sinto de bem com a vida, apesar da doença e do tratamento, penso muito em Deus. As minhas limitações são passear no parque, ir ao cinema, nisso eu dependo de outra pessoa".

Na doença crônica, muitas vezes, pode constituir erro tentar fazer a religação do doente com seu mundo anterior (Campos e Turato, 2012). A realidade de sua doença e o impacto físico e social de seu tratamento, muitas vezes, não pode ser superada. Estudo de Mallik e Gokal, da década de 1990, mostra que é possível reduzir o impacto negativo da doença na qualidade de vida das pessoas com doença crônica por meio da modificação de variáveis como estilo de vida e o modo como a pessoa enfrenta sua doença e o tratamento (coping), incluindo a experiência da espiritualidade (Coutinho e Tavares, 2011; Jerez Cevallos, 2012). As variáveis cognitivas, comportamentais e emocionais que se aplicam à promoção da saúde e à prevenção das doenças são semelhantes às que melhoram a qualidade de vida de pessoas com doença crônica (Vanelli e Freitas, 2011; Coutinho et al., 2010).

Pedro explica: "Qualidade de vida é viver bem, comer bem, pessoa que é pobre não tem qualidade de vida. No meu poder aquisitivo eu tenho, no meu viver o que é qualidade é como estou, vivo rindo, conversando, brincando me dou bem com todos. A própria convivência já deixa as pessoas amigas. A gente chega de bando, já no carro se conta como foi o final de semana, o que fez...".

O mundo novo do renal crônico existe e busca nele a permissão de constituir um sentimento pertencente a si próprio, o mais adequado possível às novas circunstâncias (Campos e Turato, 2012; Vanelli e Freitas, 2011). A dissolução da personalidade social muitas vezes é elemento básico no sofrimento da pessoa doente (Leiva-Santos et al., 2012). Ele pode, muitas vezes, adaptar-se à dor crônica, à fraqueza, à instabilidade física, ou a outros sintomas, sem, contudo, achar que está sofrendo.

 

Considerações finais

A condição de paciente renal crônico dependente de tratamento hemodialítico é complexa, visto que, a adaptação é um fator preponderante para o tratamento, pois implica várias mudanças no dia a dia desses indivíduos e de seus familiares. Sendo assim:

• A influência do meio, a segurança e a estabilidade advindas da rede de apoio foram motivos expressos pelos enfermos renais no que diz respeito à aceitação da doença e do tratamento.

• Os sinais de revolta e de aceitação encontrados nos enfermos revelam-se necessários ao exercício adequado de adaptação e de adesão ao tratamento de hemodiálise.

Certamente, não nos encontramos no marco zero em relação às questões relacionadas ao doente renal, pois já ocorreram avanços significativos no conhecimento. A evolução futura do campo da saúde em geral dependerá da capacidade que revelarem as várias especialidades para uma conjugação de esforços que permita, através de novas sínteses mais criativas, compreenderem melhor a pessoa confrontada com o sofrimento da doença crônica.

Não se pretende trazer conclusões definitivas. Considera-se importante a continuidade deste estudo no acompanhamento de pacientes renais em tratamento de hemodiálise, desde o tratamento conservador até sua entrada e sua continuidade na hemodiálise, pesquisando o sucesso e a adesão ao tratamento.

 

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Submetido: 02/05/2013
Aceito: 26/03/2014

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