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Contextos Clínicos

versión impresa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.9 no.2 São Leopoldo jun./dic. 2016

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.92.11 

ARTIGOS

 

Abuso sexual infanto-juvenil na perspectiva das mães: uma revisão sistemática

 

Child and adolescent sexual abuse: a systematic review

 

 

Francieli Sufredini; Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré; Scheila Krenkel

Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário, Trindade, 88040-500, Florianópolis, SC, Brasil. franpoulain@gmail.com, carmenloom@gmail.com, scheilakrenkel@gmail.com

 

 


RESUMO

As mães têm um importante papel no prognóstico da violência sexual infanto-juvenil. Este estudo teve por objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura sobre o abuso sexual infanto-juvenil, na perspectiva das mães de crianças e adolescentes envolvidos. O levantamento bibliográfico dos artigos empíricos brasileiros foi realizado nas bases de dados LILACS, PePSIC, SciELO, Index Psi, RedAlyc e Scopus, relativo ao período de 2005 a 2015. Utilizaram-se os descritores "abuso sexual", "violência sexual", "mães" e "família". Foram encontrados 227 estudos, dos quais 18 deles fizeram parte do corpus analítico deste artigo. Os resultados apontaram para o predomínio de estudos qualitativos com a utilização de entrevista semiestruturada. Dentre os temas, destacaram-se o abuso como fenômeno transgeracional, reações maternas frente aos abusos sexuais vivenciados por seus filhos, consequências da revelação do abuso para as mães e seus relacionamentos, e suporte materno e estratégias de enfrentamento. Os achados mostraram a necessidade da realização de pesquisas longitudinais que evidenciem as repercussões da revelação no contexto dos vínculos familiares e relacionais das mães, utilizando instrumentos complementares, como inventários, Genograma e Mapa de Redes.

Palavras-chave: abuso sexual infantil, violência sexual, mães, infância, adolescência.


ABSTRACT

Mothers have an important role in the prognosis of child and adolescent sexual abuse. The objective of this study was to present a systematic review of literature on child and adolescent sexual abuse from the perspective of the mothers of such victims. The bibliographic research was realized through the databases LILACS, PePSIC, SciELO, Index Psi, RedAlyc, and Scopus, comprising of empirical papers published in Brazil from 2005 to 2015. The keywords used were "abuso sexual" (sexual abuse), "violência sexual" (sexual assault), "mães" (mothers), and "família" (family). Out of 227 matching papers, 18 were selected for analysis in the corpus of this article. The results point towards a prevalence of qualitative papers using semistructured interviews. The subjects featured sexual abuse as a transgenerational phenomena, maternal reaction facing the sexual abuse of their children, consequences of sexual abuse disclosure to mothers and their parent-child relationship, and maternal support and coping strategies. The findings reveal the need for longitudinal research that corroborate the repercussions of the abuse disclosure in the context the mother's familial and relational bonds making use of complementary tools, such as inventories, Genogram and the Social Networks Map.

Keywords: child sexual abuse, sexual assault, mothers, childhood, adolescence.


 

 

Introdução

No ano de 2012, foram realizadas 31.551 denúncias de abuso sexual infanto-juvenil pelo Disque Direitos Humanos - Disque 100, que é o serviço de atendimento telefônico gratuito destinado a receber notificações relativas a violações de Direitos Humanos no país (Brasil, 2014a). No entanto, tais dados não expressam o número real de situações de abuso sexual infantil, uma vez que a maior parte dos casos não é notificada ou denunciada. A Organização Mundial da Saúde considera que a violência mais devastadora em termos desenvolvimentais é o abuso sexual infanto-juvenil e estima que, no contexto mundial, uma a cada cinco mulheres e um a cada treze homens vivenciaram abuso sexual na infância ou adolescência (World Health Organization, 2004, 2014).

Considerando a elevada prevalência epidemiológica e os prejuízos para o desenvolvimento infantil, o Brasil tem implantado um sistema legislativo e políticas públicas para combater o abuso sexual contra suas crianças e adolescentes. Com o advento da Constituição Federal de 1988, os princípios da proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes são marcados com absoluta prioridade, atribuindo à família, à sociedade e ao Estado o dever de garantir que toda criança e adolescente esteja a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão (Brasil, 1988). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 2002), sancionado em 1990, preza, em seu artigo 5º, que serão punidos na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. No contexto brasileiro, as situações de violência contra crianças e adolescentes são acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), ofertado obrigatoriamente pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Em 2012, havia 51.340 casos de abuso sexual atendidos no país, em âmbito de CREAS (Brasil, 2009, 2014b).

O abuso sexual infanto-juvenil é compreendido como todo ato ou jogo sexual cujo autor de violência encontra-se em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado do que a criança ou o adolescente, com o objetivo de gratificação sexual do primeiro (São Paulo, 2007). A criança é envolvida em uma atividade sexual que ela não compreende totalmente, para a qual ela não é hábil para dar consentimento ou para a qual ela não está preparada em termos desenvolvimentais. Ocorre por meio de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, ameaça ou indução de sua vontade, podendo variar desde atos em que não se produz o contato sexual (voyerismo, exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de ações que incluem contato sexual sem ou com penetração (Habigzang et al., 2011; World Health Organization, 2004).

O fenômeno do abuso sexual pode ocorrer de forma extra ou intrafamiliar, sendo este último mais frequente, segundo dados demográficos nacionais e internacionais (Contreras et al., 2010; Kristensen et al., 1999). O abuso sexual intrafamiliar ou incestuoso acontece nas relações em que o adulto que abusa deveria assumir uma função de proteção, ainda que o vínculo não seja de consanguinidade (Habigzang et al., 2005). Perpetrado por pessoas diretamente ligadas à criança e que exercem poder sobre elas, tais como pai, padrasto, tio, avô, ou outra figura afetiva próxima, o abuso sexual intrafamiliar geralmente não deixa marcas físicas nas vítimas. A dinâmica de funcionamento da situação de abuso sexual é bastante específica e diferenciada das demais modalidades de violência contra crianças e adolescentes, pois os contatos sexualizados iniciam-se sutilmente e, conforme o abusador adquire a confiança da vítima, tornam-se gradualmente mais íntimos (De Antoni e Koller, 2002; Habigzang, et al., 2005; Santos e Dell'Aglio, 2009).

Pesquisas indicam que a capacidade das crianças em lidarem com a experiência de abuso sexual está associada ao fato das mães acreditarem em seus relatos e também de lhes darem apoio (Baía et al., 2014; Santos e Dell'Aglio, 2013). Nesse contexto, são poucos os estudos direcionados para a compreensão sobre o impacto do abuso sexual no cotidiano das mães dessas crianças, bem como sobre as estratégias para lidar com os danos da violência e/ou de sua revelação (Inoue e Ristum, 2010).

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura sobre o abuso sexual infanto-juvenil na perspectiva das mães de crianças e adolescentes envolvidos, publicados nos últimos dez anos em língua portuguesa e no contexto brasileiro. Considera-se que a relevância dessa revisão sistemática é a de se aproximar da produção de conhecimento já pesquisada sobre o abuso sexual infanto-juvenil e identificar as lacunas relacionadas à pesquisa e intervenção sobre o tema. Dessa forma, possibilitar-se-á aos pesquisadores e profissionais tecer reflexões para uma melhor compreensão do fenômeno em si e seus efeitos no processo de desenvolvimento de todos os membros familiares implicados na situação de abuso sexual.

 

Método

Realizou-se uma revisão sistemática da literatura em torno da temática nas seguintes bases de dados: LILACS, PePSIC, SciELO, Index Psi Periódicos Técnico-Científicos, RedAlyc e Scopus. Foram utilizados os descritores "abuso sexual", "violência sexual", "mães" e "família", com o operador booleano AND entre os termos, combinando os dois primeiros descritores com os dois últimos (exemplo: "abuso sexual" AND "mães") e buscando-os em todo o conteúdo do artigo. Para localizar as publicações, foram adotados como critérios de inclusão: (a) artigos, dissertações ou teses publicadas entre janeiro de 2005 e dezembro de 2015, (b) redigidos (as) no idioma português, (c) que tinham como participantes mães de crianças ou adolescentes que sofreram abuso sexual, (d) que apresentassem resultados empíricos, (e) que tivessem texto disponibilizado na íntegra.

A análise dos resumos ocorreu no primeiro semestre de 2016, mantendo os artigos, dissertações ou teses que tratavam sobre estudos empíricos em que havia como participantes mães de crianças ou adolescentes que vivenciaram situação de abuso sexual. Foram excluídos estudos que tratavam de: (a) revisões teóricas; (b) estudos empíricos com vítimas, profissionais, autores de violência sexual ou outros participantes que não as mães; (c) livros, capítulos de livros, resenhas e afins; (d) exploração sexual ou demais violências (física, psicológica, negligência) que não exclusivamente a sexual contra crianças e/ou adolescentes. Todo o processo de seleção dos estudos pode ser visualizado na Figura 1

A análise dos estudos foi realizada em duas etapas: na primeira etapa, os artigos foram lidos integralmente e classificados com relação ao ano de publicação, objetivo do estudo, natureza do estudo, número de participantes, técnicas de coleta de dados e análise de dados. Na segunda etapa, o conteúdo dos artigos que constituem o corpus de análise deste estudo foi agrupado em categorias que congregaram temáticas similares, a fim de organizar a apresentação dos temas investigados e dos principais resultados. Inicialmente, foram criadas sete categorias, que passaram por um processo de reavaliação após a releitura dos artigos, de modo que algumas delas foram aglutinadas e outras foram expandidas, mediante consenso entre três juízes, que eram pesquisadores do laboratório responsável por este estudo. Restaram para análise e apresentação final quatro categorias: o abuso como fenômeno transgeracional, reações maternas frente aos abusos sexuais vivenciados por seus filhos, consequências da revelação do abuso para as mães e seus relacionamentos (amorosos e familiares), e suporte materno e estratégias de enfrentamento.

 

Resultados e discussão dos dados

Dos 18 estudos selecionados nesta revisão sistemática, observou-se que foi comum o emprego de técnicas de levantamento de dados (que utiliza instrumentos como questionários ou entrevistas para acessar o fenômeno em questão), com destaque para a utilização de entrevistas (n=13), ou associando a entrevista com outras técnicas e instrumentos, como inventário e prontuários (n=2). Um estudo utilizou a observação como técnica de coleta de dados e outro realizou a aplicação de uma escala. Apenas um estudo mesclou técnicas de observação, entrevista e Genograma.

Todas as pesquisas foram de natureza transversal, e 17 delas recorreram à análise qualitativa dos dados, sendo que apenas um artigo descreve a utilização de um referencial qualitativo-quantitativo. Dos 18 estudos desta revisão sistemática, 15 analisaram os dados de forma textual, subdivididos em análise textual de conteúdo (n=8), análise de conteúdo construtiva-interpretativa (n=2), análise do discurso do sujeito coletivo (n=3), análise textual discursiva (n=1) e análise hierárquica descendente (n=1), conforme classificação realizada pelos respectivos autores. Um estudo utilizou análise estatística descritiva, e dois outros não informaram uma técnica de análise propriamente dita.

Quanto ao ano de publicação, a maior parte dos estudos foi publicada no ano de 2009 (n=5) e 2010 (n=4). Em 2007 e 2012, foram publicados, respectivamente, dois trabalhos (n=4) e, nos anos de 2008, 2011, 2013, 2014 e 2015, apenas um trabalho por ano. Os estudos encontrados tiveram entre 1 e 27 participantes, com uma média de 9,5 participantes. Todos os objetivos dos estudos, bem como os demais dados acerca de técnicas e instrumentos de coleta, natureza do estudo, número de participantes e análise dos dados, podem ser visualizados na Tabela 1.

A maior parte dos estudos (n=15) identificou que o abuso sexual vivenciado pelas crianças e adolescentes de suas amostras foi intrafamiliar, em conformidade com dados demográficos nacionais e internacionais (Contreras et al., 2010; Kristensen et al., 1999). Impende destacar que, mesmo em um dos estudos que foi realizado com mães que tiveram filhas abuabusadas de forma extrafamiliar, foram encontrados aspectos em comum com o abuso sexual intrafamiliar, tais como síndrome do segredo e gratificação secundária. Sabe-se que esse tipo de vinculação pode ser deletério para os futuros relacionamentos da criança, já que ela pode entender que as relações afetivas, principalmente as amorosas/sexuais, são pautadas pelo estabelecimento de barganhas materiais (De Antoni et al., 2011).

Já o segredo é característico de famílias incestuosas, sendo que o abusador, por ser alguém próximo à criança, em quem ela confia e de quem depende, utiliza essa relação para manter o sigilo. O segredo tem a função de manter a estrutura familiar, sendo que a revelação do abuso pode acarretar alterações no sistema familiar ou, ainda, pode implicar o ingresso no sistema de justiça (Amazonas et al., 2009; Dobke et al., 2010; Santos e Dell'Aglio, 2009). Além disso, o abuso sexual perpetrado por um pai muitas vezes se traveste de cuidado e de amor pelas filhas, mescla-se de atenção e fortalece-se numa relação de dependência afetiva mútua entre todas as pessoas implicadas (Penso et al., 2009).

O incesto é concebido como um problema fundamentalmente familiar, em que todos os membros, de alguma maneira, testemunham o que ocorre na família (Amazonas et al., 2009), e a permanência da situação abusiva conta com a participação, mesmo que indireta e não consciente, de outros familiares, em especial da mãe. O modo que essas mães vivenciam a conjugalidade e as experiências de violência e parentalidade em sua família de origem parece ter influência sob tais reações (Penso et al., 2009; Santos e Dell'Aglio, 2009).

 

O abuso como fenômeno transgeracional: as violências não tiveram início nesta geração

A transgeracionalidade é compreendida por aquilo que é passado de uma geração à outra e que faz com que padrões relacionais se mantenham ao longo das gerações, sendo que alguns desses padrões podem ser geradores de sofrimento, como os modos violentos de se relacionar. Quanto mais alto for o nível de indiferenciação de sua família de origem, maior é a probabilidade de que as interações - inclusive violentas - sejam repetidas em outras relações e gerações (Bowen, 1991; Scantamburlo et al., 2012).

Penso et al. (2009), em um estudo sobre relações conjugais e familiares diante do abuso sexual infantil, observaram que as mulheres que falham ao proteger suas filhas tiveram experiências de submissão ao poder masculino nas gerações anteriores e sugerem que tais vivências possam ter originado uma confusão relativa quanto ao cuidado e à proteção consigo mesma e com seus filhos. Uma das mães do estudo não desmentia a agressão sofrida pela filha, mas privilegiava a relação conjugal como se essa ficasse de fora do âmbito violento do marido. Outra mãe sofreu espancamentos desde menina e necessitou da ajuda de uma vizinha para interromper o ciclo de abuso com suas filhas, porque seus espancamentos, também na relação conjugal, não se constituíram como razões de se separar do companheiro.

Buscando compreender a história familiar dessas mães, as referidas autoras (Penso et al., 2009) observaram que há relação entre as violências sofridas pelas mães (física, sexual ou emocional) em suas famílias de origem e a escolha e aceitação dos parceiros. As autoras também constataram que essas mães, muitas vezes, permanecem imersas num processo de "cegueira" para os atos de violência dos companheiros com suas filhas e até mesmo com elas próprias. Parece que essas mulheres procuraram e encontraram parceiros que repetem o modelo de abandono e violência vividos nas suas famílias de origem. Assim, esse processo permite que revivam o vínculo emocional e mantenham o lugar que ocupavam nas suas famílias de origem, já que o desconhecido costuma ser mais ameaçador do que a pior das realidades. As mulheres aprisionadas nessas relações (e infantilizadas frente a uma conjugalidade mais madura) têm muita dificuldade no exercício do papel materno, em sua dimensão de proteção. De certo modo, isso acontece pela naturalização de situações de abuso na família, o que as leva a manter ou aceitar o convívio com o autor da violência. Nesse processo, comumente, desconsideram as barreiras geracionais e adultizam as filhas, criando relações de rivalidade e desconfiança com elas (Penso et al., 2009).

Borges e Dell'Aglio (2008), Santos e Dell'Aglio (2009) e De Antoni et al. (2011) também constataram que a história de vida de mães de vítimas de abuso sexual infantil foi caracterizada pela presença de outras formas de violência, incluindo abuso físico, negligência, abandono e trabalho infantil, indicando a transgeracionalidade desses tipos de violência. Essas vivências na infância podem influenciar negativamente o desenvolvimento da parentalidade dessas mães, pois, não tendo modelo parental protetivo, amoroso e cuidadoso, podem não saber como atentar para as necessidades de seus filhos. Santos e Dell'Aglio (2009) identificaram que as dificuldades de relacionamento eram frequentes entre os membros da família de origem das mães entrevistadas. Além dos maus-tratos vivenciados na infância das mães, também se observou como fatores de risco para o abuso sexual infantil a ignorância em relação aos cuidados com os filhos e confusões de papéis na família (Amazonas et al., 2009). O uso de álcool e drogas pelos membros familiares, a presença de conflitos conjugais e pais com algum transtorno psiquiátrico, principalmente transtornos de humor, de ansiedade e psicose também são apontados como presentes no contexto de abuso sexual (Borges e Dell'Aglio, 2008). A privação material, assim como ter uma infância (das vítimas ou das mães) permeadas por perdas significativas também foram citados por De Antoni et al. (2011).

Algumas mães, ao saberem da vitimização de seus filhos, têm de lidar, ainda, com a revivência do próprio abuso sexual, haja vista que estudos indicam a transgeracionalidade também da violência sexual (Lima e Alberto, 2010; Santos e Dell'Aglio, 2009). Penso e Neves (2008) apontam que a repetição desse fenômeno acompanha gerações em meio a segredos ou uma não significação do ato como violência em si, especialmente se quando criança essas mães não tiveram a chance de ter sua palavra acolhida e ratificada por seus cuidadores. As autoras ressaltam que o risco da transmissão e da repetição advém justamente dos impasses e tropeços na significação dessa vivência.

Os estudos que compunham essa categoria encontraram que as mães das crianças e adolescentes vitimizados também tinham história de abuso sexual na infância, sendo que, em alguns casos, os abusadores das filhas eram os mesmos das mães. Ao tomarem conhecimento do abuso sexual de suas filhas, as mães relataram reviver a sua própria experiência. Para algumas delas, o fato de também terem passado por essa experiência durante a infância ou adolescência acabou contribuindo para que acreditassem no relato de abuso sexual de suas filhas (Santos e Dell'Aglio, 2013).

 

Reações maternas frente aos abusos sexuais vivenciados por seus filhos

A mãe é a pessoa que mais influencia na possível decisão da criança de revelar ou não a violência (e de que forma fazê-lo), assim como influencia toda a família no manejo com a situação (Lima e Alberto, 2010). Na perspectiva dos autores mencionados, apesar de haver discursos de conivência, culpa e cumplicidade maternas diante do abuso sexual contra as filhas, a maioria das mães aparenta não estar ciente de que tal abuso ocorre e, quando sabem, elas são as que mais denunciam os abusos intrafamiliares.

De modo geral, as meninas revelam o abuso a uma figura afetiva, como a própria mãe e avós. Na maior parte dos casos, as mães acreditam no relato de suas filhas e promovem ações protetivas, bem com realizam denúncia em algum órgão institucional competente (delegacia, conselho tutelar e hospital). A minoria das mães apresentou sentimentos de ambivalência e de descrédito frente ao relato das filhas e não providenciaram suporte de proteção e/ou buscaram preservar o vínculo afetivo com o suposto abusador. As reações ambivalentes são caracterizadas, principalmente, por sentimentos simultâneos de raiva amor e carinho em relação ao abusador e por dúvida em relação à veracidade do abuso sexual (Borges e Dell'Aglio, 2008; Santos e Dell'Aglio, 2009, 2013).

É preciso considerar que a decisão de acreditar na filha pode resultar em mudanças na família: além de perderem seus companheiros, as mães podem perder o status social, a autoestima, em função de terem se envolvido com uma pessoa capaz de cometer tamanha violência, e a segurança material, pois, em muitas situações, o companheiro abusador é o principal provedor do sustento da família (Dobke et al., 2010). De acordo com Lima e Alberto (2010), ao mesmo tempo em que sente raiva e ciúme, a mãe atribui a si a culpa por não ter protegido o filho ou filha. Entre os sentimentos iniciais vivenciados pelas mães nos casos de abuso sexual intrafamiliar, encontra-se uma confusão diante da suspeita ou constatação de que o companheiro de fato está cometendo o abuso e também frente aos sentimentos ambivalentes desenvolvidos em relação ao filho ou filha. Negar, desmentir o filho vitimado ou culpá-lo pela sedução é uma forma de suportar o impacto da violência, desilusão e frustração diante da ameaça de desmoronamento da família (Lima e Alberto, 2010, 2012).

A literatura tradicionalmente associa o suporte prestado por mães que tiveram filhas abusadas por pessoas externas à família mais adequado em comparação a contextos de abuso intrafamiliar (Baía et al., 2014). Em um estudo que procurou caracterizar o suporte materno na descoberta e revelação do abuso sexual infantil, de amostra composta em sua maioria por casos de abuso sexual extrafamiliar, os autores da pesquisa relataram que todas as genitoras entrevistadas apresentaram um suporte materno caracterizado pela credibilidade, sendo que essas mães também tiveram ações protetivas: após a descoberta do abuso sexual, buscaram afastar as vítimas do contato com o agressor, mantiveram-nas sob a sua supervisão ou sob os cuidados de um familiar responsável, realizaram a denúncia contra os agressores e se engajaram no acompanhamento psicossocial às vítimas (Baía et al., 2014).

No entanto, outro estudo encontrou dados divergentes, revelando que nem todas as mães que tiveram filhas abusadas por alguém desconhecido e/ou sem vínculo afetivo prestaram suporte adequado (De Antoni et al., 2011). Essas autoras observaram em entrevistas com mães que elas pareciam mais preocupadas com seu possível envolvimento jurídico do que com o bem-estar das filhas, sendo que, em seu discurso, era comum minimizarem e naturalizarem a violência sofrida, ou até mesmo culparem as meninas pelo abuso sofrido. Aparentemente, tais mães não compreendem o papel de apoio emocional e protetivo que a família deve desempenhar no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

 

Consequências da revelação do abuso para as mães e seus relacionamentos

Como consequências da revelação do abuso sexual, as mães experienciam sentimentos de culpa por não terem protegido as filhas, além de sofrimento, dor, tristeza, vergonha, choque, angústia, desespero, desconfiança e embotamento afetivo. Também foram comuns relatos de sentimento de falta de proteção e apoio, medo, preocupação, aflição, impotência, sensação de distanciamento e falta de perspectivas, revolta e pensamentos suicidas e homicidas (Amazonas et al., 2009; Carvalho, 2007; Carvalho et al., 2010, 2009; Costa et al., 2009; Lima e Alberto, 2010, 2015; Santos e Dell'Aglio, 2013).

Em um estudo que avaliou a Satisfação de Vida (SV) de diferentes membros familiares após o encerramento de processo judicial referente a vivência de abuso sexual por parte de uma criança ou adolescente, observou-se que foram as mães das crianças e adolescentes abusados que apresentaram menor satisfação e bem-estar, mostrando que possivelmente são elas as mais impactadas pela experiência. Tal estudo revelou, ainda, que, quando comparadas às médias de SV das vítimas e de seus irmãos, o resultado é surpreendente, pois as vítimas apresentaram médias mais altas em todos os domínios da SV infantil. Os autores ressaltaram que, após a descoberta do abuso, as vítimas foram alvo de uma série de ações da rede de proteção: todas tiveram acesso à psicoterapia e desfrutaram de um espaço para tentar elaborar a situação abusiva. Os baixos níveis de SV encontrados entre irmãos de vítimas indicaram que os programas de proteção e acompanhamento estiveram demasiadamente focados na vítima, por mais que haja consenso na literatura que o abuso sexual infantil é um fenômeno que atinge toda a família (Pincolini e Hutz, 2012).

As mães de crianças que vivenciam abuso sexual se deparam com perdas próprias, perdas para os seus filhos e para toda a família, com confusões, conflitos e ameaças (Dobke et al., 2010). Uma dessas perdas diz respeito à criança imaculada, intocada, sendo que a mãe tem de se adaptar à nova rotina de acompanhamentos psicológicos e depoimentos em delegacias, bem como à ameaça da ocorrência de outros episódios de violência (Inoue e Ristum, 2010).

Tais sentimentos podem ser agravados pelo espaço vazio que se forma entre a denúncia do abuso sexual e a decretação das medidas protetivas. O sentimento de impunidade pela demora do inquérito e do processo, de desamparo, por entender que as famílias deveriam ser mais bem assistidas, em razão de terem dificuldade de compreender a violência sexual familiar, da decepção e frustração com a justiça quando o abusador não é preso e da inexistência de orientação e de informação sobre os trâmites da notificação até o depoimento judicial, contribuem para esse quadro de sentimentos negativos (Costa et al., 2007; Dobke et al., 2010).

Apesar de tamanho sofrimento, as mães relatam que não podem ou não querem compartilhar seu sofrimento com ninguém, o que intensifica sua emoção reprimida e uma não elaboração dos sentimentos e dos acontecimentos. Além de não falarem, as mães se recusam a estar em situações que lembrem o fato da violência. Isto traz como consequência o isolamento dela em relação a outras mulheres mesmo da família e, ainda, o isolamento da família em relação à família extensa e à vizinhança (Costa et al., 2007).

O imaginário materno pode ser permeado por um anseio de superar as consequências deixadas pelo abuso sexual na vida da filha, a esperança de amenizar e até mesmo "apagar" todas as dores, bem como as alterações de comportamentos manifestadas pela filha. Algumas mães podem, ainda, manifestar comportamentos de superproteção, como tentativa de evitar novas dores e traumas sob a forma de uma revitimização (Carvalho et al., 2009, 2010).

De fato, o desejo de proteger a filha pode ser tão forte que algumas mães têm dificuldade de estabelecer novos relacionamentos amorosos, por medo de confiar novamente em um parceiro, tendo em vista o temor de que ele possa se tornar um novo agressor de sua filha (Amazonas et al., 2009). Muitas dessas mães passam a viver um relacionamento conjugal com problemas, uma vez que as lembranças da situação de vitimização recorrem em sua memória (Lima e Alberto, 2012). Cabe ressaltar que os referidos estudos foram realizados com participantes que vivenciaram situação de abuso sexual intrafamiliar. Dessa forma, permanece ignorado se, nos casos de abuso sexual extrafamiliar, as mães passam a presenciar essa mesma dificuldade em confiar nos companheiros.

Amazonas et al. (2009) indicam que a relação entre mãe e filha também sofre consequências após a revelação do abuso sexual, sendo que algumas mães podem apresentar dificuldade em estabelecer relação de contato físico com a criança. Também pode haver agressividade e sentimentos negativos da filha em relação à mãe, quer esta realize a denúncia, afastando-a do pai, quer ela se omita de fazê-lo, deixando-a desprotegida.

Nessa perspectiva, Santos e Dell'Aglio (2013) perceberam que algumas vezes a revelação do abuso sexual afasta mães e filhas, sendo que o abrigamento e afastamento da família é a alternativa encontrada para a efetiva proteção das crianças e adolescentes, tendo em vista o fato de as mães não acreditarem no relato. No entanto, em outras situações, a revelação contribui para uma maior aproximação e, na tentativa de acolher as filhas e oferecer um cuidado diferenciado a elas, as mães podem se afastar do trabalho e dos estudos (Santos e Dell'Aglio, 2013).

Em outro estudo, Santos e Dell'Aglio (2009) pontuam que o distanciamento emocional entre mãe e filha é mais evidente quando as participantes também relataram experiência de abuso sexual infantil e estas tiveram pouco suporte de suas próprias mães. Elas queixavam-se da pouca importância ou da minimização do abuso que sofreram e da dificuldade em conseguir estabelecer um diálogo com sua própria mãe. As mães que não recebem suporte de suas próprias mães tendem, na vida adulta, a se mostrarem dependentes, emocional ou economicamente dos companheiros, que, geralmente, são os agressores (Lima e Alberto, 2010).

Dobke et al. (2010), citando Plummer (2006), esclarecem que as mães precisam passar por um processo de questionamento interno, o qual permitirá juntar o relato da criança com as suas observações e também com as de outras pessoas, como familiares e profissionais. Santos e Dell'Aglio (2013) acrescentam que a revelação do abuso ocorre como um processo, e não um evento isolado, envolvendo três momentos distintos: antecedentes da revelação, a revelação propriamente dita e as repercussões da revelação no contexto familiar. O primeiro momento (antecedentes da revelação do abuso) pode ser identificado a partir de como as mães percebiam o comportamento de suas filhas momentos ou dias antes da revelação, sendo frequente os relatos de que, antes da revelação, percebiam mudanças no comportamento de suas filhas ou identificaram alguns sinais físicos. O segundo momento, que trata da revelação propriamente dita, abrange a descrição de para quem a filha revelou o abuso e em que circunstâncias isso ocorreu, além de envolver as reações das mães diante da revelação. O terceiro momento refere-se às repercussões da revelação no contexto familiar, envolve medidas de proteção às vítimas e mudanças na rotina e dinâmica familiar (Santos e Dell'Aglio, 2013).

 

Suporte materno e estratégias de enfrentamento

A ambivalência e o suporte materno podem ser constructos independentes, sendo que a falta de credibilidade inicial de algumas mães, em relação ao abuso sexual de suas filhas, pode não afetar suas ações protetivas, como mostra o estudo de Baía et al. (2014). Como pode ser visto no estudo de Santos e Dell'Aglio (2009), o contrário também pode ser observado, quando as mães acreditam no relato das filhas e denunciam o abuso, embora nem todas consigam ser protetivas no sentido de afastar suas filhas do abusador ou de imediatamente procurar ajuda e realizar a denúncia.

Baía et al. (2014), reunindo uma série de estudos, constataram que a presença ou não de suporte materno está associado, principalmente, aos seguintes fatores: o tipo de relacionamento das mães com os agressores, a história materna de abuso sexual, a idade das vítimas e o gênero das vítimas. Conforme apontam esses autores, o suporte materno é compreendido como um construto multidimensional, consistindo em: (a) credibilidade da mãe em relação à revelação da vítima, (b) ações protetivas no sentido de prevenir outras vitimizações da criança/adolescente vítima e (c) reconhecimento e suporte ao possível stress da criança que se segue após o abuso e a revelação.

De acordo com alguns estudos (Baía et al., 2014; Inoue e Ristum, 2010; Santos e Dell'Aglio, 2013), a qualidade de suporte materno na época da descoberta do abuso sexual está diretamente associada ao funcionamento psicológico das vítimas e a forma como conseguirão elaborar a experiência traumática. O ajustamento da criança, pós-violência sexual, está mais estreitamente relacionado com o apoio materno, até mesmo do que com a natureza e duração da violência ou com o relacionamento da criança com o agressor. O suporte social que essas mães recebem também é relevante, uma vez que mães que receberam apoio de pessoas próximas nesse momento tendem a apresentar mais ações de proteção (Santos e Dell'Aglio, 2013).

No estudo de Inoue e Ristum (2010) sobre estratégias de enfrentamento adotadas pelas mães de vítimas de violência sexual destacaram-se dois tipos de estratégias: focalizadas na criança ou focalizadas na mãe. As estratégias focalizadas na criança são caracterizadas por ações que objetivam proteger a criança do contato com o agressor ou com pessoas desconhecidas que pudessem representar risco de revitimização da criança, no sentido de novas ocorrências de violência sexual. Da mesma forma, essas são ações que visam atenuar ou reparar o dano causado pela experiência de violência, buscando tratamento profissional, sendo mais cuidadosas e afetivas, até mesmo controlando comportamentos e atitudes da criança que pudessem ser interpretadas como sexualmente provocativas. Já as estratégias focalizadas nas mães são as tentativas de minimizar ou extinguir os efeitos danosos da revelação da violência sobre elas próprias, como busca de auxílio espiritual, participação em grupos de suporte terapêutico e o autocuidado, que pode ser tanto relativo à aparência pessoal (se arrumar, se maquiar, se vestir bem) como realizar um curso de qualificação (Inoue e Ristum, 2010).

As mesmas autoras perceberam que a busca de tratamento para as filhas foi a principal estratégia utilizada, e a segunda estratégia que mais surgiu foi a realização de denúncia. Enquanto a busca de tratamento profissional e a melhora nos cuidados dispensados à criança visavam ao restabelecimento da criança e sua proteção, a denúncia objetivava o afastamento do agressor e, consequentemente, a proteção da criança. O estudo também ressaltou a importância do fortalecimento de uma política que promova um maior número de abrigos que possa dar suporte de moradia e alimentação para essas mães e seus filhos, uma vez que há mulheres que não se separam do companheiro-agressor por absoluta falta de condições financeiras (Inoue e Ristum, 2010). As condições de vulnerabilidade (de acesso à escola, à norma da língua falada, da arte, além das carências econômicas) vivenciadas pelas mães e pelas crianças também são percebidas por Penso et al. (2009) como fatores que condicionam e reproduzem o processo de submissão ao autores de violência.

 

Considerações finais

O presente estudo teve por objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura sobre o abuso sexual infanto-juvenil, na perspectiva das mães de crianças e adolescentes envolvidos. Apesar da notória influência das mães no prognóstico das crianças e adolescentes que vivenciam o abuso sexual, identificou-se escassa produção científica no contexto brasileiro acerca da temática a partir da perspectiva materna. Esse dado evidencia um interesse científico que permanece voltado à vítima, embora seja consenso que o fenômeno do abuso sexual atinge todos os membros familiares. Há de se considerar, ainda, a dificuldade de acesso dos pesquisadores às pessoas implicadas nas situações de violência sexual, dada a trama de relações sustentada em um acordo velado de silêncio entre os membros familiares, caracterizando-se por ser um fenômeno de difícil acesso tanto em termos de investigação como de intervenção.

Os resultados indicaram o componente transgeracional de diversas violências, sendo que os padrões relacionais das famílias de origem das mães foram também identificados nas gerações seguintes e em suas escolhas amorosas. Nesse sentido, verificou-se que a vivência de violência, negligência, abandono e trabalho infantil na história de vida das mães configuram como fatores de risco para o exercício inadequado da função materna. A vivência de abuso sexual na própria infância pode ser especialmente ameaçadora, principalmente se essas mães, quando crianças, não receberam apoio, tampouco crédito, frente às suas próprias revelações, aumentando o risco de repetir o ciclo de novos abusos com as próximas gerações.

Sabendo que a revelação do abuso sexual infantil pode despertar nas mães sentimentos diversos, como culpa, tristeza, desespero e até mesmo ideações suicidas e homicidas, é imprescindível o suporte imediato das instituições do Sistema de Garantia de Direitos. Delegacias, hospitais, CREAS, Unidades Básicas de Saúde e/ou demais serviços de acolhimento devem garantir um pronto atendimento tanto às mães quanto à sua família, avaliando os efeitos da revelação do abuso em todos os membros do sistema familiar, e não apenas nas pessoas que sofreram, diretamente, o abuso sexual. Essas instituições devem incluir e fortalecer a rede social das mães nos atendimentos prestados, haja vista que essas mulheres tendem a apresentar mais ações de proteção quando essa rede as apoia. Além disso, é necessário que as políticas públicas elaborem e instaurem programas que forneçam suporte, inclusive financeiro, para que essas mães possam se empoderar e se afastar dos autores de violência. Também se percebe como indispensável promover a articulação entre os serviços que compõem a rede de atendimento, desenvolvendo práticas de cuidado complementares, pois, apesar de serem muitas as instituições que fazem parte da rede de proteção, são comuns tomadas de procedimentos e decisões de forma isolada, sem levar em conta a complexidade que a família que vivencia abuso sexual infanto-juvenil se encontra.

Embora reúna dados relevantes sobre a dinâmica das famílias que vivenciaram situação de abuso sexual infanto-juvenil, dentre as limitações deste estudo pode-se mencionar o fato de incluir apenas estudos empíricos publicados no contexto brasileiro. Sabendo que o abuso sexual infanto-juvenil é um fenômeno complexo, de visibilidade mundial, que ocorre em todos os contextos sociais, culturais e econômicos, sugere-se que futuros estudos incluam publicações em diferentes idiomas e referentes a outros países. Outro fator relacionado às limitações refere-se à restrição do período de tempo de publicação de dez anos. Novos estudos poderiam ampliar esse período de forma a compreender o desenvolvimento dos estudos sobre a temática de maneira progressiva.

Por meio deste estudo, não é possível descrever o estado da arte do tema abuso sexual infanto-juvenil, mas é plausível se aproximar de um panorama atual quanto às investigações que contemplem o assunto. A proposta do presente artigo é apresentar as principais características e resultados de artigos empíricos sobre um tema ainda não muito explorado, considerando a especificidade da participação das mães como protagonistas dos estudos. Nesse sentido, torna-se possível conhecer o que já foi pesquisado sobre o tema e também as lacunas dos estudos, auxiliando em termos teóricos os pesquisadores da área.

Aponta-se para a necessidade de que pesquisas futuras avancem em termos de metodologia e instrumentos empregados. Para tanto, indica-se a realização de pesquisas longitudinais que se proponham a evidenciar as repercussões da revelação no contexto familiar e no funcionamento psíquico e relacional das mães. Ressalta-se a relevância da utilização de instrumentos próprios para identificar o suporte, clima e dinâmica relacional familiar, como os inventários de Percepção de Suporte Familiar, de Clima Familiar, além do Mapa de Redes e Genograma. Este último, além visibilizar formas como a família mantém seus vínculos e se comporta a partir de regras e padrões estabelecidos, também é proveitoso para compreender a violência e suas manifestações entre as diferentes gerações.

 

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Submetido: 04/03/2016
Aceito: 05/07/2016

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