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Contextos Clínicos

versión impresa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.11 no.3 São Leopoldo sept./dic. 2018

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2018.113.08 

ARTIGOS

 

Cuidadores informais de familiares com Alzheimer: vivências e significados em homens

 

Informal male family caregivers of patients with Alzheimer's disease: the experiences and the significance for men

 

 

Marcos Lameira MoreiraI; Julia S.N.F. Bucher-MaluschkeII; Jonas Carvalho e SilvaII; Deusivania Vieira da S. FalcãoIII

IUniversidade Católica de Brasília. QS 7, 71966-700, Taguatinga, Brasília, DF, Brasil. lameira.marcos@gmail.com
IIUniversidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC - Ala Sul, Bloco A, Térreo, 70910-900 Brasília, DF, Brasil. Centro Universitário de Brasília. SEPN 707/907, Via W5 Norte, Asa Norte, 70790-075, Brasília, DF, Brasil. psibucher@gmail.com, carvalho707@gmail.com
IIIUniversidade de São Paulo. Rua Arlindo Béttio, 1000, Vila Guaraciaba, 03828-000, São Paulo, SP, Brasil. deusivaniafalcao@gmail.com

 

 


RESUMO

Em face ao aumento da população idosa, o pequeno número de cuidadores homens informais na assistência ao paciente com a doença de Alzheimer (DA) demanda estudos científicos para compreender a dinâmica e o funcionamento do cuidado. Este estudo objetivou caracterizar os cuidadores informais e identificar as motivações, o contexto e o nível de sobrecarga do cuidador na relação com o paciente e a família. Os instrumentos foram: (a) um questionário sociodemográfico, para identificar o perfil do cuidador; (b) a realização de entrevistas semiestruturadas; e (c) o protocolo Zarit Burden Interview (ZBI). Os participantes foram selecionados no banco de dados dos cuidadores e acompanhantes dos pacientes de Alzheimer na Unidade Mista de Saúde de Taguatinga (DF) (UMT). O protocolo corroborou com o estado da arte e apontou níveis moderados de sobrecarga. As transcrições das narrativas foram agrupadas e interpretadas nas categorias contexto, motivações, vivências diante do papel de cuidar e cuidador homem. Constatou-se que a DA provoca mudanças na rotina que podem acarretar inflexibilidade no tempo. O apoio da família, dos amigos e a reciprocidade simbólica de gratidão entre o paciente e cuidador facilitam o trabalho.

Palavras-chave: doença de Alzheimer, idoso, cuidador homem.


ABSTRACT

In the light of an increase of the elderly population, the small numbers of male informal caregivers assisting patients with Alzheimer's disease (AD) demand scientific studies to understand the dynamics and the functioning of this type of care. This study aimed to characterize the informal caregivers and identify their possible motivations and contexts as well as stress levels in the relationship with the patients and their families. The instruments used were: (a) a sociodemographic questionnaire to identify the caregiver's profile; (b) semi-structured interviews; (c) protocol Zarit Burden Interview (ZBI). Participants were selected from the database of caregivers and companions of Alzheimer's patients at the Taguatinga's Joint Healthcare Unit (UMT). The protocol corroborated with the state of art and pointed out moderated levels of stress. The transcripts of their accounts were grouped and interpreted in the categories named as context, motivations, experiences in the role of caring and male caregiver. It was found that AD induces changes in the routine, which can bring inflexibility of time. The family and friend's support with the symbolic reciprocity of gratitude for the patient and the caregiver make the work easier.

Keywords: Alzheimer's disease, elderly, male caregiver.


 

 

Introdução

A doença de Alzheimer (DA) é o tipo mais comum de demência que se distingue por uma atrofia do cérebro, progressiva, bilateral, difusa e degenerativa que compromete a memória, o pensamento e a capacidade de tomar decisões, a atenção e outras áreas relacionadas com as funções mentais e a personalidade (Machado, 2016). A Word Alzheimer Report (ADI, 2016) assinalou que o Brasil juntamente com o Paraguai compõe a chamada América Latina tropical e poderá vir a ter o maior crescimento proporcional de pacientes com Alzheimer acima de 60 anos nos próximos 20 anos. Pelas expectativas, a população idosa com demência aumentará de 146% entre 2010 e 2030, e 428% entre 2010 e 2050. O quantitativo de pacientes com Alzheimer, portanto, crescerá de 1,05 milhão para 2,6 milhões de indivíduos em 2030, chegando a 5,54 milhões em 2050.

A DA manifesta-se progressivamente, de modo que os sintomas se iniciam lentamente e se intensificam ao longo do tempo. O ritmo que os sintomas da doença avançam varia de pessoa para pessoa e conforme a enfermidade progride, os enfermos necessitam do auxílio para a realização de várias atividades da vida diária e, consequentemente, de uma ou mais pessoas que cuidem delas (Alzheimer's Association, 2016). O cuidado pode ser executado pelos familiares, por profissionais e por instituições de saúde. Eles são denominados de acordo com os vínculos mantidos com a pessoa a quem endereçam seus cuidados, ou seja, são classificados como cuidadores formais (ex.: profissionais) e informais (ex.: familiares e amigos) (ADI, 2016; Caldas, 2002), ou cuidadores principais, secundários e terciários (Globerman, 1994; Kucmanski et al., 2016). Os primeiros tiveram a atividade oficializada pela Portaria Interministerial MS/MPAS n. 5.153, de 7 de abril (Brasil, 1999). O documento informa que o cuidador deve ser capacitado a executar cuidados básicos de higiene, proporcionar condições de alimentação, ajudar na locomoção e criar alternativas que propiciem aos pacientes aos seus cuidados melhor qualidade de vida. Nesse contexto, a atividade de cuidador de idosos é reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e do Emprego (CBO/MTE) com o código 5162-10.

A função do cuidador é normalmente assumida por uma única pessoa, que passa a ser responsável pelas tarefas de cuidado e necessidades do idoso. O perfil sociodemográfico apresenta, em geral, cuidadoras mulheres que diminuem as atividades sociais e de lazer fora de casa para se dedicar aos cuidados do familiar adoentado (Falcão et al., 2016). Em geral, a designação do papel de cuidador familiar ocorre de maneira informal e sofre influência de alguns aspectos, tais como, proximidade física e afetiva, condições financeiras (em geral, quem tem mais dinheiro pode arcar com despesas maiores e quem tem menos renda pode receber auxílio ou salário proveniente dos outros familiares para exercer a função de cuidador principal) (Tristão e dos Santos, 2015); disponibilidade de tempo ou preparo para lidar com a situação (Penning e Wu, 2015); expectativa da família de origem em relação ao cuidador, indicando a pressão familiar para ocupar esse lugar (Globerman, 1994), ou escolha do próprio enfermo (Silveira et al., 2006). Muitos cuidadores de idosos familiares acreditam que é um dever moral familiar e uma espécie de norma social a ser cumprida (ADI, 2016). Ademais, quando exercem a função como uma obrigação, os cuidadores tendem a perceber os idosos como doentes em declínio biológico. Em contrapartida, os cuidadores que compreendem suas atividades em decorrência de laços afetivos estão propensos a entender a dependência do idoso como uma regressão à infância e a tratá-lo frequentemente de maneira infantilizada.

A maior parte dos cuidadores informais não possui informação e suporte adequado à assistência ao paciente idoso, em especial àqueles com demência (Garrido e Menezes, 2004). Estes cuidados são baseados em sentimentos de forte apelo emocional, tais como, amor, piedade, altruísmo, carinho, crença na obrigação de quem tem de cuidar ou sensação de extrema dívida para com aqueles que precisam de seus cuidados (Almeida et al., 2007). Essa relação paciente-cuidador exige o reconhecimento dos possíveis fatores facilitadores e agravantes da situação do paciente com Alzheimer e cuidador informal considerado de crescente importância (Arakaki et al., 2012). A condição de bem-estar do paciente idoso é diretamente relacionada ao bem-estar do cuidador, sendo a relação inversa também verdadeira. Diante da progressão das doenças crônicas que acometem os idosos, configura-se, nesse aspecto, um fator de risco para o agravo do desgaste emocional, físico, social e até mesmo financeiro de ambos, cuidador e paciente (Santos e Pavarini, 2012). Nesse sentido, o envolvimento ou perfil, diante das responsabilidades e tarefas ocorrem nas seguintes categorias: sabotador, cuidador vítima, administrador, maternal e fugitivo (Tristão e dos Santos, 2015). Portanto, engloba questões muito complexas, com dimensões éticas, psicológicas, sociais e demográficas, que também tem seus aspectos clínicos, técnicos e comunitários.

No contexto de cuidar de uma pessoa com DA, o estresse do cuidador é considerado a troca desigual de assistência entre as pessoas que se encontram numa estreita relação com o outro, resultando em tensão percebida e fadiga no cuidador. Destarte, o estresse do cuidador não é apenas experimentado devido às mudanças fisiológicas no corpo, mas devem ser percebidas pelo cuidador (Lanque et al., 2014). Portanto, os fatores estressores primários para os cuidadores são divididos em subjetivos e objetivos. Estes vão se modificando ao longo da evolução da DA e incluem nível de dependência em AVDs (Atividade da Vida Diária) e presença de distúrbios do comportamento. Já os estressores subjetivos correspondem ao modo pelo qual os estressores objetivos são experimentados pelo cuidador (Falcão, 2012). Além desses aspectos, a pessoa cuidadora pode apresentar altos níveis de estresse por vivenciar modificações na estrutura e dinâmica familiar. Numa pesquisa realizada por Falcão et al. (2016) com filhas cuidadoras de idosos com DA, verificou-se que houve uma inversão hierárquica de papéis familiares após a doença, em que elas passaram a ter mais poder em relação às mães e aos irmãos, porém, gostariam de ter menos poder que suas mães, revelando insatisfação com o funcionamento da família.

A literatura gerontológica indica alguns modelos teóricos clássicos que estão relacionados ao desgaste do cuidador, principalmente ao estresse, como os modelos de Lazarus e Folkman (1984), Pearlin et al. (1990) e Knight e Sayegh (2010). Lazarus e Folkman (1984) destacaram que a forma como as pessoas lidam com situações estressantes, ocorrem a partir da avaliação que realizam sobre o significado que atribuem a essas situações estressantes, considerando os recursos pessoais e sociais, sendo que um determinado agente estressor pode ser estressante para um indivíduo, mas não para outro. Para o modelo geral de estresse de Pearlin et al. (1990), a experiência de cuidar pode criar tensões e sentimentos de mal-estar em diversas áreas da vida do cuidador, que são influenciadas por fatores estressores primários (relacionados às características do idoso dependente - tanto em termos objetivos como subjetivos) e secundários (refere-se mais as pressões relacionadas ao papel de cuidador). Porém, o resultado no papel de cuidador vai depender também de mediadores como recursos (pessoais, sociais e materiais) que ajudam a modificar ou regular a relação causal entre estressores e resultados. E o modelo mais recente de Knight e Sayegh (2010), enfatizou o papel das dimensões culturais e étnicas no processo de estresse e enfrentamento do cuidador, presumindo diferenças nos valores culturais que podem atingir a experiência de cuidar.

Na revisão de literatura realizada por Garcia et al. (2017), o sentimento de sobrecarga vivido pelos cuidadores familiares de idosos com a DA ocorre por diversos motivos, tais como: (a) desgastes de ordem emocional, física, econômica e psicológica; (b) o tempo do tratamento ser longo e o paciente perder gradualmente suas funções cognitivas, evoluindo para total dependência requisitando, cada vez mais, a dedicação daqueles que com ele convivem; (c) a idade mais avançada dos cuidadores, ou seja, daqueles com idade igual ou superior a 60 anos é um fator decisivo para maiores desgastes; (d) residir com o idoso e cuidar dele a maior parte do tempo; (e) dificuldades do cuidador em dividir as tarefas de cuidado com os parentes ou a ausência de revezamento com outros familiares, desencadeando pouco tempo para o autocuidado, descanso, lazer, vida afetiva, social e familiar; (f) comumente, o cuidado é realizado por apenas um membro familiar, enquanto os demais "fingem" que tudo está bem e que a doença não existe, tornando a tarefa de cuidar mais desgastante.

O cuidador informal possui importância fundamental no contexto brasileiro de assistência à saúde, pois se observa que as ações do Estado são exíguas no aspecto da saúde pública (Ramos et al., 2016). A Política Nacional de Saúde do Idoso (Brasil, 1994) apresenta um item denominado "Apoio ao desenvolvimento de cuidados informais". Nele é reforçado o estímulo para se construir modelos alternativos de cuidados, assim como, oferece orientações de suporte aos cuidadores informais de idosos. A Política enfatiza a importância de parcerias entre os cuidadores informais e os profissionais de saúde, para que ambos caminhem de forma interacional.

A literatura internacional e nacional sobre a figura dos cuidadores é extensa. Porém, há escassos dados sobre os homens cuidadores que prestam cuidados aos parentes demenciados. Nesse conetxto, o gênero tem sido descrito com uma variável crucial do estresse vivenciado no processo de cuidar de um membro familiar (Bookwala e Schulz, 2000). No geral, os homens cuidadores, comparados com as mulheres cuidadoras, apresentam níveis de estresse e depressão mais baixos e índices mais elevados de bem-estar subjetivo e de saúde física (Pinquart e Sorensen, 2006). Diante desse panorama, este estudo objetivou investigar na perspectiva de homens que cuidavam de familiares idosos com provável/possível diagnóstico da DA: (a) o nível de sobrecarga vivenciada; (b) as motivações para cuidar, bem como as; (c) vivências e atuação diante do papel de cuidar.

 

Procedimentos metodológicos

Delineamento

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, realizado na Unidade Mista de Saúde de Taguatinga (UMT), localizada na região administrativa de Taguatinga, Distrito Federal, Brasil. Esta unidade está inserida na rede pública de saúde para a prestação de serviços de atenção secundária. A UMT desenvolve o Programa de Atenção à Saúde do Idoso, com atendimento a pacientes nas áreas de geriatria e gerontologia.

Participantes

Os participantes foram cuidadores familiares de idosos com provável/possível diagnóstico da DA, pertencentes ao sexo masculino, maiores de 18 anos, inseridos no contexto de cuidado por um período superior a seis meses e dispostos a colaborar com a pesquisa, através de entrevistas gravadas e questionários. Não foram incluídos cuidadores formais e do sexo feminino. A partir dos registros de cuidadores informais da Unidade Mista de Saúde, apenas 2 (dois) atenderam aos critérios de inclusão: homens atuando por um período superior à 6 (seis) meses, sem receber honorários para a atividade de cuidador.

Instrumentos

(a) Questionário sociodemográfico: instrumento autoaplicável composto por variáveis, tais como, idade, grau de escolaridade, situação profissional e grau de parentesco. Em relação ao cuidado, o instrumento identificou o tempo de exercício como cuidador e o tempo que auxilia o idoso atualmente

(b) Entrevistas: instrumento com roteiro semiestruturado com os seguintes pontos de investigação: a relação com o paciente e familiares, reação ao diagnóstico da DA, dificuldades vivenciadas e motivações para cuidar.

(c) Zarit Burden Interview - ZBI: escala composta por 22 itens de respostas likert (0 = nunca, 1 = raramente, 2 = algumas vezes, 3 = frequentemente e 4 = sempre), que apontam os níveis de sobrecarga. Ele contempla as questões emocionais (6 itens); o tempo ao cuidado, privacidade e relações pessoais (6 itens); sentimento de medo, culpa ou receio do futuro (8 itens); finanças (1); comprometimento da autonomia nas realizações das atividades (1). Vale ressaltar que na questão 22 as opções de respostas são diferentes (0 = nem um pouco; 1 = um pouco; 2 = moderadamente; 3 = muito; 4 = extremamente). O escore da sobrecarga é obtido através da soma das frequências aferidas em cada uma das questões formuladas. É considerada sobrecarga baixa a pontuação de 0 a 20, moderada de 21 a 40, moderada a severa de 41 a 60, severa de 61 a 88. O ZBI pode ser um instrumento útil para pesquisadores e clínicos devido ao seu fácil manuseio e a extensa validação internacional, com 18 traduções, em estudos comparativos entre grupos possíveis (Van Durme et al., 2012).

Procedimentos de coleta de dados e éticos

A partir dos registros de cuidadores informais da Unidade Mista de Saúde, buscou-se identificar todos aqueles que atendessem aos critérios de inclusão. Diante de uma lista de mais de 250 (duzentos e cinqüenta) nomes, somente 3 (três) destes preenchiam os pré-requisitos. Apenas 2 (dois) foram localizados e consultados acerca de sua disponibilidade para participação no estudo. Durante o contato com os participantes explicou-se a pesquisa e após a anuência deles foi feita a leitura do TCLE e solicitada a assinatura. A coleta de dados foi feita individualmente em uma sala com ambiente fechado e sem interferência, com duração de, aproximadamente, 60 minutos e realizada por um dos autores do presente estudo. Os nomes apresentados neste artigo são fictícios.

O projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Brasília, seguindo as normas da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que trata de ética em pesquisa com seres humanos conforme constou no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos de análise dos dados

Os dados qualitativos foram analisados por meio da técnica de Bardin (2011 [1977]) e consistiu em três períodos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. As entrevistas transcritas constituiram-se o corpus da pesquisa. Na fase da pré-análise, foi feita uma leitura flutuante. Na exploração do material, obedeceu-se às regras de: (a) exaustividade - esgotando-se a totalidade da comunicação, não omitindo nem uma informação; (b) representatividade - representou-se o universo da amostra; (c) homogeneidade - os dados referiram-se ao mesmo tema, foram obtidos por técnicas iguais e aplicadas por indivíduos semelhantes; (d) pertinência - as entrevistas foram adaptadas aos objetivos da pesquisa; e (e) exclusividade - um elemento não foi classificado em mais de uma categoria. Explorou-se o material, codificando-o em função das regras supracitadas, sendo feita a escolha pela unidade temática e pela unidade de contexto, obtidas através de núcleos de sentido das falas das participantes.

Em seguida, as categorias foram definidas e classificadas de acordo com seus conteúdos. Criaram-se categorias analíticas que permitiram abarcar a totalidade das entrevistas em eixos temáticos. A análise qualitativa da informação codificada favoreceu a identificação das categorias e subcategorias, e a extração dos trechos das entrevistas correspondentes a elas. As entrevistas foram analisadas em pares A e B selecionados pela aproximação com a temática do estudo. Cada pesquisador recebeu uma ficha catalográfica, que indicou as dimensões das análises. Após a exclusão das repetições e os agrupamentos dos sentidos foram selecionadas as narrativas que evidenciaram as categorias levantadas, e posteriormente, as subcategorias. O Índice de Concordância (IC) dos registros se deu pela indicação das categorias determinadas pelo observador "A" divididas pelas concordâncias de "B" mais o número das discordâncias de ambos. O resultado da equação foi multiplicado por 100. Este índice apresenta o grau de exatidão de um dado relato ou grau de confiança no testemunho de um dado indivíduo. As categorias foram formuladas a partir da identificação nas narrativas pelos pares. Após a aplicação da fórmula de índice de concordância foi obtido o resultado. Ambos os observadores identificaram quatro concordâncias levando o IC para 100%. Já as subcategorias apresentaram o índice de 80%. O observador A identificou 15, o B 12 e, portanto, três discordâncias.

No que se refere ao ZBI todas as perguntas contidas foram pontuadas para indicar a frequência que cada afirmação afetava o cuidador. A somatória de todos os 22 itens correspondeu ao total da escala. As pontuações elevadas corresponderam a maior sobrecarga do cuidador.

 

Resultados

Foram entrevistados 2 (dois) cuidadores familiares de mulheres com provável/possível diagnóstico da DA que estavam no estágio moderado da doença. A única aproximação dos perfis foi a do sexo, os entrevistados não compartilhavam da mesma faixa etária, estado civil ou situação profissional. Além disso eles conviviam na residência do paciente e auxiliavam no tratamento antes de assumirem o papel de cuidadores. Eles se encontravam em momentos distintos do ciclo vital - um jovem com 27 anos (CN) e o outro com 63 anos (CG); o primeiro, com nível socioeconômico de baixa renda, trabalhava no período noturno para arcar com os gastos referentes aos cuidados; o segundo tinha nível socioeconômico médio, era aposentado e, portanto, tinha mais tempo disponível. Ambos possuíam o ensino médio completo se declararam católicos, sendo CG praticante até o momento que assumiu o cuidado. CN era um neto, a cuidar da avó por 1 ano e 5 meses sem a ajuda significativa de outros membros da família. CG era um genro que cuidava da sogra de forma integral por 1 ano e 9 meses com o auxílio da esposa, filhos netos e uma irmã da paciente. No geral, as horas dedicadas aos cuidados eram semelhantes entre os dois, enquanto CG possuía o auxílio da família, CN possuía a ajuda de uma empregada doméstica.

 

Avaliação da sobrecarga nos cuidadores informais

A média apontada pela escala de Zarit apresentou, o grau de sobrecarga moderado, em concordância com o ponto de corte que os insere entre 21 a 40 pontos. As Figuras 1 e 2 trazem informações que permitem digressões acerca dos dados obtidos nas respostas fornecidas. Na primeira, as frequências das respostas evidenciam maior pontuação nas respostas em CG. A segunda descreve o nível geral de sobrecarga dos cuidadores. CN obteve 28 pontos, o que o diferenciou de CG com 33. A média dos níveis foi de 30,5. As respostas não apresentaram significativa variação do nível de sobrecarga.

 

 

 

 

 

Categorias formuladas a partir das narrativas dos cuidadores

Observa-se no Quadro 1, informações acerca das categorias e subcategorias resultantes da análise de conteúdo obtida a partir das narrativas dos sujeitos. Foram elaboradas as seguintes categorias: contexto, motivações, vivências diante do papel de cuidar e cuidador homem.

 

 

Contexto

Esta categoria refere-se aos conteúdos relacionados aos aspectos social, familiar e comunitário dos cuidadores. Foi composta pelas subcategorias a seguir. A título de ilustração, após a explicação de cada uma delas, são apresentados exemplos das falas dos participantes.

Antes/Depois: com a progressão da doença de Alzheimer foram observadas alterações de comportamento e por consequência, mudanças na rotina das enfermas e dos cuidadores. "Ela gostava de passear, ela gostava de ir no mercado, fazer compra, isso e aquilo, agora não faz mais nada" (CN). "De uns cinco anos pra cá que ela vem piorando cada vez mais. Só que... sendo que ela piorou mais de um ano pra cá... ela piorou mais" (CG).

Família: nesta subcategoria, estão presentes conteúdos relacionados à história e à dinâmica da família, bem como, ao impacto da doença no sistema familiar. "[...] Meu filho, o mais velho, que tem aquele... um carinho especial, muito grande por ela" (CG). "Meu avô aprontou muito na vida e ela, ela guardou pra ela mesmo, né, acho que prejudicou ela muito isso aí" (CN).

Rede de apoio: nesta subcategoria estão presentes os conteúdos relacionados à rede de apoio dos cuidadores. "Quando sinto alguma coisa, que ela tá melhorando, piorando em alguma coisa, eu sempre comento com os... com os netos dela. Quando chega em casa, comento logo com a filha dela" (CG). "Eu falo que preciso de ajuda, isso e aquilo, mas é tipo assim, aí vem aquele caso de não tem para onde correr" (CN).

 

Motivações

Nesta categoria estão presentes conteúdos inerentes à escolha dos cuidadores dos idosos no contexto da família e aos motivos que os levaram a assumir esse papel. Seguem as subcategorias:

Gratidão: esta subcategoria é composta por verbalizações acerca do reconhecimento dos cuidadores pelas pacientes, que no passado prestaram benefícios, favores ou auxílios a eles e à família. "Meu irmão também era alcoólatra e passei por uma situação... é parecida com a dela [...]. Ela ajudou a cuidar dele também [...]. Agora eu tô retribuindo" (CG).

Lealdade: esta subcategoria abrangeu conteúdos inerentes ao compromisso dos cuidadores em relação às pacientes, ou seja, falas que demonstraram a responsabilidade, a honestidade e o respeito para com elas. "Ela sempre foi uma pessoa dez [...] Eu não tenho coragem de ver ela naquela situação e deixar pra lá" (CN). O cuidador se considera responsável pelo paciente ao perceber que não tem o apoio da família. "Segurar na pessoa igual minha avó tá, na situação que ela tá é um compromisso e um dever também. [...] Você não vai largar ela pra lá, em cima duma cama, colocar ela num asilo, só se a pessoa não tem coração né?" (CN).

Sentimento de obrigação e dever familiar: nesta subcategoria foram incluídas verbalizações relacionadas às outras razões pelas quais os cuidadores assumiram este papel, tais como, sentimento de obrigação e dever familiar. "É como se diz [...] a única pessoa que podia fazer isso por ela seria eu, no momento [...] Só tinha eu praticamente, pra fazer isso, então eu tive que assumir, fazendo com boa vontade" (CG).

 

Papel de cuidar: vivências

A terceira categoria demonstrou algumas dificuldades vivenciadas pelos cuidadores familiares ao assumirem esse papel. Seguem as subcategorias que a compõe.

Implicações: em decorrência do avanço do quadro patológico, as implicações tendem ao gradativo e inevitável cercear das atividades pessoais. "Não deixa de tirar um pouco a liberdade da gente também, porque a gente não pode pensar só na gente, tem que pensar um pouco nela também" (CG). "Eu saía, jogava futebol, saía o tempo todo, tivesse alguma festa eu ia, aniversário... agora..." (CN).

Ressentimento: esta subcategoria é composta por relatos sobre ressentimentos dos participantes, ou seja, falas que expressaram rancor ou mágoa em relação às atitudes emitidas por familiares que não conseguiram lidar com a doença. "Minha tia mesmo que morou sempre com ela, que é a filha dela, saiu fora. [...] no domingo, eu queria que ela me ajudasse, ela nunca ajudou. [...] Ou seja, minha vó perdeu o valor, né?" (CN).

Sobrecarga: esta subcategoria evidencia a condição de desgaste dos cuidadores devido à fatores, tais como, a redução do tempo para dormir, a diminuição na execução das tarefas mais simples por parte das enfermas e à atenção constante direcionada à elas. "Minha avó é a pessoa acamada, né, e a gente tem que... a gente tem que tá vinte... eu fico dezoito horas com ela, só não fico as vinte quatro horas porque seis horas eu trabalho" (CN).

 

Cuidador homem

A quinta e última categoria destacou o papel do homem enquanto cuidador. As falas emitidas pelos entrevistados refletiram o desconforto inicial deles em assumir um papel para o qual julgam não terem sido preparados. Todavia, com o passar do tempo foram se adaptando à realidade e superando as adversidades.

Autopercepção: nesta subcategoria foram identificadas a autopercepção dos homens em relação aos papéis que exerciam como cuidadores. Foram detectadas divergências em suas falas. Por um lado, observou-se um homem que, apesar do comprometimento com o bem-estar da paciente sob seus cuidados, se considerava menor diante de sua esposa enquanto cuidador. "[...] Eu sou só um estepe" (CG). Em contrapartida, o outro entrevistado demonstrou que mesmo diante da inexperiência e dificuldades enfrentadas, demonstrava maior senso de auto eficácia: "Pode botar dez mil pessoas que não vai fazer o que eu faço" (CN).

Temperamento: nesta subcategoria foram agrupados conteúdos sobre como os cuidadores e os familiares reagiam aos comportamentos e às problemáticas decorrentes das interações com as receptoras de cuidados. "Eu sou mais paciente que a filha dela [...] A Juliana é meio assim, agitada, né, agoniada, mas a gente sempre contorna..." (CG).

Superação e experiências positivas: esta subcategoria apresentou aspectos de homens que superaram padrões sociais que enquadram o papel da figura masculina na família apenas como o de provedor financeiro. Diante da necessidade de exercerem a função de cuidadores, os participantes deste estudo, buscaram informações que lhes permitiram atuar como cuidadores. Além disso, também, demonstraram aspectos positivos diante dessa experiência. "Aí como eu tô cuidando mais, ajudando minha esposa em casa, porque ela também apareceu com problema de osteoporose, e tem também o do neto, que... que tá pesado, que não dá para ela, então, esse lazer, que seria um tempo assim de lazer para ela, eu não tenho condições de levar. Mas está sendo uma experiência de vida e tenho aprendido muito" (CG). "Querendo ou não, você tem que aprender porque a gente tem que se virar só. Mas é o dia a dia que vai ensinando a gente. Eu nunca pensei que eu ia fazer o que eu faço hoje, e... eu faço de boa" (CN).

 

Discussão

A notícia do provável ou possível diagnóstico da doença de Alzheimer comumente é recebida pelos familiares com reações, tais como, raiva, tristeza, culpa e negação. Comumente, o diagnóstico e o processo demencial alteram o contexto, a dinâmica e a estrutura da família nuclear e extensa (Coelho e Diniz, 2005; Falcão et al., 2016). Diante desses desafios cada sistema familiar cria suas próprias demandas e maneiras de lidar com o sofrimento. Os recursos emocionais destas resultam de um complexo entrecruzamento de fatores, tais como, as crenças, os valores e a rede de apoio social e comunitária. Todavia, é mais complicado quando não se aceita a doença, partindo-se para pensamentos fantasiosos de que o indivíduo voltará a ser como era antes e de que não deve receber um tratamento especializado. Essa situação, além de dificultar o tratamento, pode desfavorecer a convivência com os demenciados, aumentando o estresse e os conflitos no contexto familiar.

A fala dos participantes revelou a preocupação do cuidador sobre as mudanças nas rotinas prazerosas da vida diária, anteriores ao agravamento da enfermidade. A prestação de cuidados implica na pessoa que o faz: estresse, frustrações, nervosismo, irritabilidade, inquietação, ansiedade ou ainda uma preocupação constante (Santos et al., 2011). A sobrecarga é muito presente na dinâmica dos cuidadores (Silveira et al., 2006). "Um dia que tem que ir ao médico, tem vez que é pela manhã, eu nem vou dormir, tem que chegar, tem que ir levar ela pro médico" (CN).

No geral, supõe-se que a sobrecarga do homem enquanto cuidador é tida como menor, uma vez que este comumente tem pouca participação nas responsabilidades do cuidar. Entrementes, isso deve ser desmistificado, pois, há evidências sobre as consequências negativas para eles também. É comum que os homens cuidadores tendam a expressar menos queixas físicas, não como sinônimo de um menor ou ausente impacto do cuidar, mas como dificuldades ocultas, sendo que estas não são admitidas e/ou expressas (Ribeiro e Paúl, 2006). Estudos (e.g. Larrañaga et al., 2009) mencionaram que, no íntimo familiar, o homem se sente emocionalmente atingido quando algum ente adoece, sofrendo por ele e, portanto, construindo formas próprias de cuidar. Lage (2007) considerou que o fato de os homens terem a capacidade de separar os aspectos emocionais dos instrumentais/financeiros do cuidado lhes confere um amortecedor diante da sobrecarga e do estresse ocasionados pelo papel de cuidador.

A relação de cuidado com o paciente, por meio do estímulo ou proteção de comportamentos da dinâmica familiar apresentaram condutas entendidas como negativas e ao mesmo tempo positivas pelos entrevistados. Nesse sentido, vale refletir que cuidar pode trazer ônus e bônus aos cuidadores. Apesar da sobrecarga vivenciada, os cuidadores deste estudo sinalizaram que existe uma gratificação com o papel exercido. Ademais, conforme indicaram Férnandez-Calvo et al. (2016), a relação de cuidado pode ser observada na busca de possíveis fontes de apoio ou risco à situação da paciente. Pesquisadores (Garcia et al., 2017; Paúl, 1997) indicaram algumas razões para que a prestação de cuidados se torne positiva: favorece o crescimento pessoal, a intimidade e a chance de exercer a solidariedade; a oportunidade de rever os erros do passado, reavaliar os relacionamentos e exercitar o perdão; além da felicidade de tornar mais leve o fim da vida de uma pessoa querida.

As memórias afetivas das ajudas recebidas anteriormente pelo idoso embasaram as motivações para exercer o papel de cuidar avaliadas neste estudo. Por outra via, Lewinter (2003) indicou que a personalidade do idoso e as suas expressões de gratidão e apreço para com o cuidador são fatores importantes para facilitar o desenvolvimento do trabalho junto ao paciente. Desta maneira, percebeu-se a reciprocidade simbólica atrelada a trajetória da relação vivida entre os cuidadores e as receptoras de cuidados.

A rede de suporte e o apoio socioemocional da família são considerados recursos importantes relacionados aos sentimentos de valorização pessoal e diminuição do estresse dos cuidadores. A falta de um cuidador secundário favorece a sobrecarga vivenciada. O cuidador CG demonstrou contentamento em possuir o apoio de seus familiares no ofício de cuidar. Nesses momentos, o apoio da família e dos amigos é fundamental, tanto para a pessoa com demência quanto para o cuidador primário. Já CN, na ausência de uma rede de apoio sentia um peso maior, pois teve que aprender a não depender do outro. "A minha rede principal aqui... é aqui o pessoal de casa mesmo. [...] Que é eu, a Cristina e a minha irmã, meu avô não conta" (CN). Em situações como essa, a família abdica do tempo para visitar os amigos e estes não sabem como agir diante da doença; a situação se torna incômoda e os contatos diminuem (Schulz et al., 1995). Nesse cenário, faz-se mister destacar a importância de os cuidadores conviverem não apenas com a família, mas, também, com os amigos. Pesquisadores (Wang et al., 2011) indicaram que os amigos tendem a não prover ajuda devido ao desconhecimento da doença. A falta dessas informações dificulta ainda mais o prognóstico e a maneira de lidar com o doente e com quem vive a sua volta. Deve-se se propagar conhecimentos sobre essa enfermidade para a sociedade visando a prestação de maiores esclarecimentos, diminuição de estigmas e preconceitos.

Além disso, cabe refletir sobre as implicações financeiras que envolvem o cuidador familiar e o enfermo. No presente estudo, CN que tinha nível socioeconômico de baixa renda, trabalhava no período noturno para arcar com os gastos referentes aos cuidados com a avó. Em outras pesquisas (e.g., Anjos et al., 2017) foi visto que ao assumir o cuidado, o homem cuidador familiar afasta-se do trabalho extradomicílio, o que, por conseguinte, leva à redução da renda da família e ao comprometimento de sua independência financeira. Por sua vez, CG tinha nível socioeconômico médio, era aposentado e tinha mais tempo disponível para cuidar da sogra com o auxílio da esposa, filhos netos e uma irmã da paciente. No geral, as horas dedicadas aos cuidados eram semelhantes entre os dois. Enquanto CG recebia o apoio da família, CN era auxiliado por uma empregada doméstica.

As repercussões na qualidade de vida dos participantes são prejudiciais, especialmente quando estes não possuem rede de apoio ou resiliência que lhes permitam suportar os sacrifícios. Dependendo da quantidade de fatores estressores que está exposto e da sua capacidade de enfrentamento, o estresse pode se tornar crônico, desencadeando alterações imunológicas no familiar cuidador que contribuem para o aumento da sua vulnerabilidade às doenças, além de poder acarretar alterações de suas habilidades cognitivas que, por sua vez, comprometem o cuidado prestado ao idoso, bem como o seu autocuidado (Vieira et al., 2012).

A tarefa de cuidar pode desencadear estresse físico, psicológico, falta de tempo para o lazer, sentimento de culpa e medo da doença para si (Neuman, 2014). As narrativas revelaram o estranhamento inicial vivenciado pelos homens que exerciam um papel usualmente ocupado por mulheres (Penning e Wu, 2015). Em adição às pesquisas anteriores (Pimenta et al., 2015), as falas dos entrevistados demonstraram mais sensibilidade, paciência, menores preocupações com os problemas em si e atenção com a paciente e seu bem-estar. "Então, a minha preocupação foi nesse sentido, de se preocupar mais com ela, pra ver se ela tinha uma melhor... uma melhora pra ver se continuasse uma convivência harmoniosa dentro de casa" (CG).

A essência do cuidar pode estar calcada na relação de obrigação, de gratidão e de responsabilidade pela pessoa que se encontra dependente. As decisões dos participantes em assumir o papel de cuidadores foram tomadas por eles e pelas circunstâncias da situação. Nesse contexto, a escolha do cuidador se fez por diversos motivos, dentre os quais, gratidão, lealdade, sentimento de obrigação e dever familiar, corroborando pesquisas anteriores (Thober et al., 2005; Falcão, 2006). Percebeu-se no cuidador CG uma relação de dívida paga quando estava cuidando dela. Esta noção favorecia motivação quando as dificuldades inerentes ao cuidado se apresentavam.

 

Considerações Finais

A doença de Alzheimer compromete sobremaneira a integridade física, mental e social da pessoa enferma, exigindo cuidados mais complexos e provocando mudanças na rotina familiar. O presente estudo buscou contribuir com a literatura científica sobre uma faceta pouco contemplada: a inserção do homem em um contexto de cuidado. Foram entrevistados 2 (dois) cuidadores informais de mulheres com Alzheimer que estavam no estágio moderado da doença.

Observou-se que ambos os cuidadores apresentaram um grau de sobrecarga moderado, especialmente, em virtude da vivência do processo demencial das mulheres que cuidavam. Detectou-se a importância do apoio da família e de toda a rede de suporte social para melhor lidar com a dinâmica dos desafios impostos pela doença. Nesse contexto, os principais motivos para a assunção do papel de cuidar foram gratidão, lealdade, sentimento de obrigação e dever familiar. Diante dessa missão, os cuidadores expressaram que quando confrontados com as adversidades, buscaram informações que lhes permitiram atuar como cuidadores.

Faz-se mister ressaltar a importância de se firmar uma parceria com os meios de comunicação e instituições diversas que possam disseminar conhecimentos sobre a doença, atingindo as mais diversas camadas da sociedade. Ao se divulgarem os sintomas da enfermidade, muito provavelmente aumentaria o número de pessoas que buscariam mais cedo o auxílio dos profissionais. Não obstante, destaca-se que o provável/possível diagnóstico da DA é difícil de ser dado, e, infelizmente, vários profissionais não estão preparados para atender à demanda social e familiar das pessoas acometidas por essa enfermidade.

Considerando as limitações de um estudo exploratório, destaca-se a necessidade de pesquisas com amostras maiores e novos delineamentos que favoreçam contribuições mais substanciadas acerca do fenômeno investigado.

 

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Submetido: 12/02/2017
Aceito: 03/11/2017

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