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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.12 no.1 São Leopoldo Jan./Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2019.121.08 

ARTIGOS

 

Qualidades psicométricas da versão brasileira da Escala Broad Autism Phenotype Questionnaire (BAPQ-Br)

 

Psychometric properties of Broad Autism Phenotype Questionnaire Brazilian Version (BAPQ-Br)

 

 

Lidia de Lima PrataI; Walter Camargos JuniorII; Maycoln Leôni Martins TeodoroIII; Fabio Lopes RochaIV

IClínica privada. Rua Pernambuco, 353, sala 1010, Centro,30130-150. Belo Horizonte, MG, Brasil. lidialprata@gmail.com
IIClínica privada. Rua Pernambuco, 1002, sala 701, Savassi, 30.140-151. Belo Horizonte, MG, Brasil. waltercamargos@uaivip.com.br
IIIUniversidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia: Cognição e Comportamento. Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, 31.270-901. Belo Horizonte, MG, Brasil. mlmteodoro@hotmail.com
IVInstituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Alameda Ezequiel Dias, 225, Centro, 30130-110, Belo Horizonte, MG, Brasil. rochafl@uol.com.br

 

 


RESUMO

O Broad Autism Phenotype Questionnaire (BAPQ) é um instrumento que foi desenvolvido especialmente para avaliar traços de autismo em adultos da população em geral. É fácil de ser administrado, confiável e eficiente. Este estudo teve como objetivo avaliar as qualidades psicométricas da escala de autorrelato da versão brasileira do referido instrumento (BAPQ-Br). A investigação das propriedades psicométricas da BAPQ-Br foi realizada por meio de análise fatorial exploratória, de consistência interna e da comparação entre grupos clínicos e não clínicos. Encontrou-se adequada consistência interna, em todos os fatores e na escala total. A extração dos fatores indicou três agrupamentos teoricamente consistentes com o estudo original, sendo que os itens dos fatores Interesse social e Rigidez se mantiveram todos nos mesmos domínios em ambas as versões (original e brasileira). Porém, 5 itens do fator Linguagem Pragmática apresentaram carga fatorial superior no fator Interesse Social. Foram identificadas diferenças significativas entre os pais de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e pais de crianças com síndrome de Down nos fatores Interesse Social, Linguagem Pragmática e no escore total e entre pais de crianças com TEA e pais de crianças com desenvolvimento típico no fator Interesse Social. O BAPQ-Br é um instrumento de rastreamento para fenótipo ampliado do autismo que poderá contribuir com o desenvolvimento de estudos epidemiológicos em nosso meio. Estes resultados são promissores, porém, novos estudos são necessários para continuar as pesquisas sobre as evidências de validade da BAPQ-Br.

Palavras-chave: fenótipo ampliado do autismo; análise fatorial exploratória; validade de testes.


ABSTRACT

The Broad Autism Phenotype Questionnaire (BAPQ) is an instrument that was specifically developed to assess autistic traits in adults of general population. It is reliable, efficient, and easy to administer. The objective of this study was to evaluate psychometric properties of self-report scale of the Brazilian version of this instrument (BAPQ-Br). The psychometric properties investigation of the BAPQ-Br was performed through exploratory factor analysis, internal consistency, and comparison between clinical and nonclinical groups. Adequate internal consistency was found in all factors and in the total scale. The extraction of factors indicated three-component structure theoretically consistent with the original study, and the items of Aloof and Rigidity factors have been kept in the same domains in both versions (original and Brazilian). However, 5 items of Pragmatic Language factor presented higher factorial load on Aloof factor. Parents of children with Autism Spectrum Disorder (ASD) had significant higher scores on Aloof, Pragmatic Language factors and total scores, than parents of children with Down syndrome, and significant higher scores on Aloof factor than parents of typically developing children. The BAPQ-Br is a screening tool for broad autism phenotype which may contribute to the development of epidemiological studies in our field of activity. These results are promising. However, further studies are needed to continue the research on the validity evidences of the BAPQ-Br.

Keywords: broad autism phenotype; exploratory factor analysis; test validity.


 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por alterações persistentes na comunicação social e presença de um padrão de comportamentos, atividades e interesses repetitivos, restritos e intensos (APA, 2013). As características observadas em indivíduos com TEA são bastante heterogêneas no que se refere à gravidade dos sintomas e desempenho cognitivo, sendo que, geralmente, os indivíduos com sintomas mais graves apresentam retardo mental e indivíduos com sintomas mais leves apresentam intelecto preservado. Por ser um diagnóstico dimensional, indivíduos da população em geral também apresentam comportamentos semelhantes, porém, em um nível subclínico.

O Fenótipo Ampliado do Autismo (FAA) é compreendido como uma manifestação branda de um conjunto de características qualitativamente similares às que definem a síndrome, em indivíduos não portadores do transtorno (Piven et al., 1997). A prevalência de FAA em pais de indivíduos autistas varia de 12 a 50% entre os estudos (Bolton et al., 1994; Piven et al., 1997; Bishop et al., 2004; Sasson et al., 2013). Essa variação provém da diversidade de instrumentos utilizados na avaliação e das características da amostra.

Os primeiros estudos sobre FAA em membros da família de portadores utilizaram entrevistas extensas sobre o histórico familiar (Bolton et al., 1994), estruturas de personalidade (Piven et al., 1997) e medidas padronizadas sobre o funcionamento da linguagem (Landa et al., 1992). Ao longo do tempo, foram desenvolvidos instrumentos de fácil aplicação que permitem a avaliação do fenótipo ampliado do autismo em pessoas da população em geral. Três questionários se destacam nesta avaliação: o Autism Spectrum Quotient (AQ) (Baron-Cohen et al., 2001), que possui versão para crianças, adolescentes e adultos, o Social Responsiveness Rating Scale - Adult Version (SRS-A), possui também outra versão para avaliar crianças e adolescentes (Constantino e Gruber, 2005) e o Broad Autism Phenotype Questionnaire (BPAQ) (Hurley et al., 2007) elaborado para avaliar somente adultos

Os questionários AQ e SRS-AV foram elaborados para avaliar sintomas em portadores do transtorno, mas mostraram ser capazes de avaliar traços brandos de autismo em amostras não clínicas (Baron-Cohen et al., 2001; Constantino et al., 2005). Já o Broad Autism Phenotype Questionnaire (BPAQ) (Hurley et al., 2007) é um instrumento de rastreamento que foi desenvolvido especialmente para avaliar o fenótipo ampliado do autismo em adultos da população em geral. Apesar do FAA ser considerado como um conjunto de características brandas de autismo, os autores consideram algumas diferenças relevantes entre os grupos clínico e não clínico. Por exemplo, no DSM-5, o segundo domínio "padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades" envolve movimentos motores repetitivos e padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal. Adultos da população em geral, não costumam apresentar movimentos motores repetitivos, assim como não apresentam ecolalias imediatas ou tardias, mesmo em baixa frequência. Desta forma, a rigidez excessiva no fenótipo ampliado do autismo é apresentada como uma forte preferência por rotina, como ir sempre ao mesmo restaurante, ou um desconforto em alterar a rota do trabalho, por exemplo (Piven e Sasson, 2014). Apesar de ambos os grupos (clínico e não clínico) apresentarem alto nível de rigidez, a apresentação fenotípica comportamental é diferente, e um instrumento elaborado considerando comportamentos presentes na população em geral, provavelmente será mais eficaz na avaliação do FAA do que o elaborado considerando apenas comportamentos presentes em indivíduos com TEA. Além desta vantagem, diferente dos outros questionários, o BAPQ é respondido por um informante e pelo próprio indivíduo, aumentando a confiabilidade nos resultados e é substancialmente menor (36 itens) do que os outros dois questionários (AQ: 50 itens; SRS-A: 65 itens).

Ingersoll et al. (2011), avaliaram a performance destes três instrumentos em estudantes universitários em uma amostra norte-americana (n = 680) e compararam suas propriedades psicométricas. Cada um dos questionários apresentou consistência interna satisfatória para o escore total (alfa de cronbach superior a 0.70), porém, o AQ foi menos confiável do que o BAPQ e SRS-A, visto que seus fatores apresentaram consistência interna insatisfatória (alfa de cronbach inferior a 0.70). Os autores também avaliaram, por meio de análise fatorial exploratória, as evidências de validade, especialmente a estrutura dos fatores para os três instrumentos.

Em relação ao BAPQ, os resultados confirmaram a mesma estrutura fatorial do estudo original (três dimensões). Porém, o mesmo não ocorreu com os outros dois instrumentos. O AQ, apresenta cinco fatores (Baron-Cohen et al., 2001) no estudo original e no estudo de comparação de Ingersoll et al. (2011) apresenta três. O SRS apresenta apenas um fator no estudo original (Constantino et al., 2004) e o estudo de Ingersoll et al. (2011) sugeriu três ou quatro fatores. De acordo com os autores, o BAPQ seria o melhor instrumento para avaliar o FAA, pois apresentou adequada consistência interna, a esperada distribuição dos escores, a diferença entre os sexos e replicou a estrutura fatorial mais capaz de capturar o constructo do FAA.

Visto que uma escala capaz de avaliar o fenótipo ampliado do autismo na população brasileira poderá contribuir com o desenvolvimento de estudos epidemiológicos em nosso meio, optou-se por traduzir e buscar evidências de validade da versão brasileira de autorrelato da escala Broad Autism Phenoptype Questionnaire (BAPQ). O objetivo deste estudo é avaliar a consistência interna, o agrupamento dos fatores, e comparar as médias dos escores entre os grupos de pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista, pais de crianças com síndrome de Down e pais de crianças com desenvolvimento típico, verificando se o instrumento seria capaz de captar mais traços de autismo no grupo de pais de crianças com TEA do que nos outros dois grupos.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 327 indivíduos, sendo 122 homens (37,31%) e 205 mulheres (62,69%) com idade variando entre dezessete e setenta e três anos (Média= 34,11, DP= 11,29 anos). Destes, 64 (19,6 %) eram pais de crianças com TEA, 30 (9,2 %) eram pais de crianças com síndrome de Down e 233 (71,2%) eram pessoas da população em geral. O critério de seleção amostral foi o de conveniência.

Os participantes do grupo de pais de crianças com TEA, foram recrutados no ambulatório de Transtornos Complexos do Desenvolvimento Infantil do Hospital Infantil João Paulo II, instituição vinculada à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Os participantes do grupo de pais de crianças com Síndrome de Down foram recrutados nas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Os participantes que representavam indivíduos da população em geral foram convidados em escolas públicas e particulares, instituições religiosas e universidades.

Foi selecionado uma subamostra para realizar a análise de comparação entre os grupos. Nesta subamostra foram selecionados os 64 pais de crianças com TEA, os 30 pais de crianças com Síndrome de Down e 64 pais de crianças com desenvolvimento típico.

 

Tabela 1

 

Instrumentos

Questionário de fenótipo ampliado do autismo (BAPQ, Broad Autism Phenotype Questionnaire) (Hurley et al., 2007): É uma escala do tipo likert, elaborada para avaliar traços de autismo em adultos. É dividido em três fatores com 12 itens cada, sendo eles: Interesse social, Linguagem Pragmática e Rigidez. Os participantes devem responder ao questionário de autorrelato, avaliando o grau de frequência que determinada afirmativa se aplica a ele (ex: "Eu gosto de estar com outras pessoas"). As respostas variam de 1 a 6, sendo 1 "muito raramente" e 6 "muito frequentemente". Após o preenchimento do questionário o participante deve pedir para um informante responder às mesmas perguntas com apenas a mudança do pronome. A pontuação das duas versões (autorrelato e informante) é somada e é calculado uma média para cada um dos três fatores e para o valor total. Alguns itens (1,3,7,9,12, 15, 16, 19, 21, 23, 25, 28, 30, 34, 36) apresentam escores invertidos. O BAPQ possui uma correlação interna excelente, com os coeficientes de Cronbach entre 0.85 e 0.95. A sensibilidade e especificidade em relação aos instrumentos de avaliação do FAA, Modified Personality Assessment Schedule-Revised (MPAS-R) e Pragmatic Rating Scale (PRS) foi acima de 70% para todas as três subescalas e aproximadamente 80% para a pontuação total do questionário (Hurley et al., 2007). Para evitar possíveis vieses, o protocolo de respostas entregue aos participantes é denominado de "Questionário sobre Preferências e Estilos de Personalidade", ao invés de Questionário de Fenótipo Ampliado do Autismo.

Versão brasileira do BAPQ: Para manter o mesmo significado das palavras e afirmativas foi feita uma retrotradução do questionário da seguinte maneira: duas pessoas fizeram a tradução para o português (um dos pesquisadores (LC) e uma professora de inglês com expertise no processo). As duas versões foram comparadas e escolhidos os melhores termos. Profissionais com experiência em TEA (uma psicóloga doutora em psicologia do desenvolvimento, uma fonoaudióloga mestre em ciências da saúde e um psiquiatra mestre em ciências da saúde) também ofereceram sugestões sobre os itens. Outra professora de inglês, também com expertise no processo de tradução e não conhecedora do instrumento, realizou a retrotradução. A versão retrotraduzida do questionário foi comparada com a versão original por um dos autores do instrumento (MP) e foram feitas algumas alterações até o momento em que se percebeu que o questionário estava com o mesmo sentido que o original. Após esta etapa, seis pais de indivíduos com TEA e cinco pessoas da população em geral responderam ao questionário e colaboraram com sugestões, que foram discutidas com os autores. O processo de tradução e aplicação do instrumento foi realizado de acordo com as diretrizes Internacionais para a Utilização de Testes (International Test Commission). Assim como na versão em inglês, os participantes foram convidados a preencher um questionário nomeado Questionário sobre Preferências e Estilos de Personalidade, em vez de Questionário de Fenótipo Ampliado do Autismo ou Broad Autism Phenotype Questionnaire- Br, para evitar possíveis vieses de respostas, visto que à síndrome é referida no título de forma bastante explícita. Porém, nesta pesquisa foi utilizado somente a versão de autorrelato, desta forma, não houve a versão do informante.

Procedimentos éticos

O instrumento proposto é parte de um projeto mais amplo que avalia a socialização de genitores de crianças com TEA, denominado "Habilidades sociais de pais e mães de crianças com autismo infantil". O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) (Parecer no 051/2010). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos de análise de dados

A investigação das propriedades psicométricas da BAPQ-Br foi realizada por meio de análise fatorial exploratória e de consistência interna (alfa de Cronbach). Algumas variáveis não apresentaram distribuição normal segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo as mesmas transformadas. A análise estatística foi realizada no Programa Estatístico SPSS 16.

 

Resultados

A análise fatorial exploratória foi realizada com método dos Eixos principais (Principal Axis Factoring) e rotação Oblimin. A solução para três fatores foi escolhida pela análise do gráfico de sedimentação e também por ser a estrutura original do instrumento. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 2.

A análise fatorial realizada apresentou escore de Kayse-Meyer-Olkin de 0,865 e teste de esfericidade de Bartlett significativo, indicando qualidades psicométricas razoáveis. A solução fatorial final explicou 30,03% da variância, conforme distribuição apresentada na tabela 2.

A extração dos fatores indicou três agrupamentos teoricamente consistentes com os fatores do estudo original, sendo que os itens dos fatores Interesse social e Rigidez se mantiveram todos nos mesmos domínios em ambas as versões (original e brasileira). Porém, 5 itens do fator Linguagem Pragmática apresentaram carga fatorial superior no fator Interesse Social, na versão brasileira. Na versão original, os 36 itens foram divididos em três fatores, sendo 12 itens em cada um. Na versão brasileira, 5 itens originalmente pertencentes ao fator Linguagem Pragmática, apresentaram carga fatorial superior no fator Interesse Social e também carga fatorial superior a 0,30 no fator Linguagem Pragmática.

As análises de consistência interna foram feitas por meio do alfa de Cronbach, e os resultados estão descritos na tabela 2. Considera-se para Interesse social 0,882; Rigidez 0,772; Linguagem Pragmática 0,720 e o alfa total da escala foi de 0,883. Foram avaliados os escores do alpha quando cada item é deletado. No entanto, as análises não indicaram melhora da consistência interna com a exclusão de algum item.

Para realizar as análises de correlações entre os fatores do BAPQ-Br, os escores foram invertidos, conforme a sugestão dos autores. As análises mostraram escores significativos entre todas as relações. Interesse social correlaciona-se positivamente com Linguagem Pragmática (r= 0,63, p <0,001), Linguagem Pragmática com Rigidez (r=0,44, p<0,001), e Rigidez com Interesse Social (r= 0,42, p<0,001). Todos os fatores também apresentaram correlações positivas com o escore total (Interesse Social r=856, p <0,001; Linguagem Pragmática r= 0,834, p<0,001; e Rigidez r= 0,762, p<0,001).

Foi realizada também a comparação das médias entre os grupos de pais de crianças com TEA, pais de crianças com síndrome de Down e pais de crianças com desenvolvimento típico, utilizando o teste de Bonferroni para comparação das médias, duas a duas, como pode-se observar na tabela 3.

Quanto mais alta a média, mais traços de autismo naquele fator. Os pais de crianças com TEA apresentaram escores mais altos em todos os três fatores e também no escore total. No fator Interesse Social, pais de crianças com TEA (PTEA) apresentaram médias mais altas que pais de crianças típicas (PT) ou pais de crianças com síndrome de Down (PSD). Não houve diferença entre os grupos PT e PSD. No fator Linguagem Pragmática, observa-se que não houve diferença entre os grupos PTEA e PT, nem entre os grupos PT e PSD. Porém, o grupo PTEA apresentou médias superiores que o grupo PSD. No fator Rigidez, observa-se que não houve diferença significativa entre os grupos. No escore geral, não houve diferença entre os grupos PTEA e PT, nem entre os grupos PT e PSD. Porém, o grupo PTEA apresentou médias superiores ao grupo PSD.

 

Discussão

O BAPQ foi originalmente aplicado numa amostra norte-americana (Hurley et al. 2007). Porém, pesquisadores de outros países também utilizaram este instrumento em seus estudos. Em Israel, Seidman et al. (2012) realizaram uma comparação dos escores entre pais e mães de crianças com autismo e seus resultados sugeriram que os pais são mais retraídos socialmente que as mães, e as mães são mais rígidas que os pais. No Japão, Hasegawa et al. (2014) observaram correlação entre traços de Fenótipo Ampliado do Autismo (FAA) e cognição social em mães de crianças autistas. Na China, Shi et al. (2015) verificaram que pais de crianças com TEA apresentaram mais características de FAA que pais de crianças com desenvolvimento típico. Além disso, verificaram correlação entre o FAA dos pais com as dificuldades sociais dos filhos. Na India, Meera et al. (2015) realizaram um estudo de tradução da escala e no Brasil, Endress et al. (2015) avaliaram o perfil de personalidade de genitores de crianças com autismo, identificando que os traços de personalidade retraimento social e rigidez podem corresponder às áreas de comprometimento presentes no TEA. Todas estas pesquisas utilizaram os pontos de corte sugeridos pelos autores (Hurley et al., 2007; Sasson et al., 2013) e não realizaram estudos de validação.

Godoy-Gimenez et al. (2017) traduziram o instrumento para o espanhol e avaliaram as propriedades psicométricas da versão espanhola de autorrelato do BAPQ (BAPQ-SP), em uma amostra de 349 estudantes universitários. A versão espanhola também se dividiu em três domínios conforme a escala original (Hurley et al. 2007), sendo eles Interesse Social, Linguagem Pragmática e Rigidez. Porém, os autores relatam que o domínio Linguagem Pragmática apresenta um desajuste e sugerem que o mesmo não seja utilizado para avaliar o FAA. Já os outros dois domínios apresentam evidências empíricas dando suporte à sua utilização.

O presente estudo teve como objetivo avaliar as qualidades psicométricas da escala de autorrelato da versão brasileira do questionário de fenótipo ampliado do autismo (BAPQ-Br). A solução fatorial encontrada foi semelhante à do estudo original em inglês e da versão em espanhol, ou seja, três fatores com a mesma interpretabilidade, sendo eles: Interesse Social, Linguagem Pragmática e Rigidez. Porém, no estudo original (Hurley et al., 2007) os 36 itens foram divididos em três fatores com 12 itens em cada. Essa divisão, avaliando a escala de autorrelato, se manteve no estudo de Ingersoll et al. (2011), mas não se manteve nos estudos de Sasson et al. (2013) e Godoy-Gimenez et al. (2017).

Os autores do BAPQ (Sasson et al., 2013) avaliaram as qualidades psicométricas do questionário em uma amostra ampla (n=1692) e identificaram que na versão de autorrelato, os itens 7, 10 e 11, pertencentes ao fator Linguagem Pragmática, migraram para o fator Interesse Social. Porém, na versão do informante, estes itens permaneceram no fator original. Desta forma, os autores não modificaram a estrutura do questionário.

No estudo de validação da versão em espanhol da escala de autorrelato (BAPQ-SP), ocorreu o mesmo problema. Os fatores Interesse Social e Rigidez permaneceram com seus respectivos itens, e alguns itens do fator Linguagem Pragmática migraram para Interesse Social sendo eles os itens 2, 7, 14, 17 e 20.

Na versão brasileira, 5 itens pertencentes ao fator Linguagem Pragmática, assim como nos estudos de Sasson et al. (2013) e Godoy-Gimenez et al. (2017) apresentaram cargas fatoriais mais altas no fator Interesse Social, fazendo com que primeiramente, a escala brasileira fosse dividida da seguinte forma: Interesse Social, 17 itens; Rigidez, 12 itens; e Linguagem Pragmática, 7 itens. Porém, os 5 itens que migraram de fator apresentaram também boas cargas fatoriais (superiores a 0,30) no domínio Linguagem Pragmática. Avaliando a interpretação de cada um dos itens, observa-se que os mesmos expressam melhor o constructo linguagem pragmática do que interesse social, como pode-se observar: item 2: "Eu tenho dificuldade para me expressar com naturalidade (deixar fluir)"; item 7: "Eu me sintonizo com a outra pessoa durante uma conversa"; item 10: "Eu tenho uma voz sem emoção ou monótona quando falo"; item11: "Eu tenho dificuldade de me entrosar com as pessoas nas conversas"; item 29: "Eu deixo acontecer longas pausas em minhas conversas".

Visto que na versão brasileira alguns itens migraram de fator, a proposta inicial foi a de dividir os domínios conforme a sugestão das análises fatoriais. Porém, o resultado ficou confuso, visto que o fator 1 apresentava itens sobre interação social e linguagem. Após identificar que os autores do instrumento optaram por não alterar a estrutura do questionário mesmo que alguns itens do fator Linguagem Pragmática tenham migrado para Interesse Social, optou-se por manter o instrumento brasileiro da mesma forma que o original.

Esta escolha dos autores se deve ao fato de o questionário apresentar duas versões de respostas. Na primeira, o participante responde sobre ele mesmo e na segunda, uma pessoa próxima responde sobre o participante. Os itens são os mesmos, muda-se somente o pronome (Exemplo: "Eu gosto de estar entre as pessoas", muda para "Ele gosta de estar entre as pessoas"). Os resultados são avaliados calculando-se a média dos escores das duas versões. No estudo de Sasson et al. (2013) apesar de alguns itens da versão de autorrelato terem apresentado cargas fatoriais mais altas em outro fator, quando analisada a versão do informante, todos permaneceram nos seus respectivos lugares. No presente estudo não houve retorno de relatos do informante em quantidade suficiente para se realizar a análise fatorial como sugerem os autores (Sasson et al., 2013). Desta forma, comparou-se os escores da escala de autorrelato da versão brasileira com os escores da escala de autorrelato de Sasson et al. (2013) e observou-se que os resultados foram bem semelhantes. Sendo assim, optou-se por não modificar a estrutura do instrumento mantendo cada item no seu respectivo fator, assim como fizeram os autores. Já no estudo psicométrico da versão em espanhol (Godoy-Gimenez et al., 2017), os autores sugeriram que sejam utilizadas somente as subescalas Interesse Social e Rigidez na avaliação do FAA, devido ao desajuste da escala Linguagem Pragmática.

O instrumento foi elaborado em 2007 (Hurley et al., 2007), quando os sintomas de autismo, segundo o DSM-IV, eram divididos em três domínios, sendo eles, (1) comprometimento qualitativo da interação social, (2) comprometimento qualitativo da comunicação e (3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (APA, 2002). O BAPQ foi elaborado baseando-se nessa tríade de sintomas. Porém, no DSM-5 houve fusão dos domínios referentes à socialização e comunicação (APA, 2013), visto que a comunidade científica compreende que os prejuízos de um estão intimamente relacionados com os prejuízos do outro, resultando em apenas dois domínios. Se nos estudos sobre FAA utilizando o BAPQ, o constructo linguagem pragmática se mistura com interesse social, novos estudos são necessários para identificar se esta fusão ocorre por alguma falha do instrumento original, por erros no processo de tradução e adaptação, se comunicação e socialização são constructos que se fundem em apenas um ou se são constructos distintos, porém, interdependentes.

Além da análise fatorial exploratória do BAPQ-Br, este estudo teve como objetivo verificar a média entre os grupos de pais. Os pais de crianças com TEA apresentaram as médias mais altas em todos os três domínios, porém, não foi verificado diferença estatística em todas as comparações. O resultado esperado seria que os pais de crianças com TEA tivessem médias significativamente mais altas que pais de crianças típicas e pais de crianças com síndrome de Down, assim como não era esperado diferença entre estes dois últimos subgrupos. O grupo de pais de crianças com síndrome de Down foi selecionado para esta subamostra, devido ao estresse de cuidar de uma criança com alterações no desenvolvimento. Desta forma, é comum a inclusão deste grupo para realizar comparações nos estudos de FAA em pais de crianças com TEA (Losh et al., 2008, Abreu et al., 2015).

Porém, como apresentado nos resultados, foram observadas diferenças estatísticas entre os pais de crianças típicas e pais de crianças com TEA somente no fator Interesse Social. Mas foi observada diferença entre os pais de crianças com TEA e pais de crianças com síndrome de Down nos fatores Interesse Social e Linguagem Pragmática e no escore total (no fator Rigidez a diferença apresentou um valor p =0,056). Estes resultados, sugerem necessidade de aperfeiçoamento do instrumento, visto que este foi parcialmente capaz de captar a diferença entre os grupos e também novas pesquisas com uma amostra maior.

Apesar das dificuldades encontradas em relação à migração de alguns itens do fator Linguagem Pragmática, e do fato de o instrumento não ter sido capaz de verificar a diferença estatística na comparação das médias entre o grupo de pais de crianças típicas e pais de crianças com TEA, os resultados deste estudo são promissores. Além de ter se dividido em três fatores como no estudo original, a versão brasileira do BAPQ apresentou adequada consistência interna. Desta forma, o aprimoramento deste instrumento poderá contribuir amplamente para as pesquisas sobre TEA, tanto nos estudos sobre genética quanto nos estudos que avaliam o comportamento e perfis de personalidade dos portadores do transtorno e seus familiares.

Consideramos uma limitação deste estudo, a quantidade insuficiente de questionários contendo a versão de relato do informante. Porém, de acordo com os autores, ambas as versões são válidas, apesar do relato do informante ter apresentado resultados levemente superiores em sensibilidade e especificidade (Hurley et al., 2007). Além disso, consideramos uma limitação o fato de a seleção amostral ter sido por conveniência.

A versão brasileira do BAPQ (BAPQ-Br) é um instrumento de rastreamento para FAA fácil de ser aplicado, que poderá contribuir com o desenvolvimento de estudos epidemiológicos em nosso meio. Novas pesquisas são necessárias para continuação das análises, incluindo a versão relato do informante e a determinação do ponto de corte para amostra brasileira.

 

Referências

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Submetido em: 12.08.2017
Aceito em: 07.05.2018

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