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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.11 no.2 São Leopoldo May/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2018.112.02 

ARTIGOS

 

Entre o desejo e a decisão: a escolha por ter filhos na atualidade

 

Between desire and decision: the choice to have children in actuality

 

 

Denise Bernardi; Terezinha Féres-Carneiro; Andrea Seixas Magalhães

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, 22430-060, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. denise_psicologia@yahoo.com.br, teferca@puc-rio.br, andreasm@puc-rio.br

 

 


RESUMO

O presente estudo é parte de uma investigação mais ampla sobre o adiamento do projeto parental e tem como objetivo investigar os fatores envolvidos no adiamento do projeto de ter filho na atualidade. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados cinco homens e cinco mulheres do segmento socioeconômico médio, membros de casais distintos, com idades entre 33 e 37 anos, sem filhos. Os resultados foram analisados de acordo com o método de análise de conteúdo na sua vertente categorial. Da análise do material, emergiram seis categorias de análise. Para atingir os objetivos formulados no presente trabalho, serão discutidas as categorias: motivos para o adiamento do projeto de ter filhos e motivos para o não adiamento do projeto de ter filhos. Os resultados apontaram que existe uma influência de ordem social para que o casal conjugal se torne casal parental. Contudo, o projeto de ter filhos é cada vez mais um projeto que está sendo repensado. Constatou-se que a decisão de ter filhos é uma experiência complexa, que envolve inúmeros fatores.

Palavras-chave: casal, filhos, parentalidade.


ABSTRACT

The present study is part of a wider investigation into the postponement of the parental project. In this article, the factors involved in the present postponement of the project to have children will be discussed. For that, a qualitative research was carried out, in which five men and five women from the middle socioeconomic segment, members of distinct couples, between 33 and 37 years old, without children, were interviewed. The results were analyzed according to the content analysis method. From the analysis of the material six categories of analysis emerged. To achieve the objectives of this paper, the following categories will be discussed: reasons for postponing the project of having children and reasons for not postponing the project of having children. The results showed that there is a social influence for the married couple to become a parental couple. However, the project of having children is increasingly one that is being rethought. It has been found that the decision to have children is a complex experience, and involves many factors.

Keywords: couple, children, parenting.


 

 

Introdução

Ao longo da história, a concepção, o desejo de ter filhos e a noção de família sofreram significativas mudanças. Nas décadas de 1950 e 1960, ter filhos era considerado esperado na vida de todo adulto casado. As normas sociais dispunham que todo casal deveria ter filhos (Badinter, 2010; Rocha-Coutinho, 1994). Havia uma pressão muito grande para que todo casal conjugal se tornasse parental, nesse período, a parentalidade não era uma escolha (Maluf, 2012; Bardwick, 1981).

O surgimento da pílula anticoncepcional nos anos 1960 e a maior eficácia dos métodos contraceptivos, possibilitaram a separação entre a sexualidade e a reprodução contribuindo para maior autonomia das mulheres e possibilitando alterações na concepção do projeto parental. Os avanços tecnológicos tornaram a contracepção segura e eficaz, o que acabou refletindo no número de filhos. Com isso, também se passou a questionar a possibilidade de ter ou não tê-los. Assim, a preferência histórica por famílias numerosas passou a dar lugar a um reduzido crescimento da população (Rocha-Coutinho, 2013; 2015).

Deste modo, o projeto parental que era associado ao vínculo conjugal como destino, pôde tornar-se uma opção. A liberdade de escolha, fruto das diversas transformações sociais ocorridas ao longo do tempo, em especial, através do movimento feminista, o surgimento da pílula anticoncepcional e a inserção da mulher no mercado de trabalho permitiram o aparecimento de diversas formas de ser família na atualidade. Dentre as novas configurações familiares que se apresentam, observamos um índice elevado de casais que optam por não ter filhos (Rios e Gomes, 2009; Lima, 2013; Silva e Frizzo, 2014). Este tipo de configuração no Brasil já atingiu o percentual de 20% (IBGE, 2015).

Postergar o projeto parental tem sido uma possibilidade encontrada pelos casais para atender às diversas demandas sociais, pessoais e profissionais da atualidade. O adiamento deste projeto pode estar associado a vários fatores. Dentre eles, o advento das técnicas de reprodução assistida que tem permitido aos casais ter filhos mais tardiamente, o aumento dos anos de estudo - condição necessária para uma melhor colocação no mercado de trabalho - e a demora dos jovens atuais para obter a estabilidade profissional em decorrência da maior competitividade no âmbito laboral, mostram-se como importantes fatores. Ainda, o individualismo, a supervalorização das relações interpessoais, e a diminuição da dependência entre os cônjuges, que tem sido tão observada na atualidade em decorrência da maior valorização dos sujeitos aos seus projetos pessoais e profissionais, têm dificultado a relação a dois e, mais ainda, a perspectiva da vida a três (Féres-Carneiro e Magalhães, 2005; Rodriguez-Travassos e Féres-Carneiro, 2013).

Observa-se que o casal contemporâneo busca a realização de projetos individuais como prioridade. Somente após a concretização destes, o casal costuma priorizar projetos compartilhados, como o de ter um filho (Jablonski, 2010; Matos e Magalhães, 2014; Borges et al., 2015). Além disso, observa-se que na atualidade os casais buscam uma melhor condição econômica para, somente após, incluir em seus planos o projeto parental (Matos e Magalhães, 2014; Caetano et al., 2016). Desse modo, o anseio do casal contemporâneo por adquirir melhor status social e estabilidade financeira, antes de ter filhos, parece ser um importante fator que leva muitos casais a postergar a parentalidade (Hansen, 2012; Pollmann-Schult, 2014).

Atrelado a isso, destaca-se que a inserção da mulher no mercado de trabalho e a atual dificuldade de harmonizar família e trabalho também contribuem para o adiamento do projeto parental (Park, 2005; Rocha-Coutinho, 2013). Cabe mencionar também que, através dos cuidados com os animais de estimação, o casal sem filhos vê a possibilidade de imaginar como seria a relação a dois com a presença de uma criança. Desse modo, as responsabilidades e privações que um animal de estimação impõe aos seus cuidadores são observadas como um possível ensaio para a futura parentalidade (Walsh, 2009; Giumelli e Santos, 2016).

O adiamento do projeto de ter filhos também pode estar relacionado à falta de uma rede de apoio que auxilie o casal nos cuidados inerentes à parentalidade, haja vista que criar filhos em grandes metrópoles, com a ausência de suporte social, tem sido observado como uma dificuldade na atualidade (Caetano et al., 2016). Além disso, o aumento do número de crianças que nascem com alguma malformação e o medo de conceber um filho com alguma síndrome também parecem influenciar na decisão do casal atual de ter filhos.

Há de se considerar que apesar dos inúmeros fatores que contribuem para o adiamento do projeto de ter filhos, existem elementos que levam os casais a não tardar ainda mais o projeto parental. Dentre eles, a idade biológica da mulher mostra-se como importante aspecto (Farinati et al., 2006). Além disso, a idade dos membros do casal para ter filhos e os perigos de uma gestação com idade avançada, também são considerados por eles, como fatores relevantes para a não postergação da parentalidade. Para Bradt (1995), não há estágio que provoque mudança mais profunda ou que represente desafio maior para a família do que a chegada de uma criança ao sistema familiar. Assim, diversos são os elementos que levam os casais a analisar a possibilidade de ter filhos e a planejar o momento de tê-los.

Portanto, a investigação acerca desta temática revela-se importante no atual cenário, onde aumenta cada vez mais o número de casais inseridos no mercado de trabalho, responsáveis financeiramente pelas despesas do lar e com menos tempo disponível para assumir as funções e demandas parentais. Além disso, compreender os fatores que influenciam na escolha por ter filhos na atualidade pode contribuir com o campo da clínica individual e de famílias, haja vista a carência de pesquisas nacionais abordando o adiamento do projeto parental na perspectiva do casal. A maioria dos estudos científicos ressalta o adiamento da maternidade, ou seja, discute em especial a perspectiva da mulher sobre esta questão.

A partir de tais considerações, o presente estudo, que é parte de uma investigação mais ampla sobre o adiamento do projeto parental, tem como objetivo investigar os fatores envolvidos no adiamento do projeto de ter filho na atualidade.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo cinco homens e cinco mulheres de classe média, membros de casais distintos, com idades entre 33 e 37 anos, casados legalmente ou não, há mais de três anos, sem filhos e residentes na cidade do Rio de Janeiro ou região metropolitana. Para apresentação dos resultados, eles foram nomeados de Homem 1 a Homem 5, e Mulher 1 a Mulher 5. A Tabela 1 apresenta a descrição do perfil dos participantes.

Instrumentos

Como instrumento de investigação, foram realizadas entrevistas gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas integralmente. O roteiro semiestruturado das entrevistas teve 10 perguntas como base e foi formulado a partir da revisão da literatura acerca do tema, contemplando questões abertas sobre os seguintes eixos temáticos: percepções sobre a família de origem, conceito de família, concepções sobre maternidade/paternidade, perspectivas de projeto parental, desejo de filho e lugar do filho no projeto de vida do casal.

Procedimentos

Os participantes deste estudo foram indicados pela rede de sociabilidade dos membros do grupo de pesquisa, constituindo uma amostra de conveniência. Como critério para participação no estudo, o sujeito deveria ter idade entre 33 e 37 anos, pertencer ao segmento socioeconômico médio, ser casado legalmente ou viver em união estável, há mais de três anos, e não possuir filhos. O contato inicial para a marcação das entrevistas foi feito por telefone. As entrevistas foram efetuadas, individualmente, em local determinado pelos participantes, e tiveram duração média de uma hora.

Cuidados éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade onde o estudo foi desenvolvido (processo nº 2016-23). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a utilização dos dados coletados para fins de pesquisa e publicação científica. Os objetivos da pesquisa foram explicitados, e o caráter sigiloso que preserva a identidade dos participantes foi enfatizado.

Análise dos dados

Os dados coletados foram submetidos ao método de análise de conteúdo, na sua vertente categorial, com a finalidade de investigar, a partir do material discursivo, as significações atribuídas pelas entrevistadas aos fenômenos (Bardin, 2011). Por meio da técnica categorial, foram destacadas categorias temáticas, organizadas a partir da semelhança entre os elementos contidos no material coletado. Para tal, procedeu-se a uma "leitura flutuante", agrupando-se dados significativos, identificando-os e relacionando-os, até se destacarem as categorias de análise.

Do discurso dos participantes emergiram seis categorias de análise. Tendo em vista o objetivo deste artigo, nele serão apresentadas e discutidas as categorias: motivos para o adiamento do projeto de ter filhos e motivos para o não adiamento do projeto de ter filhos. As demais serão apresentadas em outros trabalhos a serem divulgados.

 

Resultados e discussão

Motivos para o adiamento do projeto de ter filhos

O projeto de ter filhos parece ser um anseio do casal contemporâneo, contudo, por diferentes motivos esse projeto deixou de ser uma prioridade, mantendo-se deste modo adiado. Diversas razões impulsionam o adiamento deste projeto, como o medo da possibilidade de ter um filho com alguma deficiência, conforme mostram os relatos.

Você imagina aquele fluxo normal de responsabilidade que você acha que vai ter quando tiver um filho, coisas que você vê e que imagina como vai ser, só que quando você vai vendo episódios como este, onde milhares de crianças vêm nascendo com problemas, você repensa se quer ter filhos, se não é melhor adiar um pouco mais. Tá, e se acontecer comigo? Eu vou pegar a minha carreira e eu vou jogar fora? É fácil? Como é que vai ser se dedicar por uma criança com problemas durante 24 horas por dia? (Homem 1).

Essa questão do Zika vírus é uma questão que faz o casal repensar, imagina um casal que nunca teve filhos, a gente, o que passa na cabeça, a gente não quer correr esse risco. É mais fácil você adiar um sonho, quem sabe durante um ano, dois do que arriscar teu sonho (Homem 2).

Cabe apontar que as entrevistas deste estudo foram realizadas durante um período no qual a população brasileira vivenciava uma epidemia do vírus Zika. Até o dia 12 de março do ano de 2016, 6.480 casos haviam sido notificados, 1.349 descartados e 863 confirmados para microcefalia ou alterações sugestivas de infecção congênita causada pelo vírus Zika no Brasil (Diniz, 2016). As manifestações clínicas em mães e as repercussões da infecção do vírus Zika em fetos podem ter levado os participantes a destacarem este aspecto.

Entretanto, medos associados a outras doenças ou síndromes também foram mencionados.

Eu tenho uma irmã, e tudo que ela passou porque minha sobrinha é autista, essa experiência me ensinou muito, porque é uma criança que toma 24 horas do seu tempo, é muita responsabilidade. Quando você vivencia isso na família, você repensa sobre [ter filho] (Homem 1).

Para uma das mulheres, o fato de ela ter uma doença neurológica crônica, associado ao medo de gerar uma criança com a mesma doença, influenciou a decisão do casal de não ter filhos.

Com 12 anos eu descobri que eu tinha epilepsia e durante dez anos foram muitas crises convulsivas, com o decorrer do tratamento, eu fui tomando remédio e eu não tive crise nenhuma, só que é o que o médico me falou, é remédio pro resto da vida, e mesmo tomando remédio eu posso ter uma convulsão de média para elevada. Em uma gestação isso poderia ser bem pior, porque na gestação eu provavelmente teria que interromper a medicação, por esta razão eu optei por não ter filho. O médico também nunca me garantiu que eu não terei um filho com problemas, por isso prefiro não arriscar (Mulher 5).

O processo de construção da parentalidade se inicia bem antes do nascimento de um filho (Solis-Ponton, 2004; Zornig, 2012). Antes mesmo do nascimento, o bebê já faz parte do imaginário e das fantasias do par conjugal. Desse modo, mesmo sem ter filhos, os participantes do estudo descrevem sobre a expectativa da chegada de uma criança ao núcleo familiar; ressaltando o abalo emocional e o luto vivenciado pelos pais que se depararam com o nascimento de um filho com alguma deficiência.

Neste sentido, a chegada de um bebê com alguma síndrome pode abalar a estrutura e o funcionamento familiar. Um filho que nasce com alguma anomalia pode representar a quebra das expectativas acerca do bebê imaginário e idealizado pelo casal (Gomes, 2007; Gomes e Piccinini, 2010; Barbosa et al., 2012).

A chegada de um bebê é um momento celebrado com muita alegria entre familiares, amigos e parentes. Entretanto, quando os pais recebem a notícia de que a criança possui uma necessidade especial, tal situação pode causar um abalo emocional que origina muitas angústias na família (Góes, 2006; Gomes, 2007; Oliveira e Poletto, 2015).

A parentalidade é uma união de singularidades, em que o casal apresenta ao mundo o fruto de sua união. Observa-se que a possibilidade de gerar um filho com alguma síndrome, e deste modo vivenciar algumas das dificuldades envolvidas na parentalidade de crianças especiais, foi marcante no relato dos sujeitos deste estudo.

À exceção da Mulher 5 que, em decorrência da própria vivência relacionada à sua doença, relatou que o casal optou por não ter filhos, o restante dos participantes mencionou medos relacionados à possibilidade de gerar uma criança especial. Observamos, deste modo, que este aspecto favoreceu o adiamento do projeto de ter filhos.

Outro aspecto destacado pelos participantes em relação ao adiamento do projeto de ter filhos se refere à questão financeira. Sendo que, para os participantes a condição financeira do casal precisa estar organizada para que possa ser considerada a possibilidade de incluir um filho na relação a dois.

Eu acho que a gente não teve filho até hoje porque primeiro a gente vive numa cidade grande, numa cidade cara, então você precisa estabelecer alguns objetivos. Não tem como você constituir família no Rio de Janeiro sem estar bem estabelecido financeiramente, e isso faz parte você estar em um emprego bom, estável, você estar com seus objetivos de conhecimento avançado. Primeiro nós queríamos casar, nos casamos, depois nós queríamos conquistar a nossa casa, conquistamos, agora estamos conquistando a independência, uma melhor condição financeira, pra ter todo o alicerce certinho pra não ter contratempo (Homem 3).

O relato dos participantes corrobora o estudo desenvolvido por Matos e Magalhães (2014), realizado com objetivo de identificar a expectativa de jovens adultos frente à parentalidade. De acordo com a avaliação dos entrevistados, ter filhos é um investimento muito grande, o que leva os jovens a repensarem a respeito da parentalidade, ou a fixarem um momento ideal para a reprodução, valorizando em especial uma melhor consolidação financeira. Os jovens contemporâneos parecem refletir sobre a relevância de ter filhos, já que ter uma criança representa assumir uma despesa de valor desconhecido e por tempo indefinido.

O mesmo dado foi observado no estudo desenvolvido por Nascimento e Térzis (2010), realizado com o objetivo de analisar o adiamento do projeto parental, com ênfase na situação de esterilidade enfrentada pelos casais. Segundo os autores, as justificativas dos participantes do estudo para o adiamento do projeto parental incluíam a busca pela estabilidade financeira, a priorização dos aspectos materiais e a construção do patrimônio.

A investigação desenvolvida por Caetano et al. (2016) com o objetivo de compreender os motivos que levam casais heterossexuais a optarem por não ter filhos obteve resultados semelhantes. As autoras observaram que a busca pela estabilidade financeira, e o desejo de proporcionar um ambiente idealizado para a chegada de um filho, é um fator de relevância que contribui para o adiamento do projeto parental.

Observamos, neste sentido, que a busca por uma melhor condição financeira antecede o projeto de ter filhos. Do mesmo modo, a estabilidade financeira do casal é mencionada como condição essencial para a possibilidade do projeto parental estar incluído nos planos do casal contemporâneo, sendo assim um fator de grande influência (Hansen, 2012; Pollmann-Schult, 2014).

A busca pela estabilidade financeira foi considerada um fator decorrente de transformações sociais recentes. Para alguns dos participantes, na atualidade, os jovens demandam mais tempo para atingir um nível socioeconômico estável, e assim conquistar maior autonomia financeira, o que contribui para que tenham filhos mais tardiamente.

Na época dos meus pais não tinha muito planejamento, você ia lá pagava as contas e o que sobrava era para comida, então eu acho que essa busca pela estabilidade tem pesado muito na decisão de ter filhos ou quando ter. Hoje as pessoas param mais para planejar a sua vida, você avalia mais antes de tomar decisões, comprar uma casa, comprar um carro, fazer uma reserva financeira. Alguns anos atrás não existia essa perspectiva, esse planejamento, pensava-se somente no mês, vivia-se somente o mês, e assim iam passando os anos (Homem 3).

Quando eu comparo ter um filho hoje com a época dos meus pais, eu penso que as coisas estão bem mais difíceis hoje. Meu pai aos 22 anos ele tinha a empresa dele, ele tinha o apartamento próprio, ele tinha o carro dele, ele tinha uma condição financeira boa. Eu, aos 22 anos, eu era estudante. Eles começavam no mercado de trabalho antes, eles tinham independência financeira antes, então eles começavam a vida antes. Meu pai foi pai aos 22 anos, pra eles isso era uma coisa completamente normal, eu acho que a gente não tem essa facilidade financeira, a gente estuda mais, se prepara mais, mas começa a ganhar dinheiro mais tarde (Mulher 3).

Outro aspecto destacado pelos participantes como um fator de influência para que o planejamento de ter filhos permaneça adiado na contemporaneidade se refere ao envolvimento dos sujeitos com outros projetos, sejam eles profissionais ou pessoais.

Eu acho que a gente vive numa sociedade muito egoísta, a gente só pensa na gente, na gente. Eu pensei em mim quando eu fui estudar, meu marido pensou nele quando foi estudar... e o filho foi ficando pra depois, depois... (Mulher 2).

A gente foi se organizando, primeiro o casamento, depois curtir uns anos de casado só nos dois, poder viajar bastante, finalizar outros projetos. Ela [esposa], estava finalizando o Doutorado, então decidimos primeiro terminar esse ciclo pra depois poder ter mais dedicação ao projeto de ter filhos (Homem 3).

A conjugalidade atual é influenciada pelos imperativos da intimidade, da individualidade e da privacidade, atributos característicos do sujeito moderno (Féres-Carneiro e Magalhães, 2005). Na atualidade há uma supervalorização das relações interpessoais e uma desvalorização da dependência entre os cônjuges. A conjugalidade é construída com base nos aspectos individuais de cada parceiro e se mantem à medida que os cônjuges respeitam a individualidade um do outro (Singly, 2007).

Percebe-se, deste modo, que na relação conjugal contemporânea os parceiros se vinculam à medida que a relação seja vantajosa e traga prazer para ambos. Neste sentido, os projetos individuais passam a ocupar um lugar de destaque na relação a dois, assim como o livre-arbítrio e a felicidade pessoal começam a aparecer em primeiro plano (Vieira e Stengel, 2010). Esse aspecto é observado na fala do Homem 1 quando infere que a esposa tem outros projetos a realizar antes de incluir o projeto parental nos planos do casal.

Parece que na atualidade os projetos individuais dos sujeitos casados vêm sendo mais acolhidos e compreendidos pelos (as) parceiros (as). Esse fato é observado na fala do Homem 3 quando destaca os projetos pessoais das esposas (viajar, finalizar o Doutorado), antecedendo o projeto parental, e permanecendo aceitos e respeitados. Neste sentido, parece que na atualidade os projetos individuais, apesar de singulares, são vivenciados conjuntamente entre os parceiros.

Cabe lembrar as transformações do lugar da mulher, na sociedade. Ela passou a assumir diferentes papéis: de esposa, de mãe e de profissional. Sua inserção no mercado de trabalho, em especial, provocou mudanças significativas no papel feminino e na sua relação com a maternidade. Hoje, ela investe em sua carreira, cursa terceiro grau e está cada vez mais inserida no âmbito laboral. Além disso, a mulher atual considera a possibilidade de a maternidade comprometer sua própria carreira.

Dado semelhante, ao que foi encontrado neste estudo, foi observado na investigação realizada por Park (2005), na qual participaram mulheres e homens que optaram por não ter filhos. A autora observou que os cônjuges consideraram que um filho poderia comprometer suas carreiras e, além disso, as atividades de lazer do casal. Desse modo, tais aspectos foram mencionados como importantes fatores para a decisão de não ter filhos.

Além do envolvimento com projetos pessoais e profissionais, destacado pelos participantes deste estudo, a inserção da mulher no mercado de trabalho também foi referida. Alguns participantes mencionaram que a entrada da mulher no mercado de trabalho também pode ser observada como fator de influência para o adiamento do projeto de ter filhos na contemporaneidade.

Eu observo que hoje as pessoas têm filhos mais tarde por vários fatores, cada vez mais a inserção das mulheres no mercado de trabalho já tem um impacto. Ao entrar no mercado elas têm as suas perspectivas. Tudo que antigamente era mais da parte masculina, competia, mais ao homem, a mulher cada vez mais está assumindo essas funções (Homem 3).

O trabalho acaba te dominando, então eu acho que é por isso que as pessoas acabam adiando um pouco mais pra ter filho. Antigamente as mulheres não trabalhavam, isso era muito comum só o marido trabalhava e a mulher ficava cuidando dos filhos. Realmente eu imagino o quanto deve ser trabalhoso cuidar de filho, raramente as pessoas tinham apenas um, então, ficar em casa cuidando dos filhos já era um trabalho para mulher, hoje em dia isso é muito diferente, é outro perfil (Mulher 4).

Com relação a este aspecto, ainda foram mencionadas as dificuldades enfrentadas pela mulher contemporânea que precisa se ausentar do mercado de trabalho com a chegada de um filho.

Olhando na lógica da mulher, o homem também, mas da mulher mais, eu acho que o lado profissional às vezes te desestimula a pensar em ter filhos. Minha esposa ela tem uma carreira, vamos dizer assim... ela é menos ambiciosa do que eu, então acho que fica um pouco mais fácil pra ela. Eu acho que eu me esforcei mais, sempre me dediquei mais, então pra mim seria difícil deixar de lado a minha profissão, então sei lá eu imagino se eu fosse mulher hoje seria difícil pra mim, já ter um status, uma posição na minha carreira e prevendo que eu posso crescer e talvez se eu ficasse 6 meses fora da empresa isso me atrapalharia (Homem 2).

Eu acho que eu fico tranquila [com a carreira] porque eu não sou uma grande executiva, uma gerente, uma diretora. Mas, por exemplo, a minha gerente ela tem 46 anos e ela teve gêmeos recentemente, então, eu acho que ela pensou durante muito tempo na carreira dela, se ela tivesse tido filho antes, se afastado da empresa, será que ela estaria nessa posição hoje? (Mulher 3).

As falas do Homem 2 e da Mulher 3 apontam as dificuldades da mulher contemporânea, em especial as das camadas médias da sociedade, inseridas no mercado de trabalho, que precisam harmonizar maternidade e vida profissional, tal como mencionado por Rocha-Coutinho (2013; 2015), quando discorre sobre as pressões da mulher que trabalha, cuidado do lar e dos filhos. Segundo a mesma autora uma das questões mais complexas, problemáticas e conflitantes para a mulher trabalhadora é a conciliação da maternidade com uma carreira profissional, isso talvez porque a mulher ainda não seja reconhecida e valorizada no mercado de trabalho do mesmo modo que o homem.

Outro aspecto mencionado pelos participantes como um fator de influência no adiamento do projeto parental se refere à presença do animal de estimação no contexto do casal sem filhos. Na atualidade, a relação com os animais de estimação tem ganhado intensidade. Para algumas famílias a relação com os animais tem assumido simbolicamente um lugar parento-filial, como se, parcialmente, o desejo de ter filhos fosse deslocado para a relação com o animal de estimação. Esse aspecto foi observado no discurso dos participantes deste estudo.

Quando a gente era mais novo a gente falava mais sobre isso, na verdade eu sempre tive vontade de ter [filhos]. Eu brinco com ele... na verdade eu acho que eu passei a não ter mais vontade depois que a gente comprou um cachorro, eu acho que supriu a minha necessidade materna (Mulher 1).

Com relação a este aspecto, ainda foi mencionado pelos participantes a semelhança observada entre os cuidados que um animal de estimação requer e os cuidados que uma criança exige. O zelo e as responsabilidades relacionadas ao animal, foram descritos como um possível ensaio para o cuidado de um filho.

Nós tínhamos um casal de periquitos e já não conseguíamos dar atenção. Eles foram o nosso "projeto piloto" de como será ter um filho [risos]. O casal de periquitos se foi e nessa correria a gente optou por não ter mais bicho. Os bichinhos, chegava final de semana 6:00 horas da manhã, estavam acordados, a gente pensava deixa a gente dormir pelo menos no final de semana [risos]. Aí você imagina um filho, o filho é assim, chorou acabou, não importa se amanhã você tem reunião às 7:00 da manhã, você tem que levantar e solucionar o choro da criança, você tem que resolver o problema (Homem 3).

Pesquisas atuais têm apontado o valor dos animais de estimação no ambiente familiar (Eithne e Akers, 2011; Carvalho e Pessanha, 2013; Giumelli e Santos, 2016). No âmbito jurídico, casos de guarda compartilhada de animais domésticos têm sido considerados nos processos de separação e pós-divórcio, e deste modo têm chegado ao poder judiciário (Eithne e Akers, 2011).

Os animais de estimação têm assumido um papel diferenciado nas relações intrafamiliares na atualidade. O crescimento do afeto e do apego entre o homem e os animais tem evidenciado o papel destes, como integrantes da família (Walsh, 2009; Carvalho e Pessanha, 2013). A construção de novos arranjos familiares, a redução do número de membros nas famílias, o aumento da expectativa de vida e o crescente aumento do número de casais sem filhos podem ser analisados como possibilidades para o aumento do número de residências com animais de estimação (Heiden e Santos, 2009).

Outro aspecto observado como influência para o adiamento do projeto parental se refere à falta de uma rede de apoio. Através da análise das entrevistas foi possível identificar que a falta de uma rede de apoio que auxilie os casais nos cuidados inerentes à parentalidade também é um fator que contribui para que o projeto de ter filhos se mantenha adiado.

Uma questão que eu observo é que hoje nós não temos uma rede de apoio, diferente de alguém que mora numa cidade menor e próximo aos seus familiares, são realidades muito distintas. Eu tenho alguns amigos do interior, ah, você vai, deixa a criança na escola e outro familiar busca pra você, você tem todo um apoio, é um cenário muito diferente, a gente não tem essa possibilidade morando aqui mais longe da família (Homem 3).

A rede social de apoio pode ser vista como um recurso coletivo que favorece as necessidades e demandas de uma determinada classe ou grupo (Sluzki, 2006). Contudo, o tamanho, a densidade populacional e a heterogeneidade nas cidades contemporâneas têm contribuído para que os laços entre os sujeitos sejam transitórios, superficiais e desconectados com facilidade, e isso tem contribuído para a ausência de suporte social entre os sujeitos das grandes metrópoles na atualidade (Costa, 2005). Neste sentido, as tarefas cotidianas nas sociedades urbanas atuais parecem estar mais pesadas e exaustivas em decorrência da ausência de redes de suporte mais fortalecidas e do afastamento dos sujeitos das suas famílias de origem. Assim, criar filhos em grandes metrópoles tem sido observado como uma dificuldade na atualidade (Caetano et al., 2016). A impossibilidade de contar com uma rede de apoio que auxilie nos cuidados que uma criança demanda, evidencia-se como um fator que colabora para que o projeto parental permaneça adiado.

Outro aspecto mencionado como importante para o adiamento do projeto parental se refere à impossibilidade de a mulher/mãe estar mais próxima da criança após o nascimento. Neste sentido, foi apontada pelos participantes a necessidade de a mulher trabalhar e residir em ambientes próximos ao do filho, para que, deste modo, após o nascimento do bebê, a mulher possa estar mais presente na vida da criança. Esse aspecto foi colocado pelo homem 3 como uma meta para o casal, sendo a transferência de trabalho da esposa destacada como um fator essencial para que o casal passasse a iniciar a tentativa de engravidar.

Não querendo ser machista, nada disso, mas a princípio eu vejo como mais importante a mãe estar mais perto [do filho] porque tem coisas que realmente é a mãe que tem mais domínio, até por conta dessa questão sentimental da mãe com a criança e foi por este motivo que a transferência dela [esposa] para trabalhar mais próximo da nossa casa era uma prioridade pra que pensássemos em ter filho (Homem 3).

Cabe apontar que o fato de ainda hoje os cuidados e responsabilidades com os filhos permanecerem atrelados à mãe foi um aspecto destacado de forma negativa pela Mulher 1.

Hoje ele [marido] sai de casa umas 7 horas para trabalhar, depois vai pra academia, e chega em casa nove, nove e meia da noite, e pra mim isso hoje não atrapalha, mas se a gente tivesse um filho, ele sairia de casa a criança estaria dormindo e ele chegaria em casa a criança estaria dormindo. Então, assim, que horas que ele iria cuidar do filho? E eu vejo o mesmo nos amigos dele, eles têm essa rotina e ninguém larga o treino para ir cuidar da criança, as coisas ainda ficam muito a cargo da mulher. Como posso pensar em ter filho se terei que ser a maior responsável pela criança? (Mulher 1).

Historicamente a mulher foi considerada pela sociedade como melhor preparada para cuidar dos filhos. Assim, em qualquer discussão sobre o cuidado costumeiramente a sociedade remete-se ao universo feminino, pois desde a infância, no ambiente familiar, escolar e social, há um claro incentivo e uma cobrança de que o cuidado esteja presente na postura das meninas (Lyra et al., 2015).

Observa-se que padrões de comportamento estão enraizados em nossa cultura, e são perpetuados e transmitidos às crianças, que desde pequenas aprendem a seguir normas e padrões pré-estabelecidos (Finco, 2003). Nas brincadeiras infantis, algumas expressões são visivelmente observadas, como: "meninos brincam de carinho e meninas de boneca", "meninas usam cor-de-rosa e meninos azul", ou "meninos podem brincar de casinha, mas devem ser o marido e sair para trabalhar", enquanto "as meninas ficam em casa cuidando dos filhos" (Fleck et al., 2005). Mensagens como estas definem desde criança o que é ser menino e o que é ser menina, e ainda, o que futuramente seria ser homem/ser mulher, ser pai/ser mãe.

Assim, observa-se que desde criança através das brincadeiras infantis o cuidado é estimulado como tarefa da mulher. Historicamente o exercício de cuidar dos filhos sempre foi vinculado a algo instintivo, relacionado a uma função intrínseca de natureza feminina que nasce desde cedo na menina (Badinter, 2010). Em contrapartida, ao longo da história se fortaleceu a ideia de que o homem não era capaz de exercer tarefas de cuidado aos filhos. Caso cuidasse do filho, o pai não cuidaria tão bem quanto a mãe, pois não possui instinto para tal (Cúnico e Arpini, 2013).

Apesar das diversas transformações históricas e sociais no âmbito familiar, dois aspectos parecem ser extremamente estáveis: a presença da família, independentemente de sua configuração, como unidade social básica de convivência e reprodução de cuidado com os filhos; e a atribuição de forma praticamente exclusiva à mulher da responsabilidade pelo cuidado do lar e dos filhos (Castro et al., 2012). Assim, apesar das mudanças no papel social da mulher, ela ainda permanece como a principal responsável pelas tarefas do lar e pelo cuidado com os filhos (Borsa e Nunes, 2011; Lopes et al., 2014; Rocha-Coutinho, 2013; 2015).

Motivos para o não adiamento do projeto de ter filhos

Com relação aos motivos para que o projeto de ter filhos não seja adiado, os participantes deste estudo destacaram de forma unânime preocupações relacionadas à idade das mulheres, considerando fatores biológicos. Este aspecto parece ser um importante fator que acaba influenciando na decisão dos casais atuais de não adiarem ainda mais o projeto parental.

Hoje as mulheres podem ter filhos com qualquer idade? Será? Isso envolve várias outras questões... Por exemplo, uma mulher hoje, que pega Zika, tem que esperar pelo menos seis meses para depois engravidar, e aí para uma mulher jovem esperar seis meses para engravidar ok, mas para uma mulher de 39, 40 anos a situação é bem diferente (Mulher 2).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera um casal infértil após dois anos de tentativas de gravidez frustradas. A idade da mulher condiciona sua fertilidade que tem declínio após os 30 anos, e sofre um agravamento nítido, sobretudo a partir dos 35 anos. A idade condiciona não só a gravidez espontânea, mas também a taxa de sucesso das técnicas de reprodução medicamente assistida. Já os homens mantêm-se férteis mais tempo, sendo o declínio da qualidade gamética masculina mais sutil e mais tardia que na mulher. A proporção de casais estéreis é de 5% aos 20-24 anos, já aos 40 anos esse índice é de 25 a 30% (Gonçalves, 2005).

A infertilidade, em especial feminina, aumenta com a idade atingindo um em cada quatro casais com mais de 35 anos (Ribeiro, 2004). A idade da mulher está relacionada à possibilidade e ao sucesso da gravidez. Sua capacidade conceptiva, que começa a declinar de forma mais acentuada após os 35 anos, foi apontada pelos sujeitos deste estudo como um significativo fator para que o projeto de ter filhos não seja adiado ainda mais. Assim, os participantes podem sentir medo de não concretizar o projeto parental em consequência da idade avançada e dos riscos relacionados à infertilidade, tendo em vista que a infertilidade rompe expectativas de concretização do projeto parental, ao que se refere a continuidade consanguínea da família.

Além da idade feminina, ainda foi mencionada pelos participantes a idade dos membros do casal para ter filhos. Neste sentido, pôde-se observar que o avanço da idade tanto do homem quanto da mulher, e os perigos de uma gestação com idade avançada levam os casais a considerar a possibilidade de antecipar o projeto de ter filhos, o que possivelmente não aconteceria se ambos fossem mais jovens.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que entre 60 e 80 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentem dificuldades na concretização do projeto parental, e calcula-se que esse índice atinja aproximadamente 20% dos casais em idade reprodutiva (Farinati et al., 2006).

Hoje a medicina propicia que você tenha o primeiro filho já numa idade um pouco mais avançada, tem uma colega minha do trabalho que tá gravida, tá com 39, acho que essa é uma tendência hoje, a gente vai esticando até onde pode. Tem muito pai por aí que parece até avô do filho [risos] mas a gente não gostaria de adiar mais por conta da idade, porque li recentemente que a cada ano que passa, que você fica mais velho, aumenta a probabilidade da gestação não ser tão tranquila, sem nenhum problema (Homem 3).

Desejar ter filhos, mas se deparar com uma impossibilidade, pode produzir uma ampla gama de sentimentos, esse aspecto é referenciado pelos sujeitos deste estudo quando se imaginam nesta situação. A possibilidade de enfrentar uma gestação problemática, ou ainda, deparar-se com a infertilidade, parece ser uma angústia que tem levado os sujeitos a não tardar ainda mais o projeto de ter filhos na atualidade.

 

Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo investigar os fatores envolvidos no adiamento do projeto de ter filho na atualidade. Nesse sentido, vale pontuar que o projeto parental, o desejo de ter filhos e a procriação, que até as décadas de 1950 e 1960 não eram uma escolha, sofreram significativas mudanças ao longo do tempo.

Através do discurso dos participantes deste estudo pôde-se observar que ainda hoje existe uma pressão social muito grande para que todo adulto casado tenha filhos. Diversos fatores, contudo, levam os casais a se questionar sobre o projeto de ter filhos na atualidade. Dentre eles, o aumento do nascimento de crianças com malformação parece ser uma das influências para tardar a decisão de ter filhos. Cabe analisar, entretanto, acerca do período em que este estudo foi desenvolvido, período no qual a população brasileira vivenciava uma epidemia do vírus Zika. Frente a esse fato, considerou-se natural que preocupações relacionadas a este aspecto se mostrassem presentes.

Outros aspectos também mostraram ter influência na decisão de postergar a parentalidade, tais como, a demora na conquista de melhor estabilidade financeira e as exigências do mercado de trabalho que impõem o constante investimento pessoal em capacitação e cursos de formação superior. Cabe lembrar que ter um filho requer certo afastamento destas atividades, ainda que momentaneamente, em especial para a mulher. Assim, conciliar o investimento profissional com a maternidade/paternidade implica em reorganizações para as quais, muitas vezes, os membros do casal se questionam sobre estarem preparados.

Neste viés, observou-se que a chegada de uma criança é relacionada à perda da autonomia e da liberdade dos cônjuges, que na atualidade têm outras ambições, pessoais e profissionais, que parecem se desvincular da parentalidade. Constatou, desse modo, que a opção de poder escolher ter filhos ou não, gera sentimentos ambíguos aos membros do casal que, ao mesmo tempo que desejam ter filhos, não deixam de considerar as demandas que o exercício parental lhes traria.

É através dos cuidados com os animais de estimação que o casal sem filhos tem a possibilidade de imaginar como seria a relação a dois, com a presença de uma criança. Desse modo, observou-se que ter um animal de estimação, e assumir as responsabilidades inerentes ao cuidado deste, é considerado uma preparação para a parentalidade e além disso, percebido como uma tarefa bastante árdua. Outro aspecto que também é percebido como motivador para o adiamento do projeto de ter filhos na atualidade, refere-se à falta de uma rede de apoio que auxilie os casais nos cuidados inerentes à parentalidade.

Assim como se pôde observar a existência de fatores que contribuem para a postergação da parentalidade, percebeu-se que existem elementos que levam os casais a repensar sobre o adiamento do projeto de ter filhos. Neste sentido, constatou-se que a idade biológica da mulher é um importante fator que acaba influenciando na decisão dos casais atuais de não postergar, ainda mais, o projeto parental. Além disso, o avanço da idade, tanto do homem quanto da mulher, leva os casais a refletirem sobre a possibilidade de ter filhos antes, o que possivelmente não aconteceria se ambos fossem mais jovens.

Cabe considerar que os achados encontrados neste estudo se referem aos segmentos médios da população, sendo este segmento talvez, o que mais anseie por estabilidade financeira, e do mesmo modo, o que mais invista em formação superior. Os resultados apresentados neste estudo possivelmente não se aplicam aos segmentos socioeconômicos mais baixos da sociedade. Tais segmentos, dentre outros aspectos, por exemplo, contam com maiores redes sociais de apoio como vizinhos, para auxiliar no suporte as crianças (Carvalho et al., 2012), diferentemente de sujeitos pertencentes aos segmentos médios, conforme já discutido. Além disso o número de jovens de baixa renda que concluem o ensino superior ainda é menor do que o de jovens de média renda (Osorio, 2009), que conforme já pontuado, permanecem investindo em formação acadêmica por um longo período. Desse modo, sugere-se que novas pesquisas que se proponham a investigar a mesma temática, possam buscar estudar sujeitos de outros segmentos socioeconômicos.

Outro aspecto, que merece reflexão, refere-se ao fato de que talvez, casais que optem por não ter filhos, ou adiem o projeto parental, tenham maior qualidade no relacionamento conjugal. Considerando-se que a chegada de um filho provoca intensas mudanças no relacionamento a dois e que, durante um período, as necessidades da criança precisam ser priorizadas, há de se considerar que tal situação pode acarretar um declínio na satisfação conjugal.

Por fim, cabe salientar a limitação teórica deste estudo, na medida em que se encontrou uma carência de pesquisas nacionais abordando o adiamento do projeto parental na perspectiva do casal. A maior parte dos estudos brasileiros investiga o adiamento da maternidade, discutindo em especial a perspectiva da mulher sobre essa questão. Com isso, sugere-se também que novos estudos enfatizando a perspectiva do casal possam ser desenvolvidos.

A carência teórica encontrada evidencia a importância da produção científica acerca desta temática. Por esta razão, os resultados e a discussão aqui apresentados buscam avançar em termos de conhecimento científico, mostrando-se importantes na contribuição para o trabalho de profissionais da área da saúde que atuam com famílias e casais.

 

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Submetido: 29/11/2016
Aceito: 30/06/2017

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