SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1Privações afetivas e relações de vínculo: psicoterapia de uma criança institucionalizadaIntervenção psicossocial com o adulto autor de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Contextos Clínicos

versión impresa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.9 no.1 São Leopoldo jun. 2016

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.07 

ARTIGOS

 

Psicoterapia breve psicodinâmica de caso grave de depressão em serviço-escola: limites e alcance

 

Brief psychodynamic psychotherapy in a severe case of depression treated at a university clinic: limits and scope

 

 

Glaucia Mitsuko Ataka da RochaI; Miguel BungeII; Vanessa StraussIII; Giovanna Corte HondaIV; Evandro PeixotoV; Tales Vilela SanteiroVI; Maria Leonor Espinosa EnéasVII

IUniversidade de São Paulo. Prof. Mello Moraes, 1721, 05508-030, São Paulo, SP, Brasil. gmarocha@gmail.com
IIClínica Particular. Rua Cláudio Soares, 72, C. 1116, 05422-030, São Paulo, SP, Brasil. miguelbunge@hotmail.com
IIIUniversidade Federal de São Paulo. Ambulatório Marcos Tomanik Mercadante de Cognição Social. Rua Borges Lagoa, 570, 04038-020, São Paulo, SP, Brasil. vanessastrauss@gmail.com
IVUniversidade Nove de Julho. Av. Doutor Adolpho Pinto, 109, 01156-050, São Paulo, SP, Brasil. giovannach@uninove.br
VPontifícia Universidade Católica de Campinas. Av. John Boyd Dunlop, s/n, 13060-904, Campinas, SP, Brasil. epeixoto_6@hotmail.com
VIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro. Av. Getúlio Guarita, 159, 3º andar, 38025-440, Uberada, MG, Brasil. talessanteiro@hotmail.com
VIIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie. Rua da Consolação, 930, 01302-907, São Paulo, SP, Brasil. mleeneas@mackenzie.com.br

 

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi estudar limites e alcances do atendimento de um caso grave de depressão em serviço-escola de Psicologia. Para tanto, foi avaliada a mudança de um paciente do sexo masculino, adulto, com diagnóstico de depressão grave, ao longo do processo de psicoterapia breve psicodinâmica, com duração de um ano (23 sessões). Os instrumentos utilizados foram: Inventário de Depressão de Beck, Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada de Autorrelato e o método do Tema Central de Relacionamento Conflituoso. As avaliações aconteceram em três momentos: início da psicoterapia, meio do processo e final. Os sintomas de depressão mantiveram-se estáveis nas medidas de início e final, com piora após as férias. Houve melhora na adequação das respostas no setor Afetivo-Relacional, o que mudou a eficácia adaptativa de Ineficaz Grave, no início da psicoterapia, para Ineficaz Severa, ao final. Os resultados são discutidos considerando-se a gravidade do caso e os recursos do paciente e do psicoterapeuta, em contexto institucional.

Palavras-chave: psicologia clínica, formação profissional, avaliação de mudança em psicoterapia.


ABSTRACT

The aim of this paper was to study the limits and scope of care of a critically ill patient in an applied psychology service of a private university. For such purpose, the change of a male patient, adult, diagnosed with severe depression throughout the brief psychodynamic psychotherapy process lasting a year and 23 sessions was evaluated. The evaluations took place in three stages: early psychotherapy, middle of the process and termination. The instruments used were the Beck Depression Inventory, the Operational Adaptive Diagnostic Scale self-report and the Core Conflictual Relationship Theme. The patient remained stable, comparing the initial evaluation to the final results, and worsened on the assessments made in the middle of the process. Results are discussed considering the severity of the case and patient's and psychotherapist's resources in the institutional context.

Keywords: focal psychotherapy, change in psychotherapy, research in result and process.


 

 

Introdução

O serviço-escola é um local onde são oferecidos atendimentos gratuitos ou semigratuitos para a comunidade e, ao mesmo tempo, possibilita ao estudante o treinamento e a orientação na forma de supervisões. O objetivo é capacitar o aluno-estagiário para a prática e a reflexão de forma ética, técnica e conceitual (Melo-Silva et al., 2005). Além das questões centradas no processo de formação profissional, é um espaço privilegiado para a realização de pesquisas e porta de entrada que permite aos usuários se-rem acolhidos e entendidos em suas necessidades (Santeiro et al., 2013; Yoshida, 2005).

A aproximação entre a experiência clínica e a pesquisa tem sido alvo de vários estudos no cenário nacional e internacional (Castonguay e Muran, 2015; Castonguay et al., 2015; Serralta et al., 2011; Honda e Yoshida, 2012). No Brasil, ela tem resultado em diversos procedimentos clínicos e instrumentos que se mostram aplicáveis à pesquisa e à prática clínica (por exemplo, Yoshida, 2002, 2013). No exterior, preocupações com buscas de evidências empíricas da eficácia das psicoterapias e também a ocorrência de estudos sobre como se dão a mudança e os fatores que as influenciam têm sido mais visíveis (por exemplo, Kazdin, 2009; Messer, 2013).

É na confluência das exigências do processo de formação e das necessidades da comunidade que as atividades de pesquisa são entendidas como relevantes. Assim, é possível realizar, por exemplo, a caracterização da clientela para um direcionamento mais eficiente da demanda, para a ampliação dos serviços em função das necessidades da população e para o planejamento das modalidades de atendimento (Maravieski e Serralta, 2011; Pereira et al., 2011; Santeiro et al., 2013).

A avaliação sistemática dos serviços oferecidos pode indicar a necessidade de melhoras e em qual direção deve-se desenvolver o processo de formação e o de atenção à saúde de seus usuários. Dessa forma, os futuros profissionais podem estar sintonizados com as reais demandas que a sociedade apresenta e podem ter conhecimento sobre quais critérios são úteis para selecionar aqueles que se beneficiariam mais com os atendimentos oferecidos (Rocha e Enéas, 2014).

Para uma intervenção clínica em contexto institucional, são requeridas estratégias que dependam do conhecimento prévio e sistematizado dos motivos da procura, além de dados sobre as condições do cliente, a fim de que se possa planejar uma psicoterapia que atinja os objetivos estipulados pela dupla paciente-terapeuta (Yoshida et al., 2009). É preciso, portanto, mais do que a experiência cotidiana acumulada pelos supervisores. É imprescindível obter evidências empíricas que subsidiem as práticas e possibilitem constante adequação, a melhoria dos serviços prestados à comunidade e a articulação entre a teoria e a prática. Além disso, um serviço de Psicologia desenvolvido por diversos profissionais (superviso-res) e que atenda a amplas camadas da população necessita ter critérios claros de inclusão e exclusão de sua clientela. Dessa maneira, é possível aproximar as demandas das pessoas que procuram auxílio psicológico, com o perfil desejável de atendimento.

Ademais, os serviços-escola têm recebido pacientes com problemas graves, que demandam recursos que ainda não foram suficientemente desenvolvidos pelos estagiários que os atenderão. Essas instituições não se constituem um universo à parte, em que é possível escolher as pessoas que serão atendidas, deixando as demais, comumente os casos mais graves, com um encaminhamento em mãos.

A experiência clínica mostra que um dos problemas mais comuns que levam as pessoas a procurarem ou a serem encaminhadas à psicoterapia tem sido a depressão. Esse transtorno do humor é um problema mundial e estima-se que afete 350 milhões de pessoas. Costuma iniciar na juventude, ser recorrente e reduzir o funcionamento global do indivíduo. Por essas razões, é líder na causa da incapacidade no mundo, em termos do total de anos perdidos (WHO, 2012).

A depressão caracteriza-se pela presença de tristeza, de vazio, com alterações cognitivas e somáticas que podem afetar significantemente a capacidade funcional do indivíduo de qualquer idade. Os sintomas podem estar associados a humor deprimido, perda ou ganho de peso significativo (sem dieta), insônia ou sono em excesso, diminuição da capacidade de pensar ou de se concentrar, sentimentos de inutilidade ou de culpa e pensamentos recorrentes de morte (APA, 2013).

O impacto da depressão na sociedade é considerável e pode ser avaliado por levantamentos realizados mais recentemente no Brasil. Andrade et al. (2012) publicaram levantamento do estudo São Paulo Megacity Health Survey para o qual foram entrevistados 5.037 adultos com idade de 18 anos ou mais, residentes na cidade de São Paulo e em 38 municípios ao redor. Dos entrevistados, 6,0% tiveram pelo menos um transtorno mental recente, conforme critérios do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) ou da CID (Classificação Internacional de Doenças). Ansiedade (19,9%) e Transtornos do Humor (11,0%) foram as classes mais prevalentes de transtornos, seguidas por Transtornos do Impulso (4,2%) e por Abuso de Substâncias (3,6%).

Pesquisa conduzida por Wang e Gorenstein (2014) no Brasil, como parte de um estudo multicêntrico da European Depression Association sobre a ocorrência, o impacto e as consequências da depressão nos locais de trabalho, levantou informações sobre 1.000 trabalhadores e seus respectivos gestores, com idades entre 16 e 64 anos. Os resultados mostraram que um em cada cinco participantes já havia sido diagnosticado por um médico como sofrendo de depressão. No entanto, 73,5% continuavam trabalhando, e, destes, 60,0% relataram prejuízos no desempenho profissional. Mais da metade deste último subgrupo queixou-se de sintomas cognitivos como dificuldade de concentração, indecisão e esquecimento. Um em cada três trabalhadores foi afastado do trabalho em decorrência da depressão, em média, por 65,7 dias, sendo esses períodos maiores para os homens que para as mulheres.

O tratamento ideal para o transtorno depressivo é abrangente, uma vez que os sinais e sintomas não se restringem às dimensões biológica ou psicológica. Todos os tratamentos, atualmente, devem compreender o ser humano de forma global (Aguiar et al., 2011). Isso significa que deve considerar a pessoa em seu sentido biológico, social e psicológico, o que demanda, portanto, um tratamento que atue nessas áreas e que envolva terapia farmacológica, mudanças no estilo de vida e psicoterapias. O tratamento medicamentoso, bem como o psicoterápico, pode ser mais assertivo, reduzindo também o impacto social que a depressão acarreta, na capacidade individual e no desgaste emocional e financeiro que acomete aqueles que circundam o doente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o tratamento medicamentoso aliado a psicoterapias estruturadas e breves, desde o atendimento primário (WHO, 2012).

As psicoterapias breves de diferentes en foques teóricos têm mostrado evidências de eficácia no tratamento de pacientes com depressão. Estudo randomizado e controlado, comparando aconselhamento não diretivo à psicoterapia cognitiva e tratamento médico sem psicoterapia, em 12 sessões, mostrou que os pacientes que passaram por aconselhamento ou psicoterapia cognitiva melhoraram mais quando comparados com aqueles que não fizeram tratamento psicológico (Ward et al., 2000).

Estudo de metanálise conduzido por Driessen et al. (2010) sobre a eficácia da Psicoterapia Breve Psicodinâmica (PBP) para o tratamento da depressão em adultos mostrou melhores condições que as dos grupos controle no pós-tratamento (d = 0,69). Mudanças nos níveis de depressão pré e pós-tratamento mostraram-se significativas (d = 1,34) e foram mantidas até um ano após o término. Comparada a outras psicoterapias - Terapia Cognitiva Comportamental (n = 5), Terapia Comportamental (n = 6), Terapia Suportiva (n = 1), Aconselhamento não diretivo (n = 1) e arte-terapia (n = 1) -, foi encontrado efeito pequeno, mas significativo (d = -0,30), indicando a superioridade de outros tratamentos imediatamente após o término. Ao utilizarem apenas os resultados da Beck Depression Inventory, o efeito foi de (d = -0,32), a favor das outras modalidades de psicoterapia. No entanto, ao utilizarem os resultados da Hamilton Depression Scale (HAMD) como medida de resultado, não foram encontradas diferenças significativas entre a PBP e outros tratamentos (d = 0,09). Não foram encontradas diferenças significativas após 3 meses (d = 0,05) e 12 meses (d = 0,29) no follow-up. Apesar de os resultados dessa metanálise sugerirem uma significativa superioridade de outras modalidades de psicoterapia no tratamento da depressão após o término, os autores consideraram-na pequena, principalmente ao se verificar a ausência de diferenças significativas no follow-up.

Nesse sentido é que se frisa a importância de se realizar estudos sobre as características de psicoterapias e de PBP, também daquelas desenvolvidas em âmbito de serviços-escola de Psicologia (Yoshida et al., 2009). Assim, pode-se aprimorar e ampliar debates nesse campo, considerando as especificidades da realidade brasileira, na qual ainda se verificam dificuldades rumo à integração entre pesquisa e prática profissional ocorrida em processos de formação de psicoterapeutas.

 

Aspectos técnicos da PBP

Tendo em vista os fundamentos da psicote rapia psicodinâmica, Gabbard (2006) resumiu as diversas formulações teóricas psicanalíticas sobre a depressão como um distúrbio da autoestima no contexto de relacionamentos interpessoais falhos. Nesse sentido, a PBP permite o trabalho em torno de um foco relacional, com vistas à alteração de padrões tidos como mal adaptativos que surgem em função de motivações e expectativas irreais nos relacionamentos (Luborsky e Crits-Christoph, 1998; Yoshida e Enéas, 2013).

A indicação à PBP inclui pacientes com boa capacidade para se relacionar com o terapeuta e nos quais a maior parte do ego esteja saudável (Gilliéron, 2004), pessoas que não apresentem surtos psicóticos, consigam estabelecer contato visual e que não apresentem quadros psicopatológicos profundamente arraigados ou que requeiram atendimento multiprofissional (Yoshida, 2013). Além disto, Yoshida e Enéas (2013) e Enéas (2012) recomendam avaliar a motivação do paciente para mudar em psicoterapia e os recursos de que dispõe para o enfrentamento de suas dificuldades em tempo breve. Para um paciente com depressão, a mobilização de sua vontade e o entendimento dos recursos disponíveis no início do processo são importantes, pois, dessa avaliação, dependerá o planejamento do processo em termos das intervenções a serem feitas e dos objetivos a serem alcançados (Enéas e Dantas, 2011; Yoshida e Enéas, 2013).

Além dos recursos do paciente, há que se considerarem os recursos do terapeuta (primeiro atendimento em psicoterapia) e do contexto institucional em que se dá a psicoterapia (Yoshida e Enéas, 2013). Uma das características importantes do funcionamento de muitos serviços-escola diz respeito ao fluxo temporal, já que as psicoterapias são definidas temporalmente em função do calendário escolar, geralmente semestral. Nesses casos, especificamente, em um processo psicoterapêutico com duração de um ano, há uma lacuna no atendimento entre um semestre e outro que deve ser considerada durante o planejamento (Enéas e Rocha, 2011).

É, portanto, na confluência das variáveis relativas ao paciente, ao terapeuta e ao contexto institucional em que o atendimento é realizado que se torna importante estudar os limites e as possibilidades do atendimento de pacientes sem clara indicação à psicoterapia breve, por serem casos mais graves. Nessa direção, entende-se que o atendimento clínico de pacientes graves, conduzidos por estagiários em formação e por tempo limitado, é um desafio constantemente enfrentado e que necessita reflexão em função das condições oferecidas pelos serviços-escola (Enéas e Dantas, 2011). Dada que essa não é uma situação ideal de atendimento, como seria se conduzida por profissional experiente e em outro contexto, o objetivo deste trabalho foi demonstrar os limites e alcances do atendimento de um caso grave de depressão em serviço-escola, na modalidade de PBP. Para tanto, avaliou-se a mudança de um paciente com diagnóstico de transtorno depressivo que apresentou histórico de tentativa de suicídio e ideação suicida.

 

Método

Estudo de caso único sistemático, o qual possibilita conjugar a complexidade e a subjetividade da interação terapêutica com a exigência de objetividade das ciências empíricas (Edwards, 2007; Eells, 2007).

Participante

Sexo masculino, 48 anos, negro, solteiro, profissional da área de limpeza (espécie de faxineiro), analfabeto, diagnosticado com depressão grave, com ideação suicida e histórico de tentativa de suicídio.

Psicoterapeuta

Sexo feminino, 35 anos, branca, estagiária de 5º ano de Curso de Psicologia.

Instrumentos

Inventário de Depressão de Beck-II - BDI (Beck et al., 1996). Adaptação e padronização para a população brasileira de Gorenstein et al. (2011). É um instrumento de autorrelato composto por 21 itens, cujo objetivo é medir a intensidade da depressão em adultos e adolescentes a partir dos 13 anos de idade. A pontuação varia de 0 até 63 pontos, e os pontos de corte são: 0-13 (intensidade mínima); 14-19 (intensidade leve); 20-28 (intensidade moderada); e 29-63 (intensidade grave).

Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada de Autorrelato - EDAO-AR (Yoshida, 2013). Versão de autorrelato da EDAO, esta idealizada por Ryad Simon na década de 1970 e revisada em 1997. Avalia a eficácia adaptativa da pessoa considerando a adequação das respostas a problemas nos dois setores avaliados. As respostas são consideradas adequadas ao resolverem o problema, trazendo satisfação e não gerando conflitos internos e/ou externos; pouco adequadas se resolverem o problema e não trouxerem satisfação ou gerarem conflito; pouquíssimo adequadas se resolverem o problema, não trouxerem satisfação e, ainda, gerarem conflito. A classificação geral da eficácia adaptativa é dada pela combinação dessas respostas nos setores Afetivo-Relacional (A-R) e da Produtividade (Pr) e constituem cinco classes: Adaptação Eficaz (5 pontos), Ineficaz Leve (4 pontos), Ineficaz Moderada (3,0-3,5 pontos); Ineficaz Severa (2,0-2,5 pontos) e Ineficaz Grave (1,5 pontos) (Simon, 1997). A EDAO tem sido aplicada em diversos estudos sobre psicoterapia breve de orientação psicodinâmica (Gebara et al., 2004; Gebara e Simon, 2008; Giovanetti e Sant'Anna, 2005; Oliveira, 2001; Yamamoto, 2004; Yoshida, 2000), e sua versão de autorrelato foi desenvolvida especialmente para facilitar a ocorrência de pesquisas.

The Core Conflictual Relationship Theme (Tema Central de Relacionamento Conflituoso - CCRT) (Luborsky e Crits-Christoph, 1998), desenvolvido por Lester Luborsky para avaliar o padrão de relacionamento conflituoso estabelecido pela pessoa, conforme três componentes: Desejo (D), Resposta do Outro (RO) e Resposta do Eu (RE) (Book, 2003; Rocha, 2013).

A escolha pelo BDI justifica-se por este ser um instrumento que despende de pouco tempo para ser aplicado e que avalia a intensidade dos sintomas depressivos apresentados pelo participante. A EDAO-AR foi utilizada, pois sua aplicação faz parte do raciocínio clínico desenvolvido na supervisão do estágio; por meio dela, diagnostica-se a eficácia adaptativa, que é utilizada como critério de indicação para processo psicoterapêutico. O CCRT, por sua vez, trata-se de um instrumento clínico que favorece o estabelecimento do foco e do padrão de relacionamento estabelecido pelo paciente com a terapeuta (transferência). Em conjunto, os três instrumentos permitem realizar diagnósticos e prognósticos clínicos, além de favorecerem o planejamento do processo psicoterapêutico.

 

Procedimentos de coleta e análise de dados

Avaliou-se o processo completo de PBP, cujo atendimento foi realizado no contexto de serviço-escola de universidade particular, localizada no município de São Paulo. O local oferece psicoterapias individuais de orientação psicodinâmica e comportamental, na modalidade breve, para crianças, adolescentes e adultos. As psicoterapias são realizadas durante dois semestres letivos (9º e 10º), totalizando, aproximadamente, 24 sessões. As supervisões em PBP são semanais, após cada sessão de psicoterapia, e seguem os fundamentos teórico-técnicos recebidos em disciplina cursada, obrigatoriamente, no 8º semestre do Cur-so. Esta é fundamentada nas proposições do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicoterapia Breve (Yoshida e Enéas, 2013).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição em que foi realizada a pesquisa, e integra um projeto mais amplo, intitulado "Psicoterapia psicodinâmica de adultos", protocolo de no. 0095.0.272.000-11. As pessoas que são atendidas no serviço-escola em que foi realizada a pesquisa e assinam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da própria instituição. Esse termo permite que os dados sejam utilizados e publicados para fins de pesquisa e em meios científicos. Especificamente neste estudo, paciente e estagiária-psicoterapeuta receberam uma Carta de Informação sobre a participação na pesquisa, a qual foi lida para o paciente e ambos assinaram novo Termo de Consentimento, específico para esta pesquisa. Foram retirados e modificados os dados pessoais do paciente que não comprometeriam a compreensão dos resultados, a fim de garantir o sigilo de sua identidade.

A aplicação assistida dos instrumentos BDI e EDAO-AR foi realizada por um pesquisador em três momentos: início do primeiro semestre do processo de PBP, após a avaliação do paciente (5ª sessão); início do segundo semestre (15ª sessão); e final do processo (23ª sessão). O paciente respondeu aos questionários em sessões imediatamente anteriores às sessões de psicoterapia, a fim de garantir que qualquer mobilização emocional pudesse ser acolhida e trabalhada. A introdução de outra pessoa no processo foi mediada pela psicoterapeuta, e foi esclarecido ao paciente que as respostas aos instrumentos forneceriam dados para a condução da psicoterapia e para a pesquisa.

 

Dados do processo terapêutico

Queixa: medo de atitudes que pudesse vir a tomar quando em crise (auto ou heteroagressão).

Sintomas: falta de vontade de sair de casa, de fazer qualquer atividade, insônia, agitação, agressividade.

Dados da história: o paciente era o mais novo de 11 irmãos. Aos 18 anos, descobriu que não havia sido registrado pelo pai. Sentia-se discriminado pelo pai e acreditava que ele gostava mais dos irmãos. O pai faleceu quando o paciente tinha 27 anos. A mãe, também falecida, foi descrita como muito rígida, mas carinhosa e com histórico de depressão. Com dificuldade de aprendizagem, o paciente estudou até a 2ª série do Ensino Fundamental, mas continuou analfabeto. Saiu da escola e foi ajudar o pai na roça, pois este o considerava "burro" (sic). Por esse motivo, foi o único filho a não estudar na cidade. Mudou-se para uma cidade maior aos 18 anos e começou a trabalhar como faxineiro. Nos últimos lugares em que trabalhou, relatou ter sofrido humilhações por ser analfabeto e negro. No último trabalho, era frequentemente chamado de burro. Sentia raiva das pessoas que o humilhavam e chorava sem controle. Quando os primeiros sinais e sintomas da depressão apareceram, morava havia oito anos com uma mulher e as duas filhas dela. Deixou-as, por acreditar que sua tristeza fora causada por esse relacionamento. O paciente, no entanto, manteve contato com os familiares. Antes da depressão, trabalhava, gostava da noite e de dançar em bailes. Ao chegar à psicoterapia, encontrava-se em tratamento psiquiátrico, iniciado dois anos antes; estava medicado com Cloridrato de Clorpromazina e Cloridrato de Imipramina. Procurou psicoterapia em decorrência de piora do quadro depressivo e da ameaça de internação compulsória, por parte da psiquiatra que o atendia, caso não fizesse psicoterapia. Foi encaminhado a um Centro de Atenção Psicossocial e, de lá, ao serviço-escola, uma vez que não atendia aos requisitos para admissão naquela instituição. Passava por perícia médica periódica e aguardava a aposentadoria por invalidez.

Objetivos gerais do processo psicoterapêutico: manter o paciente estável, com diminuição dos sintomas depressivos, e, consequentemente, evitar o aumento da medicação, de tentativas de suicídio e de necessidade de internação.

Foco do tratamento: estabelecido clinicamente, a partir do Método do Core Conflictual Relationship Theme (CCRT) (Book, 2003; Luborsky e Crits-Christoph, 1998), que considerou três eixos avaliativos no histórico de vida do paciente: (i) Desejos de ser amado, reconhecido e valorizado; (ii) Repostas dos Outros de rejeição, desvalorização, humilhação; e (iii) Respostas do Eu: baixa autoestima, auto e heteroagressão, não sentir mais prazer na vida.

Estratégias interventivas: durante o processo psicoterapêutico, a suportiva foi enfatizada, dentro do espectro de intervenções do contínuo suportivo-expressivo proposto por Gab-bard (2006), por meio da qual se buscou reforçar as defesas adaptativas e suprimir conflitos, se necessário.

Duração e características gerais do processo: realizado em dois semestres consecutivos, sendo que, no primeiro, foram realizadas 13 sessões, com três faltas, e, no segundo, 10 sessões, com quatro faltas. Entre os dois semestres, houve férias do calendário escolar, com duração de dois meses e meio. A PBP, focal e estruturada, compreendeu fases distintas em que tarefas específicas foram evidenciadas. O processo foi dividido conceitualmente em três diferentes fases: (a) início do tratamento, que envolve avaliação do paciente e estabelecimento de contrato; (b) fase medial, que consiste na realização de intervenções e que envolve possibilidades de revisões mediais do processo; e (c) término, quando são trabalhadas as angústias de separação, a fim de manter os ganhos obtidos (Yoshida e Enéas, 2013). Dessa forma, o processo terapêutico não é visto como homogêneo nem linear, mas composto por uma série de fases, nas quais se espera que determinadas mudanças ocorram em função da fase do tratamento em que o paciente se encontra (Krause et al., 2006). Na fase inicial do tratamento, buscou-se avaliar alguns critérios de indicação para PBP (Yoshida e Enéas, 2013), conforme dispostos pelo conteúdo da disciplina preparatória do 8º semestre. Os critérios de indicação avaliados foram: (a) tipo de relacionamento que se estabelece com a figura do terapeuta, que diz respeito à capacidade do paciente de criar um vínculo positivo e ser capaz de desligar-se do terapeuta ao término do processo; (b) expectativas do paciente para com a terapia, intimamente relacionadas com a motivação do paciente para mudar ou com a consciência que ele tem em relação ao seu problema e ao quanto de motivação ele tem para modificar o status quo; e (c) funcionamento geral do paciente, compreendendo a gravidade da patologia em questão e o seu potencial de saúde, sendo que pacientes mais graves tendem a mudanças menos expressivas em PBP e, portanto, são casos indicados para terapias de longa duração. Ademais, buscou-se formular o foco relacional (CCRT), alvo das intervenções durante a fase medial (Book, 2003; Luborsky e Crits-Christoph, 1998; Rocha, 2013).

 

Resultados e discussão

Na avaliação realizada no início do processo (Tabela 1), a classificação da eficácia adaptativa foi Ineficaz Grave (Grupo 5) e a do nível dos sintomas depressivos foi Grave, significando que o paciente, no enfrentamento das dificuldades encontradas na vida, vinha respondendo com soluções que não traziam satisfação e ainda geravam conflito interno e/ou externo (Simon, 1989). Nesse sentido, a gravidade da depressão pode ser considerada resultado de continuadas soluções pouco ou pouquíssimo adequadas (Simon, 2000).

O primeiro ponto que necessita ser discutido diz respeito à indicação do paciente à psicoterapia breve. Yoshida e Enéas (2013) sugeriram, em proposta de psicoterapia breve para a realidade brasileira, que se atendessem pacientes graves, com sérias dificuldades adaptativas, considerando as limitações da situação. Isso significa que pacientes com classificação da Eficácia Adaptativa "Ineficaz Severa" ou "Ineficaz Grave" (EDAO-AR) poderiam ser beneficiados ao se adotar uma postura preventiva ao se buscar evitar a piora do paciente. Nesse caso, evitar a internação iminente constituiu-se uma postura preventiva, a qual considera as limitações impostas pelo alcance de processos breves, bem como pelas condições do paciente. Simon (2000) afirmou que, para pacientes desses dois grupos, é necessário intervir sobre os efeitos da depressão aguda, os quais podem ser superados em processos breves, sendo necessários, geralmente, medicação e acompanhamento familiar. Nesses casos, é possível conter as atuações mais destrutivas (auto e heteroagressividade) aliviando-se a profunda dor e desespero que os induzem a soluções extremas.

Em relação à evolução do caso, quanto à eficácia adaptativa, houve melhora na adequação das respostas no setor Afetivo-Relacional (A-R) e manutenção das respostas pouquíssimo adequadas no setor da produtividade. A melhora no setor A-R foi a responsável pela mudança na classificação final da eficácia adaptativa, de Ineficaz Grave para Ineficaz Severa (Simon, 1997). No que respeita aos sintomas depressivos, e ao se comparar as avaliações inicial e final pela BDI-II, o paciente manteve-se estável na mesma classificação, tendo havido aumento do escore no meio do processo e leve queda ao final.

No retorno dos atendimentos de psicoterapia, depois do período de férias, a avaliação medial foi realizada, e constatou-se a piora significativa de seu estado geral, com aumento da insônia e do choro. Além disso, o paciente havia deixado todas as atividades iniciadas no semestre anterior, como caminhar, fazer exercícios físicos, jogar dominó na praça próxima à sua residência, treinar leitura, viajar e passear com os familiares. Como consequência, a dose da medicação foi aumentada pela psiquiatra, em função desse período.

Uma das hipóteses para compreender o movimento do paciente no processo psicoterapêutico breve, principalmente em relação à piora dos escores na avaliação medial, diz respeito a uma possível reação à separação do terapeuta (Enéas e Rocha, 2011), o que pode ser explicada pelo foco relacional trabalhado. Diante do Desejo de amor, de reconhecimento e de valorização por parte do Outro, a longa separação de férias pode ser sentida como Reposta da terapeuta (RO) de rejeição e, consequentemente, leva o paciente a repetir as Respostas do Eu: baixa autoestima, auto e heteroagressão, não sentir mais prazer na vida ou aumento dos sintomas depressivos (Book, 2003; Luborsky e Crits-Christoph, 1998; Rocha, 2013; Yoshida e Enéas, 2013; Yoshida e Rocha, 2007). Enéas e Dantas (2011) salientam que é de vital importância para o atendimento breve de pacientes em um serviço-escola a habilidade do paciente em estabelecer vínculos e separar-se. Ademais, aspectos atinentes à relação do paciente com a figura paterna parecem confirmar esse tipo de reação como sendo de natureza transferencial, que, portanto, transcende em muito as eventuais condições apresentadas pelo terapeuta nesse tipo de atendimento.

Não foram relatados outros eventos externos que pudessem ter influenciado a piora do paciente. No entanto, outras separações importantes ocorreram. O paciente frequentava curso de alfabetização de adultos, e a professora, que era descrita como alguém que o incentivava, também entrou em férias, assim como a psiquiatra que cuidava do caso do paciente. Percebe-se que as três pessoas que prestavam cuidados a ele e acreditavam em seu potencial de melhora deixaram-no ao mesmo tempo. Mesmo essas angústias de separação tendo sido manejadas pela psicoterapeuta a fim de prepará-lo melhor, não se mostraram suficientes diante do impacto emocional resultante. Nesse sentido, as férias no calendário escolar ao qual todo o serviço-escola está vinculado podem ser vividas do ponto de vista emocional como o término da psicoterapia (Enéas e Rocha, 2011). Houve uma lacuna de tempo importante, já que foram férias de final de ano, com duração de dois meses e meio. Esse foi quase o tempo total de atendimento durante o primeiro semestre.

Observa-se também que essa pode ser uma experiência difícil para o psicoterapeuta iniciante que ainda não desenvolveu os recursos necessários, tanto pessoais quanto teórico-técnicos para enfrentar a separação de um paciente com risco de suicídio. Como evidenciado por Paparelli e Martins (2007), a grande dificuldade de estudantes em serviço-escola é aquela que concerne à impotência vivida por eles em atendimentos a casos graves. Além do mais, é sabido que experiências emocionais semelhantes podem ocorrer, mesmo em trabalhos executados por profissionais com maior experiência clínica. Isso por dizer respeito às respostas contratransferenciais inerentes aos cuidados a esse tipo de clientela, sendo que o terapeuta pode sentir-se impotente, como resposta emocional alinhada ao contato feito com o mundo interno do paciente.

A piora do paciente naquele momento não era de todo inesperada, já que a estabilidade conquistada e os ganhos comportamentais obtidos, dada a configuração do padrão de conflito relacional (CCRT), podiam estar associados a fatores inespecíficos do processo psicoterapêutico (Eneás, 1999; Trancas et al., 2008). Isto é, à presença e ao estímulo da psicoterapeuta que possibilitaria uma Experiência Emocional Corretiva (Yoshida e Enéas, 2013; Lemgruber et al., 2013), mas que ainda não ha-via acontecido.

O procedimento ideal diante do risco de tentativa de suicídio e piora do quadro depressivo seria não parar o atendimento até que a melhora estivesse consolidada. Caso não houvesse o acompanhamento psiquiátrico particular, o dilema das férias teria recebido contornos mais difíceis a serem manejados em contexto institucional, como o de um serviço-escola. Situações como essas são inerentes ao trabalho nesses ambientes e merecem ser objeto de reflexões e problematizações contínuas, conforme apontado por Melo-Silva et al. (2005). Mesmo com todas as limitações relatadas, o que seria mais apropriado eticamente? Prestar atendimentos com limitações claras? Ou deixar o paciente sem algum recurso com o qual contar, ou simplesmente encaminhá-lo a outro local?

No caso apresentado, apesar de ter-se conseguido manter a estabilidade do paciente e o vínculo com a instituição, é importante refletir também se a demanda atendida pelo serviço-escola é compatível com suas possibilidades (Romaro e Capitão, 2003). Afinal, não se trata apenas de formar futuros profissionais, mas de atender eticamente a população que busca alívio para o seu sofrimento.

Como dito anteriormente, a estratégia de intervenção enfatizada foi a suportiva (Gabbard, 2006; Luborsky e Crits-Christoph, 1998), medida tomada com intuito de reforçar as defesas adaptativas, suprimir eventuais conflitos, para o paciente buscar melhorar a visão de si mesmo e dos outros nos relacionamentos interpessoais. Assim sendo, como o foco foi estabelecido no setor A-R, possivelmente, a melhora nesse setor poderia ser irradiada ao Pr após o término do processo breve (Lemgruber et al., 2013).

Ao final dos dois semestres de psicoterapia, o paciente foi encaminhado para mais um semestre de tratamento, com o objetivo de trabalhar questões relativas ao setor da produtividade. Pôde suportar melhor a separação da psicoterapeuta, a qual havia terminado o Curso e se desligado da instituição. Após mais esse semestre de atendimento, voltou a trabalhar, dessa vez, em negócio da família, por iniciativa própria.

 

Considerações finais

Estudar os limites e o alcance do atendimento de um paciente que apresenta sintomatologia grave em serviços-escola é um desafio a ser enfrentado e que pode beneficiar tanto os estagiários em formação quanto a comunidade atendida. O serviço-escola, por si só, constitui-se um desafio cheio de possibilidades para o ensino, a pesquisa e a extensão. São muitas as pessoas atendidas em psicoterapia a cada semestre e poucas as pesquisas publicadas sobre esse tipo de atendimento, apesar de, nos últimos anos, a visibilidade destas vir ampliando-se, com o advento das bases de dados de aces-so aberto, como SciELO e PePSIC.

O estudo de caso único constitui-se fonte de aprendizado, pois possibilita a análise mais aprofundada dos fatores que podem influenciar o movimento do paciente e utilizar tanto avaliações quantitativas quanto qualitativas ao longo do processo psicoterapêutico (Edwards, 2007; Eells, 2007; Messer, 2013). Uma das maiores vantagens dos estudos de caso único é sua ampla aplicabilidade: servem para gerar e para testar hipóteses, investigar o processo terapêutico e o processo-resultado e podem ser úteis a diversas modalidades de intervenção clínica (Serralta et al., 2011).

Nos estudos que examinam os complexos mecanismos de mudança em psicoterapia, o estudo de caso é considerado o método de excelência. No entanto, estudos com amostras maiores, além de outras variáveis, também são necessárias, a fim de se verificar se é possível generalizar os achados, o que constitui uma limitação importante deste trabalho. Outro ponto a ser ponderado diz respeito à necessidade de se avaliar outros fatores, considerados importantes, conforme a proposta de psicoterapia adotada: a motivação do paciente para a mudança, a avaliação sistemática do foco pelo Método do CCRT, a qualidade da aliança terapêutica, que comportam uma avaliação triangulada (paciente, terapeuta e observador). O conjunto desses fatores forneceria uma visão mais apurada da complexidade das condições do paciente.

Nesse sentido, uma pesquisa considerada inovadora fez uso do mesmo método de formulação do foco (CCRT) para avaliar a contratransferência (Tishby e Wiseman, 2014), que, se aplicado, forneceria pelo mesmo método informações importantes sobre terapeuta e paciente. Outra limitação importante a ser superada no contexto institucional é a dificuldade tanto material quanto ideológica para se filmar os processos psicoterápicos. Muitos dos procedimentos de análise de processo exigem a transcrição da sessão realizada e a avaliação das mesmas por juízes independentes, como é o caso do uso do CCRT, a fim de verificar as mudanças ocorridas no padrão transferencial ou em parte dele durante o processo.

Cabe ressaltar que este estudo utilizou um caso para discutir as condições de atendimento em serviço-escola e que os resultados obtidos permitiram traçar reflexões sobre a evolução de um paciente adulto grave, em PBP, que pode ser utilizada para auxiliar o desenvolvimento do raciocínio clínico apoiado em demandas reais. Por essa via, é importante abrir o diálogo em equipes interdisciplinares e considerar a rede de apoio social com a qual o paciente possa contar. Dessa maneira, é possível conceber a pessoa atendida em suas diferentes dimensões e trabalhar com objetivos claros e limitados (Aguiar et al., 2011).

Especialmente nesses contextos de aprendizagem próprio dos serviços-escola, em que se associam a inexperiência do estagiário e as condições de atendimento definidas por calendário escolar, é necessário considerar essas adversidades, pois elas podem levar ao agravamento do quadro do paciente durante o período sem atendimento. Isso se traduz no momento mais crítico e que demanda maiores atenções tanto da parte médica quanto do grupo social do paciente. Dessa forma, é importante pensar um acompanhamento sistemático que ocorra durante as férias desses pacientes, sem que com isso o justo descanso do psicoterapeuta seja comprometido, seja ele estudante ou profissional.

Por fim, a experiência do estagiário pode ser enriquecida pela realização de pesquisa, o que o coloca em contato com a prática e a realidade. O contato com as evidências empíricas que subsidiam suas intervenções, o questionamento constante sobre como e por que as pessoas mudam ao passarem por psicoterapia, para além das formulações teóricas são exercícios que potencializam o processo de formação. Discussões entre estagiário e supervisor envolvendo o autocuidado precisam ser trazidas à baila, para que questões contratransferenciais possam ser ponderadas devidamente e para que o estudante não "assuma para si" problemas que transcendem o papel que desempenha no serviço-escola, considerando também suas próprias limitações. Ademais, a pesquisa nesse ambiente acadêmico pode ser entendida como necessária à sua própria existência institucional e ao processo de formação do futuro psicólogo, pois essa atividade requer constante questionamento, levantamento de hipóteses e busca de evidências sobre a validade das mesmas (Rocha e Enéas, 2014).

Neste trabalho, foi avaliado e discutido o atendimento de um caso de paciente que apresentava sintomatologia depressiva grave, atendido em serviço-escola de Psicologia, por psicoterapeuta jovem e inexperiente, na modalidade PBP. O BDI, a EDAO-AR e o CCRT foram utilizados como instrumentos de avaliação. A discussão foi pautada nos escores obtidos quando da aplicação dos dois primeiros instrumentos ao longo do processo, por meio de três medidas realizadas nas fases inicial, medial e final, além de o CCRT ter sido considerado qualitativamente. Novos estudos com metodologia semelhante poderão ser realizados, e outras estratégias de avaliação, assim como de análise de dados, poderão ser consideradas. Desse modo, espera-se que o tripé ensino-pesquisa-extensão possa ser fortalecido e se expresse, inclusive, no aumento de publicações que se ocupem de avaliações de processos e de mudanças conduzidas em serviço-escola de Psicologia no Brasil.

 

Referências

AGUIAR, C.C.; CASTRO, T.R.; CARVALHO, A.F.; VALE, O.C.; SOUZA, F.C.; VASCONCELOS, S.M. 2011. Drogas antidepressivas. Acta Médica Portuguesa, 24(1):91-98.         [ Links ]

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 2013. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5). 5ª ed., Washington, American Psychiatric Publishing, 947 p.         [ Links ]

ANDRADE, L.H.; WANG, Y.P.; ANDREONI, S.; SILVEIRA, C.M.; ALEXANDRINO-SILVA, C.; SIU, E.R.; NISHIMURA, R.; ANTHONY, J.C.; GATTAZ, W.F.; KESSLER, R.C.; VIANA, M.C. 2012. Mental disorders in megacities: Findings from the Sao Paulo megacity mental health sur vey, Brazil. PLoS ONE, 7(2):31879. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0031879        [ Links ]

BECK, A.T.; WARD, C.H.; MENDELSON, M.; MOCK, J.; ERBAUGH, G. 1996. An Inventory for Measuring Depression. Archives of General Psychiatry, 4: 53-63.         [ Links ]

BOOK, H.E. 2003. How to practice brief dynamic psychotherapy - The Core Conflictual Relationship Theme Method. Washington, D.C., American Psychological Association, 181 p.         [ Links ]

CASTONGUAY, L.G.; MURAN, J.C. 2015. Fostering collaboration between researchers and clinicians through building practice-oriented research: An introduction. Psychotherapy Research, 25(1):1-5. http://dx.doi.org/10.1080/10503307.2014.966348        [ Links ]

CASTONGUAY, L.G.; PINCUS, A.L.; MCALEAVEY, A.A. 2015. Practice-Research Network in a psychology training clinic: Building an infrastructure to foster early attachment to the scientific-practitioner model. Psychotherapy Research, 25(1):52-66. http://dx.doi.org/10.1080/10503307.2013.856045        [ Links ]

DRIESSEN, E.; CUIJPERS, P.; DE MAAT, S.C.; ABBASS, A.A.; DE JONGHE, F.; DEKKER, J.J. 2010. The efficacy of short-term psychodynamic psychotherapy for depression: a meta-analysis. Clinical Psychology Review, 30(1):25-36. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpr.2009.08.010        [ Links ]

EDWARDS, D.J.A. 2007. Collaborative versus adversarial stances in scientific discourse: Implications for the role of systematic case studies in the development of evidence-based practice in psychotherapy. Pragmatic Case Studies in Psychotherapy, 3(1):6-34 http://dx.doi.org/10.14713/pcsp.v3i1.892        [ Links ]

EELLS, T.D. 2007. Generating and generalizing knowledge about psychotherapy from pragmatic case studies. Pragmatic Case Studies in Psychotherapy, 3(1):35-54. http://dx.doi.org/10.14713/pcsp.v3i1.893        [ Links ]

ENÉAS, M.L.E. 1999. Psicoterapia breve e prevenção: flexibilidade da técnica para ampliar sua indicação. Cadernos de Psicologia da SBP, 5(1):87-97.         [ Links ]

ENÉAS, M.L.E. 2012. Psicoterapia breve psicodinâmica de adultos. In: M.N.E. LIPP; E.M.P. YOSHIDA (orgs.), Psicoterapias breves nos diferentes estágios evolutivos. São Paulo, Casa do Psicólogo, p. 153-176.         [ Links ]

ENÉAS, M.L.E.; DANTAS, M. 2011. Critérios de indicação de psicoterapia breve em clínica-escola com pacientes difíceis. In: S.F.S. CAVALINI; C. BASTIDAS (orgs.), Clínica Psicodinâmica - olhares contemporâneos. São Paulo, Vetor, p. 153-170.         [ Links ]

ENÉAS, M.L.E.; ROCHA, G.M.A. 2011. Momentos decisivos em psicoterapia breve psicodinâmica: manejo do término. In: S.F.S. CAVALINI; C. BASTIDAS (orgs.), Clínica psicodinâmica - olhares contemporâneos. São Paulo, Vetor, p. 129-144.         [ Links ]

GABBARD, G.O. 2006. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. 4ª ed., Porto Alegre, Artmed, 652 p.         [ Links ]

GEBARA, A.C.; ROSA, J.T.; SIMON, R.; YAMAMOTO, K. 2004. Eficácia terapêutica da interpretação teorizada na psicoterapia breve. Psic: Revista da Vetor Editora, 5(1):6-15.         [ Links ]

GEBARA, A.C.; SIMON, R. 2008. Pesquisa sobre a eficácia terapêutica da interpretação teorizada na psicoterapia breve. Psicologia hospitalar (São Paulo), 6(2):40-60.         [ Links ]

GILLIÉRON, E. 2004. Introdução às psicoterapias breves. São Paulo, Martins Fontes, 306 p.         [ Links ]

GIOVANETTI, R.M.; SANT'ANNA, P.A. 2005. Estratégias de psicodiagnóstico interventivo e apoio em crises adaptativas por meio do jogo de areia e da EDAO. Psicologia Reflexão e Crítica, 18(3):402-407. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000300014        [ Links ]

GORENSTEIN, C.; WANG, Y-P.; ARGIMON, I.I.L.; WERLANG, B.S.G. 2011. BDI-II - Manual do Inventário de Depressão de Beck. São Paulo, Casa do Psicólogo, 156 p.         [ Links ]

HONDA, G.C.; YOSHIDA, E.M.P. 2012. Mudança em pacientes de clínica-escola: Avaliação de resultados e processos. Paidéia, 22(51):73-82. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2012000100009        [ Links ]

KAZDIN, A.E. 2009. Understanding how and why psychotherapy leads to change. Psychotherapy Research, 19(4-5):418-428. http://dx.doi.org/10.1080/10503300802448899        [ Links ]

KRAUSE, M.; DE LA PARRA, G.; ARÍSTEGUI, R.; DAGNINO, P.; TOMICIC, A.; VALDÉS, N.; VILCHES, O.; ECHÁVARRI, O.; BEN-DOV, P.; REYES, L.; ALTIMIR, C.; RAMIREZ, I. 2006. Indicadores Genéricos de Cambio en el Proceso Psicoterapéutico. Revista Latinoamericana de Psicologia, 38(2):299-325.         [ Links ]

LEMGRUBER, V.; JUNQUEIRA, A.; STINGEL, A.; AGOSTINI, E. 2013. Psicoterapia psicodinâmica breve integrada. In: E.M.P. YOSHIDA; M.L.E.ENÉAS (orgs.), Psicoterapias psicodinâmicas breves: propostas atuais. 3ª ed., Campinas, Alínea, p. 231-270.         [ Links ]

LUBORSKY, L.; CRITS-CHRISTOPH, P. 1998. Understanding transference: the Core Conflictual Relationship Theme method. Washington, American Psychological Association, 379 p. http://dx.doi.org/10.1037/10250-000        [ Links ]

MARAVIESKI, S.; SERRALTA, F.B. 2011. Características clínicas e sociodemográficas de clientela adulta atendida em uma clínica-escola de Psicologia. Temas de Psicologia, 19(2):481-490.         [ Links ]

MELO-SILVA, L.L.; SANTOS, M.A.; SIMON, C. 2005. Serviço-Escola em Psicologia: a construção do saber prático. In: L.L. MELO-SILVA; M.A. SANTOS; C.P. SIMON (orgs.), Formação em Psicologia - serviços-escola em debate. São Paulo, Vetor, p. 21-30.         [ Links ]

MESSER, S.B. 2013. Three mechanisms of change in psychodynamic therapy: insight, affect, and alliance. Psychotherapy, 50(3):408-412. http://dx.doi.org/10.1037/a0032414        [ Links ]

OLIVEIRA, E.P. 2001. Eficácia da psicoterapia breve operacionalizada com pacientes com hipertensão essencial. Mudanças, 9(16):64-85.         [ Links ]

PAPARELLI, R.B.; MARTINS, M.C.F. 2007. Psicólogos em formação: vivências e demandas e plantão psicológico. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(1):64-79. http://dx.doi.org/10.1590/s1414-98932007000100006        [ Links ]

PEREIRA, M.; VASCO, A.B.; AFONSO, H.; BAPTISTA, T. 2011. O Serviço de Psicoterapia e Aconselhamento (Adultos) Aberto à Comunidade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (12 anos de serviço): caracterização, perfis de usuários e resultados. Psicologia, 25(1):33-50.         [ Links ]

ROCHA, G.M.A. 2013. O método do Tema Central de Relacionamento Conflituoso - CCRT. In: E.M.P. YOSHIDA; M.L.E. ENÉAS (orgs.), Psicoterapias psicodinâmicas breves: propostas atuais. 3ª ed., Campinas, Alínea, p. 71-96.         [ Links ]

ROCHA, G.M.A.; ENÉAS, M.L.E. 2014. Pesquisa na clínica psicológica. In: B. CARPIGIANI; S.R.A. LOPES (orgs.), Espaço de formação do psicólogo no Brasil. São Paulo, Ed. Mackenzie, p. 89-98.         [ Links ]

ROMARO, R.A.; CAPITÃO, C.G. 2003. Caracterização da clientela da clínica-escola de Psicologia da Universidade São Francisco. Psicologia: Teoria e Prática, 5(1):111-121.         [ Links ]

SANTEIRO, T.V.; ROCHA, G.M.A.; ARAÚJO, D.S.A. 2013. Implantação de um serviço-escola de Psicologia no centro-oeste brasileiro: usuários e atendimentos. Perspectivas em Psicologia, 17(2):65-82.         [ Links ]

SERRALTA, F.B.; NUNES, M.L.; EIZIRIK, C.L. 2011. Considerações metodológicas sobre o estudo de caso na pesquisa em psicoterapia. Estudos de Psicologia, 28(4):501-510.         [ Links ]

SIMON, R. 1989. Psicologia clínica preventiva: novos fundamentos. São Paulo, EPU, 137 p.         [ Links ]

SIMON, R. 1997. Proposta de redefinição da EDAO (Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada. Boletim de Psicologia, 47(107):85-94.         [ Links ]

SIMON, R. 2000. Relação entre o diagnóstico operacionalizado, a psicopatologia da depressão e psicoterapia psicanalítica. Mudanças, 8(13):165-190.         [ Links ]

TISHBY, O.; WISEMAN, H. 2014. Types of counter-transference dynamics: An exploration of their impact on the client-therapist relationship. Psychotherapy Research, 24(30):360-375. http://dx.doi.org/10.1080/10503307.2014.893068        [ Links ]

TRANCAS, B.V.; MELO, J.C.; SANTOS, N.B. 2008. O pássaro Dodó e os factores comuns em psicoterapia. Psilogos, 4(2/5):75-87.         [ Links ]

WANG, Y.P.; GORENSTEIN, C. 2014. Attitude and impact of perceived depression in the workplace. International Journal of Environmental Research and Public Health, 11(6):6021-6036. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph110606021        [ Links ]

WARD, E.; KING, M.; LLOYD, M.; BOWER, P.; SIBBALD, B.; FARRELLY, S.; GABBAY, M.; TARRIER, N.; ADDINGTON-HALL, J. 2000. Randomised controlled trial of non-directive counselling, cognitive-behaviour therapy, and usual general practitioner care for patients with depression. I: Clinical effectiveness. BMJ, 321(7273):1383-1388. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.321.7273.1383        [ Links ]

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). 2012. Depression. A Global Public Health Concern Developed by Marina Marcus, M. Taghi Yasamy, Mark van Ommeren, and Dan Chisholm, Shekhar Saxena. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Disponível em: http://www.who.int/mental_health/management/depression/wfmh_paper_depression_wmhd_2012.pdf?ua=1. Acesso em: 30/12/2014.         [ Links ]

YAMAMOTO, K. 2004. Estudo da eficácia adaptativa de trabalhadoras noturnas sugerindo psicoterapia breve operacionalizada. Mudanças, 12(1):115-140.         [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P. 2000. Mudança em psicoterapia psicodinâmica breve: eficácia adaptativa e funcionamento defensivo. Revista Brasileira de Psicoterapia, 2(3):261-276.         [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P. 2002. Escala de estágios de mudança: uso clínico e em pesquisa. Psico-USF, 7(1):59-66.         [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P. 2005. Recepção, acolhimento, triagem e pesquisa na clínica psicológica. In: L.L. MELO-SILVA; M.A. SANTOS; C.P. SIMON (orgs.), Formação em Psicologia: serviços-escola em debate. São Paulo, Vetor, p. 271-280.         [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P. 2013. Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada de Autorrelato - EDAO-AR: evidências de validade. Paidéia, 23(54):83-91. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272354201310        [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P.; ELYSEU JR., S.; SILVA, F.R.C.S.; FINOTELLI JR., I.; SANCHES, F.M.; PENTEADO, E.F.; ROCHA, G.M.A.; ENÉAS, M.L.E. 2009. Psicoterapia psicodinâmica breve: estratégia terapêutica e mudança no padrão de relacionamento conflituoso. Psico-USF, 14(3):275-285. http://dx.doi.org/10.1590/s1413-82712009000300004        [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P.; ENÉAS, M.L.E. 2013. A proposta do núcleo de estudos e pesquisa em psicoterapia breve para adultos. In: E.M.P. YOSHIDA; M.L.E. ENÉAS (orgs.), Psicoterapias psicodinâmicas breves: propostas atuais. 3ª ed., Campinas, Alínea, p. 231-270.         [ Links ]

YOSHIDA, E.M.P.; ROCHA, G.M.A. 2007. Avaliação em Psicoterapia Psicodinâmica. In: J.C. ALCHIERI (org.), Avaliação psicológica: perspectivas e contextos. São Paulo, Vetor, p. 237-280.         [ Links ]

 

 

Submetido: 21/04/2015
Aceito: 14/12/2015

 

 

Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.

Creative Commons License