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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.2 São Leopoldo Dec. 2014

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2014.72.08 

ARTIGOS

 

Avaliação de processo de uma tecnologia social de capacitação profissional para psicólogos que atendem casos de violência sexual

 

Process evaluation of a social technology of professional training for psychologists handling cases of sexual violence

 

 

Bruno Figueiredo DamásioI; Luísa Fernanda HabigzangII; Clarissa Pinto Pizarro de FreitasIII; Sílvia Helena KollerIII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. Av. Pasteur, Praia Vermelha, 22290-902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.brunofd.psi@gmail.com
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 924, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. habigzang.luisa@gmail.com
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600/104, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil.freitas.cpp@gmail.com, silvia.koller@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste estudo, foi avaliado o processo de uma tecnologia social de capacitação profissional (TSCP) em grupoterapia cognitivo-comportamental voltada a profissionais da Psicologia que atendem crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A amostra foi composta por 28 profissionais de psicologia, oriundos de 19 municípios do Rio Grande do Sul, Brasil. Os participantes responderam a um questionário de dados sociodemográficos e a fichas de avaliação da capacitação. Os resultados demonstraram um nível elevado de satisfação com o programa. Sugestões e comentários adicionais bem como opiniões sobre os aspectos mais positivos e mais negativos da capacitação forneceram subsídios para qualificação de edições futuras. Espera-se que os resultados apresentados favoreçam o desenvolvimento de novas capacitações profissionais voltada à demanda da violência sexual.

Palavras-chave: capacitação profissional, violência sexual, grupoterapia cognitivo-comportamental.


ABSTRACT

In this study the process of a social technology of professional training in cognitive-behavioral group therapy offered to psychologists who handle cases of sexual abuse was evaluated. The sample was composed of 28 psychologists from 19 municipalities in Rio Grande do Sul State, Brazil. The participants responded a bio-social-demographic questionnaire and evaluative protocols about the training program. The results demonstrated a high level of satisfaction with the program. Suggestions and additional comments as well as opinions about the most positive and negative aspects of the training program offered subsidies to the qualification of future editions of the same training program. We expect that the results presented in this paper encourage the development of new professional training programs dedicated to the sexual abuse issue.

Keywords: professional training, sexual violence, cognitive-behavioral group therapy.


 

 

A violência sexual contra crianças e adolescentes vem sendo considerada, em diversos países, como um problema de saúde pública devido à sua alta prevalência e às graves consequências para o desenvolvimento das vítimas (World Health Organization, 2006). A complexidade dos casos de violência sexual, a alta demanda existente bem como as consequências cognitivo-emocionais oriundas dos episódios de violência exigem uma atuação responsável, primando pela proteção e pelo bem-estar das vítimas.

No Brasil, ainda há um forte despreparo profissional para lidar com esse fenômeno. Entre os anos de 1986 e 1987, uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) informou que, em uma amostra brasileira de 2.448 profissionais da Psicologia, 95% afirmaram precisar de formação complementar para atuar de maneira eficaz na área clínica (Bastos e Gomide, 1989). Dados mais recentes apontam que, dentre os profissionais de Psicologia atuantes no Centro de Referência Especializado de Assistência Social do Estado do Rio Grande do Sul (CREAS-RS), 68% declararam ter pós-graduação; 18% mestrado, e 5% doutorado (Conselho Federal de Psicologia, 2009). No que se refere aos profissionais inseridos no Serviço de Enfrentamento à Violência Sexual, um número significativo (77%) possui algum tipo de especialização na área. Apesar disso, um terço desses participantes afirmou que deficiências em suas formações comprometiam sua atuação, e que estes não se sentiam preparados para agir diante dos casos de violência sexual e operar adequadamente as políticas públicas (Conselho Federal de Psicologia, 2009). Assim, a necessidade de qualificação profissional é ainda existente, principalmente quando se trata de temas delicados e complexos.

Tendo em vista esse panorama, uma tecnologia social de capacitação profissional (TSCP) para intervenção psicológica com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual foi desenvolvida com o objetivo de capacitar profissionais de Psicologia que atuam no acompanhamento desses casos em órgãos públicos de proteção aos direitos infanto-juvenis no Estado do Rio Grande do Sul (para maiores detalhes sobre a estrutura desta TSCP, ver Freitas et al., 2014; Habigzang et al., 2011). Entende-se por tecnologia social, técnicas, materiais e procedimentos metodológicos testados, validados e com impacto social comprovado, criados a partir de necessidades sociais, com o fim de solucionar determinados problemas (Baumgarten, 2006; Freitas et al., 2014). Referese, portanto, à aplicação do conhecimento e das tecnologias até então desenvolvidas para a resolução efetiva de demandas sociais específicas.

Durante o desenvolvimento desta TSCP, foi elaborado e executado um extensivo programa de avaliação de processo. Tal avaliação foi pautada em diversas diretrizes (Hamblin, 1978; Pilati e Borges-Andrade, 2004) que postulam sobre a necessidade de observar, através de um detalhado processo de avaliação, se uma determinada capacitação cumpre com seus objetivos.

Devido aos diversos fatores que podem prejudicar a efetividade de uma TSCP, sua avaliação é tão importante quanto o seu desenvolvimento. Assim, o foco de interesse dos capacitadores deve ser, além de instruir, compreender de que modo e em que medida essa atividade produz os efeitos esperados (Pilati e Abbad, 2005) e reduz os aspectos indesejados (Birdi, 2010). As variáveis envolvidas na análise da efetividade de uma TSCP devem estar relacionadas com os objetivos do programa. Em geral, a avaliação de capacitações envolve dois principais níveis de análise: avaliação de processo e avaliação de impacto (Abbad et al., 2000; Pilati e Borges-Andrade, 2004). Este estudo foca-se, especificamente, na avaliação de processo da TSCP oferecida.

A avaliação de processo tem por intuito investigar quais os aspectos positivos e negativos da TSCP a fim de verificar se o processo está sendo desenvolvido como planejado. Enquanto construto, a avaliação de processo tem englobado dois aspectos: (i) a satisfação dos participantes com a qualidade do programa oferecido; e (ii) a satisfação com o desempenho dos instrutores (Abbad et al., 2000). A satisfação com a qualidade do programa pode ser averiguada através de uma série de aspectos, tais como: definição de objetivos e compatibilidade com a TSCP, carga horária, ordenação e adequação do conteúdo programático em relação aos objetivos, à quantidade, à qualidade e à organização do material didático, à ampliação de recursos teórico-práticos, à possibilidade de aplicação do conhecimento adquirido no ambiente de trabalho e à percepção sobre a possível melhoria no desempenho, entre outros. Além desses aspectos, tem sido importante avaliar a satisfação dos treinandos com a qualidade técnica dos instrutores. Isso ocorre porque a didática com que o conteúdo é transmitido é vista, geralmente, como um fator influente no nível de aprendizado (Beidas e Kendall, 2010). Avalia-se, portanto, a qualidade do procedimento e do processo instrucional, a transmissão de objetivos, o nível de profundidade em que os assuntos são discutidos, a qualidade da apresentação dos conteúdos, o uso de exemplos concretos que possibilitam o entendimento do conteúdo, os instrumentos e recursos didáticos utilizados, etc. (Abbad et al., 2000). Considerando os aspectos acima mencionados, este estudo teve por objetivo avaliar o processo de uma TSCP para profissionais da Psicologia que trabalham no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

 

Método

Informes sobre a TSCP foram enviados por e-mail pela Coordenadoria Regional do Centro de Referência Especializado de Assistência Social do Estado do Rio Grande do Sul (CREAS-RS) para os gestores municipais dos 63 CREAS existentes no Estado. Os profissionais interessados inscreveram-se por e-mail. Após as inscrições, foram agendadas entrevistas individuais com o objetivo de conhecer o trabalho profissional realizado pelos candidatos em seus municípios e explicar detalhadamente o processo de capacitação ao qual estavam sendo convidados. As vagas para a TSCP foram priorizadas para os candidatos que tivessem vínculo efetivo com algum serviço público que atendesse crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

A TSCP foi constituída por dez encontros de frequência mensal, com duração média de cinco horas, totalizando uma carga horária de 50 horas. As aulas foram ministradas por psicólogos treinados, estudantes de mestrado e doutorado com experiência clínica no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e/ou em pesquisas sobre avaliação de efetividade da grupoterapia cognitivo-comportamental com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Os participantes receberam o livro "Intervenção psicológica para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual - Manual de capacitação profissional" (Habigzang e Koller, 2011), desenvolvido especificamente para esta TSCP. Esse livro foi disponibilizado gratuitamente aos participantes, pois foi observado que o uso de manuais que orientam o desenvolvimento das intervenções contribui para que os profissionais apliquem as técnicas trabalhadas ao longo da TSCP em seus locais de trabalho (Kendall e Beidas, 2007; World Health Organization, 2006).

A capacitação instrumentalizou os participantes em relação a três diferentes áreas: (i) conhecimentos teóricos sobre a violência sexual tais como definição, dinâmica, consequências para o desenvolvimento, trabalho em rede e encaminhamentos necessários aos casos identificados; (ii) um modelo de avaliação psicológica de crianças vítimas de violência sexual, utilizando protocolos de entrevista e instrumentos psicológicos; e (iii) um modelo de grupoterapia cognitivo-comportamental para intervenção com crianças e adolescentes vítimas (Habigzang et al., 2009).

No primeiro encontro, foram expostos e discutidos aspectos referentes ao desenvolvimento infantil, estilos parentais, definições e categorias da violência sexual contra crianças e adolescentes, os índices epidemiológicos sobre esse tipo de violência e os principais transtornos psicológicos associados à violência sexual. No segundo encontro, foi abordada a dinâmica do abuso sexual, fatores de risco e de proteção na família e na rede de atendimento. Foram discutidas características das vítimas, dos agressores e das famílias vitimizadas, enfatizando os abusos sexuais intrafamiliares, uma vez que estes ocorrem em maior proporção. O Encontro III esteve focado no treinamento de um modelo de avaliação psicológica das crianças e dos adolescentes vítimas de abuso sexual, que deve ser realizada antes do início dos atendimentos clínicos. Foram apresentados os protocolos de entrevista inicial, utilizados com as crianças/adolescentes e com o(a) cuidador(a) não-abusivo(a), e discutidos os cuidados éticos necessários para entrevista. As ferramentas foram treinadas através de dramatizações pelos profissionais para facilitar e assegurar a compreensão e o entendimento das técnicas. Também foram apresentados os instrumentos de avaliação psicológica, priorizando a aplicação, o levantamento e a análise dos resultados. Tais instrumentos são aplicados antes e após a grupoterapia cognitivo-comportamental e visam avaliar sintomas de estresse, ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e crenças disfuncionais relacionadas ao abuso. Do quarto ao sexto encontro, foi descrito e treinado o modelo de grupoterapia cognitivo-comportamental para tratamento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual (Freitas et al., 2014; Habigzang et al., 2009). Esse modelo propõe uma intervenção focal, constituída por 16 sessões de caráter semanal, divididas em três etapas, sendo a primeira 'Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva', constituída por seis encontros, a segunda, 'Treino de Inoculação do Estresse', composta por quatro sessões, e a 'Prevenção à Recaída', que compreendeu as últimas seis sessões da intervenção (Ver Habigzang et al., 2009). Cada uma dessas etapas foi apresentada e treinada em encontros distintos (i.e.: a primeira, a segunda e a terceira etapa da grupoterapia cognitivo-comportamental foram treinadas no quarto, no quinto e no sexto encontro, respectivamente).

Os quatro últimos encontros, constituintes da segunda etapa da TSCP, referiram-se à supervisão dos atendimentos clínicos desenvolvidos pelos profissionais capacitados, de acordo com o modelo da grupoterapia cognitivo-comportamental instruído. Entretanto, a avaliação dessas supervisões não será discutida neste artigo. Maiores informações sobre o programa de capacitação podem ser obtidas em Habigzang et al. (2011) e sobre o impacto das supervisões no trabalho dos profissionais em Freitas et al. (2014).

 

Participantes

A Secretaria Estadual de Assistência Social encaminhou para os 63 CREAS do estado do Rio Grande do Sul uma carta convite da equipe de pesquisa para participação na TSCP. A carta convite apresentava informações sobre o cronograma da TSCP, temáticas teórico-metodológicas da TSCP e das intervenções trabalhadas, assim como os documentos necessários (i.e. curriculum vitae e carta de intenção) e período para realização da inscrição. Foram recebidas inscrições de 32 profissionais interessados em participar da TSCP. Esses profissionais participaram de uma entrevista de seleção, a fim de investigar seus interesses em participar da TSCP e as demandas relacionadas à violência sexual em seus municípios. As entrevistas foram realizadas a fim de priorizar as vagas da TSCP aos profissionais que apresentavam potencial de aplicar os conteúdos e as técnicas trabalhados na TSCP. Entre estes, dois profissionais não foram selecionados, devido à incompatibilidade de seus interesses com a abordagem teórico-metodológica da TSCP.

Em razão da complexidade das temáticas relacionadas à violência sexual e ao atendimento das vítimas, os participantes da TSCP poderiam faltar apenas a um encontro da capacitação. A ausência em mais de um encontro da TSCP limitaria a participação dos participantes nos encontros seguintes, e, por isso, esses seriam desligados da TSCP. Não houve nenhum caso de desligamento por faltas. Entretanto, ao longo da capacitação, houve apenas duas desistências, justificadas por dificuldades na locomoção dos participantes à sede da TSCP (Porto Alegre, RS).

A amostra final deste estudo foi composta por 28 profissionais da Psicologia (85,7%, mulheres) que trabalham com o atendimento clínico de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em instituições públicas de 19 cidades distintas no Estado do Rio Grande do Sul. Todos esses profissionais participaram integralmente da TSCP. A idade média dos participantes foi de 37 anos (DP = 9,17). Um total de 57,1% possuía pelo menos um curso de pós-graduação completo. Em relação à área de formação, 39,3% afirmaram não possuir nenhuma formação específica para trabalhar com atendimento clínico, 10,7% tinham formação em Terapia Sistêmica, 7,1%, em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), 3,6%, em Psicologia Humanista, 10,7% tinham formação psicanalítica, e 28,6% afirmaram ter outro tipo de formação clínica (não especificada). O tempo médio de profissão foi de 5,85 anos (DP = 6,63; amplitude de dois meses a 25 anos). O tempo médio de trabalho no emprego atual foi de 4,11 anos (DP = 2,25; amplitude de dois meses a 20 anos). Do total da amostra, 53,6% possuía vínculo estável de trabalho (concursados) e 39,3% eram prestadores de serviços. Em média, os profissionais trabalhavam 32,5 horas semanais (DP = 10,95; amplitude de 12 a 60 horas).

 

Instrumentos

Questionário sociodemográfico e laboral: Esse instrumento visou a levantar informações sociodemográficas, tais como gênero, idade, estado civil, escolaridade, vínculo empregatício enquanto profissionais da Psicologia e formação específica para lidar com temáticas sobre violência sexual infantil.

Ficha de Avaliação do Encontro: Trata-se de um instrumento que levantou informações acerca do conhecimento adquirido em cada encontro da TSCP, dos avanços teóricos que cada encontro proporcionou, da qualidade do material didático utilizado, da competência dos ministrantes, da satisfação geral com o encontro. Também identificou aspectos positivos e negativos do encontro, tópicos não contemplados, aprendizado de aspectos importantes para a atuação profissional, e sugestões e/ou comentários adicionais. Esse instrumento foi desenvolvido para o presente estudo e levantou aspectos que a literatura aponta como imprescindíveis na avaliação de processo de treinamento (Abbad et al., 2000; Birdi, 2010; Hamblin, 1978; Pilati e Abbad, 2005; Pilati e Borges-Andrade, 2004).

 

Procedimentos

O questionário sociodemográfico foi respondido no final do processo de seleção dos participantes. As fichas de avaliação do encontro foram respondidas, individualmente, ao final de cada encontro da capacitação. Para examinar os dados coletados, foram realizadas estatísticas descritivas do questionário sociodemográfico e laboral. Em relação à ficha de avaliação, foram realizadas estatísticas descritivas e testes de associação dos aspectos quantitativos e análise de conteúdo temáticocategorial para as questões abertas (Bardin, 1979; Oliveira, 2008).

Este estudo foi realizado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde), sendo conduzido após aprovação pela Comissão deÉtica e Pesquisa em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (CEP-GHC) pelo protocolo número 00150164000-10.

 

Resultados

Inicialmente, serão apresentados os resultados quantitativos da ficha de avaliação. Posteriormente, serão apresentados os aspectos qualitativos levantados com base nas perguntas abertas.

 

Avaliação do processo pelos indicadores quantitativos

A Tabela 1 apresenta os resultados quantitativos da ficha de avaliação obtidos ao longo dos seis encontros. Foram avaliados a opinião dos participantes acerca do nível de conhecimento adquirido durante o encontro, a qualidade das palestras, a qualidade dos palestrantes, a qualidade do material didático utilizado, o aprendizado de conteúdo relevante para a prática profissional, e o nível de satisfação com o encontro. Esses critérios foram escolhidos com base em aspectos citados na literatura (Hamblin, 1978).

Estatísticas descritivas referentes aos conhecimentos adquiridos demonstraram índices positivos em todos os encontros. Ao longo dos seis encontros, foi obtido um total de 121 respostas. Os escores das respostas podiam variar de um a quatro. A média geral da pontuação obtida nesse indicador foi de 3,64 (DP = 0,48), revelando índices positivos com os conhecimentos adquiridos nos encontros. No que diz respeito à qualidade das palestras, a maioria dos participantes julgou-as como ótimas em todos os encontros. Os escores das respostas podiam variar de um a quatro. A média geral obtida foi de 3,68 (DP = 0,47, n = 121), indicando um elevado nível de satisfação por parte dos participantes com as palestras ministradas.

Em relação à qualidade do material didático, o escore das respostas poderia variar de um a três. A média geral das respostas obtidas (n = 121), ao longo dos seis encontros, foi de 2,98 (DP = 0,13). O material didático oferecido foi considerado adequado por 100% dos participantes da capacitação no primeiro, no segundo, no terceiro e no sexto encontro. No quarto e no quinto encontro, esse índice foi de 94,7% e 94,4%, respectivamente. De maneira similar, estatísticas descritivas referentes à qualidade dos palestrantes, também, demonstraram índices positivos em todos os encontros, com média de 3,68, podendo variar de um a quatro pontos.

Os resultados referentes à utilidade dos conteúdos abordados foi avaliada através de escala dicotômica - 1 (sim) e 2 (não). Os dados apresentaram índice 100% positivo para todos os encontros. Em outras palavras, todos os conteúdos apresentados foram vistos como úteis por parte dos participantes. Por fim, avaliou-se a satisfação geral dos participantes com o encontro. O escore das respostas poderia variar de um a três. A média geral obtida ao longo dos seis encontros foi de 2,68 (DP = 0,47). Um total de 66,6% dos participantes afirmou ter ficado muito satisfeito com o primeiro encontro. Este índice foi de 61,1% no segundo encontro, de 56,5% no terceiro encontro, de 78,9% no quarto encontro, de 66,6% no quinto encontro e de 78,9% no sexto encontro. Não houve respostas de insatisfação em nenhum dos encontros. Os resultados obtidos em todos esses indicadores ao longo dos seis encontros da capacitação encontram-se sintetizados na Tabela 1.

O processo da capacitação recebeu avaliação positiva ao longo de todos os encontros, para todos os seus indicadores. Apesar de haver certo nível de variabilidade nas respostas quantitativas, ANOVAs de Friedman não identificaram diferenças significativas entre as respostas ao longo dos encontros (p > 0,05). Tal aspecto indica que a avaliação do processo foi positiva e estatisticamente similar para todos os encontros.

 

Avaliação do processo por indicadores qualitativos

A análise qualitativa das respostas, baseada em Bardin (1979) e Oliveira (2008), foi constituída por três etapas: (i) análise inicial, composta pela leitura flutuante e a transcrição de todas as respostas, visando a formar o corpus da análise; (ii) exploração do material, cujo objetivo foi demarcar os objetos de referência, que são segmentos do conteúdo e serve como base para criação de categorias a posteriori e a contagem de frequências; e (iii) discussão dos resultados, etapa constituída por inferências e interpretações.

As respostas dadas a cada uma das perguntas estão apresentadas na Tabela 2 e estão discutidas em separado. Por uma questão de organização, as unidades de registro que compuseram as categorias foram explicitadas apenas em frequência. Entretanto, estão discriminadas nos resultados e nas discussões, quando necessário.

 

Aspectos mais positivos da tecnologia social de capacitação profissional

Os aspectos mais positivos dos encontros foram levantados mediante a pergunta "Quais os aspectos mais positivos deste encontro?". Ao longo dos seis encontros, foi obtido um total de 162 respostas, classificadas em seis categorias, conforme demonstra a Tabela 2.

Os aspectos referentes à qualidade dos palestrantes foram os mais citados, com uma frequência total de 60 respostas. A unidade de contexto mais saliente referiu-se à didática/metodologia dos palestrantes, compreendendo 80% das respostas obtidas. Aspectos práticos articulados com a teoria; dramatização e vivência das técnicas apresentadas e interatividade dos encontros foram algumas respostas que compuseram essa unidade de contexto, por exemplo: "Aplicação prática, modelos (exemplos) de aplicação da proposta terapêutica facilitam bastante o aprendizado". A outra unidade de contexto inserida nessa categoria se referiu ao nível de conhecimento dos palestrantes e foi composta por doze respostas, por Exemplo: "Os palestrantes falam com muita propriedade sobre o tema".

A segunda categoria, denominada 'Conteúdo relevante para prática', foi composta por 30 respostas, e referiu-se aos conteúdos relevantes para a prática profissional. As unidades de contexto mais salientes foram o manejo das técnicas abordadas na grupoterapia cognitivo-comportamental (43,3% das respostas) e as técnicas e os instrumentos de avaliação psicológica (36,6% das respostas).

A terceira categoria, 'Conteúdos Teóricos', obteve frequência total de 25 respostas. A unidade de contexto mais saliente foi 'Renovar conhecimentos sobre a temática da violência sexual', com 48% das respostas. Tal unidade de contexto foi composta por unidades de registro que explicitavam a importância do conteúdo teórico, por exemplo: "Penso que o encontro nos proporciona uma visão clara e atualizada sobre o tema do abuso sexual"; "Manter-se atualizada em termos de dados atuais de pesquisas recentes".

A quarta categoria, 'Colegas de Capacitação', contabilizou um total de 22 respostas, subdividas em duas unidades de contexto. A primeira englobou 82% das respostas e retratou que um dos aspectos mais positivos dos encontros era a possibilidade de trocar experiência com profissionais de outros municípios, por exemplo: "As trocas de experiência e, saber que as colegas possuem as mesmas dificuldades e ansiedades que nós, é muito bom". A outra unidade de contexto referiu-se a conhecer colegas de trabalho de outros municípios, porém, sem fazer menção a aspectos profissionais.

A categoria 'Organização do Encontro' foi composta por 11 respostas, dispostas em três unidades de contexto. Destas, o material didático foi a unidade mais saliente, totalizando 81,8% das respostas. Por exemplo: "Material didático atualizado ajuda no trabalho e na compreensão das aulas". As outras unidades de contexto foram 'Formação de pequenos grupos para diálogos' e 'Pontualidade do encontro', ambas com uma unidade de registro.

A categoria 'Formação Profissional' obteve quatro respostas, abordou as seguintes unidades de contexto: 'resgate da responsabilidade profissional', 'avaliar a qualidade da formação anteriormente realizada', e 'implicações legais para os psicólogos que não realizam a denúncia'. Um exemplo de citação dessa categoria foi: "Resgate das responsabilidades do profissional psicólogo... É necessário ir além do consultório".

 

Aspectos mais negativos da tecnologia social de capacitação profissional

Os aspectos mais negativos dos encontros foram levantados mediante a pergunta "Quais os aspectos mais negativos deste encontro?". Ao longo dos seis encontros, obteve-se um total de 22 respostas, classificadas em quatro categorias, apresentadas na Tabela 2.

Referente aos aspectos metodológicos, foi obtido um total de 15 respostas. Destas, 53,3% se referiram à quantidade de conteúdo apresentado. Por exemplo: "Pouco tempo para assimilar todo o conteúdo". Dois participantes afirmaram que a estrutura do encontro não propiciava a troca de experiência entre os participantes. Também foi referido que a apresentação do encontro apenas em formato de slides tornou-se cansativo, e que não houve tempo para exposição e debate de dúvidas. Os últimos dois aspectos citados (atraso de alguns participantes e conversas paralelas) fizeram referência à postura de colegas participantes da capacitação.

A segunda categoria, intitulada 'Aspectos Programáticos', apresentou um total de quatro respostas, distribuídas em três unidades de contexto. Do total, duas sugeriram que o encontro deveria começar mais cedo e duas sugeriram que o intervalo entre os encontros deveria ser reduzido, julgando como muito longo o espaço de um mês, por exemplo: "Espaço de tempo entre um encontro e outro (muito longo)".

A categoria 'Aspectos pessoais' agrupou respostas referentes a aspectos inerentes aos participantes. Dentro dessa categoria, duas unidades de contexto foram codificadas, sendo: cansaço da viagem e sono. Apesar de esses aspectos não se referirem ao encontro em si, optou-se por mantê-los. A última categoria, intitulada 'Aspectos Profissionais', obteve uma única resposta referindo-se à percepção das dificuldades que o participante teria ao longo da implementação do modelo de grupoterapia cognitivo-comportamental em seu contexto de trabalho após a capacitação.

 

Você entende que algum tópico não foi contemplado neste encontro?

No que se refere aos tópicos não contemplados houve, ao longo dos seis encontros, um total de quatro respostas. Considerando o baixo número de respostas apresentadas, não houve necessidade de classificação em categorias a posteriori. Os aspectos citados foram: (i) Psicopatologias relacionadas à violência; (ii) Aspectos jurídicos referentes à violência sexual; (iii) Aspectos referentes ao abusador; e (iv) Exemplos de Laudos, por exemplo: "As psicopatologias do abuso poderiam ter sido mais aprofundadas" e "Talvez os aspectos jurídicos. Como a justiça vê a postura da vítima?".

 

Você aprendeu algo neste encontro que contribuirá para seu trabalho?

O penúltimo aspecto avaliado através das perguntas abertas se referiu ao aprendizado de conteúdos úteis para a prática profissional. Foi obtido um total de 122 respostas, distribuídas em cinco categorias distintas (ver Tabela 2).

A primeira categoria, 'Conteúdos Relevantes para a Prática', obteve um total de 87 respostas, distribuídas em onze unidades de contexto distintas. A primeira unidade de contexto, intitulada 'Técnicas gerais da grupoterapia cognitivo-comportamental', comportou 43,6% das respostas, explicitadas do quarto ao sexto encontro. Todas as respostas fizeram menção às técnicas apresentadas ao longo dos encontros sobre a grupoterapia cognitivo-comportamental, sendo algumas mais gerais, como, por exemplo: "aplicação de técnicas da grupoterapia"; e outras mais específicas, como, por exemplo: "Técnica da inoculação do estresse eu desconhecia, aprendi que pode ser uma técnica muito boa até mesmo para outros atendimentos". A segunda unidade de contexto mais saliente foi 'Avaliação Psicológica', englobando 29,2% das respostas. Essa unidade de contexto incluiu todos os registros que fizeram referência aos instrumentos de avaliação psicológica apresentados e aos aspectos referentes à entrevista clínica estruturada. A terceira unidade de contexto, denominada 'importância do trabalho em rede', foi composta por oito respostas, constituída por registros que referenciaram a importância de unir diversos profissionais no atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A quarta unidade de contexto mais relevante referiu-se aos aspectos legais referentes às situações de violência sexual. As unidades de registro que compuseram essa unidade de contexto foram: 'importância da denúncia' e 'trabalhar em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)'. As outras unidades de contexto que compuseram essa categoria foram: intervenção junto à família, atendimento clínico; trabalho focal; sigilo; encaminhamentos de casos; e ética profissional.

A segunda categoria, 'Conteúdos Teóricos', foi constituída por 16 respostas distribuídas em oito unidades de contexto. A primeira, intitulada 'Aspectos teóricos sobre a violência sexual', foi composta por respostas gerais e inespecíficas, como, por exemplo, "conteúdo abordado". Apesar da não especificidade das respostas, pode-se observar que todas elas foram obtidas no primeiro encontro, e esse encontro abordou unicamente aspectos teóricos sobre a violência sexual. As outras unidades de contexto constituintes dessa categoria foram: conteúdo do material didático, dinâmica da violência sexual, identificação de sinais de violência sexual, mitos envolvidos na violência sexual e noções em terapia cognitivo-comportamental. Alguns exemplos de resposta foram: "O encontro de hoje ajudou a compreender melhor a questão da dinâmica dos envolvidos"; e "Importância de cada vez mais envolver a família no atendimento das vítimas".

A terceira categoria, denominada 'Conteúdo Geral', fez referência ao aprendizado adquirido ao longo da capacitação. Foi composta por onze respostas que afirmaram que todos os conteúdos apresentados nos encontros serviriam de base para a atuação profissional dos participantes, por exemplo: "Todos os tópicos abordados vão servir para a prática".

A quarta categoria, 'Consequências cognitivo-emocionais da violência sexual', mencionou o aprendizado referente às psicopatologias relacionadas à violência sexual. Das cinco unidades de registro apresentadas, três referiram-se ao aprendizado sobre o transtorno do estresse pós-traumático (por exemplo: "Consequências do abuso sexual e as questões do TEPT"), enquanto duas não explicitaram nenhum transtorno em específico.

A última categoria foi constituída por aspectos que incitaram os participantes a repensarem suas práticas profissionais. Os três registros constituintes dessa categoria apontam para uma mudança de atitude frente à atuação profissional. As unidades de contexto dessa categoria foram: percepção da complexidade do tema; postura dos psicólogos; e reflexão sobre antigo método de atuação profissional, por exemplo: "Exemplos de atuação junto à rede me fizeram repensar a forma como venho atuando e reforçaram alguns planos de ampliação do trabalho de capacitação de outros profissionais...".

 

Sugestões e comentários adicionais

Com o intuito de levantar informações sobre aspectos que poderão ser melhorados em edições futuras desta TSCP, foi solicitado que os participantes emitissem sugestões e/ou comentários adicionais sobre qualquer tópico de interesse. As sugestões citaram aspectos que poderiam ser melhorados, enquanto os comentários se referiram à satisfação dos participantes em relação aos encontros.

Ao longo dos seis encontros, houve um total de 17 sugestões, classificadas em três categorias. Dessas, 53% referiram-se a aspectos programáticos, 35%, a aspectos metodológicos, e 12%, aos conteúdos das aulas. Nos 'Aspectos Programáticos', foi sugerido que houvesse melhoria na organização do coffee-break (quatro respostas), três participantes sugeriram que as lâminas da apresentação do encontro fossem encaminhadas antecipadamente por e-mail, para que fosse possível visualizar o conteúdo com antecedência e servir de base para estudos futuros, e dois participantes sugeriram alterações de horários.

No que se refere à categoria 'aspectos metodológicos', houve um total de seis respostas. A unidade de contexto mais saliente dessa categoria se referiu à retomada dos conteúdos abordados anteriormente, com um total de 66,6% de respostas. Segundo os participantes, tal aspecto auxiliaria a recordar os conteúdos já trabalhados e a vinculá-los com os conteúdos abordados no encontro presente. Também foi sugerido, nas outras unidades de contexto, que, ao longo dos encontros, houvesse maior tempo para discussão de dúvidas; que houvesse uma rápida apresentação da equipe e dos participantes, para um maior nível de integração entre todos os membros e que fossem utilizados outros recursos audiovisuais além das apresentações em datashow.

Já em relação ao conteúdo das aulas, duas sugestões foram apontadas. No primeiro encontro, um participante sugeriu abordar com maior ênfase as questões jurídicas concernentes à violência sexual. No terceiro encontro, foi sugerido que houvesse maior explicação sobre o parâmetro de normalidade avaliado pelos testes psicológicos.

Em relação aos comentários adicionais, essa categoria foi composta por opiniões pessoais dos participantes. Nesse espaço, os participantes poderiam escrever o que desejassem. Ao longo dos encontros, houve um total de seis respostas obtidas no terceiro e no sexto encontro. Em relação ao terceiro encontro, um participante comentou: "A aula de hoje realmente foi muito importante. Porque, quando se comenta em avaliação psicológica, sempre temos algo a aprender". Um segundo comentário obtido também se referiu à avaliação psicológica: "Testes é um jeito novo de trabalhar, que com certeza fará bem". O último comentário do terceiro encontro referiu-se à didática dos palestrantes: "Gostei muito da explanação das experiências práticas em relação ao tema proposto".

No sexto encontro, também foram obtidos três comentários. Por ser o último encontro da parte instrucional da capacitação, os comentários fizeram menção ao nível de satisfação ao longo dos encontros. Um participante comentou: "Foi gratificante ter estado aqui nestes seis encontros. Aprendi muito, e que bom que podemos continuar com as supervisões!". Um segundo participante afirmou: "As discussões com outros municípios são ótimas para saber o que está sendo realizado! Esses encontros contribuem para nossa prática!". Por fim, o último comentário: "Obrigada por tudo! Adorei o Curso!".

 

Discussão

A ficha de avaliação do encontro apresentou um delineamento misto, composto por aspectos quantitativos e qualitativos. Os dados apresentados nos diferentes delineamentos são, nesta seção, discutidos conjuntamente a fim de compreender, com maior nitidez, os resultados obtidos. Conforme explicitado anteriormente, o tópico que apresentou maior relevância foi 'Aspectos mais Positivos da Tecnologia Social de Capacitação Profissional'. Dentro desse, a categoria 'qualidade dos palestrantes' apresentou maior saliência, o que aponta para a relevância, por parte do profissional, de um amplo conhecimento teórico e prático. Em segundo e terceiro lugares, dentro dos 'Aspectos mais Positivos da Tecnologia Social de Capacitação Profissional', apareceram as categorias referentes ao conteúdo oferecido (teórico e prático). A satisfação obtida com esses indicadores pode ser oriunda da escolha planejada do conteúdo a ser ministrado, levando em consideração os objetivos da capacitação (Abbad et al., 2000; Hamblin, 1978). Outro aspecto que poderia explicar a aceitação dos participantes acerca dos conteúdos ministrados é a carência de informações que os profissionais geralmente apresentam (Murta e Trócolli, 2004).

Outro tópico importante apresentado nesse indicador foi a categoria 'Colegas de Capacitação', que se apresentou como a segunda unidade de contexto mais citada entre os aspectos positivos. Ao longo do processo da capacitação e nos momentos de coffee break, por exemplo, podia notar-se que a interação dos participantes era um aspecto de suma importância, proporcionando trocas de experiências, debates teóricos e esclarecimento de dúvidas. Tal interação foi um aspecto positivo e parece ter amenizado as tensões ocupacionais vivenciadas pelos profissionais em seus ambientes de trabalho. Em geral, redes de apoio social no trabalho tendem a suprir as necessidades emocionais, instrumentais, informativas e de apreciação sobre o trabalho realizado, favorecendo o trabalhador na adaptação ao ambiente ocupacional para a operacionalização da tarefa (Giovanetti, 2006). Ao longo da capacitação, diversos participantes afirmaram sentirem-se sozinhos no combate à violência sexual em seus municípios. Em alguns locais, a instituição pública era constituída por apenas um único profissional. Os participantes, por vezes, afirmavam: "Eu sou o CREAS do meu município". Em outras cidades, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente eram compostos por dois profissionais, sendo um(a) psicólogo(a) e um(a) assistente social. Tal panorama, naturalmente, favorecia a insegurança na atuação profissional, principalmente quando se trata de violência sexual infantil, temática de alta complexidade que envolve aspectos psicológicos, físicos, sociais e jurídicos (Freitas e Habigzang, 2013; Habigzang et al., 2009). Assim, os debates e as discussões entre os participantes se mostraram necessárias, sendo incentivados ao longo da capacitação.

Outro indicador de forte relevância referiu-se aos aspectos importantes aprendidos. Nesse indicador, os conteúdos referentes à prática profissional, em especial às técnicas da grupoterapia cognitivo-comportamental e à avaliação psicológica, apresentaram maior relevância. Esses aspectos também foram explicitados no primeiro indicador, intitulado 'Aspectos Mais Positivos da Tecnologia Social de Capacitação Profissional'. Os profissionais que trabalham com temáticas de alta complexidade necessitam de capacitações profissionais que sejam práticas e que vão além da teoria, oferecendo-lhes ferramentas úteis que os auxiliem na resolução dos problemas encontrados em seus cotidianos de trabalho (Hatcher e Lassiter, 2007; Penso et al., 2008). As técnicas focais de avaliação e acompanhamento psicológico foram bem recebidas por parte dos participantes, sendo esse um aspecto que deve ser enfatizado em futuras propostas de capacitação por parte desta ou de outras equipes.

A satisfação com os conteúdos trabalhados pode também estar associada à possibilidade de os profissionais aprofundarem o seu conhecimento nas temáticas trabalhadas por meio do manual "Intervenção psicológica para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual - Manual de capacitação profissional" (Habigzang e Koller, 2011), que lhes foi gratuitamente fornecido. É possível que esse recurso tenha sido útil na compreensão da proposta de intervenção, colaborando com o aprendizado do conteúdo e técnicas trabalhados (Kendall e Beidas, 2007).

Em relação ao indicador 'Aspectos mais Negativos da Tecnologia Social de Capacitação Profissional', os aspectos metodológicos foram os mais criticados, sendo que a unidade de contexto 'pouco tempo para assimilar o conteúdo' apresentou maior saliência, sobretudo, nos encontros de caráter prático. Do total das unidades de registro encontradas, três delas fizeram referência ao pouco tempo disponibilizado para a discussão e o treinamento dos testes psicológicos - conteúdo abordado no terceiro encontro -, e outras três se referiram ao treinamento das técnicas da grupoterapia cognitivo-comportamental, no quarto encontro. O aprendizado é um dos aspectos mais importantes de qualquer programa de capacitação profissional (Pilati e Abbad, 2005). Tendo em vista essa informação, é plausível considerar uma melhor organização cronológica em relação às temáticas a serem abordadas em cada encontro de maneira a disponibilizar, por exemplo, uma maior carga horária no que se refere ao treinamento das técnicas de avaliação psicológica e da grupoterapia cognitivo-comportamental.

Em relação aos tópicos não contemplados, houve um baixo número de respostas, sendo, possivelmente, um indicador positivo em relação à amplitude das temáticas abordadas ao longo do programa de capacitação. Dentre os aspectos citados, foi sugerido que se trabalhassem as psicopatologias relacionadas à violência sexual, aspectos referentes aos abusadores, exemplos de documentos de devolução de avaliação psicológica e aspectos jurídicos referentes à violência sexual. Alguns desses aspectos foram trabalhados em encontros posteriores àquele que foi solicitado. O envio antecipado do cronograma de atividades para os participantes poderá minimizar tais aspectos.

 

Considerações finais

O presente estudo teve por objetivo avaliar o processo de TSCP para intervenção psicológica com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual a partir de uma série de indicadores apresentados na literatura como significativos para a compreensão da qualidade instrucional de programas de capacitação. Os resultados encontrados neste estudo foram satisfatórios, apontando a possibilidade de continuidade desta TSCP e, mais ainda, sugerindo sua relevância e a importância de constante revisão do método de trabalho, a fim de aprimorá-lo. Em síntese, o estudo de avaliação de processo apresentou-se como uma importante ferramenta que auxiliará no planejamento de futuros programas de capacitação profissional. Instruir profissionais da saúde para que estes possam trabalhar nos serviços públicos, com tecnologias sociais efetivas, baseadas em evidências, é um aspecto de alta relevância econômica e social.

É importante salientar, também, que este estudo apresenta algumas limitações. Avaliar o processo de uma TSCP unicamente por meio de autorrelato pode trazer alguns vieses. Embora os dados tenham sido coletados anonimamente, é possível que algum nível de desejabilidade social tenha interferido nas respostas dos participantes. Além disso, as limitações e o isolamento profissional que alguns trabalhadores vivenciavam no atendimento de vítimas de violência sexual em suas instituições de trabalho podem ter influenciado suas avaliações da TSCP.

Próximos programas de capacitação, incorporando as melhorias apontadas por meio dos resultados deste estudo, estão sendo planejadas. Espera-se que novas capacitações profissionais sejam desenvolvidas a fim de contribuir com a saúde pública do Brasil.

 

Referências

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Submetido: 10/03/2014
Aceito: 07/07/2014

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