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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.11 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2018.111.10 

ARTIGOS

 

O silêncio em palavras mudas e ausentes: uma escuta psicanalítica

 

The silence in absent and mute words: a psychoanalytical listening

 

 

Gabrielle Krupp Sander; Paula Kegler

Faculdades Integradas de Taquara. Av. Oscar Martins Rangel, 4500, Fogão Gaúcho, 95600-000, Taquara, RS, Brasil. krupp.gabi@gmail.com, kegler.paula@gmail.com

 

 


RESUMO

Muitas mudanças foram observadas na clínica psicanalítica desde a sua origem. Uma importante evolução teórica e técnica pode ser atribuída ao papel do silêncio, não sendo apenas compreendido como um fenômeno da resistência, mas também como um valoroso recurso de manejo clínico. Trata-se da necessidade de reconhecer a função do silêncio do terapeuta e do paciente na especificidade da escuta proposta pela Psicanálise. Com o objetivo de investigar a compreensão do silêncio e suas possibilidades de manejo pelo olhar de terapeutas que utilizam o referencial psicanalítico em sua prática clínica, foi utilizado o método qualitativo exploratório. Na coleta de dados, foi realizada uma entrevista semiestruturada com quatro psicólogos de orientação psicanalítica com, no mínimo, dez anos de experiência clínica. Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da Análise de Conteúdo, resultando em duas categorias: (i) conjunturas sobre a compreensão do silêncio na clínica psicanalítica; (ii) o manejo do silêncio na clínica psicanalítica — possibilidades de uma escuta. Os resultados proporcionaram uma rica discussão sobre o silêncio, ressaltando sua importância na clínica psicanalítica atual e a relevância de compreendê-lo em sua diversidade. Destaca-se a manifestação do silêncio por meio das palavras mudas, que são passíveis de elaboração e interpretação e do silêncio vazio, que se dá na ausência de palavras e na necessidade de sua construção. Não foram observados critérios enrijecidos no manejo do silêncio. O rigor técnico de um manejo flexível e adequado se desenvolve a partir da singularidade da dupla terapêutica e envolve, de maneira concomitante, preservar o silêncio e, também, interrompê-lo.

Palavras-chave: silêncio, escuta psicanalítica, clínica contemporânea.


ABSTRACT

Many changes have been observed in the psychoanalytical clinic since its origin. One important theoretical and technical evolution may be assigned to the role of silence, understood not only as a resistance phenomenon, but also as a valuable resource of clinical management. It is about the need for recognizing the purpose of therapists' and patients' silences in the specificity of listening as proposed by Psychoanalysis. Aiming to investigate the comprehension of silence and possibilities of management through the gaze of therapists who use psychoanalysis in their clinical practice, we used an exploratory qualitative method. In the data collection, we performed semi- structured interviews with four psychologists of psychanalytical orientation, with at least ten years of clinical experience. The gathered data were analyzed with Content Analysis, resulting in two categories: (i) Junctures on understanding silence in the psychoanalytical clinic; (ii) Managing silence in the psychoanalytical clinic — possibilities of listening. The results provided a rich discussion on silence, highlighting its importance in the current psychoanalytical clinic, and the relevance of understanding its diversity. We emphasize the manifestation of silence through mute words, which are susceptible of elaboration and interpretation, and of empty silence, which happens in the absence of words and in the need for their construction. We did not observe rigid criteria in silence management. The technical rigor of a flexible and appropriate management starts on the singularity of the therapeutic duo, and it involves, concurrently, the preservation and also the interruption of silence.

Keywords: silence, psychoanalytical listening, contemporary clinic.


 

 

Introdução

Na origem da Psicanálise, a regra técnica fundamental consistia em o paciente falar tudo que lhe vinha à mente, independentemente de serem aspectos agradáveis ou desagradáveis, ou mesmo o que desejava não falar (Silva, 2014). Na chamada talking cure, a cura pela palavra, era proposto um compromisso de honestidade no qual o paciente não deixaria nada de fora da sessão. Então, o terapeuta, ao convidar o paciente à prática da associação livre de ideias, deu origem ao silêncio na Psicanálise. A partir do chamado 'silêncio do terapeuta' surgiu o silêncio na clínica psicanalítica (Oliveira, 2009).

Padrão (2009) ressalta que com o passar dos anos e com o aprimoramento da técnica psicanalítica, Freud descobriu e confirmou a importância da qualidade da escuta do terapeuta, indicando que este adotasse uma postura mais silenciosa, fazendo suas interpretações quando necessário, mas não tantos questionamentos como antes. Assim a postura silenciosa do terapeuta passou a ser usada como técnica pertinente ao processo terapêutico (Zimerman, 2004). As constantes transformações culturais e as novas modalidades de padecimentos psíquicos convocam a Psicanálise a reinventar-se teórica e tecnicamente (Zimerman, 2004). Dessa forma, percebe-se o quanto a abordagem do silêncio foi sendo gradativamente transformada, demonstrando a necessidade de pesquisar como este fenômeno clínico é compreendido e manejado na prática psicanalítica dos tempos atuais.

De acordo com Zimerman (2004), a comunicação no setting não está mais baseada exclusivamente em relatos verbais por parte do paciente. Diante disso, pode-se dizer que uma das principais transformações da Psicanálise na atualidade está relacionada à comunicação, já que hoje a linguagem não verbal e os silêncios são incluídos no trabalho psicanalítico. Assim, a associação livre não se configura como a única forma de ter acesso aos conteúdos inconscientes do paciente. O que antes era entendido como uma afronta à combinação feita com o terapeuta, hoje pode ser interpretado e faz parte do setting terapêutico. Manifestações silenciosas do paciente passaram a ter importância para Freud quando ele percebeu que havia conteúdos obscuros e difíceis que deveriam ser abordados nas sessões e que eram produto da censura, do recalque e da resistência, por exemplo. Tratava-se de assuntos que se tornavam mudos porque precisavam ser evitados ou negados quando os pacientes eram pressionados a falar. Tal percepção levou Freud a questionar-se se eram apenas conteúdos inconscientes de difícil acesso ou se haveria mais aspectos envolvidos quando o paciente se nega a falar, diz que não sabe ou que não tem o que falar. Tais aspectos poderiam relacionar-se, por exemplo, à percepção do paciente de que está diante de uma situação nova, não sabendo o que é certo dizer ou não conseguindo falar porque lhe causa muito sofrimento (Silva, 2014).

De acordo com Nasio (2010) e Ferreira (2009), o processo terapêutico em Psicanálise tem uma cena com duas pessoas, na qual, enquanto uma fala, a outra escuta, de modo que os autores reconhecem que o silêncio se faz presente no processo terapêutico, assumindo diferentes papéis e funções. Por isso, o terapeuta precisa ter a sensibilidade de entender o que o silêncio deseja comunicar. Nesta perspectiva, Peres (2009) e Ferreira (2009) propõem que é o silêncio que dita o ritmo em que a sessão vai transcorrer.

Nas situações em que o terapeuta permanece em silêncio, Nasio (2010) compreende que ocorre uma convocação ao paciente para que ele fale. Por vezes, no começo, diante do silêncio do terapeuta, o paciente diz que não tem nada a dizer e, de fato, não tem porque não sabe o que dizer. Para o autor, a postura do terapeuta vai ser definitiva na transformação desse 'nada a dizer' em uma experiência necessária ao paciente.

O silêncio do terapeuta, além de ter um papel de escuta, pode se manifestar como defesa ou refúgio, em uma tentativa de se guardar daquilo que está sendo dito, podendo, nesses momentos, ser muito difícil para o profissional manter-se em silêncio. Para o paciente, o silêncio do terapeuta pode ter inúmeros significados, sendo entendido como interesse, cumplicidade, consentimento, cuidado, atenção, respeito ao discurso ou até mesmo indiferença e rejeição. O sentido que o silêncio do terapeuta adquire para o paciente vai depender do momento da sessão e do modo de funcionamento psíquico do paciente (Green, 2004).

O silêncio do paciente, por outro lado, pode ocorrer por várias razões. Zimerman (1999, 2004) observa que os tipos de silêncio que o paciente pode apresentar, em resumo, são de resistência, indicando bloqueios psicopatológicos, ou de elaboração. Ou seja, o silêncio do calar-se para uma reflexão é completamente diferente do silêncio da palavra muda, como forma de resistência e da palavra que falta por vazio (Nasio, 2010). Logo, na interrupção da associação livre, o silêncio produz pausa e pode estar relacionado à elaboração, à resistência ou ao vazio. Conforme Padrão (2009), pensar no silêncio com significação positiva muda a visão negativa que assombra a prática. Por meio das manifestações mais positivas do silêncio do paciente, é possível diminuir a resistência dos próprios terapeutas frente aos momentos mais silenciosos na clínica.

Silva (2014) propõe que sempre há momentos silenciosos, seja do paciente, seja do terapeuta, de modo que o aspecto mais relevante é a experiência da dupla terapêutica. Assim, a compreensão que os profissionais têm e a forma como são trabalhados os silêncios são fundamentais na clínica, pois a atenção flutuante e o silêncio do terapeuta como recursos técnicos viabilizam a construção de intervenções mais oportunas e adequadas (Henriques, 2012). Logo, é fundamental que o terapeuta crie condições para suportar e acolher o silêncio, tanto do paciente como de si mesmo para que seja possível compreender e manejar, de maneira adequada, as situações clínicas nas quais o silêncio se coloca no lugar da palavra (Green, 2004)

Ao abordar historicamente o manejo do silêncio, Silva (2014) ressalta que nos primórdios, quando apareceram os primeiros casos de pacientes que permaneciam em silêncio ou falavam que não tinham nada a dizer, o manejo era conseguir com que o paciente falasse e a intervenção era construída a partir de uma insistência do terapeuta para que esse paciente começasse a falar. Era necessário, portanto, que o silêncio fosse banido da sessão para tornar possível o trabalho terapêutico. Mais recentemente, Padrão (2009) e D'incao (2007) propõem novas modalidades de manejo do silêncio, afirmando que, acima de tudo, o silêncio do paciente deve ser acolhido por meio de uma escuta que ultrapassa as palavras pronunciadas. Logo, escutam-se, também, as palavras mudas e aquelas que nunca puderam ser construídas. Destaca-se, então, que são de amplo valor as manifestações advindas do silêncio, daquilo que, neste artigo, será denominado de palavras mudas ou ausentes. Pode-se dizer, portanto, que o terapeuta escuta pela "terceira orelha" quando escuta o paciente e também o seu próprio interior com o objetivo de melhor compreender a situação terapêutica que se instaura (Nasio, 2010). Logo, frente às especificidades da clínica psicanalítica contemporânea e ao valor conferido à escuta do inconsciente pela via do silêncio, buscou-se investigar, neste estudo, a compreensão de terapeutas acerca do seu próprio silêncio e do silêncio do paciente, bem como suas formas de manejo no processo terapêutico.

 

Método

Para investigar a compreensão e o manejo do silêncio na clínica psicanalítica contemporânea, foi utilizado o método qualitativo exploratório. Segundo Creswell (2010), o método qualitativo é uma estratégia de investigação na qual se identificam as experiências humanas descritas pelos participantes e envolve o estudo profundo de um pequeno número de indivíduos.

Participantes

A pesquisa foi realizada com quatro profissionais psicólogos que utilizam o referencial psicanalítico e que tinham uma prática clínica de, no mínimo, dez anos. A escolha dos participantes foi por indicação e conveniência.

Acredita-se que esse número de participantes foi suficiente para implementar uma pesquisa qualitativa que tem o interesse de pesquisar um fenômeno particular e em profundidade. Considera-se que o tempo de prática clínica é importante porque este estudo objetiva investigar experiências de compreensão e manejo do silêncio, que, para terapeutas iniciantes, pode ser um desafio. A Tabela 1, apresentada a seguir, foi elaborada para uma melhor caracterização dos participantes.

Instrumentos

Para a coleta de dados, foi utilizada uma entrevista semiestruturada constituída pelos seguintes eixos de investigação: (i) compreensão do silêncio na prática da clínica psicanalítica contemporânea; (ii) o papel do silêncio na prática da clínica psicanalítica contemporânea; (iii) significado do silêncio do terapeuta que utiliza, em sua prática profissional, o referencial psicanalítico; (iv) significado do silêncio do paciente para o terapeuta que utiliza, em sua prática profissional, o referencial psicanalítico; (v) o manejo do silêncio do terapeuta que utiliza, em sua prática profissional, o referencial psicanalítico; (vi) o manejo do silêncio do paciente para o terapeuta que utiliza, em sua prática profissional, o referencial psicanalítico; (vii) exemplos de manejo do silêncio na prática da clínica psicanalítica contemporânea.

Procedimentos de coleta e análise dos dados

A coleta dos dados foi iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde o estudo foi desenvolvido, sob o parecer nº 892/2015. Foram realizados contatos telefônicos e via e-mail com os profissionais que preenchiam os critérios de inclusão para apresentar os objetivos da pesquisa e convidá-los para participar. Com o convite aceito, foram marcados os encontros para a coleta de dados de forma individual e em local conveniente para os participantes. Antes do início das entrevistas, foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas as entrevistas foram gravadas e duraram, em média, 45 minutos.

Após a coleta dos dados, as entrevistas foram transcritas e o material foi analisado, de forma qualitativa, por meio do método de Análise de Conteúdo de Bardin (1991) na perspectiva de Moraes (1999). Nesta releitura da Análise de Conteúdo Moraes (1999) propõe cinco etapas: (i) preparação das informações; (ii) unitarização ou transformação do conteúdo em unidades; (iii) categorização ou classificação das unidades em categorias; (iv) descrição e (v) interpretação. O conteúdo das falas dos terapeutas entrevistados foi transformado em unidades de sentido para depois ser classificado em subcategorias e agrupado, por semelhança, em categorias.

Análise e discussão dos resultados

Para melhor visualização dos dados analisados a partir das entrevistas, os resultados são apresentados na Tabela 2.

A primeira categoria, denominada Conjunturas sobre a compreensão do silêncio na clínica psicanalítica, constituiu-se a partir da síntese de quatro subcategorias, que abordam o papel do silêncio e seus possíveis significados, bem como suas formas de manifestação e os efeitos que pode produzir. A primeira subcategoria, intitulada Papel do silêncio na clínica psicanalítica, diz respeito à compreensão do papel que o silêncio exerce na prática clínica. Nos resultados obtidos por esta pesquisa, destaca-se a importância das diferenças teóricas no entendimento do papel do silêncio, pois este tema foi abordado por todos os participantes. Pode-se afirmar que, conforme as diferentes perspectivas teóricas, o papel do silêncio pode ser entendido de maneiras distintas. A fala da Participante 4 ilustra esta percepção: "No meu primeiro referencial teórico, que era basicamente Freud, né, o silêncio sempre é entendido como resistência [...], isso foi se modificando na medida em que eu comecei a estudar Winnicott. Então, assim, mudou totalmente". Silva (2014) indica que, de forma resumida, na visão de Freud, o silêncio é basicamente de resistência, enquanto, na perspectiva de Winnicott, é oferecido um espaço para o silêncio sem interpretá-lo como uma resistência desde o primeiro momento. Assim, evidencia-se que o referencial teórico é fundamental para a compreensão do papel deste fenômeno clínico.

Vale ressaltar que o silêncio, segundo Silva (2014), sempre era considerado como uma defesa, não sendo interpretado como um silêncio elaborativo em que o paciente poderia estar refletindo, muito menos que poderia estar falando mais do que as próprias palavras. Se, na proposta freudiana inicial o silêncio precisava ser combatido porque contrariava a livre associação de ideias, aos poucos foi entendido que era possível valorizá-lo ao longo do processo de terapia. Assim, pode-se dizer que o silêncio passou do papel de coadjuvante para ser um dos atores principais no cenário de uma sessão na clínica psicanalítica (Silva, 2014).

Outro aspecto abordado, com grande frequência, pelos profissionais entrevistados trata da diversidade das formas de silêncio, fazendo com que o significado de cada uma delas altere também o seu papel. O Participante 1 observa tal variedade: "O silêncio tem várias formas". Tal concepção é complementada pelo Participante 2, que indica: "Existem várias formas de se fazer silêncio". Na Psicanálise contemporânea, segundo Henriques (2012), o silêncio vem sendo abordado, de diferentes maneiras, por diferentes autores, o que também pode ser considerado como não mais o silêncio, mas sim os silêncios, em sua pluralidade.

A partir dos relatos produzidos pelos participantes da pesquisa, evidenciou-se que o silêncio tem um papel imprescindível para a compreensão do que se passa no setting terapêutico. Ao ser considerado para além da expressão pura da resistência, o silêncio fala no espaço da falta da palavra. Nessa perspectiva, o Participante 3 expressa: "Sinto que o silêncio faz parte, ele é necessário, ele é necessário e produtivo" e o Participante 4 completa: "Espaço para que o paciente possa pensar e que eu possa entender o que o paciente tá trazendo, né, então seria o silêncio como necessário". Nasio (2010) indica que seria uma injustiça se os resultados da Psicanálise fossem atrelados unicamente ao poder das palavras. Ao contrário, o autor posiciona-se afirmando que os resultados terapêuticos da Psicanálise contemporânea são devidos ao poder da palavra e, também, ao poder do silêncio. Diante disso, é possível sustentar que o silêncio é considerado pelos profissionais entrevistados como um instrumento de trabalho, conforme afirma o Participante 1: "Eu colocaria ele como mais um dos instrumentos que a gente tem de trabalho". Observa-se, portanto, que o silêncio passou a ser compreendido como uma técnica por parte dos terapeutas e, sendo uma técnica, é fundamental que os profissionais utilizem a teoria como um alicerce para entender o silêncio com o intuito de proporcionar a escuta psicanalítica das palavras mudas (Silva, 2014).

A segunda subcategoria, nomeada Formas de manifestação e efeitos do silêncio na clínica psicanalítica, relaciona-se às formas mediante as quais o silêncio pode aparecer e também aos efeitos que pode causar na dupla terapêutica. Na perspectiva da talking cure, o silêncio do paciente pode quebrar a associação livre, algo que foi frequente nas entrevistas e exemplifica-se na fala do Participante 2, que observa que "a associação livre na verdade é uma utopia, né, porque o paciente não vai conseguir associar livremente. Quando ele se deparar com algum conteúdo conflitivo, ele vai resistir". Usando essa técnica, não haveria espaço para o silêncio do paciente na sessão, pois apenas o terapeuta podia fazer-se silencioso, um paradigma que, ainda na Psicanálise contemporânea, é discutido (Oliveira, 2009; Pereira, 2009).

Segundo os participantes, por meio da transferência o silêncio também se manifesta. Sobre essa constatação o Participante 2 comenta: "Coisas transferenciais aparecem, né, então geralmente no silêncio a gente encontra uma transferência e uma resistência". Nessa perspectiva, Silva (2014) afirma que a comunicação da dupla liga os inconscientes e trabalha silenciosamente, sem a obrigatoriedade do pronunciamento de palavras. Segundo o autor, é então que se estabelece a transferência no silêncio e as identificações projetivas vividas no processo terapêutico. Tais fenômenos clínicos, manifestados também por meio do silêncio, precisam ser compreendidos para serem adequadamente manejados.

Outra circunstância bastante ressaltada nas entrevistas foi que, diante das mudanças em relação ao entendimento do silêncio, o silêncio passou a se manifestar como uma conexão entre terapeuta e paciente, como é possível perceber no relato do Participante 3: "Oportunidade que tu tem de se conectar com o paciente porque enquanto se está falando, muitas vezes a gente não consegue fazer esse tipo de conexão". Tal reflexão foi complementada pelo Participante 4 ao dizer: "De poder nesse silêncio entrar em contato com essa comunicação mais primitiva que se eu tiver o tempo todo falando ou o paciente o tempo todo falando, dificilmente eu vou contatar". Frente a essas modificações técnicas, observa-se que o paciente e a clínica de hoje são diferentes, como foi relatado por todos os participantes, de modo que trabalhar com a Psicanálise contemporânea é justamente ter esse olhar para as mudanças nas formas de manifestação do sofrimento psíquico, pois a constituição dos sujeitos e as demandas que se fazem presentes na clínica não são as mesmas de quando a Psicanálise foi fundada (Birman, 2003; Henriques, 2012).

Em relação à constatação de que a comunicação durante uma sessão se transformou e evoluiu muito, o Participante 1 fala: "O paciente mudou muito. Em 30 anos tem uma mudança muito grande na clínica". Sobre esse aspecto, Padrão (2009) constata que, nos dias atuais, as pessoas têm mais dificuldade de suportar a quietude e/ou participar de momentos silenciosos. Esse cenário convoca à reflexão sobre o que é encontrado atualmente na prática clínica: pacientes cada vez mais apáticos e silenciosos, que demonstram um certo embaraço para nomear afetos ou, ainda, para tolerar o silêncio do terapeuta quando este oportuniza um espaço de silêncio próprio à escuta psicanalítica. Segundo o autor, a linguagem está empobrecida, pois perdeu-se a dimensão simbólica, o que revela um vazio na subjetividade do homem contemporâneo. Tais mudanças também implicam em reconhecer a necessidade de modificar as formas de compreender as manifestações e os efeitos do silêncio na clínica psicanalítica atual mediante a escuta e a interpretação das palavras mudas ou a construção das palavras que ainda se encontram ausentes.

Em relação ao silêncio na clínica psicanalítica, Padrão (2009) indica que ele se faz necessário para que o paciente possa elaborar, sendo preciso silenciar para se dar conta de alguns sentidos ocultos. Então, por meio do silêncio, o paciente traz à tona alguns conteúdos mais inconscientes, tem insights, além da possibilidade de estar só na presença do outro. Diante dessa afirmação, o Participante 4 expõe: "Naturalmente vai se dando conta. É, digamos, o tempo que alguém precisa pra poder ir pensando e construindo algo, né, e essa questão do estar só na presença de alguém". E, na visão do Participante 2, o terapeuta deve "ir possibilitando que o sujeito vá se dando conta".

A terceira subcategoria, denominada Possíveis significados dos silêncios do paciente, mostra os diversos sentidos que podem ter os silêncios do paciente. Na Psicanálise contemporânea, segundo Henriques (2012), o silêncio tem grande diversidade e pode ser manejado também de formas diversas de acordo com o seu significado e momento em que ocorre na sessão. Pode-se citar, por exemplo, o silêncio de uma pausa, da transferência, da resistência, da elaboração, entre tantos outros, visto que são infindos, destacando que cada tipo de silêncio pode também ter diferentes significados (Ferreira, 2009; Silva, 2014).

Ao abordar o silêncio no contexto psicanalítico, Zimerman (1999, 2004) explicita que existem diversos tipos de silêncios do paciente e é papel do profissional conseguir distinguir aqueles que são necessários e estruturantes, ou seja, aquele silêncio que é elaborativo para o paciente, momento em que ele reflete e consegue ter um insight em busca das palavras que estão mudas, dos que se caracterizam como impeditivos para o progresso do tratamento, que são manifestações de resistência e que precisam ser interpretados. O silêncio de resistência foi citado com muita frequência em todas as entrevistas e pode ser exemplificado na fala do Participante 2: "Ele [o paciente] resiste a trazer o que é que ele está pensando em ser analisado, portanto o silêncio do paciente geralmente é interpretado como uma resistência, mas não é verdade que sempre seja".

Os silêncios impeditivos também podem ser entendidos como silêncios de vazio, em que há ausência de palavras para nomear o sofrimento e a angústia, ou como silêncios de afastamento e isolamento, uma vez que nem sempre se configuram como resistência. O silêncio que é sinônimo de um vazio interno caracteriza-se pela ausência de condições de nomeação das experiências. Sobre essa ausência, Hausen (2005) diz que ela revela um estado de precariedade de condições psíquicas de simbolização e representação. O Participante 1 faz a ilustração ao afirmar: "O silêncio muitas vezes não é resistência, muitas vezes é porque tem um vazio imenso, então precisa ser atendido, ouvido". Nesses casos, cabe ao terapeuta auxiliar o paciente na construção de palavras que possam nomear o seu sofrimento. Então, os terapeutas precisam romper as dificuldades de enfrentar um silêncio vazio, uma vez que, construindo as palavras, este também é necessário para que os pacientes consigam progredir no tratamento. Sobre esse aspecto, o Participante 3 refere que "tem o silêncio que pro paciente é mais difícil, às vezes constrangedor, né, que às vezes a gente precisa dar um apoio pra sair porque tu vê que é uma situação de angústia que a pessoa está". Fica aqui evidenciado que o silêncio precisa ser respeitado pelo terapeuta, mas também precisa ser trabalhado por ele para que o paciente não se sinta sozinho para lidar com o seu silêncio.

Nas entrevistas, todos os participantes indicaram também como tipos de silêncios aqueles que são de elaboração de conteúdos, silêncios de reflexão, conforme observações do Participante 1: "De uma reflexão, né, está acontecendo algo e a pessoa fica ali, né, se organizando" e do Participante 2: "Existem os silêncios elaborativos em que o paciente está pensando". Com essa visão, pode-se dizer que o silêncio pode ser entendido com componentes positivos e negativos, do ponto de vista terapêutico, de modo que os pacientes transitam pelos dois.

Ainda, os profissionais entrevistados demonstram outras possibilidades de compreensão do silêncio. A falta do paciente à sessão, por exemplo, pode ser um silêncio, pois, não comparecendo, ele está silenciando e cabe ao terapeuta aguardá-lo durante o tempo que é destinado a ele e pensar sobre ele. Nesses casos, o paciente silencia, mas o terapeuta não o deixa em silêncio nos seus pensamentos. Em relação a isso, Silva (2014) ressalta que, na situação clínica, a falta de um paciente pode ser no sentido da necessidade de criar um espaço de privacidade, sendo um silêncio defensivo resultante de algum conflito abordado anteriormente.

Ainda sobre as possibilidades de compreensão do silêncio do paciente, em todas as entrevistas foi ressaltada a fala demasiada em seu papel de silenciar conteúdos. Assim, pode-se dizer que o paciente faz silêncio sobre alguns pensamentos, emoções e experiências, mesmo que ele tenha sido falante na sessão, e isso ocorreu porque ele falou bastante de si e de suas experiências, mas não falou justamente do lado que aflora silenciosamente na terapia (Reik, 1926 in Ferreira, 2009). Sobre o falar como sinônimo de silêncio, o Participante 2 comenta: "Ele tinha coisas pra me dizer que não conseguia dizer e que ele silenciava e era o jeito de ele silenciar, falar de outros assuntos".

Em um momento inicial de terapia, é necessário identificar a presença de um silêncio frente ao desconhecido. Ao abordar esse tipo de silêncio, o Participante 1 destaca: "É um silêncio inicial: 'onde eu estou me metendo, quem é essa pessoa que está me ouvindo, confio ou não confio?'". A partir dessa lógica, Nasio (2010) observa o quanto é difícil chegar a uma pessoa desconhecida e falar sobre os aspectos mais dolorosos da sua vida, assuntos íntimos que podem ser complicados até mesmo para o paciente pensar. Destaca-se que, nas primeiras sessões, é difícil para o paciente falar de si, podendo haver silêncios longos porque está diante de uma situação nova e estranha, que nada mais é do que um silêncio de resistência inicial (Nasio, 2010).

Os profissionais entrevistados indicam, ainda, os silêncios que são confortáveis e os desconfortáveis. É confortável quando o terapeuta sente que o paciente está em silêncio, mas não é vazio, pois ele está pensando e elaborando as palavras mudas. Assim, o profissional sente-se tranquilo e acolhe esse silêncio que produz uma comunicação interna, aguardando e respeitando esse momento de elaboração. Quando há desconforto, no entanto, pode indicar uma ausência de comunicação, um vazio. Tal situação pode fazer com que a sessão não se desenvolva, mas é esperado que o terapeuta consiga acolher e ajudar o paciente.

Assim, adentra-se na quarta subcategoria, nomeada Possíveis significados dos silêncios do terapeuta, a qual ressalta os diferentes sentidos do silêncio do terapeuta. Para Green (2004), o terapeuta é quem resguarda o enquadre, sendo o silêncio o parâmetro principal. De acordo com o autor, o terapeuta silencioso certamente não deixa de interpretar, muito pelo contrário, está o tempo todo focado no paciente, tentando juntar as informações ou a falta delas no seu pensamento, realizando a escuta psicanalítica. Essa postura é difícil porque há momentos de distração, nos quais o terapeuta pode falar por meio do seu corpo, bocejando ou mexendo-se na cadeira, por exemplo. Nesses momentos, é necessário ter cuidado para não desviar a atenção flutuante do que o paciente fala ou estar apenas ouvindo e não escutando (Green, 2004). Foi evidenciado, com frequência, nas entrevistas, que o silêncio do terapeuta é vivo, é repleto de pensamentos, de organização das informações do paciente, de construção da personalidade do paciente que auxilia no entendimento do que se passa com ele. Sobre o seu próprio silêncio, o Participante 3 relata: "Tu vai lá montando dentro de ti tudo isso, né, então não é silencioso. Na verdade, tu está ali, dentro de ti trabalhando". E o Participante 4 completa, dizendo: "Vai registrando: eu percebo isso, percebo aquilo até que chega um momento que tu vai entender e integrar isso e poder dar um sentido".

O silêncio do terapeuta, conforme Silva (2014), institui uma escuta profunda e oportuniza o manejo do enquadre clínico, proporcionando um aumento da angústia do paciente com o intuito de que ele acesse conteúdos inconscientes. É um silêncio que acolhe as suas próprias interpretações e associações, um silêncio de espera, que é povoado de pensamentos, sendo uma exigência técnica para que o profissional consiga entender o que está acontecendo com as palavras que estão impedidas de serem pronunciadas.

Por meio dos relatos dos participantes, outra possibilidade de compreensão do silêncio do terapeuta é o silêncio de abstinência, silêncio que compartilha o sofrimento do paciente, explicitado pelo Participante 4, quando ressalta: "Eu tenho que ficar em silêncio pra permitir que o paciente possa ir, digamos assim, trazendo o conteúdo de forma espontânea e não invadindo os pensamentos dele". Para Nasio (2010), não é um silêncio de ausência, de vazio, é uma presença em um silêncio compartilhado. Ou seja, existe um silêncio na sessão, mas o terapeuta silencioso está ali presente, compartilhando o silêncio do paciente.

Em relação aos aspectos do silêncio do terapeuta, Nasio (2010) propõe que é uma experiência do não saber, uma castração simbólica do profissional, instaurando uma equivalência de ignorância entre a dupla terapêutica. Ou seja, o terapeuta, por meio do seu silêncio, não se coloca em um lugar de saber, de compreensão e de julgamento. Então, o silêncio do terapeuta é vivo, pois ele está presente, fazendo uma escuta silenciosa e qualificada da situação (Green, 2004).

A escuta psicanalítica, abordada na segunda categoria e intitulada O manejo do silêncio na clínica psicanalítica: possibilidades de uma escuta, constituiu-se a partir da síntese de duas subcategorias que discutem as influências e recomendações sobre o manejo do silêncio na clínica. A primeira subcategoria, denominada Aspectos que influenciam o manejo do silêncio, aborda possíveis recursos e particularidades que acontecem nas sessões que podem influenciar a forma como o silêncio vai ser manejado. Faz-se importante frisar que alguns aspectos dizem respeito ao silêncio do paciente e do terapeuta e outros aspectos são específicos para o manejo com o paciente. Antes de tudo, é preciso levar em consideração as especificidades de cada caso, o que foi destacado, diversas vezes, por todos os participantes e é explicitado pelo Participante 4 quando relata: "É aquela ideia do clichê: cada caso é um caso, né. Mas depende muito do momento do paciente, de como ele vem se sentindo, como ele está vivendo aquele momento". Então, há uma singularidade em cada silêncio e em cada sessão, pois o paciente silencia por diferentes motivos e em diferentes momentos e é isso que precisa ser compreendido para dar significado aos silêncios (Oliveira, 2009).

O recurso técnico mais citado pelos participantes para o entendimento do silêncio, foi a contratransferência, o que indica sua importância. Em relação a isso, o Participante 1 afirma: "A contratransferência eu estou usando o tempo todo, né, o tempo todo está no meu pensamento: Bah, estou com um sono. Um sono, o que é, né, o que ele está me anunciando com esse sono [...] Estou começando a ficar irritada, né, o que ele está me anunciando". De acordo com Zimerman (1999, 2004), quando os pacientes não conseguem se expressar fazendo uso da linguagem verbal, os sentimentos contratransferenciais vivenciados pelos terapeutas podem ser um importante veículo de manejo. É essencial que fique bem claro ao terapeuta o seu estado contratransferencial para evitar que responda ao silêncio do paciente de maneira equivalente, ou seja, em sentido de retaliação. Assim, é necessário dizer que, nos momentos de silêncio, o terapeuta precisa sobreviver aos ataques do paciente, sendo esta conduta imprescindível para o andamento do processo terapêutico (Peres, 2009).

Os sentimentos contratransferenciais também podem ajudar a identificar o porquê de alguns silêncios. Afinal, o fato de o terapeuta sentir-se confortável ou não mostra o quão produtivos ou não são alguns silêncios. Nessa perspectiva, esses sentimentos do terapeuta ajudam a interpretar os momentos silenciosos da sessão, o que não necessariamente ocorre na hora da sessão, podendo ficar mais claro posteriormente (D'incao, 2007). Sobre esse aspecto, o Participante 2 comenta: "Vou prestar atenção na minha contratransferência e isso vai me ajudar a entender esse paciente, então esse silêncio também é importante".

A permanência do paciente em silêncio pode causar uma sensação contratransferencial muito difícil e angustiante, despertando no terapeuta sentimentos de estar paralisado, impotente, confuso, como se não soubesse o que está acontecendo, nem o que fazer ou dizer, como constatado na afirmação do Participante 2, quando expressa: "Pode sentir sono, pode sentir medo". O terapeuta pode ficar entediado, o que mostra a dinâmica do paciente e o quanto a sua subjetividade pode estar empobrecida. Pode-se, inclusive, sentir a dupla morta, havendo a necessidade de conter esses sentimentos diante de silêncios vazios e construir palavras para eles (Zimerman, 1999; Silva, 2014).

Conforme Ferreira (2009), o terapeuta tende a sentir-se incomodado e cansado diante do silêncio prolongado do paciente. Em verdade, é um desconforto, uma tensão, já que não se sabe o que exatamente o paciente está pensando. Frente a um silêncio pesado que persiste por sessões, pode aparecer um mal-estar na sessão e o terapeuta passa a ficar suscetível a irritações e esmorecimentos (Nasio, 2010). Em circunstâncias de silêncios densos, pesados, agressivos e assustadores que despertem insegurança e angústia, o terapeuta pode começar a fazer perguntas e romper o silêncio por se sentir incapaz de ajudar o paciente por não ver os resultados do seu trabalho. Observa-se que, nessas horas, pode ser difícil esperar, ocorrendo uma dificuldade de o terapeuta ficar silencioso, o que também precisa ser compreendido e manejado (Marta, 2005; Pereira, 2009).

O vínculo entre a dupla terapêutica foi ressaltado com frequência nas entrevistas como garantia de que esses silêncios não serão motivo de rompimento de uma relação bem estabelecida. Nesse sentido, o terapeuta deve sentir-se seguro e não deixar que os sentimentos desconfortáveis tomem conta da situação (Pereira, 2009; D'incao, 2007). Então, a aliança terapêutica pode ser um recurso utilizado, inclusive para o profissional sentir mais segurança no trabalho com o silêncio, conforme afirma o Participante 4: "Em primeiro lugar a confiança, né, que ele confie nesse ambiente. Cada dupla se forma a partir das suas singularidades". Ao tratar das dificuldades em manejar o silêncio, Silva (2014) explica que as formas de trabalhar com o silêncio do paciente nas sessões podem ser vistas com dificuldades, principalmente por terapeutas iniciantes, mas pelos mais experientes também. Em relação aos primeiros atendimentos de um psicólogo, o Participante 3 comenta: "No começo, eu acho que fica meio que um buraco pra gente: e agora, né? Tô impedida de trabalhar. Eu acho que fica uma coisa assim". Em verdade, trabalhar com o silêncio em terapia é um treino que, aos poucos, vai se tornando mais fácil, como o Participante 4 relata: "É um exercício muito grande pro terapeuta poder suportar o silêncio", sendo complementado pelo Participante 3: "Tu tem que poder te treinar a ponto de se aguentar". Ressalta-se que o terapeuta precisa suportar as dificuldades iniciais no manejo do silêncio, mas ao longo de sua prática profissional também precisa utilizar outros elementos, além do "aguentar" mencionado pelo entrevistado.

Primeiramente, antes de manejar o silêncio, é preciso levar em consideração o que foi dito antes de o paciente silenciar, conforme explicita o Participante 2: "Quando ele [o paciente] se cala: o que ele vinha falando e que de repente ele se cala, né, qual era o assunto que ele tava abordando, mas não no sentido manifesto, mas o que estava por trás daquele assunto que ele resolveu se calar". Oliveira (2009) corrobora essa afirmação ao dizer que o sentido do silêncio do paciente em uma sessão depende daquilo que vinha sendo falado anteriormente e que, da mesma forma, o que acontece após um silêncio também precisa ser observado.

Na Psicanálise contemporânea, os pacientes atendidos na clínica são reflexo da cultura atual, que dificulta as possibilidades de dizer e sentir. Esse não saber colocar em palavras faz com que a compreensão e o manejo dos silêncios sejam de fundamental importância (Anjos, 2013; Canavêz e Herzog, 2011). O Participante 4 indica que um dos aspectos que interferem na conduta clínica diante do silêncio é capacidade do terapeuta de compreender a linguagem não verbal: "às vezes mais primitiva, mais silenciosa". Para Zimerman (1999), diante do silêncio dos pacientes, aumenta o grau de importância de o terapeuta compreender e interpretar a comunicação não verbal para um melhor manejo. Esta compreensão permite que o terapeuta entenda o que está acontecendo, escute as palavras mudas e auxilie a construir as palavras que estão ausentes, fazendo intervenções mais assertivas ou sustentando o silêncio, o que também pode ser considerada uma intervenção.

Além disso, os entrevistados indicaram a existência de pacientes que não toleram o seu próprio silêncio, como fica evidente na fala do Participante 4: "Eu vejo também que, às vezes, o paciente se incomoda com o silêncio e aí o que eu digo é exatamente isso: são pessoas que não têm tempo nenhum para pensar, elas não pensam. O tempo que elas têm para pensar é na sessão". Também existem aqueles pacientes que não toleram o silêncio dos terapeutas, como foi observado pelo Participante 1: "Tem paciente que não tolera um terapeuta muito silencioso e vai embora e tem paciente que não tolera um terapeuta mais falante". É comum que os pacientes tenham o sentimento de que o profissional deveria falar mais, mas continuam frequentando as sessões. O silêncio do terapeuta normalmente causa incômodo ao paciente, sendo difícil suportá-lo, embora ele sirva para que o paciente reflita e consiga se dar conta de aspectos sobre sua vida, o que antes não conseguia (Green, 2004).

Foram relatadas diferenças individuais no manejo do silêncio por parte dos terapeutas entrevistados, revelando que a singularidade do profissional também se configura como um aspecto que influencia a escuta psicanalítica. Logo, o manejo do silêncio pode ser mais fácil para uns do que para outros, como indicam os Participantes 1 e 4, respectivamente: "Eu, ficar em silêncio, não tenho problema". "O paciente desperta muitas coisas e a gente pode falhar, mas o importante é entender o porquê". É imprescindível, portanto, haver uma reflexão do silêncio por parte do terapeuta e, nesses momentos, qualquer observação, gesto, movimento e, até mesmo, alguma intervenção podem ter grande importância e um significado muito maior do que inicialmente se pretendia.

A partir das especificidades da conduta clínica de cada profissional, foi construída a segunda subcategoria, intitulada Recomendações para o manejo do silêncio, que apresenta estratégias que os profissionais entrevistados consideram importantes para manejar os silêncios. Há inúmeras formas de intervenção, ou seja, ocorre uma diversidade, conforme observado pelo Participante 2: "Existem muitas. Isso é uma das formas de intervenção. Existem outras". Inicialmente é preciso que o terapeuta não recue diante de uma cena silenciosa, ou seja, que consiga sustentar esse momento, não temendo o silêncio do paciente, mas também não ficando, o tempo todo da sessão, em silêncio. Vale ressaltar que o manejo do silêncio deve ser sempre pautado na busca de benefício ao paciente, sendo necessário esperar e respeitar o seu tempo (Peres, 2009). Por mais difícil que seja manter o investimento em um paciente muito quieto, é importante que o terapeuta se mantenha silencioso, fazendo pequenas intervenções quando sentir que pode ir retomando a associação livre do paciente (Pereira, 2009; D'incao, 2007).

Com frequência, a importância do exercício de reflexão sobre o silêncio apareceu no discurso dos entrevistados e, sobre essa postura recomendada, o Participante 2 comenta: "Quanto mais a gente entende o sentido do silêncio mais a gente suporta ele, quanto mais a gente entende o paciente e as coisas que estão acontecendo com o paciente mais a gente suporta o silêncio". Em relação ao mesmo aspecto, o Participante 3 complementa: "Dependendo da situação, do caso, eu vou verbalizar, vou trabalhando com isso também. Ué, hoje está mais quietinha. O que houve? Ficou pensando?".

De acordo com Anjos (2013), é na presença do terapeuta que a sessão e toda a terapia se desenvolvem. Essa presença é imprescindível para a sustentação do silêncio, tornando possível a interpretação do que está acontecendo. Nesses momentos, agir com ansiedade, fazendo intervenções e apontamentos apressados, pode arruinar a riqueza do pensamento elaborativo do paciente. Esta conduta pode ocasionar um bloqueio e mudar completamente o curso da sessão ou até mesmo impedir a continuidade do tratamento, caracterizando um manejo inadequado. Por isso, ressalta-se a importância de sustentar o silêncio e entender o seu significado para decidir se a intervenção deve ser a espera, um questionamento ou pequenas devoluções.

Em todas as entrevistas, foi destacado que para um manejo adequado é fundamental respeitar o ritmo do paciente. Nesse sentido, Nasio (2010) afirma o quanto o terapeuta precisa ter paciência para manejar esses silêncios e compreender o quão difícil é para o paciente falar, dando a ele o tempo necessário. Assim, o acolhimento ao silêncio e a capacidade de espera do terapeuta podem ser considerados formas de manejo adequadas. Em relação ao tempo do paciente, o Participante 1 fala: "Bom, tem que aguardar o ritmo do paciente também, tem que aguardar, tem que ver como é que vai andar". Além disso, Ferreira (2009) mostra que é uma exigência técnica para o manejo adequado do silêncio que o terapeuta tenha habilidade e sensibilidade para atingir a neutralidade, a atenção e a empatia. Silva (2014) fala que se deve suportar, esperar e dar oportunidade ao silêncio sem interpretá-lo de antemão como uma resistência, o que é caracterizado pelo autor como a vivência do silêncio junto ao paciente a partir da valorização do vínculo. Outra possibilidade de manejo, proposta por Anjos (2013), é a interpretação do silêncio, sendo que o significado do silêncio tem muito a ver com o momento da terapia. Assim, além de o terapeuta se manter em silêncio, poder interpretar o silêncio do paciente e utilizá-lo como rico material terapêutico, configura-se como uma importante ferramenta de manejo.

Para que ocorra o manejo adequado do silêncio, segundo Macedo e Falcão (2005), é de fundamental importância que o terapeuta leve essas questões para sua supervisão e/ou análise pessoal, principalmente os seus sentimentos contratransferenciais, podendo admitir os limites do seu próprio inconsciente na tentativa solitária de compreensão do silêncio. Em relação a esse apoio, o Participante 2 relata: "Às vezes a gente consegue pegar mais facilmente, outras vezes a gente leva algumas sessões ou alguns meses para entender". Então, é sugerido que o terapeuta se apoie no tripé da formação psicanalítica, como ressalta o Participante 3, quando afirma: "As pessoas que ficam na profissão e a clínica cresce são pessoas que estudam muito, mas principalmente se tratam. Para mim, é o tripé, que é a supervisão, o tratamento pessoal e o estudo". Logo, o manejo apropriado do silêncio envolve o autoconhecimento do terapeuta e a conquista de uma posição confortável na sua própria singularidade profissional (Macedo e Falcão, 2005).

Entende-se, a partir do discurso produzido pelos profissionais, que o silêncio está sempre presente na prática clínica, assumindo um papel importante para o entendimento do paciente e sendo um recurso a ser utilizado pelo terapeuta. Na realização desta pesquisa, foi constatado, a partir da contribuição dos participantes, que há convergência entre a teoria e a técnica do silêncio, sendo imprescindível levar em consideração que, com cada paciente e em cada momento do tratamento, a compreensão e o manejo do silêncio são diferentes. Ressalta-se que, na experiência dos terapeutas entrevistados, o reconhecimento da presença do silêncio e o empenho para o seu entendimento é o que possibilita uma diversidade de significados e de intervenções.

 

Considerações Finais

Por meio da realização desta pesquisa, que teve como objetivo investigar a compreensão dos terapeutas que utilizam, em sua prática profissional, o referencial psicanalítico acerca do seu próprio silêncio e do silêncio do paciente e suas formas de manejo, percebeu-se que é fundamental ter o conhecimento da teoria para, na prática, compreender o silêncio. Da mesma forma, faz-se importante identificar aspectos influenciadores do manejo e as possíveis formas de intervenção.

Os resultados deste estudo mostraram que a literatura explicitada foi complementada pelos relatos das experiências clínicas dos participantes, sendo os elementos novos que surgiram bastante vinculados à prática. Um exemplo do que foi referido pelos terapeutas entrevistados e que não se encontra amplamente contemplado na literatura pesquisada trata da possibilidade de compreender a falta a uma sessão e a fala demasiada como formas de silenciar. Ressalta-se, portanto, a importância do compartilhamento de experiências para a produção de conhecimento científico sobre a prática clínica.

Assim, compreende-se que o silêncio, seja ele do paciente ou do terapeuta, assume um importante papel porque foi considerado pelos participantes como necessário para a compreensão do paciente, transformando-se em um instrumento de trabalho fundamental. Outro aspecto interessante foi o fato de todos os entrevistados falarem basicamente de dois tipos de silêncio: os necessários e estruturantes, de elaboração e de reflexão, por exemplo, e os impeditivos que dificultam o processo, de resistência e vazio, embora tenha aparecido, no discurso dos terapeutas, uma diversidade de significados e de possíveis manejos do silêncio. Dessa forma, entende-se que os silêncios elaborativos ocorrem por meio das palavras mudas, da mesma maneira que os silêncios de resistência, após manejo adequado e interpretação. Isso ocorre diferentemente dos silêncios vazios, nos quais as palavras estão ausentes e precisam ser construídas com o auxílio do terapeuta para que um significado e uma representação sejam viáveis.

Destaca-se, também, que a singularidade do paciente e do terapeuta influenciam diretamente na escuta psicanalítica. Esses aspectos foram relacionados ao manejo que sempre vai depender do caso, sendo que a ferramenta essencial para a intervenção a ser realizada é a contratransferência, entendida e trabalhada com o apoio do tripé da formação. Levanta-se, então, a possibilidade de compreender a singularidade do vínculo como o principal motivo da diversidade na compreensão dos silêncios e nas formas de manejo. Esse aspecto também pode explicar a insegurança de terapeutas iniciantes diante do silêncio, uma vez que, não existindo uma regra, o silêncio que vai acontecer é sempre novo e particular daquela dupla terapêutica, algo que, com o aprimoramento teórico e técnico, tende a ocorrer de forma mais natural.

Enfatiza-se, ainda, o domínio do tema por todos os participantes de modo que o silêncio foi abordado por eles com grande propriedade, o que se deve, provavelmente, ao tempo de prática clínica, uma média de 15 anos. Essa observação destaca, ainda mais, que para manejar o silêncio de forma adequada, a experiência, o conhecimento teórico, o treino e o apoio no tripé da formação são primordiais. Diante desses resultados, pode-se afirmar que, embora influenciado pelas particularidades de cada um, o silêncio do paciente e do terapeuta permeiam a prática clínica juntos, da mesma forma que a compreensão e os significados do silêncio precisam estar claros para seu adequado manejo.

Observou-se também uma tendência de os participantes falarem mais do silêncio do paciente e não tanto do seu próprio silêncio. O silêncio do terapeuta foi abordado apenas em momentos de questionamento, caso contrário, o assunto remetia ao silêncio dos pacientes. Três dos quatro participantes falaram da facilidade em lidar com o silêncio e apenas um relatou que maneja bem o silêncio, mas que comete falhas e que o importante é se dar conta da falha e do que ela pode significar. Embora não seja um dos objetivos da pesquisa, pensou-se que esse fato pode ser uma resistência em falar sobre si, bem como um receio em expor as possíveis falhas no manejo do silêncio que podem porventura existir. Mesmo percebendo essa resistência, os participantes contribuíram sobremaneira para a pesquisa, reconhecendo a importância do silêncio e, de maneira geral, pensando nos aspectos que dizem respeito a sua própria prática.

Por fim, considera-se que os objetivos da pesquisa foram alcançados com uma maior compreensão do silêncio, dos significados do silêncio do paciente e do terapeuta e das suas formas de manejo. Sobretudo, espera-se que o presente estudo tenha contribuído para o aprimoramento da discussão sobre a prática psicanalítica frente ao silêncio presente no cotidiano da clínica contemporânea. Considera- -se fundamental uma ampliação das investigações sobre o tema, principalmente em relação ao manejo do silêncio, visto que é aspecto influenciador no alcance terapêutico da psicanálise. Tal fomento a novas pesquisas pode capacitar ainda mais os profissionais para o trabalho com o silêncio a partir da interpretação daquelas palavras que estão mudas e/ou da construção de um arsenal de palavras que nunca se fizeram presentes.

 

Referências

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Submetido: 14/09/2016
Aceito: 16/12/2016

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