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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.10 no.2 São Leopoldo July/Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2017.102.03 

ARTIGOS

 

Articulação entre o psicodrama e a gestalt-terapia como uma possibilidade de intercâmbios a partir do olhar de psicoterapeutas

 

Articulation between psychodrama and gestalt therapy as a possibility of exchanges from psychoterapists' perspectives

 

 

Érico Douglas VieiraI; Luc VandenbergheII

IUniversidade Federal de Goiás. Regional Jataí, BR 364, km 195, 3800, 75801-615, Jataí, GO, Brasil. ericopsi@yahoo.com.br
IIPontifícia Universidade Católica de Goiás. Av. Universitária, 1440, Setor Universitário, 74605-010, Goiânia, GO, Brasil. luc.m.vandenberghe@gmail.com

 

 


RESUMO

A diversidade epistemológica das psicoterapias suscita questionamentos quanto à forma de articulação entre os diversos saberes. Apesar da crescente preocupação em mapear as possibilidades de comunicação entre as abordagens, permanecem dúvidas sobre o escopo da integração e sobre critérios seguros para a realização de diálogos interdisciplinares. Este artigo objetivou examinar possíveis benefícios e caminhos para a integração entre o Psicodrama e a Gestalt-terapia, considerando as afinidades epistemológicas entre elas, a partir da ótica de 22 profissionais de ambas as abordagens. Foram realizadas entrevistas cujo conteúdo indicou um enaltecimento ao exercício da interdisciplinaridade na psicoterapia, além de fornecer caminhos claros para as integrações, diferentes do que está descrito na literatura. De uma análise pautada nos preceitos da Teoria Fundamentada, emergiu a ideia de que estudar outras teorias aumenta a sensação de segurança e de competência do profissional em face de realidades complexas encontradas no consultório. A consciência de que ambas as abordagens se desenvolveram historicamente graças a migrações de conceitos fomenta a esperança de que novos impasses possam ser superados pelos diálogos interdisciplinares. A articulação do diálogo integrativo deve ser norteada pela proximidade epistemológica entre as teorias, pelos imperativos clínicos do terapeuta e pelas exigências das situações práticas no consultório. O estudo sugere a necessidade de uma mudança no campo das psicoterapias no sentido de uma maior comunicação entre as abordagens.

Palavras-chave: Gestalt-terapia, Psicodrama, interdisciplinaridade.


ABSTRACT

The epistemological multiplicity of psychotherapies raises the issue of how to articulate the diversity of knowledge implied. Despite the growing concern of mapping the possibilities of communication between different approaches, doubts remain about the scope of integration and secure criteria for conducting interdisciplinary dialogue. This article aimed to examine possible benefits and pathways to the integration between Psychodrama and Gestalt therapy from the perspective of 22 professionals of conboth approaches. These approaches were chosen based on the perception of possible epistemological affinities between them. The contents of the interviews indicated great confidence in the exercise of interdisciplinary practice in psychotherapy, and provided clear pathways for integrations that are different from those described in the literature. From a Grounded Theory analysis emerged the idea that studying other models increases the feeling of safety and competence in the face of the complex realities therapists need to deal with. The awareness that the historical development of both schools of psychotherapy involved migration of concepts fosters the hope to overcome present day difficulties through an interdisciplinary dialogue. Criteria for the articulation of integrative dialogue include the proximity between epistemological theories, the therapist's in-session needs and the pragmatics of clinical situations. The study suggests the need for a change in the field of psychotherapy to promote better communication between these approaches.

Keywords: Gestalt therapy, Psychodrama, interdisciplinarity.


 

 

Introdução

No desenvolvimento da ciência ocidental observa-se uma vertiginosa produção de conhecimentos reunidos em diversas disciplinas. O crescimento exponencial de saberes separados conduziu a uma crescente especialização. Consequentemente, há ao mesmo tempo um progresso em virtude de fecundas descobertas e uma compreensão mutiladora da realidade em razão da pouca comunicação interdisciplinar (Morin, 2005). A questão problemática é a forma como o conhecimento foi organizado, baseado na fragmentação e no fechamento disciplinar. Os modos simplificadores de organização do conhecimento levam, atualmente, os praticantes da ciência a questionarem se a complexidade da realidade e dos fenômenos está sendo bem retratada (Morin, 2007).

Inserida neste âmbito, as abordagens em psicoterapia representam uma tentativa de responder às necessidades do ser humano moderno, decorrentes da insuficiência dos modos de subjetivação liberal e romântico, que pressupunham um ser humano dotado de liberdade e singularidade (Figueiredo, 2009). Para dar conta desta demanda, produziu-se uma multiplicidade de concepções de fazeres clínicos, influenciada por diversas práticas sociais, modelos filosóficos e conceitos importados de outras ciências (Ferreira, 2007). Do surgimento até o presente, a diversidade de pontos de vistas tornou-se uma marca do campo (Figueiredo, 1991). Como compreender e lidar com este polimorfismo? Deve-se afirmar o caráter multiparadigmático do campo das psicoterapias e entender a diversidade como sinal de riqueza e vitalidade (Figueiredo, 2009)? Além da importância de refletir sobre a pluralidade do campo, são necessárias reflexões sobre a relação entre as escolas. As teorias sabem conviver umas com as outras? O projeto interdisciplinar proposto para reorganizar as relações e possibilitar as interações produtivas entre os saberes mutilados pela fragmentação cientifica (Morin, 2007) pode também ser relevante para as psicoterapias?

Na seara das psicoterapias, percebe-se uma rivalidade histórica na qual os adeptos de cada abordagem ou ignoram ou são hostis às contribuições de abordagens diferentes (Watchel, 2010). Tradicionalmente, os terapeutas operaram dentro de suas escolas de filiação, permanecendo cegos aos conceitos e intervenções alternativos (Norcross, 2005; Paris, 2013). No entanto, desde o início da década de 1990, há um crescente interesse em extrapolar as fronteiras e examinar o que pode ser aprendido das outras formas de psicoterapia. Os terapeutas desejam ficar expostos a mais de uma maneira de pensar e buscam estudar outras abordagens com seriedade, sem terem a certeza de que vão incorporar os novos conhecimentos nas suas práticas (Watchel, 2010). Em torno deste interesse formou-se um movimento de integração em psicoterapia na Europa e nos Estados Unidos que se caracteriza pelo estudo das formas possíveis de comunicação e de integração entre as escolas. A insatisfação com a adoção de uma abordagem isolada e a busca por intervenções mais eficazes são marcas deste movimento (Gold e Stricker, 2006; Norcross, 2005).

A interdisciplinaridade refere-se às trocas entre os diversos saberes com uma postura de disponibilidade em ser enriquecido por concepções alheias. Com a conexão das disciplinas através do diálogo epistemológico, há a expectativa de expansão do espectro compreensivo da realidade (Osório, 2003). Proponentes do movimento de integração argumentam que é mais provável que se tenha uma prática mais ajustada às necessidades do cliente quando se busca conhecer uma variedade flexível de conceitualizações. A adoção de uma solução procusteana na qual o cliente deve ser encaixado em uma abordagem predeterminada tem o risco de beneficiar menos clientes (Stricker, 2010). Aumentar o repertório teórico e técnico do terapeuta o capacita a lidar melhor com a complexidade da realidade clínica e a lidar com os casos difíceis (Norcross, 2005).

Existem inúmeros estudos empreendidos para a elaboração de formas de diálogos entre abordagens. Serão mencionados alguns caminhos para as integrações descritos na literatura científica. Prochaska e DiClemente (2005) propõem a abordagem transteórica na qual o processo de mudança ganha foco. Os processos de mudança modificam o pensamento, o comportamento ou afeto relativo a um problema em particular. Os autores citam alguns deles: aumento da conscientização, autoavaliação, reavaliação do ambiente, alívio dramático, contracondicionamento, relação de ajuda, controle de estímulos. Geralmente, as grandes escolas de psicoterapia utilizam somente dois ou três destes processos. O terapeuta transteórico pode escolher técnicas provenientes de diferentes escolas com o intuito de facilitar uma maior gama de processos de mudança no cliente. Para os autores, os terapeutas deveriam ser tão complexos quanto seus clientes (Prochaska e DiClemente, 2005). Outra proposta que envolve integração é a abordagem informada pelos resultados (Miller et al., 2005). Nesta concepção, a psicoterapia é ajustada para a estrutura de referência do cliente, tratado como um consumidor que deve ter voz ativa. Os feedbacks dos clientes sobre o processo e os resultados da psicoterapia guiam os passos do terapeuta e são mais importantes do que a abordagem psicológica escolhida.

Portanto, na literatura científica e profissional são descritos alguns caminhos que são produtos do engenho e da criatividade dos teóricos do movimento de integração. No presente trabalho pretendeu-se descrever os benefícios e critérios para a integração a partir das narrativas Gestalt-terapeutas e psicodramatistas que atuam como psicoterapeutas no campo. Pretendeu-se entender quais são as direções e os caminhos para a integração de acordo com os profissionais. Desta forma, procurou-se verificar se a vivência profissional no campo condiz com o que está descrito na literatura. Na medida em que o tema é mais desenvolvido em trabalhos de língua inglesa, a relevância do estudo também pode se dar devido à escassez de pesquisas sobre comunicação entre abordagens no Brasil. O recorte de se estudar o olhar de psicodramatistas e Gestalt-terapeutas foi delineado a partir da prática docente de um dos autores deste estudo, lecionando disciplinas com ementas contendo aspectos teórico-metodológicos do Psicodrama e da Gestalt-terapia. Ao longo do processo de reflexão com os alunos sobre as bases filosóficas destas abordagens, gradualmente emergiu uma percepção de unidade entre elas. Em contraste, foi constatada uma lacuna na literatura científica em examinar possíveis semelhanças, divergências e possibilidades de trocas entre elas.

 

Método

Este artigo é fruto da pesquisa intitulada "Investigando as possibilidades de integração entre o Psicodrama e a Gestalt-terapia", aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa sob o protocolo de número CAAE 003.0.168.000-11. A metodologia da Teoria Fundamentada foi utilizada em todas as etapas da investigação. Como sugere o nome, seus métodos conduzem à construção de teoria a partir dos dados e não de hipóteses preconcebidas. Desde o início da investigação, buscou-se a elaboração de códigos e categorias analíticas que se ajustassem adequadamente aos dados (Charmaz, 2009). A densidade conceitual foi uma meta adotada para a superação de estudos meramente descritivos. A diretriz era a obtenção de dados relevantes que conseguissem alcançar aquilo que estava sob a superfície da vida social e subjetiva. Para isto, alguns critérios foram necessários: a revisão de literatura deveria ter a função inicial restrita de guia dos interesses de pesquisa; a coleta e a análise de dados deveria ocorrer simultaneamente; as ideias iniciais deveriam ser constantemente comparadas com o material emergente, sendo abandonadas ou ajustadas de acordo com o que se apresentava. Adotou-se uma metodologia de caráter qualitativo, pois a amostragem foi norteada para a construção de uma teoria, sem a busca da representatividade populacional (Charmaz, 2009).

Para a coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com 22 profissionais, 11 Gestalt-terapeutas e 11 psicodramatistas. Foram entrevistadas 14 mulheres (6 psicodramatistas e 8 Gestalt-terapeutas) e 8 homens (5 psicodramatistas e 3 Gestalt-terapeutas). Dezessete são professores de formação na abordagem (7 de Psicodrama e 10 de Gestalt-terapia) e seis são professores universitários (5 de Gestalt-terapia e 1 de Psicodrama). Por fim, oito são autores de livros na abordagem (3 Gestalt-terapeutas e 5 psicodramatistas).

Para seleção dos participantes da pesquisa, foi realizada uma busca de sujeitos com base em dois critérios: a disponibilidade em fornecer a entrevista e a capacidade de dar informações. Os primeiros participantes foram buscados através da rede de relacionamentos do próprio pesquisador. No desenvolvimento das entrevistas, outros informantes foram indicados pelos próprios entrevistados. Tal procedimento de constituição de amostra denomina-se snowballing. Entrevistas intensivas foram realizadas com os sujeitos de ambas abordagens, procedimento de coleta que representou um exame minucioso e detalhado sobre o assunto. A entrevista intensiva é uma técnica de coleta flexível que permite ao entrevistador seguir orientações de tópicos e ideias emergentes durante a realização da conversação entre pesquisador e sujeito (Charmaz, 2009). Os temas norteadores das perguntas das entrevistas foram: relação pessoal com a própria abordagem; grau de conhecimento da outra abordagem; pontos em comum entre a Gestalt-terapia e o Psicodrama; pontos de divergência; possibilidades de integrações entre as abordagens. Onze entrevistas aconteceram nos consultórios de psicoterapia dos profissionais, a partir de agendamento prévio. Duas entrevistas aconteceram através do programa Skype com vídeo e áudio. Houve situações nas quais foi necessária uma adequação à oportunidade em coletar as informações, casos de nove entrevistas que foram realizadas durante congressos nacionais de Psicodrama e de Gestalt-terapia. Nestas situações, o pesquisador procurava alguma sala apropriada no local onde se realizava o evento para a realização da entrevista. A inserção do pesquisador e sujeitos de pesquisa num ambiente que promove discussões de conceitos e práticas como são os congressos, pode ter tido um efeito de imersão que potencializou as reflexões durante a sua realização. As vinte e duas entrevistas foram realizadas entre fevereiro de 2012 a outubro de 2013. O encerramento da busca de participantes se deu pelo entendimento de que a pergunta de pesquisa foi respondida.

As entrevistas foram transcritas textualmente, constituindo o material que foi analisado. A análise foi feita pela equipe de pesquisa formada por dois psicólogos clínicos, autores do manuscrito. As categorias construídas foram resultado da investigação das entrevistas sem nenhuma adoção de hipótese ou a priori, como preconiza a metodologia qualitativa da Teoria Fundamentada. Não há amparo em categorias prontas, pois uma das diretrizes desta metodologia é buscar conhecer algo novo que possa emergir das entrevistas. Sendo assim, as categorias emergiram durante o processo de investigação. Na primeira etapa, utilizou-se a codificação inicial que representa a busca em nomear e categorizar segmentos de dados - no caso desta pesquisa são os trechos das entrevistas - com o objetivo de alcançar insights teóricos (Charmaz, 2009). Após as reflexões teóricas iniciais, novas coletas de dados foram realizadas para buscar dados mais específicos. A cada entrevista transcrita, novos códigos surgiam e eram reunidos numa tabela. Como o montante de códigos criados foi muito extenso, foge dos propósitos do artigo retratá-los.

A segunda etapa importante da codificação foi a codificação focalizada na qual utilizaram-se os códigos, "mais significativos e/ ou frequentes para analisar minuciosamente grandes montantes de dados" (Charmaz, 2009, p. 87). Muitos códigos novos substituíram os antigos por terem melhor alcance explicativo. Os códigos emergentes foram comparados constantemente com os códigos iniciais, modificando gradativamente o panorama da construção dos dados. Os códigos focados, mais refinados do que os códigos iniciais, foram organizados em grupos a partir de suas afinidades temáticas dando origem às subcategorias. Estas, por sua vez, também foram agrupadas pela semelhança, formando as categorias. Por fim, foram desenvolvidos textos com reflexões dos pesquisadores suscitadas pelas entrevistas com temas que não estavam explícitos nos conteúdos das narrativas. Estes textos, denominados de memorandos, deram suporte analítico para o desenvolvimento das subcategorias e categorias.

Na construção da teoria fundamentada sobre as possibilidades de integração entre o Psicodrama e a Gestalt-terapia as categorias que emergiram do estudo foram: (i) Benefícios de integrações para as abordagens, (ii) Benefícios de integrações para a prática profissional e (iii) Caminhos da integração. Como o tema da integração ainda é pouco desenvolvido no Brasil e a atuação profissional é enclausurada em guetos teóricos, as reflexões sobre benefícios e diretrizes para comunicação entre abordagens trouxe uma densidade de pensamento integrativo imprevisto. Os resultados retratam reflexões sobre os ganhos tanto para o aprimoramento da prática, quanto para o aperfeiçoamento das abordagens em melhorar a comunicação interdisciplinar em Psicologia.

 

Resultados

Os resultados serão apresentados a seguir e estão reunidos em três categorias: (i) Benefícios de integrações para as abordagens, (ii) Benefícios de integrações para a prática profissional e (iii) Caminhos para as integrações. Os participantes são designados pelas letras P (psicodramatistas) e G (Gestalt-terapeutas). Os números que acompanham as letras indicam a ordem na qual foram entrevistados.

Benefícios de integrações para as abordagens

As trocas entre teorias foram elogiadas como condição para o crescimento de cada abordagem. Os intercâmbios podem nortear novas direções de pesquisa e ajudar a preencher lacunas. Nos diálogos estabelecidos, cada abordagem pode refletir sobre si mesma para situar-se melhor. As abordagens crescem quando os conceitos podem ser comparados, facilitando um refinamento conceitual de teorias pouco desenvolvidas. Os pontos fortes de cada abordagem foram vistos como valiosas contribuições que podem influenciar o aprimoramento das demais escolas.

O contato de cada abordagem com outras teorias e sistemas acarretou um crescimento e um refinamento dos seus conceitos (G7, P10, P12, P14, P17, G20, G22). As interlocuções com pontos de vistas diferentes proporcionam uma ampliação de perspectivas de estudos, podendo gerar novas possibilidades teóricas e de intervenção, como aponta P10: "É importante dialogar com outras possibilidades, a gente ganha novas perspectivas e com isso a gente pode ganhar novas formas de intervenção, né". O exame de algum conceito de outra teoria semelhante a algum conceito da abordagem de filiação ajuda a desenvolvê-lo mais, contribuindo para o refinamento da própria teoria (P10). Os participantes trouxeram alguns exemplos das possibilidades de benefícios através do espelhamento de outra teoria. É desejável que os Gestalt-terapeutas façam interlocuções com outras teorias que abordam a auto-organização dos sistemas, aspecto já desenvolvido pela Gestalt-terapia: "Estou pensando sobre organização dos sistemas e eu fui pensar pra fazer uma interlocução com os avanços da ciência, da física, da biologia. Então, assim, são interlocuções. É como a Gestalt olha esse fenômeno" (G22). Examinar os escritos gestálticos sobre criatividade pode ajudar a ampliar a compreensão dos psicodramatistas do processo criativo que é um aspecto importante do Psicodrama, na medida em que as duas abordagens buscam a superação de comportamentos rotineiros (P21). O espelhamento com outra teoria pode ainda auxiliar na instauração de um processo de reflexividade, de um melhor entendimento da própria abordagem. Nos diálogos interdisciplinares, cada teoria pode ter mais clareza sobre suas potencialidades e dificuldades. Além disso, seus membros podem questionar os compromissos do grupo e os temas de pesquisa preferidos e preteridos (P10 e G20).

O contato com outras teorias revelou-se fundamental, sem o qual alguns desenvolvimentos importantes dentro da abordagem não teriam sido realizados (P14, P17, G20). Sair das fronteiras disciplinares auxilia a preencher lacunas. No Psicodrama, a influência de conceitos psicanalíticos estimulou a elaboração de formas psicodramáticas de compreensão de aspectos "intrapsíquicos" servindo de complementação aos conceitos relacionais (P14). A busca pela Psicanálise pode ampliar a visão do psicodramatista sobre o ser humano: "Acho que as vantagens de aproximação com a Psicanálise seria que a Psicanálise oferece uma visão ampla, consegue explicar fenômenos como a guerra, por exemplo" (P16). A Psicoterapia da Relação, metodologia psicodramática de atendimento individual, foi desenvolvida através da influência de autores como Jacques Lacan, Carl Rogers e Fritz Perls (P14). Os pressupostos da Gestalt-terapia podem ajudar na adaptação do Psicodrama ao trabalho clínico individual, pois inspira intervenções com recursos de ação na situação bipessoal. Através da representação de papéis de forma minimalista, o psicoterapeuta pode dispensar o aparato teatral tradicionalmente usado pelos psicodramatistas, conforme argumenta P14: "A Gestalt ajuda na parte prática com essas integrações de técnicas que são muito fáceis de serem feitas. Tem essa coisa de incorporar papéis e trabalhar rapidamente a dramatização. Ajuda a minimalizar o Psicodrama". No caso da Gestalt-terapia, a incorporação das ideias de Martin Buber foram de extrema importância para a evolução da abordagem:

"A Gestalt tem uma evolução, uma suavização buberiana. Houve uma influência maior do Martin Buber e as pessoas começaram a ficar mais sensíveis com a relação e foi largando essa coisa do experimento" (G20).

Os participantes indicaram exemplos de incremento de possibilidades através de influências de outras teorias. Recursos das neurociências podem ser integrados ao Psicodrama para o exame das áreas cerebrais após as dramatizações (P12). Os conhecimentos das neurociências e do EMDR podem orientar a invenção de aquecimentos mais eficazes, preparando dramatizações bem-sucedidas (P12). O conceito de implicação, oriundo da Análise Institucional, pode estimular a radicalização da etapa do compartilhar, etapa do Psicodrama na qual os membros do grupo e o coordenador podem expressar as ressonâncias afetivas que a cena dramatizada suscitou. O entrevistado P10 pondera:

O conceito de implicação tem uma potência. E acho que a gente no Psicodrama usa ou considera muito pouco isso, embora a gente faça a etapa do compartilhar. Mas o analista institucional, ele está fazendo intervenção o tempo todo, ele está fazendo o diário dele das intervenções, do que isso tem a ver com a vida dele, do que ele pode ter colocado naquela fala lá que era dele (P10).

As integrações entre a Gestalt-terapia e o Psicodrama também foram realidades desejáveis. A Gestalt-terapia pode contribuir com os psicodramatistas nos seguintes aspectos: a ênfase na ampliação da consciência, a metodologia da presentificação da experiência, a busca do contato com os sentimentos e a abordagem dos significados subjetivos individuais - aspectos pouco desenvolvidos no Psicodrama (P1, P11, P14, P15 e P21). Nas óticas de P1 e P15, a Gestalt-terapia é uma abordagem com um corpo filosófico e teórico mais desenvolvido e o Psicodrama tem mais recursos para a prática. Sendo assim, as duas abordagens podem se complementar (P1 e P15). Os psicodramatistas deveriam examinar a capacidade didática gestáltica, expressa na clareza dos seus conceitos, na expectativa de que o Psicodrama alcance maior clareza: "Essa parte filosófica da Gestalt, acho que está mais palatável para um aluno, por exemplo, do que o Moreno1. Porque ler Moreno também não é fácil" (P14). Alguns Gestalt-terapeutas também anseiam pela interlocução com o Psicodrama (G2, G3, G4, G5 e G6). Os aspectos teóricos e metodológicos do Psicodrama - o conceito de tele, o uso do palco, o desempenho de papéis, o trabalho com personagens, o treinamento prático de psicoterapeutas através do role playing e a estruturação do trabalho através de etapas2 - podem enriquecer a Gestalt-terapia (G2, G3 e G5). O contato com os sentimentos pode ser seguido pela exploração do conteúdo emergente numa dramatização, como G5 relata:

Eu uso Psicodrama direto. Às vezes, eu posso estar sentado com um cliente, se está falando alguma coisa ligada ao mundo, que ele acha que as pessoas não o entendem, ou eu não consigo estar nesse mundo. Eu simplesmente posso estar do seu lado aqui e vamos notar o mundo ali: o que você gostaria de falar pras pessoas?

Este recurso psicodramático pode potencializar ainda mais a presentificação da experiência pretendida pela Gestalt-terapia (G5). Na outra via, a ampliação da consciência buscada pela Gestalt-terapia pode influenciar no alcance de estados espontâneos, meta principal do Psicodrama (P21). Na reflexividade facilitada pelo tema da integração, houve significativas cogitações sobre as potenciais contribuições que a abordagem de filiação pode oferecer às outras. Os participantes enalteceram as virtudes específicas da própria abordagem que supostamente faltam nas outras abordagens. A Gestalt-terapia enfatiza a horizontalidade da relação terapêutica como a diretriz da promoção da autonomia do cliente. Para isto, o terapeuta deve cultivar uma consideração especial pelo outro, expressa nas seguintes atitudes: respeitar o saber do cliente sobre si mesmo, despojar-se de preconcepções percebendo o sujeito concreto, ter confiança na capacidade de auto-organização e na tendência ao crescimento do cliente (G3, G5, G6, G7, G18, G19, G20 e G22). A postura democrática e dialogal do terapeuta, concebendo o cliente como um ser de possibilidades, permite que este possa sentir-se capaz de fazer escolhas e de desprender-se dos rótulos recebidos: "O que a Gestalt pode ajudar é exatamente essa questão do relacional e a consideração pelo outro no relacional porque só é relacional se eu fizer numa postura democrática" (G18). A entrevistada G19 também apontou a dimensão dialogal como uma importante contribuição: "Então através do diálogo, por ser uma abordagem dialógica, ela ajuda a pessoa a se reconhecer e a começar a se dizer por si mesmo. Eu acho que isso é uma contribuição inestimável". A metodologia descritiva e menos interpretativa permite que os significados do cliente se destaquem, podendo inspirar as outras escolas a ficarem menos diretivas (G3 e G5). O terapeuta deveria se incluir como pessoa participante da relação, sua atuação deveria transcender o papel de técnico. Sua coparticipação no processo deve ser feita com atenção, presença e cuidado da relação, com a finalidade de facilitar a emergência dos processos de auto-organização do cliente (G7, G20 e G22).

De maneira similar, os psicodramatistas também narraram possíveis contribuições de sua escola. O Psicodrama brasileiro na década de 1960 foi responsável por quebrar a ortodoxia das abordagens influenciadas pela Psicanálise, abrindo caminho para práticas alternativas como a psicoterapia de grupo, por exemplo (P16). A derrocada da hegemonia psicanalítica transformou o espaço psi, que passou a ser mais democrático e flexível (P16). Ainda hoje, a teoria psicodramática possui conceitos mais amplos para o trabalho com grupos (P21). O Psicodrama pode estimular um entendimento mais contextual do ser humano: "O Psicodrama ajuda a olhar pro indivíduo não fechado na sua individualidade. Não existe unicamente a singularidade, mas que existe uma universalidade e que isso está presente na gente enquanto indivíduo". A ruptura com a terapia do confessionário, com a ideia do indivíduo isolado demonstra a natureza social dos problemas humanos (P10 e P16). A perspectiva de se colocar no lugar do outro, fundamentada na noção de encontro humano e na busca de uma relação terapêutica forte e espontânea, foi percebida como uma contribuição valiosa (P10 e P13). Finalmente, o interesse no desenvolvimento da espontaneidade estimula outras teorias a abordarem os aspectos saudáveis do ser humano (P21).

Benefícios de integrações para a prática profissional

Os profissionais sentem-se mais munidos para a compreensão da realidade e para as intervenções quando estudam outras abordagens. Mesmo tendo uma abordagem de referência, o exame de outras teorias pode impulsionar o desenvolvimento profissional e potencializar desempenhos criativos e eficientes.

A incursão em outros sistemas ampliou o espectro compreensivo e as possibilidades de atuação do profissional. Alguns participantes perceberam sua identidade profissional constituída a partir do estudo de várias abordagens e teorias (P11, P13, P14, P17, G18, G20, P21 e G22). No depoimento de G18, pode-se perceber a influência de vários saberes na sua trajetória profissional:

Eu estudei muito a teoria rogeriana, eu gosto muito. Mas, depois eu achei o dinamismo da Fenomenologia que eu não tenho que parar em nada, a coisa vai. Então, entendi que precisamos ter a presença inteira e amorosa que é o que me possibilita abrir como cliente e isso está no Humanismo, no Existencialismo, está também na Fenomenologia.

O referencial da abordagem isolada foi visto como insuficiente e seu uso restrito pode ser limitante. As outras teorias complementam lacunas compreensivas da abordagem de filiação e credenciam o profissional a entender melhor a complexidade da realidade humana (P10, P17 e G18). Foi relatado como necessário conhecer os diferentes aspectos do ser humano abordados pelas teorias psicológicas, assim como é preciso ampliar a visão com os aportes das outras ciências como a Física, a Biologia e as Neurociências, por exemplo (G22). O esforço perseguido é de poder ter uma prática mais efetiva e ajudar melhor a clientela (P10, P14, P17 e G18).

A utilização de recursos externos somados aos recursos da abordagem de filiação pode originar formas criativas de intervenções (P9, P12, P13, P15, G20 e P21). Alguns entrevistados utilizam ativamente aspectos de outros sistemas balizados por dois critérios: a busca de abordagens que sintonizem com a sua identidade e a busca de intervenções mais potentes. Alguns exemplos concretos de integrações práticas emergiram nas conversações. P13 utiliza a noção de presentificação da experiência da Gestalt-terapia, pede ao cliente que verbalize as crenças relacionadas às emoções experimentadas, presta atenção às palavras e metáforas utilizadas e propõe dramatizações quando acha necessário. P12 utiliza a estrutura do EMDR, com sua sequência de passos para as intervenções e a postura não diretiva do terapeuta. Os cursos de formação em outros sistemas feitos pelos profissionais foram percebidos como fatores que aumentam sua competência e segurança. "Vou pegando de cada uma delas o que sinto que tem a ver comigo e me facilita nas coisas que faço", diz P15 ao refletir sobre sua prática profissional sustentada pelo Psicodrama, Teoria Sistêmica e Gestalt-terapia. Alguns profissionais buscam ampliar as capacidades expressivas deles mesmos e de suas clientelas através da adoção de recursos artísticos como pintura, poesia e técnicas teatrais (G4, G5 e P9). Mesmo a integração com outras culturas também pode ampliar a atuação do terapeuta: "Você torna-se um terapeuta mais pluripartidário se passa a conhecer o que os terapeutas de outros países estão fazendo" (P13).

As integrações entre o Psicodrama e a Gestalt-terapia são realizadas nas práticas de alguns profissionais (G2, G5, G8 e P15). Os aspectos admirados na outra abordagem facilitaram esta aproximação. O Psicodrama foi enaltecido por alguns Gestalt-terapeutas pelas seguintes características: a ruptura com aspectos indesejáveis da Psicanálise, trazendo flexibilidade para as psicoterapias (G8) e a concretização do contexto do indivíduo ao trabalhar com a representação de papéis (G2 e G5). G5 explicitou a utilização do Psicodrama em sua prática clínica: "O que me atrai no Psicodrama e que eu uso na clínica é a possibilidade de poder representar, de tornar esses pensamentos, essas emoções, vivas ali". A apreciação da outra abordagem possibilitaria incorporar os elementos desejados e a permanência na abordagem de filiação: "O que tem no Psicodrama, eu posso fazer na Gestalt-terapia" (G5). A entrevistada P15 disse admirar a valorização da perspectiva do cliente realizada na Gestalt-terapia. A partir dessa influência gestáltica, busca incorporar em sua prática a validação da experiência do cliente e a não imposição do ponto de vista do terapeuta.

Caminhos para a integração

As integrações entre abordagens devem ser feitas com esmero para a promoção de resultados bem-sucedidos, com o intuito de respeitar as contribuições singulares de cada abordagem. Para evitar erros e aproveitar os benefícios das integrações é necessária a adoção de critérios que norteiem adequadamente os intercâmbios.

Para serem produtivas, as integrações não podem ser realizadas de forma desordenada e irrefletida (P10). Um dos critérios apontados foi a busca da "coerência epistemológica" (G22).É preciso identificar se há uma proximidade epistemológica entre as abordagens (P9, P10, P17). O exame superficial pode apontar semelhanças nas técnicas. No entanto, se a visão de mundo e a fundamentação filosófica forem incompatíveis, as integrações são impertinentes, como colocou G22: "Eu não posso imaginar integrar o pensamento gestáltico com o lacaniano. Eu não posso pegar e trabalhar com uma abordagem que tem base epistemológica fenomenológica existencial fazendo articulação com abordagem que trabalha com método analítico". As interfaces e sinergias de concepções epistemológicas convidam para os diálogos e respaldam as trocas integrativas (G7, P9, P10, P14, G20 e G22). O entrevistado G7 elogiou o exercício integrativo para abordagens que possuem afinidades: "Eu acho que nenhuma abordagem pode se fechar em si. E é obvio que é mais fácil conversar com um psicodramatista do que com um cognitivista rígido. Quanto mais próxima a visão de homem, mas fácil o diálogo e acho que mais enriquecedor". P10 demonstrou o seu percurso integrativo: "as articulações que faço do Psicodrama com outros saberes se justifica a partir de vários ingredientes. Tento ver se os campos apontam na mesma direção, se têm uma sinergia possível, se têm uma troca possível". Mais especificamente, a procura de um conceito comum foi apontado como um ponto de partida coerente (P10). A busca de elementos que faltam na abordagem de filiação em outras teorias que possuem fundamentações filosóficas próximas também foi um caminho valorizado (G20 e G22).

Cada abordagem tem pontos de conexão e pontos fechados (P10 e P14). Os aspectos singulares de cada abordagem constituem seu "núcleo" que está inserido em um "campo". Os aspectos nucleares de cada sistema estariam fechados para trocas, devendo ser preservados. Os aspectos mais periféricos estariam autorizados para dialogar com outra teoria:

Então, a ideia basicamente, cada disciplina, cada ponta de conhecimento, tem o seu núcleo próprio que lhe é singular e esse núcleo está inserido num campo que pode dialogar com outro campo, de uma outra disciplina que tem, por sua vez, o seu núcleo próprio (P10).

Os aspectos específicos devem ser mantidos para preservar a singularidade de cada abordagem que contém a sua maior potência (P10). Com isso, a integração entre duas abordagens não deve gerar uma terceira abordagem. O diálogo com outra teoria tem como propósito ampliar os conceitos e práticas da abordagem de filiação (P10). Outro exercício de cautela nas integrações é estar atento à dinâmica de assimilação e acomodação, como argumentou P10:

A noção de análise veio das ciências físicas, especificamente da química. Então, essa noção foi transportada para as ciências humanas e tomou outro significado. Aí, a gente tem um exemplo de como dois elementos, um elemento que pertencia a um campo e veio pra outro, ele sofre uma transformação.

No processo de integração, alguns conceitos importados podem sofrer uma profunda transformação em função do novo contexto de inserção. A criação da Gestalt-terapia é um bom exemplo: Fritz Perls realizou releituras de conceitos psicanalíticos, fortemente influenciado pelo movimento da Psicologia da Gestalt, originando um produto significativamente diferente da Psicanálise na qual estava inserido (G22).

Aspectos pessoais e práticos também foram apontados como importantes indicadores para as integrações. Alguns profissionais possuem facilidade em perceber semelhanças e estabelecer conexões entre teorias (P14 e P21). A necessidade de personalizar as amarrações entre abordagens colocaria os aspectos subjetivos como ponto de partida para o exercício integrativo (P11, P13, P15). O profissional estuda conceitos de outras abordagens que são significativas para ele: "Eu acho que vou pegando coisas que fazem sentido pra mim, que têm a ver com meu jeito de ser" (P15). A fusão entre os diversos conceitos e atitudes terapêuticas e o "jeito de ser" (P11) de cada profissional resultam em propostas singulares de integração: "Eu resgato a questão do narcisismo da Psicanálise, a terapia experiencial da Gestalt, a abordagem das crenças da Terapia Cognitiva e faço um pull com a minha cara. Eu adapto pra mim, pro jeito que eu trabalho" (P13). O profissional seleciona contextos apropriados para as integrações. Por exemplo, quando está no papel de professor, P12 sente a necessidade de ser mais conservador, "não ficar misturando muito". Quando atua no âmbito clínico, por outro lado, sente mais liberdade para integrar abordagens (P12). As integrações não excluem uma visão crítica, pois alguns conceitos das abordagens procuradas podem ser incoerentes com a proposta pessoal do profissional (P21). As influências são incorporadas na prática de modo fluido, sem decisões deliberadas de qual abordagem utilizar em cada momento (P21). As experiências práticas possuem maior complexidade do que o alcance de uma abordagem isolada, por isso demandam integrações (P15). Mesmo ressaltando o caráter pessoal das integrações, é desejável que o profissional sistematize os caminhos traçados que poderão ser úteis a outros interessados (P15).

Houve a recomendação de diálogos e não integrações entre abordagens, norteados pelos desafios da prática. A abordagem de filiação deveria se esforçar para dialogar com os fenômenos que se apresentam sem recorrer aos conceitos de outras abordagens para preencher lacunas (G22): "Porque a minha questão é simples, como é que a Gestalt-terapia pode olhar para isso ou entender isso? Ou isso seria uma coisa completamente incoerente? Não é o diálogo com a teoria, você está entendendo? É o diálogo com o fenômeno". Seria desejável que os membros da abordagem olhassem para os fenômenos estudados por outras teorias de bases epistemológicas semelhantes a fim de desenvolverem uma percepção própria e promoverem o desenvolvimento da abordagem de filiação (G22).

 

Discussão

A rivalidade histórica presente no desenvolvimento das psicoterapias trouxe, como consequência, a ocultação ou a pouca visibilidade de um aspecto fundamental: as abordagens não teriam se desenvolvido se estivessem fechadas em si mesmas. Portanto, o tema da integração entre abordagens é relativamente novo como proposta de pesquisa - a partir da década de 1990 (Norcross, 2005), mas pode ser considerado antigo quando o percurso constitutivo de cada teoria é tomado como perspectiva. Na Psicologia e também no desenvolvimento das ciências a circulação de conceitos foi, e continua sendo, um caminho vital para a desobstrução das disciplinas (Morin, 2007). Os conceitos migram de uma ciência para a outra e são utilizados como metáforas para explicarem algum aspecto que a disciplina não conseguia com recursos próprios. Neste sentido, cada abordagem isolada parece ser incapaz de sair de alguns impasses provocados por lacunas importantes. As brechas preenchidas através da influência de conceitos de outras teorias demonstram que o desenvolvimento das abordagens psicológicas poderia ter sido atravancado caso considerássemos somente a autossuficiência de cada escola. Neste sentido, há um descompasso entre as formulações originais de cada abordagem e as necessidades atuais dos profissionais. O Psicodrama e a Gestalt-terapia recorreram a outras teorias para realizar o ajuste entre as suas disciplinas e o atual perfil de suas comunidades de profissionais e clientela. No caso do Psicodrama, originalmente grupal, houve um direcionamento para modalidades de atendimento individual. No caso da Gestalt-terapia houve uma crescente ênfase na relação terapêutica, em detrimento das técnicas de ação propostas inicialmente por Fritz Perls.

Os benefícios dos diálogos com outras teorias resultaram em expectativas desejosas de novas integrações. Uma constatação subjacente a este aspecto foi a de que a abordagem não está pronta e está em permanente mudança. Mesmo conceitos mais centrais, como a criatividade no Psicodrama, não estão suficientemente desenvolvidos. O espelhamento com outra teoria, com a análise de aspecto conceitual semelhante, pode aprimorar o conceito em questão da abordagem. A ampliação das possibilidades teóricas e de intervenção advém da fertilização decorrente do contato com outras abordagens. De forma semelhante, alguns autores propõem a integração como um esforço permanente em atravessar as fronteiras da abordagem de filiação com a abertura em aprender algo com as outras escolas (Gold e Stricker, 2006; Watchel, 2010). A meta é a integração como um processo de ampliação das perspectivas, ao invés da tentativa de se gerar algum produto ou método.

A integração como um processo pode gerar outro benefício imprevisto: a instauração de um processo de reflexividade através do contato com outras teorias. As ciências são convidadas a refletirem mais sobre si mesmas por meio da construção de estruturas de trocas coletivas (Bourdieu, 2008). Diante da complexidade do real, é importante que cada disciplina reflita sobre seus pressupostos partilhados que permanecem invisíveis e pouco explicitados (Morin, 2005). É necessário situar-se, problematizar-se. Os dados apontaram a integração como um caminho promissor para a possibilidade de reflexividade das abordagens. Examinando outras escolas é possível conhecer melhor a própria. Cada abordagem pode refletir sobre si mesma quando examina o desenvolvimento de outras abordagens. O contato com a diversidade de perspectivas auxilia a corrigir os próprios erros e a afirmar as próprias virtudes.

Além dos benefícios gerais, os participantes demonstraram anseio pelos diálogos entre a Gestalt-terapia e o Psicodrama. A outra abordagem examinada traz algum conceito ou atitude clínica que poderia enriquecer a escola de filiação. A proximidade epistemológica das duas abordagens, unidas por fundamentos fenomenológico-existenciais (Almeida, 2006), pode ter facilitado o desejo de intercâmbio. A complementação foi almejada como um caminho para a utilização dos pontos específicos de cada abordagem, com o objetivo de alcançar uma atuação prática mais potente. Este aspecto coincide com a meta do movimento de integração que é aumentar a eficácia da psicoterapia por meio da combinação entre abordagens (Norcross, 2005). Por exemplo, o psicodramatista pode utilizar na sua prática o conceito de awareness da Gestalt-terapia para potencializar a promoção da espontaneidade, que é uma das metas principais do Psicodrama. A awareness refere-se a uma ampla conscientização nas formas de ser e agir. Através de um bom contato com as suas necessidades, o organismo assimila do meio o que necessita, garantindo o fluxo do seu crescimento (Perls et al., 1997). A espontaneidade é definida como a capacidade de dar novas respostas às situações antigas ou respostas adequadas às situações novas. O Psicodrama busca resgatar a capacidade criativa e a ruptura com padrões de comportamentos cristalizados (Moreno, 1975). Pode-se perceber que se o sujeito alcança uma ampla conscientização de si mesmo, fica facilitado o caminho para uma maior capacidade de produzir respostas criativas.

As expectativas dos benefícios trazidos por outras abordagens conviveram com as reflexões sobre as potenciais contribuições que a própria abordagem pode oferecer às outras escolas. Mesmo sinalizando as lacunas de outros sistemas e enaltecendo as virtudes específicas da sua abordagem, os participantes exerceram um raciocínio integrativo. Houve uma concepção cooperativa nas trocas nas quais ofertariam o que têm de melhor. De forma geral, os Gestalt-terapeutas elogiaram a busca da sua abordagem pela qualidade da relação terapêutica que empodera o cliente. Os psicodramatistas enfatizaram a flexibilidade que o Psicodrama trouxe para as psicoterapias através da concepção contextual do ser humano. Mesmo com a busca de comunicação entre saberes, devem ser mantidas as distinções e especificidades de cada disciplina (Morin, 2007). Prochaska e Diclemente (2005) apontam para a necessidade de se preservar os grandes insights dos sistemas de psicoterapia. Observando-se os pontos fortes de cada abordagem, os clientes podem ser expostos a uma combinação de fatores que aumentam a eficácia da psicoterapia (Gold e Stricker, 2006).

Para lidar com a complexidade da realidade e ter uma atuação eficiente, os profissionais sentem-se estimulados a estudarem outras abordagens. Como os saberes não abarcam o real da experiência que se apresenta, há uma busca de uma conduta ética que consiga apreender a particularidade de cada caso (Neto e Penna, 2006). Muitos entrevistados possuem uma abordagem de referência, mas reconheceram a influência de várias teorias na sua formação profissional e permanecem interessados em buscar algo fora das fronteiras da abordagem. A possibilidade da utilização de uma abordagem única pareceu suscitar uma sensação de insegurança nos entrevistados. Os profissionais pretendem ter uma visão mais ampla e compatível com a complexidade da clientela (Prochaska e DiClemente, 2005). Como os terapeutas se deparam com clientes heterogêneos, com a experiência adquirem uma postura integrativa e ficam mais propensos a rejeitarem a utilização de uma abordagem única (Norcross, 2005). A tendência observada nos participantes foi a busca de teorias que tivessem sintonia com a sua identidade. Tendo uma abordagem de referência, construíram formas integrativas de atuação singulares e criativas em que há uma combinação entre características pessoais e atitudes e conceitos de outras abordagens. Diante da riqueza e da imprevisibilidade da realidade, os terapeutas lançam mão da inventividade para a produção de novas formas de constituição do espaço clínico (Neto, 2004).

Portanto, os participantes indicaram que as características pessoais e a necessidade de se manter a especificidade de cada abordagem seriam critérios norteadores válidos para as integrações. A busca de coerência epistemológica foi outra regra apontada. É necessário procurar teorias que tenham aspectos epistemológicos próximos. Primeiramente, deve-se examinar a existência de alguma unidade entre as abordagens, seja através de algum conceito em comum, seja através de influências filosóficas semelhantes. Desta forma, os diálogos são validados por teorias que possuam uma espécie de parentesco epistemológico. Não se pode conversar com qualquer um, os diálogos devem ser disciplinados. Obviamente, é desaconselhável estabelecer diálogos entre abordagens com concepções antropológicas muito distantes. A partir da constatação da proximidade, é autorizada a busca na outra teoria de aspectos lacunares da escola de filiação. Para a superação da estagnação de alguma parte da abordagem, pode-se pedir alguma recomendação ao vizinho ou pegar alguma ferramenta emprestada (Gold e Stricker, 2006).

Na importação de conceitos e técnicas há uma dinâmica de assimilação e acomodação, ou seja, existem modificações significativas dos aspectos conceituais em função do novo contexto. Como foi dito, a migração de conceitos ocorreu com frequência na história das ciências. Conceitos são transpostos entre as disciplinas, ajudando no desenvolvimento de novas frentes de pesquisa (Morin, 2007). No caso da integração entre as psicoterapias, há um tipo de trocas entre abordagens que se aproxima deste processo. Trata-se da integração assimilativa, na qual o terapeuta mantém uma posição teórica de referência, mas incorpora conceitos e técnicas de outras orientações. O significado, o impacto e o uso do material assimilado muda de maneira importante em função do novo contexto (Stricker e Gold, 2005). No surgimento da Psicologia também pode ser observado o processo de captura de conceitos. Por exemplo, o conceito de equilíbrio termodinâmico da Física transformou-se no conceito de princípio do prazer da Psicanálise. Por isso, Ferreira (2007) refere-se à Psicologia como um campo de hibridações.

Houve, ainda, a indicação de um caminho para a integração mais conservador. O critério aqui é o desenvolvimento da abordagem de filiação influenciada externamente por direções de pesquisa, mas a partir de suas próprias forças. Ou seja, as outras escolas podem ser examinadas para fomentar novas investigações da própria abordagem. Podem ocorrer diálogos e não integrações. Cada orientação deve desenvolver-se por si mesma, sem importar conceitos ou técnicas externas. Por exemplo, alguma técnica interessante que outra abordagem tenha construído pode servir de inspiração para que a própria orientação desenvolva algo parecido, mas a partir dos seus conceitos e linguagem próprios.

Portanto, o exercício da interdisciplinaridade entre as escolas psicológicas foi enaltecido como condição para: (i) o processo de construção e consolidação das abordagens; (ii) a geração de novos desenvolvimentos teórico-práticos; (iii) a possibilidade de instaurar a reflexividade; (iv) aumentar a sensação de segurança e competência profissional diante da complexidade da realidade; (v) garantir atendimentos mais qualificados para os clientes. Como foram mapeados benefícios vitais, as reflexões deste trabalho apontam para a necessidade da realização de maiores esforços integrativos no campo da Psicologia.

 

Considerações finais

Na análise das ponderações dos participantes, pôde-se observar um descompasso: convivem, ao mesmo tempo, atuações práticas e reflexões epistemológicas fortemente integrativas dos profissionais com significativa escassez de pesquisas e produções teóricas sobre as possibilidades de comunicação entre abordagens. Pode ser necessária uma nova organização dos saberes psicológicos, com a permanência da separação e distinção de cada abordagem, mas com o incremento da articulação entre elas (Morin, 2007).

A comunicação entre as abordagens pode contribuir para a superação das concepções mutiladoras da realidade que separam ou unificam desordenadamente os saberes (Morin, 2005). Além da emergência de uma visão mais ampla da realidade, há possibilidades de incremento de vitalidade no campo, pois a inovação nas ciências geralmente ocorre nas interseções (Bourdieu, 2008). Examinar seriamente os defeitos e méritos de outras abordagens exige uma mudança de compromisso no campo (Kuhn, 2011). Superar a Torre de Babel dos saberes psicológicos significa assumir a diversidade da Psicologia e tentar regular de forma organizada os diálogos. Fundamentada em critérios, a adoção de uma atitude interdisciplinar pode ser um caminho promissor para o crescimento da Psicologia.

 

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Submetido: 10/02/2016
Aceito: 21/09/2016

 

 

1 Jacob Levy Moreno, médico romeno que viveu entre 1889 e 1974, criador do Psicodrama.
2 As etapas que estruturam uma sessão de Psicodrama são: aquecimento (o grupo é preparado para a ação), dramatização (concretização e representação de situações conflituosas) e compartilhar (expressão das ressonâncias afetivas despertadas pela cena dramatizada).

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