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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.12 no.3 São Leopoldo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2019.123.09 

ARTIGOS

 

Não é uma simples conversa: percepção do neonatologista sobre o vínculo mãe-bebê

 

It's not a simple conversation: perception of neonatologists on the mother-baby attachment

 

 

Jessica Gaburro Dadalto; Ana Cristina Barros da Cunha; Luciana Ferreira Monteiro

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Avenida Pedro Calmon, 550, Cidade Universitária, 21941-901, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. jessicagdadalto@gmail.com, acbcunha@yahoo.com.br, lufermont@uol.com.br

 

 


RESUMO

Com base na hipótese de que profissionais de saúde podem favorecer o vínculo mãe-bebê em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), nosso objetivo foi investigar percepções de médicos neonatologistas sobre sua prática para discutir se eles percebem seu cuidado assistencial como recurso para o vínculo materno e desenvolvimento infantil. Baseado em um delineamento descritivo qualitativo, o estudo foi conduzido com 16 neonatologistas que trabalhavam na UTIN da Maternidade Escola da UFRJ. Todos foram entrevistados individualmente e seus relatos foram analisados pela metodologia de análise de conteúdo de Bardin. Observou-se que favorecer o vínculo afetivo mãe-bebê, assim como a transmissão de informações, são atribuições que os neonatologistas reconhecem como sua função. Entretanto, nem todos percebem o vínculo afetivo relacionado ao desenvolvimento infantil futuro, enfocando a relação com a evolução imediata do bebê. Conclui-se como relevante sensibilizar neonatologistas sobre as repercussões de sua assistência para o vínculo mãe-bebê e o desenvolvimento infantil.

Palavras-chave: Vínculo mãe bebê; Desenvolvimento infantil; Neonatologista.


ABSTRACT

Based on the hypothesis that health professionals can promote the mother-baby attachment in Neonatal Intensive Care Units (NICUs), our objective was to investigate perceptions of neonatologists about their practice in order to discuss if they perceive their attending care as a resource for maternal attachment and child development. Based on a descriptive qualitative design, the study was conducted with 16 neonatologists who worked at the NICU of Maternidade Escola of UFRJ. All of them were interviewed and their verbal reports were analyzed based on the Bardin methodology of content analysis. It was observed that the supporting mother-baby attachment, as well as the transmission of information, are attributions that neonatologists recognize as their function. However, not all of them perceived the mother-baby attachment related to the future child development, focusing on its relation with the immediate evolution of the baby. We concluded that it is important to sensitize neonatologists about the repercussions of their care on the mother-infant attachment and the chid development.

Keywords: Mother-baby attachment; Child development; Neonatologist.


 

 

Introdução

A relação mãe-bebê e suas repercussões para o desenvolvimento físico e psicológico infantil é tema de estudo de diferentes autores, dentre eles J. Bowlby. Este autor compreende a relação afetuosa da díade a partir do conceito de apego, ou seja, um comportamento sócio-afetivo de busca do indivíduo por uma figura de apoio ou apego com a finalidade de manter-se em segurança (Bowlby, 1984/2002). Na perspectiva da "Teoria do Apego" a principal premissa é de que as experiências compartilhadas desde o nascimento com a figura de apego formam as bases para o desenvolvimento socioemocional e, consequentemente, para a capacidade de envolver-se em relacionamentos futuros, uma vez que essa relação inicial organiza os sentimentos, comportamentos e pensamentos frente a outro indivíduo (Bowlby, 1984/2002; Semensato e Bosa, 2014). Embora seja considerado por esta teoria que o risco ao desenvolvimento infantil é multifatorial, a figura materna é um dos elementos principais e fator mais importante para a qualidade dos relacionamentos futuros do indivíduo (Simões et al., 2013). Nesse sentido, problemáticas que afetam a constituição da experiência materna podem trazer riscos ao desenvolvimento do bebê (Beltrami et al., 2013).

Quando o nascimento é inesperado as mães podem vivenciar sentimentos de tristeza, frustração, impotência e culpa por verem suas expectativas frustradas (Anjos et al., 2012). Frente a um parto prematuro a mulher apresentará dificuldades em reconhecer-se como mãe, o que interfere na sua capacidade de identificar os sinais e as necessidades do bebê, assim como de usar uma linguagem particular para comunicar-se e estabelecer uma interação afetiva com seu filho, por meio do olhar por exemplo (Beltrami et al., 2014). Para Beltrani et al. (2012), estes aspectos são considerados eixos básicos do relacionamento mãe-filho e podem ser indicadores de risco ao desenvolvimento infantil. Igualmente para Cassiano e Linhares (2015), diferente do nascimento a termo, no caso da prematuridade pode ocorrer maior intrusividade materna, que configura risco ao desenvolvimento infantil por resultar em interações de baixo desempenho.

Ressalta-se ainda que a internação em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) é mandatória na maioria dos casos de nascimentos prematuros, quando o contato entre a mãe e o bebê passa a ser mais restrito. Devido à fragilidade emocional parental diante do nascimento inesperado ou da necessidade urgente de uma internação em UTIN, os pais passam a estabelecer com a equipe uma relação de dependência, havendo a necessidade de se sentirem autorizados por ela para que invistam em uma relação de interação afetiva com seus filhos (Wigert et al., 2013). Nestes casos, as mães, e também os pais, tornam-se mais confiantes para realizar seus papéis parentais esabelecendo uma comunicação eficiente com a equipe e são instigados a se aproximar de seu filho e se envolver nos cuidados a ele (Obeidat et al., 2009). Segundo Wigert et al. (2008), a forma como os pais são convidados a participar do cuidado do bebê internado em UTIN é um aspecto importante para o desenvolvimento do vínculo afetivo entre eles e o filho. Para tal, a equipe profissional da UTIN pode assumir um importante papel de favorecer a aproximação física e emocional entre pais e filhos (Wigert et al., 2013). Para Camilo (2007), a equipe profissional tem como função viabilizar que os pais estabeleçam uma relação afetiva e de cuidado com seus filhos, por meio de informações, apoio emocional, acolhimento e inserção da família naquele ambiente hospitalar.

Diante dos riscos iminentes ao desenvolvimento infantil e familiar que esta condição impõe, faz-se fundamental que a equipe esteja ciente do seu papel no processo de construção do vínculo afetivo entre pais e bebê, quando os médicos neonatologistas, por exemplo, devem se apropriar das condutas necessárias para favorecer esse processo no oferecimento de uma melhor assistência.

O neonatologista como favorecedor do vínculo mãe-bebê

Para todo profissional de saúde é importante estabelecer uma comunicação que favoreça sua relação com o paciente. Para tal, a capacidade de comunicação, que pode ser compreendida como um conjunto de habilidades complexas aprendidas e aprimoradas na prática e ensino acadêmico, é uma competência básica do médico (Moore et al., 2012; González e Rodriguez, 2012). A comunicação médica ideal incluiria a capacidade de ouvir a história do paciente, deixando que o mesmo expresse suas preocupações para, depois então, transmitir o diagnóstico e as possibilidades de tratamento, sempre ajustando a linguagem profissional à capacidade de compreensão do paciente (Cruz, 2012). Segundo Wigert et al. (2014) a valorização do apoio emocional como parte da comunicação médico-paciente favorece a gestão do contexto e das dificuldades vivenciadas pelos pacientes e familiares, ocasionando alívio ao sofrimento típico de condições de prematuridade, por exemplo. A comunicação, nesses moldes, é uma das principais vias para estabelecimento de uma relação de confiança entre médico e paciente.

O médico é representado como o guardião de um discurso legitimador, visto que na percepção dos pais é ele quem guarda o conhecimento capaz de garantir a cura de seus filhos (Battikha et al., 2014). O discurso médico pode, portanto, interferir nas representações inconscientes que os pais elaboram sobre seu bebê, as quais repercutirão na forma como eles se direcionam para o filho e interpretam as respostas dele, ainda que precocemente. Para Laznik (1995/2013), a forma como o médico olha e investe no bebê interfere no olhar que os pais construirão, o qual legitimará as representações deles sobre esse filho. Logo, o discurso médico acaba por refletir na dinâmica simbólica familiar e influenciar as expectativas parentais sobre o futuro do bebê, quando os pais passam a olhar para o bebê através dos olhos do profissional (Laznik, 1995/2013). Para aquela autora, ao se deixar surpreender por esse bebê e adotar um novo olhar sobre ele, os médicos fazem com que os pais também transformem suas representações sobre o filho. Isto faz com que os pais passem a se identificar com essa nova perspectiva de enxergar o bebê e se aproximem afetivamente dele.

Frente ao reconhecimento da importância da mãe para o desenvolvimento do filho e a função tão essencial atribuída ao médico por favorecer o vínculo pais-bebê através de um cuidado pautado nas preocupações acima expostas, nossa reflexão se voltou para o atendimento do neonatologista à mãe que acompanha seu filho internado em UTIN, buscando discutir como médicos neonatologistas percebem seu cuidado assistencial como dispositivo de promoção do vínculo mãe-bebê e do desenvolvimento infantil precoce. Mais especificamente, buscou-se investigar as percepções de profissionais médicos que trabalhavam em UTIN sobre sua prática assistencial no cuidado ao bebê pré-termo e sua mãe.

 

Método

Trata-se de um estudo qualitativo com delineamento de pesquisa descritiva e exploratória. Vale destacar que os estudos qualitativos apresentam uma validade pautada no reconhecimento dos próprios sujeitos envolvidos na experiência investigada, os quais fornecem descrições e interpretações para aquela realidade na qual eles vivenciam e se identificam e que podem falar com propriedade, diferente dos estudos quantitativos que encontram sua potência na fidedignidade, confiabilidade e reprodutividade (Turato, 2000). Assim, considera-se que o delineamento de pesquisa qualitativa adotado para o presente estudo contribuiu para que se pudesse compreender o fenômeno estudado (função do médico de UTIN na promoção do vínculo materno e do desenvolvimento infantil) segundo a perspectiva dos participantes da situação (médicos neonatologistas) como uma atividade investigativa que "posiciona o observador no mundo" por adotar práticas interpretativas e materiais que tornam o mundo visível, ou seja, baseado nas representações (Denzin e Lincoln, 2006).

A pesquisa foi realizada no período de junho e julho de 2016 com 16 médicos neonatologistas que prestam serviço na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) da Maternidade Escola da UFRJ. Todos os participantes prestavam assistência direta aos bebês internados nessa unidade e também à mãe. Foram incluídos na pesquisa somente os médicos que realizavam plantão diurno de segunda a sexta-feira; tendo sido excluídos aqueles que realizavam plantão noturno e nos finais de semana, visto que nesses períodos a unidade apresenta particularidades em seu funcionamento que poderiam interferir na assistência e limitar o contato do médico com a mãe face ao menor número de profissionais, sobrecarga de funções e alterações no fluxo da UTIN.

Os neonatologistas entrevistados eram predominantemente do sexo feminino, havendo apenas um homem dentre os entrevistados. A idade média do grupo era de 37 anos, com variação de 30 a 50 anos de idade. Os participantes atuavam como neonatologista em uma média de 2 instituições, com 49 horas de carga horária semanal média. O tempo médio de atuação em Neonatologia era de 14 anos. Como prática profissional, os participantes já trabalhavam em média 14 anos na assistência em UTIN.

Todos foram entrevistados usando um roteiro de entrevista do tipo semiestruturado, que foi elaborado especialmente pelas autoras com base no objetivo da pesquisa. O roteiro continha as quatro perguntas disparadoras a seguir, que foram exploradas durante a entrevista: 1) Qual a função do médico neonatologista na assistência ao binômio mãe-bebê?; 2) Descreva como você realiza o atendimento ao binômio mãe-bebê no contexto da UTIN?; 3) Como você avalia o seu atendimento à mãe nesse contexto da UTIN?; e 4) Que dificuldades e facilidades você identifica no atendimento à mãe do bebê internado em UTIN? As entrevistas, realizadas individualmente e em sala privada na própria instituição, foram agendadas com os participantes de acordo com a disponibilidade deles.

Cabe destacar que esse estudo faz parte do projeto "Trajetórias desenvolvimentais da gravidez à infância: práticas clínicas em contextos de vulnerabilidade ao desenvolvimento e saúde", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE n. 54895216.3.0000.5275). A coleta de dados foi iniciada somente após esta aprovação e a apresentação da proposta à direção do Serviço de Neonatologia. Todos assinaram um Termo de Consentimento Livre Esclarecido, quando foram apresentados à proposta do estudo, aos procedimentos da pesquisa e aos cuidados éticos relativos ao sigilo das informações prestadas e à autorização para registro em áudio das entrevistas para posterior transcrição e análise.

Para análise dos relatos verbais dos entrevistados foi utilizada a metodologia de análise de conteúdo de L. Bardin (1977). Esta metodologia consiste em decifrar o significado presente no discurso do emissor com base na criação de categorias, as quais constituem aglomerados de palavras ou frases de sentidos semelhantes oriundas da análise textual do que foi obtido por meio da entrevista (Bardin, 1977). Dessa forma, foram extraídas as seguintes categorias de análise dos relatos dos participantes: a) "Importância do vínculo mãe-bebê", que diz respeito à percepção dos médicos acerca das repercussões do vínculo mãe-bebê para o tratamento e desenvolvimento infantil; b) "Função do neonatologista", que diz respeito à compreensão dos médicos acerca da sua função no atendimento à mãe do bebê; c) "Atendimento à família", que diz respeito às atitudes dos médicos consideradas por eles relevantes para o atendimento à família, não se restringindo a mãe mas incluindo-a como membro da família; e d) "Interferências na assistência médica", que diz respeito aos aspectos percebidos pelos médicos como capazes de interferir na condução do atendimento descrito na categoria anterior. A frequência de ocorrência de cada categoria foi processada para posterior análise.

 

Resultados e discussão

Prematuridade e internação em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) são condições de risco ao desenvolvimento infantil, que tem impacto na dinâmica familiar resultando em uma desorganização psíquica própria desta situação de vulnerabilidade. Esta vulnerabilidade afeta a construção do vínculo afetivo entre mãe e bebê pré-termo internado em UTIN, quando o profissional de saúde pode ter função importante no favorecimento deste vínculo. Nessa direção, o presente estudo teve como propósito discutir como profissionais de Neonatologia, baseados na percepção de sua própria realidade profissional, analisam seu cuidado assistencial como dispositivo de promoção do vínculo materno e do desenvolvimento infantil. Para tal, os resultados encontrados serão discutidos com base no referencial teórico apresentado anteriormente, no qual o médico neonatologista é visto como um profissional que tem a função de favorecer o vínculo afetivo entre a mãe e seu bebê (Wigert et. al., 2013; Camilo, 2007). Nesse sentido, compreende-se que o discurso médico é um dos principais fatores que interferem na forma como a mãe e seu bebê irão se relacionar afetivamente e formar seu vínculo de apego, elemento fundamental para o desenvolvimento sócio afetivo infantil (Battikha et al., 2014; Bowlby, 1984/2002; Laznik, 1995/2013; Semensato e Bosa, 2014).

Com base na análise dos relatos verbais dos profissionais participantes foi possível observar, de modo geral, que os neonatologistas apresentaram diferenças na percepção e na compreensão da importância do vínculo mãe-bebê, sendo notado que nem todos consideravam a influência desse vínculo no desenvolvimento infantil tardio e acabavam por apresentar uma percepção mais imediatista das repercussões do vínculo, associando esse a evolução imediata do bebê. Apesar disso, a promoção deste vínculo é indicada como uma das atribuições que os neonatologistas reconhecem como sua função. De modo geral, verificou-se também o exercício de uma assistência sensível dosneonatologistas com intuito de minimizar o sofrimento familiar. Essa conduta pode representar a compreensão deles acerca das repercussões que sua atuação tem para a assistência à mãe e para o vínculo mãe-bebê, ainda que nos seus relatos esta ideia não estivesse diretamente relacionada com a promoção do desenvolvimento infantil. Além disso, os aspectos institucionais e as características familiares e do próprio profissional foram destacadas dentre os aspectos que interferem na assistência ao bebê internado em UTIN. Importante ressaltar que, tal análise é fruto do discurso de profissionais experientes na área de Neonatologia, tendo em vista que o grupo entrevistado possuía 14 anos em média de atuação na assistência em UTIN, cumprindo carga horária média de 49 horas semanais, o que demonstra experiência no contato com as constantes demandas das mães e bebês de UTIN.

Especificamente sobre a categoria "Importância do vínculo mãe-bebê", que se refere à percepção dos neonatologistas sobre as repercussões do vínculo afetivo mãe-bebê, 5 deles percebem que esse vínculo tem influência no desenvolvimento cognitivo infantil, assim como no desenvolvimento sócio afetivo, ou seja, na forma como a criança irá se relacionar e se expressar no futuro. Este dado converge com a afirmação de Guerra e Muñoz (2013) sobre as importantes repercussões da relação afetiva entre mãe e bebê para o desenvolvimento físico, psicológico e cognitivo infantil, como também pode ser visto neste relato: a)"É importante para várias coisas, inclusive para o desenvolvimento neurológico e da psique do bebê e da criança mais para frente" (E216).

Embasados na prática, 8 neonatologistas compreendiam que o vínculo entre mãe e filho interfere na evolução clínica do bebê durante a internação na UTIN. Esse dado aponta para a percepção de que o quadro clínico do bebê não tem apenas interferências biológicas, tal como afirma Mathelin (1999). Para esta autora, cada criança é recebida e constituída pela fala dos médicos e da família de formas diferentes, o que teria repercussões na forma como o corpo infantil reage, o que explicaria as diferenças da evolução de crianças com quadros clínicos semelhantes e receptoras do mesmo cuidado. O trecho a seguir revela um discurso que se relaciona a essa premissa:

"...com muita frequência a gente observa bebês com patologias muito parecidas que evoluem de formas muito diversas [...]clinicamente você esperaria que eles tivessem uma evolução semelhante, [...]cada indivíduo por ser único, né, vai ter respostas diferentes a uma determinada patologia, eu acredito que esse cuidado da mãe, esse contato da mãe, ele conhecia muito fortemente essa evolução" (E07)

Preocupações que o tratamento tenha continuidade, quando necessário, e que as necessidades básicas do bebê sejam garantidas no pós-alta também foram observados como relacionados ao vínculo mãe-bebê por quatro neonatologistas. Também para 2 neonatologistas esse vínculo pode ser um meio para amenizar o sofrimento materno, uma vez que um relacionamento afetivo entre mãe e bebê auxiliaria à mãe a se sentir mais capacitada para enfrentar as dificuldades resultantes da prematuridade e da internação na UTIN e ter, assim, seu sofrimento amenizado. Por outro lado, o vínculo afetivo mãe-bebê também foi percebido como um estímulo para o próprio neonatologista se sentir mais investido e motivado a realizar seu trabalho; logo, o vínculo afetivo entre mãe e bebê repercutiria no cuidado e na assistência médica profissional.

Diante disso, faz-se importante discutir a categoria "Função do neonatologista". Para esta categoria foi observado diferentes percepções dos neonatologistas entrevistados; porém, a grande maioria (n=12) percebeu como sua função favorecer a relação afetiva entre mãe e bebê, relacionado ou não a outras funções, tal como ilustra esse relato:

"Eu acho que o médico tem que auxiliar essa interação da mãe com o bebê. [...]Eu acho assim, como neonatologista, que eu tenho função de facilitar assim, essa interação da mãe com o bebê e buscar alternativas e algumas maneiras de ajudar ela, na amamentação e nos cuidados mesmo" (E14)

Concomitante a isso, grande parte dos entrevistados que atribuíam a si a função de favorecer o vínculo mãe-bebê, também se reconheciam como fonte de suporte emocional para a mãe, ainda que esta função seja percebida como dissociada da função de favorecedor do vínculo afetivo mãe-bebê. Por exemplo, para 9 entrevistados o suporte emocional, percebido como função do neonatologista, aparece vinculado à necessidade de dar apoio à mãe fragilizada emocionalmente e não associado à compreensão de que esse suporte pode favorecer a relação afetiva entre mãe e bebê, como ilustra esse relato: "...você vai tá participando, né, dessa função que é dá uma assistência, vamos dizer assim, é de conforto de determinadas situações que a gente encara no dia."(E11). Tal como ilustrado no relato a seguir, esta função pauta-se na tentativa de amenizar o sofrimento materno, não havendo a compreensão de que essa atuação também faz parte do tratamento do bebê: "...essa assistência inicial é mais uma conversa do que um tratamento propriamente" (E05)

A compreensão de que a forma como abordam as mães e transmitem as informações interferem na construção do vínculo mãe-bebê é relatada por apenas 3 neonatologistas, que percebem a comunicação médico-família como suporte para construção do vínculo afetivo, como ilustrado a seguir:

"...diminua essa angústia e eu acho que isso acaba que quando você tira as dúvidas dessa mãe, você diminui um pouco aquela expectativa e o medo que ela tem, muitas têm medo até de colocar a mão no próprio filho, eu acho que se o médico chega e acolhe essa mãe, eu acho que só tem a ganhar nessa relação aí, né, ela se aproximar mais do bebê num momento tão difícil." (E02).

Essa percepção vai ao encontro do pressuposto de que a forma como o médico é perpassado pela condição do bebê e constrói seu discurso simbólico sobre ele interfere no favorecimento da relação afetiva entre a mãe e o bebê, tal como propõe Laznik (1995/2013). Exemplo de relato que ilustra esta percepção é o seguinte:

"Então dentro da neonatologia acho que é bem diferente a relação com o bebê e você [...] dependendo do tipo de informação que você passa, da maneira como você fala, do quanto você restringe essa mãe do contato com o bebê, você interfere diretamente [no vínculo afetivo mãe-bebê]" (E12)

Dos 16 neonatologistas entrevistados, mais da metade (n=9) consideraram que a promoção do vínculo está associada ao toque e à prestação de cuidados pela mãe. Mediante essa percepção, os médicos relataram incluir a mãe na sua assistência para que ela seja capaz de prestar os cuidados básicos ao bebê. Dessa forma, os neonatologistas buscavam incentivar a mãe a interagir com seu filho, tocando e conversando com ele. Esse convite ao cuidado, relatado pelos médicos, é valorizado na literatura da área (Obeidat et al., 2009; Wigert, et al., 2014), que considera que as barreiras ao cuidado materno na UTIN interferem no desenvolvimento do vínculo afetivo mãe-bebê. A inclusão da mãe no cenário da UTIN, destacada pelos neonatologistas é, portanto, viabilizadora do processo de construção e de consolidação do vínculo afetivo, também é uma prática adotada na instituição estudada, tal como destacado nesse trecho:

"A gente tenta sempre, de alguma forma, envolver a mãe no cuidado do bebê, pra que esse distanciamento não aconteça, às vezes, é mínimo esse tipo. segurar uma seringa na hora que tá fazendo a gavagem, a mãe tá fazendo alguma coisa, senão ela se sente na verdade incapaz em relação ao cuidado do bebê dela" (E09)

Esses dados revelam a compreensão dos neonatologistas de que o vínculo afetivo se faz por meio do contato físico mãe-bebê, o que respalda uma assistência humanizada que valorize a aproximação entre os membros da díade. Por outro lado, a percepção de que esse vínculo também pode ser viabilizado na comunicação médica das informações clínicas sobre o bebê mostra-se ainda pouco disseminada entre os neonatologistas, já que foi identificado nos relatos de apenas 3 dos 16 entrevistados. Para esses, a forma como abordam e conversam com a mãe tem interferências no vínculo afetivo mãe-bebê.

Na categoria "Atendimento à família", os relatos verbais não se restringiram a assistência à mãe. Os neonatologistas compreendem a mãe como membro da família, referindo uma assistência que não é exclusiva a ela, mas sim que a inclui como parte de uma dinâmica e contexto familiar do bebê ali internado. Para todos os neonatologistas o contexto da UTIN representa um ambiente de instabilidades clínicas e emocionais que têm impacto na vivência de toda família. Como a família vivencia a internação na UTIN e como ela é afetada emocionalmente pelo quadro clínico do bebê é tema já discutido na literatura (Santos e Silva, 2006; Beltrami et al., 2014; Cassiano e Linhares, 2015). A forma como a família enfrenta esta situação de vulnerabilidade facilita ou não a comunicação médica, já que o médico buscará sempre individualizar e personalizar o atendimento. Diante da vivência familiar, o médico se preocupa em ajustar a linguagem e a forma de se comunicar com a mãe e familiares. Por meio dessa conduta busca-se também não causar mais sofrimento à família, pois quando os familiares compreendem mais claramente o diagnóstico poderão agir de forma coerente com o que foi informado, ajudando no tratamento. Tom de voz e expressões sensíveis para fornecer as informações de forma a amenizar o sofrimento da família é uma prática que foi observada nos relatos analisados:

"A gente lida com momento de fragilidade e delicadeza das famílias, muito mais do que da mãe até. A gente entra naquela família com notícias pesadas, com informações duras, de coisas que essas mulheres não estavam planejando [...] Então eu acredito que a gente tem uma abordagem que tem que ser muito diferenciada das dos outros profissionais da área de saúde, porque em pediatria você não tá esperando a morte né?" (E15)

Frente a um contexto que reconhecem como de fragilidade emocional e de instabilidade clínica foi observado a preocupação dos neonatologistas em realizar um atendimento que prepare a família para as piores notícias. Essa preocupação torna-se ainda mais preponderante diante da instabilidade e da gravidade de alguns quadros clínicos observados na UTIN. Nestes casos, os médicos optaram por transmitir as informações de forma mais enfática e detalhada, buscando deixar clara a existência dos riscos. Nos quadros de piora clínica, a literatura aponta que as emoções do médico e da família podem contribuir para que o médico apresente dificuldades na seleção do limite das informações, optando por dizer tudo o que está ocorrendo com a finalidade de preparar e proteger os pais, sem avaliar que aquilo que é dito pode ser demais para a família e se contrapor a tentativa de preparação (Battikha et al., 2014). O anseio em preparar a família mediante a explicação detalhada aparece também nos relatos analisados:

"Ele tem isso, isso e isso", e eu quero a mãe tenha essa consciência, eu sei que é difícil, eu sei que muitas vezes ela não vai aceitar, mas o meu discurso é que ela entenda a gravidade, que vai melhorar, que pode melhorar, mas que ela entenda o que tá acontecendo naquele momento exatamente, pra se acontecer alguma coisa e piorar, pra ela não achar que tava sendo enganada"(E10)

Ao prestarem o atendimento à família, 5 entrevistados revelaram que aguardavam pela demanda dos familiares para, então, fornecer as informações aos poucos, considerando que eles necessitam de um tempo para elaboração subjetiva da situação. Para Battikha et al. (2014), essa conduta é importante para promoção do vínculo mãe-bebê, uma vez que a informação, quando é oferecida aos poucos respeitando-se o tempo de elaboração dos pais, viabiliza a capacidade imaginativa e o investimento deles em seus filhos. O relato a seguir ilustra este tipo de conduta no grupo entrevistado:

"Então devagarzinho ela vai perguntar. E devagarzinho você vai respondendo às perguntas dela. E se você dá um monte de informação em um dia só ela não absorve nem dez por cento do que você falou. Então assim, deixa as dúvidas irem aparecendo e a gente vai liberando as informações" (E03).

Aspectos afetivos dos médicos também podem interferir no atendimento à família e devem ser considerados. Exemplo disso é a ansiedade do profissional em ser eficiente na sua comunicação, como exemplificada a seguir:

"...às vezes, aquilo pra família pode não ser bom, pode gerar confusão. Então a gente às vezes precisa conter também a nossa ansiedade de querer, principalmente pra aquela família que você tá vendo pela primeira vez e que você não conhece, às vezes, uma fala sua pode desandar um trabalho que tem sido feito" (E07).

Mesmo em situações críticas, como o óbito do bebê, os neonatologistas percebiam a necessidade de respeitar a demanda da família por informações, tal como ilustra o relato:

"Eu gosto de deixar as pessoas me fazerem a afirmação de que as coisas estão acontecendo. Assim, "o coração não está funcionando bem e nananana", mas eu nunca digo "seu bebê vai morrer" ou "seu bebê tem risco de morrer". Eu espero que eles digam, que eles me perguntem. Eu acho que quando a pessoa faz a pergunta, ou elabora a frase, ela está preparada para ouvir a resposta" (E15).

É preciso oferecer aos que recebem a notícia tempo suficiente para que eles possam assimilar o que foi escutado e, assim, expressar e moldar suas emoções (Agman et al., 2011). Assim, permite-se que eles expressem suas preocupações antes de serem comunicados sobre o diagnóstico e os aspectos do tratamento, sempre em linguagem acessível (Cruz, 2012). Não se pode esquecer que o médico representa para a família do bebê a possibilidade de cura do filho (Battikha et al., 2014).

Ainda no atendimento à família, assegurar aos pais que a equipe profissional estaria engajada e preocupada com o tratamento do bebê também foi observado no relato de 6 neonatologistas. Parte dos neonatologistas (n=7) também relataram que revelavam para os pais suas próprias impressões e sentimentos sobre a condição clínica do bebê, se sentindo confortável em dividir com eles seus próprios sentimentos frente à situação do bebê para, assim, demonstrar real interesse em um prognóstico positivo, tal como no trecho:

"Quantos casos tristes eu choro. Isso ai não me impede nada sabe, ai tem gente que fala "ah, isso é pior", não, não é pior, você simplesmente tá sendo você sabe, e você se envolveu, aquilo, né, te causou uma emoção, acho que não tem nada a ver você colocar pra fora né, você exteriorizar o teu sentimento, então eu acho que é por aí."(E01).

Compartilhar seus sentimentos de compaixão frente ao sofrimento da família contribui para a percepção familiar de que os profissionais também são afetados emocionalmente pelas condições clínicas do bebê, o que os humaniza frente a família e serve de fonte de apoio (Wigert et al.,2014).

Os aspectos que viabilizam e dificultam o atendimento descrito na categoria anterior foram discutidos com base na análise da categoria "Interferência na assistência". Nesta categoria, as características institucionais foram notadas como principal aspecto de interferência no atendimento à família, sendo citadas por 12 neonatologistas. A sobrecarga de trabalho, marcada pela reduzida quantidade de funcionários e pela superlotação da UTIN, faz com que o atendimento à família fique em segundo plano e se priorize a assistência técnica ao bebê em virtude da emergência dos casos. Esse dado já vem sendo indicado pela literatura, tal como consideram Baroni e Percora (2015) para quem a falta de tempo é fator principal que dificulta a disponibilidade do médico para conversar com o paciente e familiares.

No presente estudo, as limitações impostas pela instituição foram responsáveis por dificultar o atendimento à família e, consequentemente, a promoção do vínculo mãe-bebê, tal como ilustra o relato a seguir: "Acho que quando você está muito sobrecarregado de trabalho também. Às vezes você não consegue dispensar um tempo que seria necessário para aquela família. Essa é uma dificuldade que às vezes não tem muito por onde correr" (E16). Tais aspectos fazem com que o atendimento à família passe a ser algo secundário, no qual o tempo limitado do médico dificulta que ele convide a família a se envolver nos cuidados ao bebê (Wigert et al., 2008). Literatura na área ressalta que as barreiras ao cuidado materno na UTIN interferem na construção do vínculo afetivo entre a mãe e o bebê (Obeidat et. al., 2009; Wigert et al., 2014). Dessa forma, a implementação de estratégias que estimulem a proximidade e o contato da díade mãe-bebê tem repercussões importantes para a apropriação da mulher do seu papel de mãe, viabilizando afetivamente sua relação com o bebê (Ocampo, 2013). Vivências anteriores como já ser mãe, a internação de alguém próximo e o tempo de experiência profissional foram destacadas por 13 dos neonatologistas como aspectos que viabilizam um atendimento mais adequado à mãe e à família.

Por sua vez, o tipo de informação a ser comunicada também é retratado como algo que interfere no atendimento, segundo 11 dos neonatologistas, como exemplifica este relato: "É muito ruim você dar a notícia de uma doença grave, de uma doença possivelmente fatal, de uma doença com risco cirúrgico, isso a gente tenta fazer com cautela, com calma"(E03). Essa constatação é corroborada por autores como Santos e Silva (2006) que afirmam que, quanto mais grave o bebê e as notícias a serem transmitidas, mais delicada é a relação do médico com o paciente e sua família e, portanto, mais difícil a comunicação. A dificuldade nesse tipo de comunicado e a necessidade de fazê-lo, visto ser uma função do médico, é notada no seguinte trecho:

"Ah, vou falar da minha parte, eu tenho uma dificuldade grande de falar coisas ruins, mas não deixo de falar, entendeu? [...] não é fácil receber notícias ruins, nem dá-las né, muito complicado pra gente, talvez essa seja a pior parte do nosso trabalho, né, em dar essas notícias ruins, não tem como eu não me compadecer daquela dor..." (E02)

Características individuais dos familiares e dos próprios médicos foram citadas por 13 neonatologistas como condicionantes do atendimento familiar. Nestes relatos são destacados a personalidade e o nível social dos familiares como fatores que interferem no relacionamento médico-paciente e, consequentemente, no atendimento à família. O médico, por sua vez, reconhece que reage a essa relação com base em suas próprias características pessoais e que, por vezes, repassam o caso para um colega que estabeleceu um relacionamento mais positivo e de confiança com a família e que possui determinadas particularidades, como ilustrado a seguir:

"...eventualmente existem situações que você percebe que a família, ou o pai, ou a mãe, ou ambos, tá tendo uma postura agressiva, né [...] acho que cabe a nós reconhecer isso e não querer peitar uma né, então fala com outro colega, de repente com outro colega a coisa flui melhor, né, isso muitas vezes acontece, não é incomum não. " (E07).

A valorização do manejo dessa comunicação está atrelada à preocupação dos neonatologistas em estabelecer com a família uma relação de confiança, sendo esta vista como facilitadora para a compreensão e a aceitação das informações pelos familiares. A reflexão de que as características individuais têm influência na forma como o atendimento é prestado é notada a seguir: "Aí vai muito da personalidade de cada família né. Tem famílias mais agressivas, mais arrogantes. Então o temperamento também ajuda ou dificulta né. Manejar

isso é complicado" (E03). Dentre os neonatologistas que valorizam as características individuais como facilitadoras ou obstáculos à assistência, tem-se a ideia de que determinadas mães e famílias se adequam mais ao perfil de determinados médicos e que alguns comportamentos hostis podem ser contornados quando os familiares se sentem mais confiantes. Dessa forma, para minimizar as interferências no atendimento, os médicos adotam a prática de permitir que a família seja atendida por quem lhe gera mais conforto e segurança. Tal atitude propicia um ambiente de maior confiança para que a família se aproxime do bebê: "é difícil você fazer, você se vincular com todas as mães é muito difícil. Você vai ver que felizmente os membros da equipe acabam se vinculando com mães diferentes que por um lado é bom, porque todas ficam de alguma forma assistidas" (E09)

Vale destacar que nessa e nas outras categorias de análise emergiu a constante preocupação da equipe em propiciar um ambiente de confiança para a família. Nesse sentido, a preocupação com as questões institucionais é importante, uma vez que a relação de confiança do paciente com a própria instituição interfere na sua relação com o médico (Baronio e Pecora, 2015). O reconhecimento das características particulares de cada família, da possibilidade de a família ser assistida pelo médico com quem se sente mais à vontade e do médico em assistir a família com quem mais se identifica, contribuem para viabilizar uma relação de confiança entre médico e família.

A percepção dos neonatologistas é de que seu atendimento é fundamental. No entanto, essa percepção se pauta na interpretação dele sobre sua atuação prática, mas não necessariamente corresponde à sua prática em si. Logo, destaca-se como limitação principal do estudo aspectos de ordem metodológica, como, por exemplo, o uso da observação participante para fornecer dados que possibilitasse análises e interpretações comparativas entre a percepção e a prática propriamente dita destes profissionais. Essa observação permitiria também analisar as ações da prática médica que corresponderiam ao que o neonatologista interpretaria como relacionado à sua função como promotor do vínculo mãe-bebê. A observação seria de grande valia nesse contexto, uma vez que permitiria verificar condutas viabilizadoras do vínculo que não são notadas pelos neonatologistas como tal, assim como aquelas relatadas por eles que não necessariamente cumpririam esta função. Frente a isso, sugere-se a realização de futuros estudos que verifiquem como a assistência ao binômio mãe-bebê é efetivada e não só percebida.

Por fim, cabe destacar que o estabelecimento da confiança entre médico e paciente, a comunicação clara do diagnóstico e das possibilidades de tratamentos, e a sensibilidade às formas como o paciente interage e vivencia o contexto hospitalar, situam-se não apenas como parte do cuidado e do atendimento que devem ser valorizados e propiciados pelo médico, mas também como facilitadoras da adesão ao tratamento com efeitos imediatos ao paciente (Cruz, 2012). Todos esses aspectos foram observados no presente estudo e percebidos por todos os neonatologistas como parte do tratamento ao recém-nascido pré-termo e da assistência à família em UTIN. Por fim, ressalta-se a importância de se propor ações que sensibilizem os profissionais médicos destas unidades para adotarem uma prática assistencial em Neonatologia pautada no reconhecimento de sua função como promotores do vínculo afetivo mãe-bebê internado em UTIN, o qual é reconhecidamente um mecanismo de proteção ao desenvolvimento infantil naqueles contextos hospitalares.

 

Considerações finais

Diante do exposto é possível afirmar que os médicos neonatologistas buscam estabelecer condutas assistenciais que priorizem incluir as mães nos cuidados do bebê pré-termo internado em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). Igualmente, eles se percebem como tendo uma função importante no favorecimento do vínculo afetivo mãe-bebê e de um suporte emocional para que a mãe possa lidar com o sofrimento inerente à sua condição de fragilidade e de vulnerabilidade psicológica na UTIN. A compreensão de que esse suporte emocional e a forma como os neonatologistas percebem o bebê, falam com suas mães e lidam com a família interferem na construção desse vínculo ainda é pouco explorada no meio médico. A formação acadêmica do médico parece ainda incipiente nesse sentido, tendo em vista os relatos de alguns participantes que não percebiam claramente a sua função no favorecimento da relação e do vínculo afetivo mãe-bebê, assim como as repercussões disso para o desenvolvimento infantil.

Apesar do discurso de grande parte dos neonatologistas não estar vinculado à ideia de podem e devem assumir a função de favorecer o vínculo afetivo mãe-bebê, eles percebem a condição de fragilidade das mães e familiares e se preocupam em não causar mais sofrimento à família. Isto por si só sustenta a percepção daqueles médicos do quanto é importante e necessário uma assistência sensível e humanizada nas UTINs. Mesmo que este não seja o objetivo inicial e principal dos neonatologistas para a sua prática assistencial, suas condutas refletem, em certa medida, a preocupação em favorecer aquele vínculo afetivo, nem que seja através de uma aproximação física entre a mãe e o bebê. Destaca-se, assim, a relevância de sensibilizar médicos neonatologistas sobre as repercussões de sua assistência tanto na garantia da manutenção da vida do bebê, como, e principalmente, na facilitação da formação do vínculo mãe-bebê e do processo de constituição psíquica daquele indivíduo que acabou de nascer prematuramente. Dessa forma, esse médico estaria cumprindo também a função de prevenir as repercussões psíquicas adversas para o bebê do impacto da prematuridade sob a formação deste vínculo, assim como dos riscos de aumentar ou agravar a vulnerabilidade psicológica materna e seus desfechos para a relação inicial. Nesse cenário, o psicólogo na UTIN pode ser um importante aliado para a atuação médica, uma vez que, ciente dos processos de constituição psíquica, ele pode auxiliar a equipe de saúde a refletir sobre estes processos que suscitam maiores dificuldades no trabalho na UTIN e viabilizar o vínculo afetivo mãe-bebê com vistas a promover a saúde física e psíquica destes e da família como um todo.

 

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Submetido em: 01.09.2018
Aceito em: 06.05.2019

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